domingo, 13 de março de 2011

INDIGNAI-VOS!


NOTAS SOLTAS SOBRE AS MANIF’S DE ONTEM

A primeira e mais importante constatação que as manifestações de ontem evidenciaram é a de que “eles” – “todos eles” - ficaram assustados. Todos os que se reclamam muito ou pouco do sistema ficaram apreensivos, preocupados. Esperam pelo desenrolar dos acontecimentos com a convicção de que pode haver consequências e o desejo de que as não haja ou de que possam ser revertidas a seu favor, se as houver.
A título de exemplo, o “Eixo do Mal” de ontem à noite foi disso o espelho fiel. Entre a vontade de “enquadrar” e a preocupação de desvalorizar, o que verdadeiramente contava era o receio do que pode vir a seguir.
E não é caso para menos. Em Lisboa, desde os primeiros dias da Revolução de Abril que se não via uma tão genuína e abrangente vontade de estar presente. Para já apenas para exprimir a desilusão, a frustração, o desespero, a revolta. O resto virá a seu tempo.
No Porto nunca se viu nada igual depois de Delgado e dos dias que se seguiram ao 25 de Abril.
É o princípio de uma onda que só agora começou.
Esta sociedade, este modelo não tem saída. Ou melhor: só tem a saída em que estamos a viver desde há quase trinta anos e que se agravou consideravelmente nos últimos dez. Não apenas em Portugal, mas em toda em Europa, com graus de intensidade diferentes, consoante os países, a sua força económica e a memória da sua história mais recente.
Ainda agora Stéphane Hessel, nascido em Berlim, em 1917, judeu alemão, francês desde 1937, resistente contra Vichy e o nazismo, secretário da Comissão que na ONU elaborou a Declaração dos Direitos do Homem, escreveu no fim do ano passado um pequeno livro – Indignez-vous – com mais de um milhão de exemplares vendidos, onde faz um retrato fiel da actual situação mundial, sem esquecer – ele que é de origem judaica – a vergonhosa situação da Palestina.
Diz Hessel: “ O interesse geral deve prevalecer sobre o interesse particular. A justa repartição da riqueza crida pelo mundo do trabalho deve prevalecer sobre o poder do dinheiro”. E noutro passo: “Atrevem-se a dizer-nos que o Estado já não pode assegurar o pagamento das despesas sociais. Mas como pode faltar hoje o dinheiro para manter e aumentar essas conquistas quando a produção da riqueza aumentou consideravelmente desde a Libertação, numa época em que a Europa estava arruinada? Tal só acontece porque o poder do dinheiro é tão grande, insolente, egoísta, com os seus servidores introduzidos nas mais altas esferas do Estado. Os bancos privados estão exclusivamente preocupados com os seus dividendos e com os altos salários dos seus dirigentes e não com o interesse geral. O fosso entre os mais pobres e os mais ricos nunca foi tão profundo e competição pelo dinheiro nunca esteve tão animada”.
Palavras gastas, velhas, dirá cinicamente o sistema pela voz dos seus intérpretes. Mas não. É o mesmo problema de sempre. Em cada época com os seus específicos contextos. Mas a questão de fundo é sempre a mesma, embora possa variar a forma de a resolver.
Há, porém, invariáveis que se mantêm constantes: não são os que tiram vantagem desta situação, aqueles que têm à sua guarda o sistema, que vão alterar o rumo das coisas. Tão pouco será no quadro do sistema que as criou, potenciou e as impõe que elas poderão ser alteradas.
A alteração terá de surgir de uma ruptura que somente o povo, na força imparável da sua vontade, poderá fazer.
É nesse sentido que vão ter de apontar todas as “indignações”. Indignações feitas acção, passada que seja a fase das lamúrias e dos queixumes.
ADITAMENTO
O livro de Stéphane Hessel é ainda importante a outro título num país como Portugal. Ele marca a diferença, em matéria de diagnóstico, entre a posição de um homem progressista que luta pelo bem comum e aponta caminhos de futuro e a dos reaccionários que se comprazem na descrição da catástrofe, sem nunca aprofundar as suas causas e sem ter a ousadia de apontar caminhos que toquem nos privilégios e interesses instalados, deixando sempre subentendido que os "rearranjos" a fazer têm como pressuposto inalterável o status quo do dinheiro!

1 comentário:

Graza disse...

Subscrevo linha por linha este texto, porque ele é feito no patamar em que não há as fulanizações redutoras e zaragateiras, que mais não fazem do que distrair atenções e centrifugar vontades de aderir a este tipo de convocação. É neste registo que tudo deve ser dito, porque é ele que congrega, é ele que nos junta, é ele elimina a nossa condição anterior de sermos da equipa mais ou menos colorida que leva cada um a bater o pé pelo seu bairro político.

Indignai-vos? Tenho que ler...