sábado, 5 de março de 2011

BCE OU BANCO CENTRAL ALEMÃO?


COM CONSTÂNCIO, AO LADO, A ABENÇOAR

Num gesto inédito para os costumes dos bancos centrais, Jean-Claude Trichet disse ontem, em Frankfurt, em conferência de imprensa, que o Conselho do BCE considera possível a subida da taxa de juro em Abril. Sob pena de se tratar de um truísmo inútil, a declaração de Trichet só pode querer dizer que os juros vão subir em Abril, logo provocar desde já uma subida da taxa de juros no mercado, independentemente de a taxa básica do BCE se manter a mesma por mais um mês.
A política monetária do BCE parece apenas servir os interesses da Alemanha, eventualmente da Áustria e intermitentemente da Holanda e da Finlândia, com um distanciado desprezo pelos efeitos que as suas decisões possam ter sobre os demais.
Obcecada pela inflação, a Alemanha impõe ao BCE um rígido controlo dos preços, que o Banco prossegue com o manejo da taxa de juro, qualquer que seja a situação macroeconómica da generalidade dos países e quaisquer que sejam os efeitos da sua política monetária sobre esses países.
Todos se recordarão da subida da taxa de juro no auge da crise financeira, quando, exactamente na mesma altura, a Reserva Federal Americana, o Banco de Inglaterra e o Banco Central do Brasil faziam o contrário.
Pois também agora, ao abrigo da sua propalada independência, que mais não é do que a consonância com os ditames da ortodoxia financeira alemã, o BCE sobe (na prática) a taxa de juro colocando os países endividados, seus cidadãos e empresas, em grandes dificuldades.
Se com as medidas até agora impostas pela Alemanha os países em dificuldades já não teriam nenhuma hipótese de crescer, vendo antes agravada a sua situação económica, com esta subida da taxa de juro, e a sua mais que previsível progressão até ao fim do ano, o resultado vai ser ainda bem pior.
O BCE diz que quer combater a inflação resultante da alta de preços das matérias-primas. Por que sobem os preços da matérias primas?
Os preços das matérias-primas em geral sobem, para além das causas específicas que possam estar a afectar o preço do petróleo, porque, como ainda há dias bem explicava Paul Krugman, se trata em primeiro lugar de bens finitos; em segundo lugar, porque tem aumentado muito a procura, principalmente dos emergentes; e, em terceiro lugar, porque as alterações climáticas têm tido um efeito devastador em muitas delas, principalmente nas agrícolas.
Como é que este problema se resolve? Das três formas de distribuição de bens que o mundo (e a economia) conhece, o capitalismo usa frequentemente apenas uma: os bens são distribuídos pelos que têm mais dinheiro para os pagar.
Ora, o BCE, com a sua política, não só se conforma com este resultado, o que seria “normal” visto tratar-se de um dos expoentes do capitalismo mundial, como agrava aquele resultado, facilitando a compra dos bens escassos pelos que tem mais fácil acesso ao dinheiro. Ou seja, os que têm possibilidade de o pagar mais barato.
E sabe-se quem na Europa "compra" o dinheiro mais barato...
O que é espantoso é que países importantes da União Europeia, como a França, a Itália e a Espanha, aceitem esta política como uma fatalidade. O caso mais grave é, porventura o caso da França, que sob Sarkozy se tem comportado relativamente à Alemanha como uma espécie de França de Vichy!
Alguém na Europa vai ter que pôr cobro a isto. Não pode esperar-se que seja a partir de dentro da Alemanha que o problema se resolva. Da Alemanha nunca virá a solução, mas o problema. Já por duas vezes no século passado a Alemanha caminhou convictamente para o abismo. Se ninguém se opuser à sua política, se não se criar uma forte opinião pública europeia contrária à política alemã, será a própria Europa que agora caminhará para o abismo empurrada pela Alemanha.
Portugal fez mal, muito mal, quando se dessolidarizou da Grécia e continuou a errar quando sublinhou excessivamente o que o separa da Irlanda (apesar de, em parte, até ser verdade), da mesma forma que a Espanha erra agora quando tenta demonstrar que nada a assemelha a Portugal. E por ai fora, a Bélgica, a Itália e o que adiante se verá.
A força dos “mercados” é a fraqueza dos devedores desunidos!

2 comentários:

Anónimo disse...

Permita-me o autor duas observções:
-Não é essa a "principalíssima" incumbência do BCE?
-O miolo do tratado de Mastricht não consistiu exactamente na fixação dessas regras? Se sim, apenas quem se opôs a esse tratado tem legitimidade para se rebelar contra elas. Há muita gente que gostaria de mais brandura e na altura pensaram -assinamos depois entramos e depois o barco é muito grande rebéu béu béu.-
-Quanto ao BCE vs BCA, eu percebo pouco disso mas sempre tenho ouvido que os "agentes dos mercado" viam por detrás do Euro o marco alemão! E há meses o ministro alemão das finanças foi muito claro ao dizer que um país em grave violação das regras não poderia influenciar a política do BCE "mercado".
- O autor tem saudade do De Gaulle? Mas a Alemanha não é a ex-RFA do tempo do general. E o Jupé não é aparentado do Gaulismo? Pode ser que por aí haja algum sinal

O autor tem muita razão em muita coisa que aqui escreve mas parece-me que exagera no branqueamento das responsabilidades internas, não ouviu hoje o Sr Sócrates na Guarda?
LG

jmcpinto disse...

Caro LG
É claro que tem de haver responsabilidade política pela situação em que nos encontramos. A responsabilidade é dos que agora governam e também dos que governaram antes.
Não há ninguém entre esta gente do poder que tenha antecipado as consequências da União Económica e Monetária nos termos em que foi criada. Ninguém! E mesmo entre os economistas o panorama não é muito diferente. Com excepção de J Ferreira do Amaral não se conhece nenhum outro que fundadamente se tenha oposto.
Portanto, a questão da responsabilidade começa aqui: em Cavaco e em Guterres. Os outros, Barroso, Santana Lopes e Sócrates já apanharam o “comboio” em andamento.
Esta é de facto uma questão prévia que não pode ser iludida, nem branqueada.
Uma vez lá dentro, as consequências são mais ou menos as mesmas para todos os que aderiram nas mesmas condições que nós. Esta “coincidência” deveria fazer-nos parar…para pensar. Por que é que o endividamento acontece? Por que estamos perante agentes económicos inconscientes que se endividam muito acima das suas posses ou por que foi criado um sistema perverso que leva inevitavelmente àquela consequência?
As duas coisas certamente, com grande peso da segunda. Quando se fala em “agentes económicos” que se endividam, quer-se abranger tanto o Estado, como os cidadãos e as empresas, estes últimos ainda mais onerados que o primeiro.
Tanto uns como outros foram inevitavelmente empurrados para o endividamento, ou seja, para a produção de “bens não transaccionáveis” por se tratar de áreas isentas de concorrência onde o capital podia ser remunerado com uma taxa de lucro muito superior à real competitividade da economia nacional. Aconteceu o mesmo em todo lado onde haja endividamento .
Se a isto se acrescentar a necessidade que os bancos das economias excedentárias tinham de pôr os excessos de liquidez a render, com juro baixo, apetecível por quem não tem dinheiro, terá o resto da explicação.
Tudo isto durou, criando a ilusão de prosperidade, até ao dia em que o sistema financeiro entrou em crise. A partir daí começou perceber-se que havia no interior da zona euro um gravíssimo problema, que afectava por igual os credores e os devedores.
É nesta situação que estamos, com os desenvolvimentos que entretanto tiveram lugar e que agora não adianta descrever.
Face a esta situação o que se diz, o que neste blogue sempre se dirá, é que a responsabilidade do que se passou cabe por igual a uns e a outros. A credores e a devedores. Logo, a solução não pode ser encontrada apenas do lado dos devedores. Os credores têm de fazer a sua parte. E é isso que a Alemanha não quer fazer. Mas, não querendo, então “isto” em que estamos todos metidos vai acabar mal.
As grandes uniões monetárias funcionam com o Arkansas e a Califórnia, com Nova York e Luisiana…e por aí fora. Funcionam, porque têm outras regras. Regras que a zona euro não tem, a começar pelo BCE.