sábado, 29 de setembro de 2012

A POLÍTICA DO BCE E AS TAXAS DE JURO DA DÍVIDA PÚBLICA



VARIAÇÕES SOBRE O MESMO TEMA

 

Na Quadratura do Círculo da última quinta-feira António Costa na esteira de Seguro também entende que havia e continua a haver na Europa uma conjuntura favorável à amenização do programa de austeridade. E lá volta a repetir as mesmas ilusões de Seguro a propósito tal predisposição do BCE para comprar dívida pública dos países endividados.

Vamos a factos pela última vez. Jean Claude Trichet, contra a opinião dos alemães, comprou dívida pública no mercado secundário por mais de uma vez. Este comportamento de Trichet levantou um verdadeiro pandemónio na Alemanha, porque segundo o Bundesbank o BCE estava a violar uma das “vacas sagradas” da política monetária europeia – a proibição de financiar os Estados. Embora a compra de dívida pública no mercado secundário não constituísse um financiamento directo dos Estados, na prática tratava-se de uma medida equivalente já que por via das compras realizadas no mercado secundário se assegurava o financiamento directo dos Estados pelos bancos. No fundo, era um financiamento indirecto, o que segundo os alemães vinha a dar no mesmo, com a diferença de, para os Estados, esta ser uma via mais cara.

Em consequência da política de Trichet, Axel Weber, indigitado presidente do BCE, demitiu-se do Bundesbank e deixou a Alemanha sem sucessor ao cargo. Seguidamente, o economista chefe do BCE, Jürgen Stark, também alemão, demitiu-se pelas mesmas razões. Trichet quando estava de saída justificou o mandato dizendo que durante os anos em que chefiou o BCE cumpriu exemplarmente a função primordial do Banco – controlar os preços e a inflação - afirmando, claramente em resposta aos alemães, que nunca o Bundesbank durante um período de tempo equivalente ao que ele exerceu as funções de governador teve uma taxa de inflação tão baixa como a do BCE.

Mario Draghi tomou posse em Novembro de 2011 e uma das primeiras medidas que tomou foi fazer um financiamento gigantesco aos bancos, a maior parte dele concedido mediante entrega de dívida pública, de 500 mil milhões de euros. Os juros baixaram ligeiramente em Novembro, Dezembro e Janeiro, como não podia deixar de ser, mas depois disso até hoje não voltou a fazer compras no mercado secundário, não obstante as múltiplas pressões para que o fizesse. E não o fez, obviamente, porque não tinha “autorização” dos alemães para o fazer.

Draghi, é bom que se perceba, não é Trichet. O anterior governador do BCE ascendeu ao cargo por via de um acordo franco-alemão aquando da fundação do Banco Central, segundo o qual o primeiro governador seria um holandês – Duisenberg – que se demitiria antes de o seu mandato terminar para permitir o acesso à presidência de Trichet. Trichet, antigo director geral do Tesouro e governador do Banco de França, era um velho conhecido dos alemães com os quais havia negociado (sem êxito) as múltiplas vicissitudes da crise monetária 1992/93. Os alemães conheciam-no suficientemente para saberem até onde ele poderia ir e não deixavam de apreciar a sua relativa independência face ao governo francês como por mais de uma vez deu provas nas suas “escaramuças” com Sarkozy. Não era um alemão, mas era um “grand commis d’État” em quem os alemães apesar de tudo confiavam. Aliás, os primeiros seis anos da sua presidência foram muito tranquilos…E só nos dois últimos anos é que algumas divergências surgiram.

Draghi, ao contrário de Trichet, chega à presidência do BCE mercê de um conjunto de factores pouco comuns. É para os alemães uma espécie de mal menor que apenas tem a seu favor ter passado pela vice-presidência do Goldman Sachs e ter sido director executivo do Banco Mundial

E foi para evitar “desvios” que os alemães, depois daquela primeira intervenção de Draghi, deixaram logo bem claro que não admitiriam mais compras incondicionadas no mercado secundário. Todavia, quando os juros estavam a pressionar fortemente a Espanha e a Itália, e ameaçavam estender-se a outros países, Draghi fez a tal famosa declaração de que “tudo faria para salvar o euro”. A situação acalmou ligeiramente e pouco tempo depois o BCE explicou em que condições estava disposto a intervir no mercado secundário da dívida pública, a curto e médio prazo. A intervenção ficaria subordinada a um pedido do país em dificuldades e teria como contrapartida um pesado condicionalismo. Ou seja, um condicionalismo idêntico ao da Troika. Por outras palavras, a intervenção do BCE não passaria de um resgate verdadeiro e próprio. Tanto assim que teve o apoio expresso de Merkel e do seu governo. Nenhum país até hoje pediu a intervenção do BCE. A Espanha não pediu. A Itália não pediu. Os dois principais interessados não pediram!

Compreendido ou não? Está compreendido que o BCE se não afastou um milímetro da “ortodoxia monetária” alemã, por mais que as palavras pareçam querer dizer o contrário.

Mas não é só nisto que António Costa se engana. Engana-se também quando fala na queda dos juros da dívida pública portuguesa. Também aqui os factos falam por si. Quando o governo Sócrates pediu a intervenção a taxa de juro do mercado, a dez anos, rondava os 7%. Depois dessa data, nomeadamente depois da tomada de posse deste governo, a taxa de juro não cessou de subir sendo a mais alta da zona euro a seguir à da Grécia. É certo que nos últimos tempos tem descido alguma coisa, mas mesmo assim mantém-se muito mais alta do que estava à data da intervenção. Quando se fala em queda da taxa de juro como um ponto positivo do Governo parece querer dizer-se que ele entrou em funções com uma taxa alta e que tem vindo desde então a baixá-la. Falso. A taxa de juro subiu brutalmente durante o exercício deste governo e somente há pouco tempo começou a baixar ligeiramente, mantendo-se porém bem acima da taxa à data da intervenção.
Ou seja, os "pontos positivos" deste Governo são uma sucessão incomensurável de fracassos...

 

2 comentários:

Anónimo disse...

Comungo a ideia da falta de resultados com as políticas seguidas por este governo mas o nivel das taxas de juro suportadas pelo País não subiu neste período, nem seria expectável que subissem já que as emissões regulares de dívida foram em grande parte substituídas pelos empréstimos da Troika. As taxas de juro implícitas nos mercados secundários é que subiram, o que é natural com o aumento de risco de incumprimento. As descidas, pontuais ou não, veremos, têm tudo a ver com a atuação do BCE nos mercados, o que não me é evidente que esteja certo.
Miguel

Anónimo disse...

Eh pá deixe lá o PS, façam a revolução sozinhos.
Não podemos ser responsaveis pelos vossos desejos.Então o Anacleto e o Jeronimo não merecem uma linha?
Não são eles que prometem o que você quer e recipientes do seu voto? Peça-lhes então a responsabilidade de não terem efectuado a revolução.
Senão é uma antologia da infantilização da politica.