segunda-feira, 11 de agosto de 2014

BES: DUAS DÚVIDAS


 

E UMA CERTEZA
 



 

Foi dada como notícia da noite a intimação do BCE (Banco Central Europeu), no dia 1 de Agosto (sexta-feira), ao BES (Banco Espírito Santo) para pagar 10 mil milhões, devidos ao Euro-sistema, até ao fecho das operações do dia 4 de Agosto (segunda-feira) e simultaneamente imputada a esta exigência do BCE a liquidação do BES nos termos que agora começam a ser conhecidos nos seus contornos essenciais. Uma notícia, diga-se, que aqui no Politeia já tinha sido adiantada na noite da passada sexta-feira por recurso às fontes então identificadas.

E é com base nela que se passou a dizer que foi por pressão do BCE que o Banco de Portugal se viu obrigado a actuar como actuou.

Não obstante a perfídia de Bruxelas, esta tese não parece sustentável. Sendo o Banco de Portugal governado por quem é – um homem do capital financeiro muito próximo do BCE – e sendo o Governo português um “aluno exemplar” de tudo o que de mais reprovável se congemina em Bruxelas, não é crível que aquela intimação do BCE tenha ocorrido sem prévia concertação com o Banco de Portugal.

A situação do BES estava a degradar-se dia após dia, hora após hora. Os meios que o Banco de Portugal, entidade na qual o Governo delegou a resolução do caso BES e por detrás do qual se tentou esconder politicamente, tinha à mão para tentar estancar a falência do BES estavam esgotados e todos os que foram usados tinham falhado se é que não agravaram a situação. Por outro lado, o Governo, escudando-se em Carlos Costa, foi demagogicamente adiantando que, acontecesse o que acontecesse, os contribuintes não seriam chamados a pagar o resgate do BES, o que estreitava ainda mais as soluções do Banco de Portugal.

É, portanto, crível que, neste contexto, Carlos Costa tenha acordado com o BCE um modo de apresentação das coisas que lhe permitisse actuar rapidamente, estancando os aspectos mais visíveis da degradação do BES e, simultaneamente, salvasse (formalmente) a face do Governo.

A reclamação do crédito do Euro-sistema em jeito de ultimato era o meio adequado para matar vários coelhos com uma cajadada. Por um lado, obrigava o Governo a pôr imediatamente em vigor a directiva comunitária – 2014/59/EU do Parlamento Europeu e do Conselho – mediante a sua transposição parcial através do DL n.º 114 –A/2014 que alterou o regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e, por outro, permitia ao Banco de Portugal resolver o problema do BES de acordo com o novo regime comunitário, de cuja aplicação Portugal se tornou  pioneiro e, simultaneamente, cobaia na Europa.

Não há dados disponíveis que permitam dizer que foi assim que as coisas se passaram. Mas é muito grande a probabilidade de assim ter sido.

Segunda questão: percebe-se pelo desenrolar dos acontecimentos que nem tudo se passou entre sexta-feira, 1 de Agosto, e segunda-feira, 4 de Agosto, embora tenha sido nesse espaço de tempo que os trabalhos se ultimaram. Tudo, seguramente, começou um pouco antes, já que até houve tempo para aconselhar certos investidores amigos a, em boa hora, se desfazerem das acções…Mas não houve tempo para tratar de tudo com o rigor exigido. E é a propósito dessa falta de tempo que se levanta a segunda dúvida: não será o DL n.º 114 –A/2014 organicamente inconstitucional?

Que este Decreto-Lei é materialmente inconstitucional ou que, pelo menos, a aplicação que dele foi feita enferma de inconstitucionalidades materiais parece já ser hoje a opinião de muita gente. Só que, além desses vícios, surge também a dúvida sobre a sua constitucionalidade orgânica.

Muito sucintamente: o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras foi aprovado pelo DL n.º 298/92 de 31 de Dezembro ao abrigo de uma autorização legislativa (Lei n.º 9/92 de 3 de Julho). Por sua vez o Decreto-Lei n.º 31- A/2012 de 10 de Fevereiro, que altera substancialmente o regime introduzido pelo DL n.º 298/92, foi igualmente aprovado ao abrigo de uma autorização legislativa (Lei n.º 58/2011 de 28 de Novembro).

Parece, portanto, à primeira vista que sendo as alterações introduzidas pelo DL n.º 114 –A/2014 ainda mais gravosas, sob aspectos que não adianta agora enumerar, que os dois diplomas anteriores (DL 298/92 e DL 31 –A/2012), relativos à regulamentação do mesmo regime jurídico, é muitíssimo provável que as alterações por ele introduzidas careçam de autorização legislativa.

Não vou estudar o assunto, obviamente, mas deixo a dúvida para quem estiver interessado em explorá-la.

Finalmente, uma certeza: só por ingenuidade ou tentativa de salvar o que não tem salvação possível se poderá dizer, relativamente ao sistema financeiro e a outros domínios em que impera o neoliberalismo, que há em Portugal, ou que parece haver, sectores fora de controlo que nós não conhecemos. Podemos não conhecer os factos em concreto, mas qualquer pessoa minimamente atenta e previdente, que não esteja empenhada em ver a regra como excepção, sabe perfeitamente ou tem obrigação de saber que tudo o que se relaciona com o grande capital (à nossa dimensão) está fora de controlo por força das políticas e dos respectivos regimes jurídicos criados ou apoiados pelo “arco da governação”.

O BES não é uma excepção, nem um acto de banditagem, como agora dizem alguns que nesse ou noutros sectores se dedicam ao mesmo ofício. O BES, o BPN, o BPP, o BANIF, o BCP, entre muitos outros por esse mundo fora, fazem parte da regra.

 

1 comentário:

Anónimo disse...

Se o novo banco pagou 3.500 milhões ao BdP (até agora bem escondidinhos de todos nós) e só recebeu 3.900 do tal fundo milagroso, como estarão os tais rácios que garantem aprovação nos testes? Será que este novo banco vai "envelhecer" mais rapidamente que o velho banco?
E já não falo dos 10.000 milhões que terá de devolver ao BCE e que têm o aval do BdP...