terça-feira, 31 de maio de 2011

REQUIEM PELA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA



DEPUTADOS REPRESENTAM QUEM?

Nunca como nestas eleições foi tão patente a agonia em que está mergulhada a democracia representativa. Embora a democracia representativa seja alvo de múltiplas críticas, principalmente naqueles sistemas eleitorais, como o nosso, em que os deputados são eleitos em listas fechadas cuja composição é, em última instância, da exclusiva responsabilidade do aparelho partidário, maxime das suas cúpulas, nunca terá havido uma tão grande distância entre o eleitor e a maior parte dos eleitos como seguramente vai haver em consequência destas eleições

De facto, a situação que se está a viver, além das limitações e distorções próprias da democracia representativa, tem contra si o facto de a maior parte dos que vão ser eleitos irem decidir medidas sobre que não falaram uma única vez aos eleitores e de tais medidas terem sido previamente acordadas com carácter vinculativo à margem de qualquer intervenção institucional dos órgãos legítimos do Estado português.

Não só tais medidas são tacticamente silenciadas pelos seus futuros executores, como o compromisso que delas resulta foi assumido por quem não tinha qualquer legitimidade para o fazer. E todavia vinculam o futuro parlamento e o futuro governo.

As medidas são de tal modo gravosas para Portugal e para os portugueses que algumas delas até vão exigir a alteração da Constituição. Os partidos que aparentemente se guerreiam (PS/PSD/CDS) para cativarem o voto popular são os mesmos que se puseram de acordo, à margem dos órgãos legítimos do Estado, para a futura implementação das medidas que agora escondem e que resultam das “negociações” que, nas costas do povo, andaram a fazer com a troika (FMI/BCE/UE).

Muitas dessas medidas não têm nada a ver com a crise financeira em que o país está mergulhado em consequência do movimento especulativo incidente sobre a sua dívida pública. São antes medidas revanchistas, de natureza ideológica, impostas por uma direita reaccionária que vê na presente conjuntura político-económica uma excelente ocasião para fazer cair todos os pequemos entraves que ainda poderiam existir à expansão e exploração do capital privado.

E a situação já é tão escandalosa que conhecidos simpatizantes da ditadura fascista que governou Portugal durante mais de quarenta anos já vêm a público, despudoradamente, pedir limitações ou quase eliminação do direito à greve, eliminação das fontes financeiras da segurança social e a ampla revisão das leis laborais, tudo com vista a tornar o trabalho numa mercadoria que possa ser comprada por um preço irrisório.

De facto, ainda hoje Ferraz da Costa, na SIC N, acompanhado com prazer por Crespo, no seu melhor estilo de apoiante salazarista “explicava” o que tem de ser feito e depressa.

Alguém vai ter que dizer aos intérpretes desta fúria revanchista e aos seus lacaios o que vai acontecer quando as coisas mudarem – e elas hão-de mudar. Depois que não venham falar em direitos humanos nem em direitos adquiridos!


5 comentários:

Rogério G.V. Pereira disse...

O seu último parágrafo não é excessivo. Pode muito bem acontecer...

Ana Paula Fitas disse...

Amanhã lá estará, meu amigo, com destaque como sempre, justamente merecido, no Leituras Cruzadas :))
Bem-haja pela lucidez e pela esperança!
Um grande abraço!

Jorge Almeida disse...

Salvo erro, escravidão ainda é crime.

Será que nenhuma autoridade policial leva estes autênticos esclavagistas a tribunal?

Embora o conteúdo seja de mau gosto, aqui vai o link para a sua "entrevista" citada na sua mensagem:

http://sicnoticias.sapo.pt/599673

Zéfoz disse...

Embora concorde com o essencial do texto, há alguns tópicos que necessitam de uma análise mais serena e aprofundada.
Permito-me fazer transcrição, com a devida vénia.

Anónimo disse...

Tudo certo..mas..
" ...o compromisso que delas resulta foi assumido por quem não tinha qualquer legitimidade para o fazer ..". E, por exemplo, as revisões constitucionais normalmente acordadas por quem nem deputado é? Já estamos habituados
a estas facadas na legitimidade formal.

".. direita reaccionária que vê na presente conjuntura político-económica uma excelente ocasião....". Lá vão mostrando um ou outro prurido sobre a "perda de soberania" mas no fundo regozijam pela inesperada oportunidade por que esperavam há 30 e tal anos! E as culpas de quem são? É só "mérito" da direita? Hum...

As coisas vão mudar, não tenho dúvidas mas quando e como, agora que desapareceu o terror que exército vermelho, parece que sem reais motivos, infundia?
Lembro-me da reacção de Álvaro Cunhal à eleição de Ieltsin para presidente da então RSS da Rússia, considerando que se estavam a verificar retrocessos que demorariam "várias gerações" a recuperar.