segunda-feira, 11 de outubro de 2010

A PROPÓSITO DA ATRIBUIÇÃO DO PRÉMIO NOBEL DA PAZ


CONSIDERAÇÕES PRAGMÁTICAS

A China nunca foi na sua história milenar um país agressor. Não há na história da China nada que se assemelhe ao imperialismo agressivo da Inglaterra, nada que se compare aos sonhos imperiais da França, nada que se iguale às políticas criminosas de genocídio e de busca do famigerado “Lebensraum” alemão, nem mesmo nada que faça recordar a potência imperialista dos Estados Unidos que, tendo nascido sob o signo da democracia e do isolacionismo, já fez nos suas curtas quase duas centenas e meio de anos mais guerras de agressão do que muitos impérios várias vezes centenários.
Nenhum risco de agressão militar vem da China. O mundo não corre nenhum perigo militar que tenha a China como o seu principal causador. Nem sequer há no seu discurso político algo que de perto ou de longe se assemelhe a uma ameaça latente como meio permanente de imposição política, intimidando os vizinhos e relembrando aos parceiros o poderio da sua organização militar.
Portanto, a primeira conclusão que se pode tirar é a de que o Comité designado pelo parlamento norueguês para a atribuição do prémio Nobel da Paz não pretendeu ao galardoar Liu Xiaobo marcar o contraste (e honrar) a natureza pacífica do seu comportamento político com o carácter agressivo do país de que é nacional.
No passado, outras atribuições igualmente discutíveis, como a de Andrei Sakharov em 1975, parecem ter tido como fundamento o contraste entre o discurso político antibelicista do famoso físico nuclear e aquilo a que então chamavam a “ameaça soviética”.
Tanto neste caso como no actual, o pretexto para a atribuição do Nobel foi a luta pelos direitos do homem dos galardoados. A verdade é que uma análise fria e desapaixonada do que se passou desde 1975 até hoje permite concluir que não houve, globalmente falando, nenhum real progresso em matéria de direitos do homem. Pelo contrário, em muitas regiões do mundo, a começar pela maior parte da Europa Ocidental e pelos Estados Unidos, os direitos do homem até regrediram. Por outro lado, a maior parte dos progressos registados noutras regiões do mundo têm a ver com o desenvolvimento económico dessas regiões e com a luta dos povos contra o domínio oligárquico que durante séculos os dominou. Esses progressos não têm nada a ver com o advento de políticos saídos de uma “boa colheita”, como supõe o dr. Mário Soares na sua já octagenária existência (porém, quando era novo pensava o mesmo…), mas com a luta dos povos pela sua emancipação.
Certamente que é importante, muito importante, eu poder escrever o que estou escrevendo sem correr o risco de pôr em causa a minha liberdade, o mesmo já não podendo dizer de outros aspectos igualmente relevantes que, pela sua natureza, se prestam a discriminações sempre difíceis de provar, mas que igualmente atingem os direitos do homem naquilo que eles têm de mais importante.
Todavia, quando se fala em direitos do homem não pode entender-se como espécie menor os direitos de natureza económica, social, ambiental, etc., hoje muito mais desprotegidos (nomeadamente, os económicos, os sociais e os culturais) na Europa do que estavam em 1975! E até correndo o risco de, em alguns países, desaparecerem, como ainda na última semana o grande “arauto da liberdade”, o jornal Sol, previa e advogava, no fundo dizendo com a brutalidade que lhe é habitual aquilo que outros querem silenciosamente fazer.
Sem aplaudir o comportamento das autoridades chinesas relativamente a Liu Xiaobo em tudo que tenha a ver com a liberdade de expressão e outras manifestações das liberdades individuais, não posso também louvar-me na decisão da atribuição do prémio da paz do inventor da dinamite a um cidadão que nada fez pela paz mundial. A sua luta é contra o governo chinês, uma luta igual a dezenas, a centenas de outras que existem por esse mundo fora. Lutas certamente importantes para quem as trava, mas que terão de ser decididas internamente de acordo com a vontade soberana do povo em que estão inseridas. Confundir a paz mundial com a luta de um dissidente contra o governo legítimo da China, ainda por cima um Estado pacífico, é um mau princípio e um mau exemplo.
Que garantias existem de que uma mudança de regime na China possa ser mais vantajosa para a paz mundial e para a segurança internacional? A história recente, em lugares relativamente paralelos, prova o contrário. Prova que o mundo ficou muito mais perigoso!
Os problemas que a China, tal como é, põe ao mundo, são outros, de outra natureza e, porventura, muito mais graves. Mas desses o capitalismo ocidental não quer tratar…O Ocidente ( entenda-se, aqueles que no Ocidente detêm a hegemonia) é cada vez mais a “pátria” da hipocrisia política!

3 comentários:

José Luiz Sarmento disse...

A China não é uma nação, mas muitas. O domínio exercido pelo centro sobre as periferias sempre foi imperial, imposto por via militar. Nunca quis ser um império marítimo, como a Inglaterra, mas sim um império continental, como os vários impérios alemães.

A ocupação do Tibete não tem nada de pacífica; como não tem nada de pacífica a pena de morte, a ilegalização dos sindicatos e a repressão brutal sobre as greves heróicas que os trabalhadores mais explorados do mundo têm a coragem de fazer.

Anónimo disse...

O Prémio NOBEL do inventor da dinamite conferido a um cidadão de um país onde se descobriu a pólvora..., não podia ser mais explosivo.
A China parece já ter prendido a mulher do laureado.
Se calhar a China nunca foi imperialista para além do Tibete (coisa bem lembrada pelo Senhor Sarmento) porque o seu império, quase um continente, já lhe dava trabalho bastante e matéria para se ocupar a manter essa "integridade".
O senhor Prof. Correia Pinto foi corajoso e criativo na sua "leitura" e percebi, quanto ao mais, que os países ditos "ocidentais" deveriam deixar-se de intervenções seja na Coreia, Vietnan, Afeganistão, ex-Jugoslávia, Iraque, etc. deixando a esses povos a luta para se livrarem dos seus ditadores e implantarem modelos de democracia e de liberdade aceitáveis.

Mas se assim fosse, os USA, seriam uma nação muito menos poderosa, pois que a sua economia, muito baseada na indústria de guerra, teria tb menos pujança.
José Torrão

francisco oneto disse...

O argumento de que é uma luta igual a milhões de outras e que é assunto doméstico, redunda necessariamente na crítica aos mesmos critérios que escolheram também Mandela, Aung Sun Sukyi ou Ramos Horta... O que, nesta óptica, estará então em cheque, é a natureza das decisões que levam à escolha do Nobel da Paz pelo Comité que leva o nome do dito inventor do dinamite.

Neste caso, creio que a atribuição do Nobel da Paz a um dissidente e prisioneiro de consciência chinês, tem a intenção de marcar uma barreira (simbólica que seja)face à intolerância para com os valores da Democracia - do urgente direito à liberdade de expressão, reunião e associação - e, por isso mesmo, a escolha do galardoado deste ano lê-se também como um alerta (com o apoio tácito de Obama - e bem!) que vai para além das guerras cambiais e das consequências da deslocação geoestratégica da vanguarda destruidora da besta capitalista para o Pacífico. Em suma, um aviso ao gigante asiático que, aliás, reagiu como se esperava. Não fossem eles pensar que o que todos vimos em Tiannamen e, depois, com os praticantes de Chi Kung (Falun Gong) tivesse ficado esquecido na sombra dos apertos de mão que celebram os negócios...

Saberia bem rever o espantoso filme "A Petição" de Zhao Liang, para termos bem presente os traços marcantes da ditadura chinesa...