A CRISE DA AMBIGUIDADE
O Bloco de Esquerda está em queda desde as últimas
legislativas. O resultado das eleições europeias de domingo consolida essa
tendência e deixa fundadas dúvidas sobre o próprio futuro do partido,
sabendo-se, como se sabe, que ele assenta num compromisso teórico frágil entre
as diversas componentes que o formam e que vinham tendo nos resultados
eleitorais em ascensão o seu principal elo aglutinador.
O Bloco apresentou-se pela primeira vez a eleições
legislativas em 1999, tendo obtido 2,44% dos votos e 2 mandatos. Depois, foi
subindo gradualmente até 2005, obtendo 2,74% e 2 mandatos nas eleições de 2002 e
6,35% e 8 mandatos nas de 2005. Em 2009 obteve a sua máxima expressão eleitoral
– 9,82% e 16 mandatos, suplantando a própria CDU em número de deputados (15) e
em votos (7,86%). Em 2011 perdeu metade dos deputados e um pouco menos que
metade dos votos. Desde então o Bloco não vem dando de sinais de recuperação
nas eleições entretanto realizadas (autárquicas e europeias), havendo, pelo
contrário, fundadas razões para supor que entrou num declínio difícil de
estancar.
Muitos têm falado num certo radicalismo verbal pouco
construtivo (leia-se: susceptível de se entender com o PS) como causa desse
declínio tendo em consequência dessa análise alguns militantes conhecidos abandonado
o partido nestes últimos três anos. A verdade porém é que foi durante a maioria
absoluta de José Sócrates que o partido mais se radicalizou nos ataques ao PS e…simultaneamente
mais cresceu. Isto não significa que haja uma relação de causa e efeito entre
os dois fenómenos. De facto, não é legítimo afirmar nem uma causa nem outra. A
perda da influência eleitoral do Bloco parece antes resultar de outros
factores.
Mas antes de analisar essas causas talvez seja conveniente
sublinhar que um simples resultado eleitoral, como o verificado em 2009, não
chega para afirmar uma tendência. É certo que o Bloco está perdendo influência eleitoral,
mas para tirar esta conclusão não há que partir da experiência de 2009 que é
uma situação verdadeiramente excepcional e que tem as suas causas no modo como
o PS conduziu a governação durante a maioria absoluta e como o próprio
eleitorado do PS reagiu a essa governação. E se há razões para explicar a
subida vertiginosa do Bloco nas eleições de 2009 também há explicações muito
plausíveis para justificar essa “incapacidade” de o Bloco não ter sabido
consolidar essa votação. A análise que neste blog foi feita logo a seguir às eleições de 2011 continua, três anos volvidos, a parecer-nos convincente.
Mas uma coisa é a queda do Bloco para números mais
condizentes com a sua real capacidade eleitoral, outra bem diferente é o Bloco
estar a desperdiçar aquilo que bem poderia ser a sua real influência eleitoral.
Independentemente dessa incapacidade de consolidar os resultados de 2009 - em grande parte justificada pelo retorno dos
votos ao local donde tinham saído, numa conjuntura em que esse partido mais
deles precisava para obstar à perda previsível de uma parte considerável dos
votos do centro (com que se forjou aquela maioria absoluta) e a consequente
entrega do poder à direita (como veio a acontecer) -, há obviamente outras
razões que explicam o declínio eleitoral do Bloco.
O Bloco está sofrendo as consequências, por um lado, de ter
assentado o seu espaço de intervenção num conjunto de causas que uma vez
satisfeitas ou absorvidas por outras forças políticas mais significativas lhe
reduziram consideravelmente a margem de mobilização eleitoral, e, por outro, por
ter uma posição ambígua quanto à questão fundamental da política portuguesa –
a União Europeia.
O Bloco é europeísta, por conversão ou por convicção,
consoante a proveniência dos seus fundadores, provavelmente por táctica, acredita
ou acreditou que as grandes objectivos sociais por que luta, sejam eles de
natureza económica ou não, resultariam da luta conjunta dos “povos europeus”
(uma ficção…), devendo, por isso, manter-se fielmente ligado ao ideário
comunitário naquilo que ele tem de mais significativo – as “três liberdades” e
o euro -, não obstante poder discordar dos fundamentos jurídico-políticos em
que assentam algumas das manifestações daquele ideário. Todavia, à medida que a
política comunitária se foi tornando a tradução prática da
“constitucionalização” dos princípios político-jurídicos entretanto operada
pelas forças sociais-democratas e conservadoras, o Bloco foi tendo cada mais
dificuldade na afirmação das suas posições relativamente à União Europeia.
Acérrimo defensor do euro, na esteira de Louçã, o Bloco
contesta o Tratado Orçamental e as políticas do Banco Central Europeu,
preconizando para Portugal uma política relativamente a estas matérias
totalmente incompatível com os princípios fundadores da moeda única e do BCE. A
rejeição radical da austeridade e das políticas da Troika, nomeadamente depois
da crise da dívida, são incompatíveis com a defesa do euro tal como ele foi
criado e depois “constitucionalizado”. O Bloco nunca foi sequer capaz politicamente
de fazer uma análise que imputasse ao euro e às suas regras a causa do
endividamento, que mais não é do que a consequência da profunda assimetria que
o euro criou entre os países do centro da Europa, nomeadamente a Alemanha, e os
da periferia.
Por esta razão, as suas posições são ainda mais
inconsequentes do que as do próprio PS na medida em que todas elas assentam no
pressuposto de que pode haver mudanças radicais unilateralmente impostas
mantendo-se simultaneamente o país no seio da União Europeia e da moeda única.
É óbvio que o Bloco tem consciência desta sua incongruência e das limitações da
sua política, mas mantem-se apegado a elas porque acredita que uma política
levada ao limite da chantagem sobre a própria União Europeia a fará ceder para
evitar consequências imprevisíveis.
Se esta política ainda poderia ser defendida (com um plano B
bem gizado e pronto a entrar em acção) quando a crise do euro atingia o seu
auge – ou seja, quando a situação na Grécia parecia social e financeiramente
catastrófica e as suas repercussões em Portugal, em Espanha e em Itália perigosamente
imprevisíveis – ela deixou de ser viável, sequer como ensaio, a partir do
momento em que o Banco Central Europeu passou a comprar sem limitação títulos
da dívida pública dos Estados para amortecer( até ver...) os efeitos mais
catastróficos da moeda única. Essa a razão por que o Bloco, sempre por
intermédio de Louçã, foi mudando gradualmente de posição relativamente à União
Europeia e ao euro começando a focar todo o peso da sua intervenção, depois da
relativa normalização dos juros, na questão da reestruturação da dívida. Mas
mesmo sob este prisma a posição do Bloco continua ambígua: por um lado, Louçã
subscreve o Manifesto dos 74 (que é ainda um “Manifesto de regime”) e, por
outro, vai adiantando propostas de renegociação que passam pelo repúdio de parte
da dívida (a dívida ilegítima) e de moratórias, em última instância,
unilaterais que manifestamente contendem com a presença de Portugal no Euro, o
que, como não poderia deixar de ser, leva Louçã, reticentemente, a admitir que
nesse quadro se pode vir a pôr a continuidade do pais na moeda única, seja por
decisão própria ou alheia.
Ora bem, tudo isto é muito complicado para um eleitor que
quer acima de tudo propostas claras e ter simultaneamente o convencimento de
que elas são politicamente exequíveis. E isso o Bloco não foi capaz de apresentar
nas eleições europeias. Por outras palavras, dado o futuro previsível de
Portugal nos próximos anos, para não dizer das próximas duas décadas , ou o
Bloco torna claro a sua posição sobre o euro e sobre a dívida ou estará
condenado ao declínio.