segunda-feira, 19 de março de 2012

POR CÁ TUDO BEM

A SABEDORIA DO POVO

António Borges, que acaba de ser agraciado pelo Governo com mais uma compatibilidade, certamente no louvável propósito de o pôr a pagar mais impostos – que parece agora ser a justificação dos super boys – regozijava-se este fim-de-semana com o extraordinário consenso existente em Portugal sobre as medidas de “ajustamento” (como eles gostam de dizer) da economia portuguesa. E gozava com o sofrimento dos portugueses: cortaram-lhes dois ordenados, aumentaram-lhes os impostos, limitaram-lhes os direitos e o povo português num exemplo único nestes tempos que correm aceita tudo isto com sabedoria e compreensão, dando corpo com a sua atitude à formação de um amplo consenso no seio da sociedade portuguesa.

De facto, o programa da TROIKA que o Governo aplica com inexcedível zelo e não menos estúpida convicção parece gozar do tal amplo assentimento de que falava Borges. Contra, apenas os do costume. Mais ou menos o que se passava com o fascismo salazarista.

O povo na sua ancestral sabedoria acha que Gaspar, um novo Salazar – o tal mito do homem forte nas Finanças -, por mais miséria que espalhe com a sua política, por mais desemprego, falências e recessão que provoque, está a fazer o que tem de ser feito. Pôr as contas em ordem!

Que as contas sejam postas em ordem do lado dos que têm pouco ou são remediados, isso o povo também compreende. Os direitos de que o povo gozava são uma espécie de benesse tolerada ou até de ilicitude consentida. Que esses direitos se percam ou sejam limitados é normal, principalmente em tempo de crise.

Quem não os pode perder – e isso o povo compreende muito bem – é o Mexia e a EDP. Sempre viveram com grandes rendimentos e enormíssimos lucros. São coisas a que têm direito por tradição. Além de que prestam um inestimável serviço ao país: proporcionam-lhe energia eléctrica e levam-na aos lugares mais recônditos, coisa que os avós e os pais de muitos portugueses não podem deixar de enaltecer, lembrando-se e deixando o testemunho do que era a vida no “tempo deles”. Nada, portanto, que se compare com os direitos do povo que lhe foram oferecidos numa bandeja pelo MFA e pelo PCP e mais uns quantos entusiastas da Revolução que tiveram a estulta pretensão de tentar modificar este país. O que é oferecido também se pode ser perdido sem mágoa e até com muita compreensão.

Quem também os não pode perder é a GALP que acaba de aumentar os combustíveis pela 48.ª vez, já que não faria qualquer sentido que em tempo de crise uma empresa que actua num ramo tão importante da economia nacional não aumentasse os seus lucros na ordem inversa dos rendimentos do povo.

E quem também não pode perder direitos, nem deixar de aumentar os lucros são as empresas que têm parcerias público-privadas com o Estado, um exemplo de “empreendedorismo” que tem de ser mantido e continuado tanto mais que o povo com a sua imensa sabedoria compreende que sem elas não teríamos as autoestradas nem os hospitais que hoje temos.

É certo que agora apareceu um tal Jean Claude Juncker, que é - e vai deixar de ser - presidente do eurogrupo, a dizer que a política de austeridade imposta à Grécia tem sido uma estupidez e vai mergulhar os gregos num poço sem fundo. E logo Marcello Rebelo de Sousa, a voz abalizada do povo, veio dizer: “Mais vale tarde do que nunca!”.

Que ninguém pense que Marcelo estava a querer dizer ao povo que isto aqui também tem de mudar. Ele não estava a pensar em Portugal. Estava a pensar na Grécia, tanto mais que “Nós não somos a Grécia!”.

E se dúvidas houver, lá para o meio da semana aparecerá um Raul Vaz ou outro ilustre representante do povo a explicar ao dito que o tal Juncker é um despeitado e só porque vai ser substituído pelo rigoroso e competente Schäuble é que veio agora com essa conversa que não faz qualquer sentido, tanto mais que os gregos são uns “batoteiros”.

Por cá tudo bem. Muito bem até. O “ajustamento” está a fazer-se mais rapidamente do que o previsto!


2 comentários:

Luis Eme disse...

não nos percebo mesmo.

de mentiroso em mentiroso, lá vamos sendo governados, de cabeça baixa e sem grandes resmungos.

se aguentámos 48 anos uma ditadura...

mas é triste ser português.

Anónimo disse...

Pois eu penso que um dia destes ainda vamos ter romarias e preces à Stª Troika para que não ceda no memorando, porque os nossos lídimos representantes e governantes estão tratando de se eximir a umas quantas dessa medidas em troca de outras. Pensam a nata deste lodaçal: -Se o "ajustamento" se está a fazer, até mais rapidamente que o esperado, que interessa aos burocratas de 5ª ou 7ª linha que eles apertem mais aqui e folguem mais além?-
O autor não gosta mas, sendo possível, que não é, se calhar era preferível um Gauleiter à tropa fandanga deste Bloco mais ou menos descentrado. Não terei alguma razão?