segunda-feira, 18 de outubro de 2010

VÍTOR BENTO: O NÓ CEGO DA ECONOMIA PORTUGUESA



TARDE PIASTE E MAL!
Vítor Bento, que, como toda a gente se recorda, foi promovido no Banco de Portugal, por Constâncio, quando já não estava há vários anos ao seu serviço, vai agora publicar um livro sobre a situação da economia portuguesa e o “nó cego” que a envolve.
Doze anos depois da criação do euro e mais de duas décadas depois da adesão de Portugal ao Sistema Monetário Europeu, Vítor Bento compreendeu que a economia portuguesa tem um défice de competitividade que ele situa nos 20% (sem justificar) – curiosamente uma percentagem idêntica à que é apresentada em Espanha para a economia espanhola – resultante daquilo a que aqui, numa linguagem figurada, temos chamado a transumância.
Para quem se não recorde: “Quando chega o frio e as neves cobrem os pastos, os gados tendem a deslocar-se para as pastagens que resistem aos rigores do inverno. É um movimento pendular, que se perde na memória dos tempos, repetido durante séculos ao ritmo das estações”, que nem as novas tecnologias conseguiram eliminar completamente.
Com o capital passa-se algo de muito semelhante, sendo a União Europeia, nomeadamente a da zona euro, um excelente campo de observação deste fenómeno.
De facto, a existência de uma moeda comum em economias muito desiguais, tendo como únicas regras para a sua adopção os critérios do “Pacto de Estabilidade e Crescimento”, todos eles circunscritos a limites alcançáveis à custa das respectivas políticas nacionais, sem quaisquer outras medidas ou políticas comuns tendentes a esbater as desigualdades de partida, leva a que as economias menos competitivas vão sucessivamente abandonando as áreas onde não podem competir para se circunscreverem às áreas onde, pela própria natureza das coisas, as vantagens comparativas dos países mais competitivos não se fazem sentir.
Como tais actividades em nada contribuem para esbater as diferenças de competitividade, antes agravam a relação de troca entre as respectivas economias, a diferença de competitividade acaba por acarretar grandes desequilíbrios, desde logo entre o que se importa e o que se exporta, sendo este défice financiado com empréstimos externos, mas também entre o que se gasta e o que se ganha, défice igualmente financiado com empréstimos bancários, em última análise externos, indispensáveis para manter um nível de procura interna que, no mínimo, não faça descer a economia.
Explicando melhor: o desequilíbrio entre as economias mais competitivas e as menos competitivas dentro do mesmo espaço económico leva a que haja naquelas um excesso de liquidez que tende a ser aplicado nas economias menos competitivas, muito pouco em investimentos directos, e quase tudo em empréstimos, muitos deles sem retorno ou retorno meramente indirecto, o que torna estas economias altamente endividadas. Portanto, elas endividam-se porque compram às economias mais competitivas muito mais do que aquilo que lhes vendem e endividam-se também porque são aquelas economias que acabam por financiar uma boa parte da procura interna das economias menos competitivas - principalmente, como se tem visto, em obras públicas e no imobiliário.
É por estas razões que, para além do défice público e da respectiva dívida, existe uma gigantesca dívida privada, fundamentalmente contraída pelos bancos, que pode ocasionar as mais graves consequências.
É claro que os economistas tendem a responsabilizar os governos por esta situação. A questão é, porém, mais complexa. Certamente que os governos podem ter uma palavra nas economias abertas. Mas é uma pequena palavra. Modernamente quem age de forma determinante é o capital financeiro. Verdadeiramente é ele que escolhe as áreas onde se investe e onde se actua. E como já ficou dito os bancos não vão meter o dinheiro em sectores condenados à partida ou com pouca viabilidade. Vão privilegiar os sectores considerados seguros, qualquer que seja a prazo o resultado dessa política para a economia nacional.
O caso da Espanha (e em menor medida o de Portugal) é paradigmático. O sector da construção civil em Espanha, nomeadamente o imobiliário, atingiu proporções nunca antes vistas. Nestes últimos quinze anos gastou-se mais cimento em Espanha do que na Alemanha, na França e na Inglaterra juntos.
O resultado está à vista: criou-se uma borbulha especulativa no sector imobiliário, insuflada durante mais de uma década, as casas foram sendo vendidas a preços cada vez mais altos com juros cada vez mais baixos; as compras eram feitas a crédito, os bancos foram-se endividando cada vez mais para financiarem o sector, os altos rendimentos gerados pela construção civil inflacionaram os salários de toda a economia, aparentemente sustentados pelo crescimento, mas na hora em que a crise rebentou e os devedores deixaram de pagar, os bancos, tendo ficado com dezenas de milhares de casas que ninguém queria comprar, depararam-se com um problema de liquidez para fazer face aos seus compromissos. E tiveram que continuar a pedir dinheiro emprestado, agora já não para financiar a economia, mas para pagar as suas próprias dívidas, as quais iam por esta via aumentando.
E aquilo que parecia ser uma grande prosperidade tornou-se num grande pesadelo. A falta de competitividade que levou os agentes económicos a privilegiarem os sectores onde ela menos se fazia sentir, agravou-se ainda mais em consequência dessas mesmas opções.
Se a este panorama acrescentarmos a relação que se tem vindo a estabelecer-se no quadro da globalização entre os países desenvolvidos e os países emergentes breve se concluirá que os desequilíbrios ainda tendem a ser maiores.
Mas tudo isto demonstra também os limites de um sistema que, deixado á solta, manifesta toda a sua incorrigível irracionalidade. Daí que as medidas que se anunciam, todas elas tendentes a deixar o sistema ainda mais à solta, não resolvam qualquer problema. Assentes na sobreexploração do trabalho, elas tendem a tomar como paradigma o capitalismo da primeira revolução industrial numa época histórica que já nada tem a ver com aquele paradigma. O objectivo é criar a qualquer preço as condições que possam fazer crescer a economia e pagar as dívidas. Mas este caminho está condenado ao insucesso, como já se viu e como o futuro igualmente confirmará
A verdade é que a ofensiva está em curso e a questão que se põe é saber quando, onde e como se vai desencadear a resistência de quem já se desabituou de lutar
”.

Isto disse eu que não sou, nem quero ser, economista! Vítor Bento, que é economista, finalmente percebeu que a tal excessiva aposta naquilo a que os economistas chamam os “sectores não transaccionáveis” acaba por, no quadro de um regime de moeda única como o nosso, tornar-se num pesadelo insustentável.
O que Vítor Bento não percebeu, ou faz que não percebe, é que Estado – o tal famoso Estado neoliberal que eles defendem – só muito remotamente pode interferir nas opções económicas. Não interfere nas dos bancos, ao serviço dos quais está, e, por isso mesmo, ele próprio acaba, na estrita medida em que também é investidor, por actuar do mesmo modo nas áreas económicas que são da sua competência.
E o que Vítor Bento também omite – e aqui só pode ser de má fé – é que todo este quadro macroeconómico, ruinoso no contexto em que foi criado e desenvolvido, gerou e continua a gerar lucros fabulosos tanto para o capital financeiro, como para aquele que, encostado ao Estado ou por contra própria, investiu no mesmo tipo de actividades. E o remédio que ele agora propõe par superar o gap de competitividade é o da redução dos salários, que obviamente subiram, não por decisão de quem trabalha, mas em consequência do empolamento das “bolhas ou quase bolhas” que naquelas áreas se foram criando!
Para concluir, supondo que Vitor Bento, não obstante as suas inequívocas soluções ideológicas, está a ser sério – e há toda as razões para fazer esta ressalva já que a maioria esmagadora dos economistas do establishment que diariamente se manifesta nas televisões não o é – está – sem ofensa – a reagir como os animais. Insurge-se contra o primeiro obstáculo que à frente do seu nariz o impede de alcançar o resultado desejado. Não é pela baixa dos salários, nem tentando transformar todos os países da União Europeias em Alemanhas, um absurdo nos termos, que o problema se resolve. Aquilo a que alguns (que não sei como qualificar) orgulhosamente chamam o “governo económico da União”, expresso nos diktats punitivos da Alemanha e seus acólitos, só pode levar ao desastre.
Para esbater os profundos desequilíbrios existentes, grandes, profundas alterações têm de ocorrer dentro da zona euro, melhor dizendo dentro da União Europeia, no seu quadro jurídico-económico, refundando-a completamente. Isto para quem quer continuar a raciocinar dentro do sistema. Fora, há outras soluções…Porventura as mais eficazes…

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