quarta-feira, 29 de junho de 2011

DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE O PROGRAMA DO GOVERNO


A CRENÇA NEOLIBERAL



Dizem os “avençados” das TV que o Programa do XIX Governo Constitucional demonstra uma clara vontade de “emagrecer” o Estado. É claro que há muito dinheiro mal gasto e muito desperdício, normalmente da responsabilidade daqueles que mais criticam o Estado e que dele se servem como coisa privada para alcançar os múltiplos objectivos a que a tomada do poder, na nossa “democracia constitucional”, tem invariavelmente dado lugar.

Mas aquilo a que se tem assistido nestes parcos dias de Governo é a uma intensa campanha demagógica sobre a poupança (ou a pseudo-poupança) em gastos insignificantes, como essa história de viajar em económica ou de não nomear governadores civis, e simultaneamente se preparar a privatização de empresas lucrativas, que desde sempre estiveram – e deveriam continuar a estar – na propriedade do Estado.

Aliás, sobre as privatizações conviria que o Governo começasse por cumprir o pregoado princípio da transparência, que tanto tem servido a sua propaganda, mas acerca do qual não há ainda nenhum indício de que venha a ser respeitado numa questão tão importante como a das privatizações.

Toda a gente conhece a opacidade que sempre tem norteado a política das privatizações em Portugal, tanto as feitas por Cavaco ou Durão Barroso como as da responsabilidade de Guterres ou de Sócrates.

Daí que seja mais do que legítimo perguntar: como vai ser privatizada a ANA, uma das empresas mais lucrativas do país? Vai manter-se em vigor a legislação aprovada pelo I Governo Socialista de Sócrates ou vai ser alterada? E vai haver monopólio de exploração dos aeroportos do país ou, pelo contrário, vão ser “vendidos” a retalho? E neste caso – tendo em conta, por exemplo, o interesse já manifestado por “laboriosos homens do Norte” apoiantes de Passos Coelho – quem vai ficar com os encargos financeiros de “Pedras Rubras”? E com quem ficam os aeroportos que dão prejuízo, mas que não podem deixar de existir (supõe-se), como os das ilhas ou mesmo Faro? Ficam para o contribuinte?

E quanto à TAP: tem os Governo consciência que, numa privatização a 100%, a maioria do capital e o controlo da gestão podem ir parar a mãos não comunitárias? E que se tal acontecer a empresa deixa de ser comunitária com todas as consequências que daí acarretam? E que, no caso contrário, pode ser aglutinada pela Ibéria? E o que acontece ao passivo da TAP? Quem fica responsável por ele? E será que o Estado português não é automaticamente responsável se a Empresa deixar de pertencer ao sector público?

Tudo questões que sobre as quais o Governo, em vez de andar com demagogias sobre “engordar” e “emagrecer” o Estado, deveria esclarecer os portugueses já que nenhum voto lhe concede o direito de sacrificar o interesse nacional seja no altar da ideologia neoliberal, seja, muito mais prosaicamente, para satisfazer vorazes interesses particulares.

Sobre o Programa do Governo mais duas notas. Por um lado a preocupação já manifestada de acabar com as irregularidades ou mesmo “vigarices” na concessão do rendimento mínimo garantido ou subsídio social de inserção. Nada a opor. Mas nunca se ouviu da parte daqueles que, na oposição – e que agora estão no Governo – tanta “guerra” fizeram a certas situações, uma palavra, única que fosse, sobre o controlo dos subsídios concedidos às empresas para os mais diversos fins.

E é óbvio que não há qualquer semelhança entre as duas situações: o primeiro caso tem certamente um valor meramente residual quando comparado com o segundo, avaliável em centenas de milhões de euros.

Esta diferente maneira de encarar dois fenómenos relativamente idênticos demonstra que aqueles que tanto clamavam contra os que recebiam ilicitamente o RSI não estavam nada preocupados com o “desvio” ilegal de dinheiros públicos, mas apenas e só com a natureza da entidade que o desvia. Mas também isto não tem nada de novo: já assistimos ao mesmo, na década de 80 do século passado, na América de Reagan: o que interessa não é o que se rouba, mas quem rouba!

Finalmente, uma palavra muito breve sobre o Programa do Governo em matéria de “Política Externa”. Uma pobreza: exportações, internacionalização das empresas e busca de investimento directo (como se tais objectivos dependessem fundamentalmente da natureza da diplomacia) e depois, subserviência à NATO – que está in articulo mortis – e à União Europeia – a mísera diplomacia do “bom aluno” – com juros estratosféricos e uma visão puramente unilateral das relações com os países de língua oficial portuguesa – uma “coisa” sem alma e meramente utilitarista sem qualquer tipo de reciprocidade, nem grandeza. Entre a megalomania do anterior titular e a confrangedora pobreza de propósitos do actual Governo, venha o diabo e escolha…

4 comentários:

jvcosta disse...

Com a autoridade de perito que tens, falas da pobreza do programa em relação aos NE. Eu, na minha área de conhecimento, falo da pobreza e nariz de cera do programa educativo e científico. Se somarmos especialistas em saúde, solidariedade social, agricultura, etc., parece que a conclusão será que todo o programa é uma pobreza. E o incrível português "politiquês" em que está escrito? Até contei um parágrafo com 65palavras e isto no capítulo do génio da modernidade a quem entregaram a Saúde.

jvcosta disse...

Errata. Claro que pretendia dizer período, não parágrafo.

Anónimo disse...

Ainda hadem ter saudades dos elegantes discursos do Jorge Coelho.

Maria Carvalho disse...

Vejo muitas pessoas a falar do RSI sem que se aborde uma questão pela qual o considero importante. Confesso que não sei (culpa minha) a filosofia por detrás desta medida, mas vejo a sua importância enquadrada pelos direitos das crianças. Quantas crianças de famílias desorganizadas ou da etnia cigana não estariam sem frequentar a escola se não fosse o controle através do RSI?

Uma outra medida que veio hoje a público foi o não encerramento das escolas com poucos alunos. Nada mais a esperar deste ministro para quem a educação se resume a ensinar a ler e a contar. Só quem não sabe o que se passa nas chamadas escolas isoladas é que pode estar satisfeito com esta medida. Também é verdade que o fechar das escolas do anterior governo resumia-se a fechar escolas para poupar dinheiro. Mas na verdade, devia-se fechar as escolas isoladas e com poucos alunos onde o isolamento e a pobreza cultural são terríveis, mesmo que para isso se tenham de deslocar. Mas estas a fechar deveriam ser substituídas por escolas bem apetrechadas que cedessem a estes alunos contacto com as tecnologias, a informação e experiências importantes que qualquer criança das cidades tem acesso. Não gostaria que os meus filhos estivessem numa escola, numa turma de 5 alunos, no meio de nada e sem qualquer contacto com outras crianças, adultos e saberes disponíveis?