terça-feira, 23 de dezembro de 2014

OS DEMOCRATAS BACTERIOLOGICAMENTE PUROS


CONSEQUÊNCIAS…


No Eixo de Mal, Daniel Oliveira, fazendo alarde das suas profundíssimas convicções democráticas, discordou de um colega de debate pelas imputações que este havia feito ao juiz Carlos Alexandre pela violação do segredo de justiça no "processo José Sócrates”.

Daniel Oliveira é um democrata bacteriologicamente puro. Defende o uso da burka bem como de qualquer outra manifestação de vontade cuja proibição possa pôr em causa a liberdade individual – bem supremo dos democratas bacteriologicamente puros.

 O que ele se esqueceu foi de dizer que sendo o juiz Carlos Alexandre uma das poucas pessoas que tem acesso ao processo em “segredo de justiça” – tão secreto que nem o advogado do principal arguido o pode consultar – ele não pode deixar de estar incluido naquele círculo de pessoas que poderiam ter passado aos jornais veículos das teses da acusação elementos do processo. Ele e todos os que conhecem o processo.

A democracia bacteriologicamente pura é muito perigosa…

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

REQUISIÇÃO CIVIL NA TAP



O GOVERNO COMO SEMPRE NA SENDA DA INCONSTITUCIONALIDADE
 


 

Parece não haver dúvidas, mesmo da parte daqueles constitucionalistas que condenam (politicamente) a greve, que a requisição civil só pode ser decretada para assegurar o cumprimento dos serviços mínimos.

É natural que para um Ministro do CDS, apaparicado pela imprensa, apesar das sucessivas gaffes e deslizes com que tem assinalado a sua passagem pelo Governo, o problema dos direitos fundamentais se não coloque. Ele só fala de empresas, de lucros, de mercado, por isso é natural que as pessoas, a imensa maioria das pessoas, aquelas cuja actividade se não traduz na obtenção de lucros, não conte. Mas engana-se mais uma vez.

Este Governo que tem pautado a sua conduta por um combate sistemático contra a Constituição, contra aquelas disposições da Constituição que figuram na lei fundamental de qualquer democracia burguesa, pretendeu com a requisição civil dos trabalhadores da TAP destruir um direito fundamental – o direito à greve. Ora, a requisição civil não pode ter esse objectivo. Ela não pode servir para eliminar o direito à greve nem para lhe retirar toda e qualquer eficácia.

Portanto, ao contrário do diz o sr. Pires de Lima e do que pensa o sr. Passos Coelho a requisição civil dos trabalhadores da TAP só pode ter por objecto a imposição dos serviços mínimos. Logo, só deveria ter sido decretada se os serviços mínimos, depois de iniciada a greve, não estivessem a ser cumpridos.

Esta é também uma das tais questões que deveria ter levado o prof. Marcelo a frequentar umas aulas de direito constitucional e de direito do trabalho...antes de ir para a televisão dizer asneiras sobre a requisição civil.

MARCELO E O DIREITO


 

MARCELO TEM UM PROBLEMA COM O DIREITO QUANDO FALA DE POLÍTICA



 

Marcelo tem claramente um problema com o Direito. Se ele não fosse professor de Direito e fosse um simples comentador político, ainda se poderia dizer que ele era uma espécie de Rui Santos do comentário político. Mas ele tem outras responsabilidades e qualquer que seja a forma como entenda dever comunicar com os seus ouvintes não pode fazer de conta que o Direito é um jogo ou um espectáculo cujo desfecho resulta do modo como se movimentam as pedras ou como os actores se comportam em cena.

Embora não seja do ramo, ele tem a obrigação de analisar com seriedade o instituto da prisão preventiva e do segredo de justiça no processo penal português. Explicar aos telespectadores o que diz a lei, como ela deve ser entendida e o modo como está sendo aplicada em Portugal nos processos chamados mediáticos.

Não basta dizer: em Portugal não se prende para obter provas. Prende-se porque as provas justificam a prisão. Não é isso o que parece resultar da prisão do motorista de Sócrates, por exemplo. Se a prisão do motorista de Sócrates tivesse resultado de elementos existentes no processo ele não teria visto a sua medida de coacção modificada depois de ter falado. E se Marcelo igualmente conhecesse por experiência própria o código de honra dos combatentes anti-fascistas faria da prisão preventiva e dos delatores (os chamados “rachados”), qualquer que seja a causa ou a natureza do processo, uma avaliação radicalmente distinta da que certamente tem.

Mas não é somente por esta razão, que pode ser considerada lateral ou até descontextualizada, que Marcelo analisa mal a prática da prisão preventiva em Portugal nos processos mediáticos.

Vamos lá ver se nos entendemos: a prisão preventiva é um recurso absolutamente excepcional (ninguém deve ser preso sem primeiramente ter sido condenado) que só pode e deve ser decidida nos casos previstos na lei, tendo sempre presente da parte de quem decide a natureza excepcional da medida.

E esses casos excepcionais como já aqui referimos noutra ocasião não podem ser considerados em função de uma avaliação subjectiva de quem decide, mas de factos objectivos, inequívocos, susceptíveis de integrar a previsão normativa.

Para que se perceba: dentro da excepcionalidade referida é preciso antes de mais que haja fortes indícios da prática de certo tipo de crimes dolosos puníveis com uma determinada pena de prisão (em princípio, superior a 3 anos). Mas não basta, como supõe a sra. Judite de Sousa, que esta condição se verifique. Esta condição é uma condição necessária, mas não é, nem de perto nem de longe, suficiente. É preciso ainda que haja perigo de fuga; ou perigo ou perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo, e (este e é cumulativo) perigo para a aquisição, conservação e veracidade da prova; ou perigo, em razão da natureza ou das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.

Francamente, não é preciso ser jurista, basta ser relativamente versado na língua pátria, para se perceber que nos processos acima referidos, designadamente no que respeita a Sócrates, a prisão preventiva não foi realmente decretada ao abrigo de qualquer uma das situações que a lei prevê, mas pura e simplesmente para se tentar obter prova a partir da pessoa do suspeito. É uma forma de coacção sobre os mais fracos e de humilhação dos mais fortes.

Não vale a pena analisar ponto por ponto os fundamentos da prisão preventiva para se perceber que nenhum deles está integrado pela situação concretamente existente, a ponto de se poder dizer que a invocação de alguns deles até é ridícula, como, por exemplo, a do terceiro. Como pode alguém continuar a actividade criminosa de corrupção passiva se já não reúne as condições fácticas necessárias à imputação desse tipo de crime?

Por outro lado, o “segredo de justiça”, que também é excepcional, já que o processo penal é público, tal como está regulado na lei portuguesa, ou, no mínimo, como é aplicado em Portugal por quem não tenha capacidade para fazer uma interpretação inteligente da lei, pode assumir características odiosas de tipo inquisitorial, tanto mais que os despachos do juiz de instrução criminal que o determinam são irrecorríveis. E este é mais um caso da discricionariedade em processo penal que não raro se transforma em pura arbitrariedade.

Um caso a que os professores de direito deveriam dar muita mais atenção para defesa dos direitos, liberdades e garantias. Há a convicção generalizada entre os juristas de que a discricionariedade é uma característica de actuação da Administração, digamos do poder executivo lato senso entendido. Embora a Administração goze em larga medida do poder discricionário quase se pode dizer que o cidadão está mais protegido dos resultados deste poder quando ele é exercido pela Administração do que quando é exercido pelo poder jurisdicional, ou seja, pelos juízes. Ninguém fala do poder discricionário jurisdicional ou quase ninguém fala e as faculdades de direito não lhe dedicam qualquer atenção.

 Mas voltemos ao “segredo de justiça”. A sua explicação é muito simples: se uma pessoa é suspeita da prática de certo tipo de crimes aos olhos das autoridades encarregadas da investigação criminal é natural que o processo se mantenha secreto já que o êxito das diligências que a lei permite pode depender, e muitas vezes dependerá, desse secretismo. Mas a partir do momento em que o suspeito é considerado arguido – que à luz da nossa lei não é necessariamente um acusado, podendo ser apenas aquele contra o qual é requerida instrução num processo penal -, e inclusive preso, ele deveria ter o direito de acesso ao processo. Deve poder conhecer aquilo de que é suspeito, para se poder defender, porque essa suspeição já pesa negativamente na sua esfera jurídica por via das medidas de coacção, quaisquer que elas sejam. Não estamos no tempo da Santa Inquisição em que o preso nunca sabia ao certo de que estava sendo acusado.

E isto já nem falando na perversidade do segredo de justiça que na prática não é respeitado pelas entidades com acesso a todo o processo (já que só elas podem veicular para os jornais o que consta do processo, não se sabendo nunca a troco de quê….) e acaba por recair apenas e só sobre o arguido. E como autoridade judiciária, que tem competência para repor a verdade sobre o que é publicado, o não faz, é porque é verdade o que têm vindo a público. E se é verdade é porque alguém que tinha acesso ao processo quebrou o sigilo.

Estes esclarecimentos deveriam ter sido prestados por quem tem a responsabilidade de aliar à qualidade de comentador a de professor de Direito.

 

domingo, 21 de dezembro de 2014

ESPÍRITO DE NATAL



 
A PROPÓSITO DO NASCIMENTO DE NOVAS FORMAS DE GOVERNO


Já dissemos no Politeia tudo o que, do nosso ponto de vista, sobre a TAP havia para dizer.Supúnhamos que tínhamos dito. Afinal, enganamo-nos. Vender a TAP a brasileiros é reservar-lhe o mesmo destino da CIMPOR e da PT. Este governo que os portugueses puseram em São Bento é uma das maiores vergonhas da História de Portugal. A Ministra das Finanças tem a desfaçatez de discordar da compra pelo BCE da dívida pública dos Estados, alinhando ao lado do BundesBank que defende interesses que nada tem a ver com os interesses portugueses. O Ministro da Economia não tem problemas em vender a Pátria aos pedaços com a mesmo à vontade com que vende sumos de laranja ou de ananás. O Primeiro Ministro não tem na sua conduta corrente um leve assomo de dignidade patriótica. A sua pátria é o mercado. O CDS, intrinsecamente perverso, faz o que for necessário para se manter no poder e eleitoralmente fora dele, afiançando a sua presença com um feroz combate aos pobres, aos doentes e aos velhos, que exibe, sempre que necessário, como credencial de fidelidade ante os devaneios de Portas que tem por missão olhar para os votos.

E lembrarmo-nos nós que este povo que elege esta gente é feito da mesma massa daqueles que há umas décadas gritavam enfurecidos: "Portugal é do povo não é de Moscovo!".

O que obviamente levanta quer se queira quer não o problema dos limites da democracia como forma de governo. Hoje sacralizada e dogmatizada, a democracia deixou de estar sujeita ao ciclo corrector das degeneradas formas de governo. No passado a democracia degenerava-se e degradava-se pela demagogia. Hoje, é pelo dinheiro, pelo mercado e o seu entorno. No fundo, bem no fundo, as causas de degenerescência da democracia como forma de governo tem a ver com o seu contexto. Com o modo como esse contexto condiciona e limita gravemente as pessoas. Por isso remédio não estará, como alguns dizem, em mais democracia, mas na alteração radical do contexto em que ela se manifesta e actua. E para mudar o contexto vai ser necessário abrir um novo ciclo.

Que, como sempre aconteceu, entregará o governo aos melhores. Sem isto queira dizer que o novo ciclo não encerre igualmente perigos, desde logo o de os "melhores" deixarem de atender ao interesse geral para atender ao interesse do grupo. Mesmo assim é preferível abrir um novo ciclo quando a forma de governo vigente se degenera gravemente. É que da regeneração da ruptura sempre fica algo bem mais positivo do que a generalizada degenerescência que antes existia.

 

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

O SOM DO SILÊNCIO


 

E O SEU SENTIDO


Não tenho por hábito lavar a alma. E muito menos em público. Jamais iniciei ou terminei um artigo marcando as minhas distâncias relativamente àqueles que episódica ou num determinado contexto defendo. Nem nunca entro em explicações sobre as posições que adopto ou sobre as defesas que faço para além daquilo que delas se deve ou pode inferir.

Acho de mau gosto que para elogiar certos aspectos de uma personalidade de direita eu tenha de dizer que sou de esquerda ou que para defender num determinado contexto um certo político precise de afirmar que não me identifico com ele.

Acho de mau gosto e pior ainda: tendo a interpretar esses comportamentos como típicas atitudes de insegurança política ou intelectual.

Vem tudo isto a propósito de quê? Por estranho que pareça vem a propósito dos submarinos. Do que esta semana se soube sobre o processo dos “submarinos”, do seu arquivamento, da prescrição de crimes que eventualmente tenham sido praticados e das gravações que a TVI revelou sobre o mesmo tema no seio da família Espírito Santo.

Sobre os submarinos não há qualquer espécie de dúvidas de que houve condenações na Alemanha, por corrupção activa, logo (…) e que em Portugal a Escom recebeu 30 milhões de euros ou na pior das hipóteses 28 milhões de euros de comissões para distribuir por personagens misteriosas. Desse montante apenas se sabe que 5 milhões foram para o Grupo Espírito Santo. Do resto nada se sabe, embora das palavras de Salgado se depreenda, sem esforço, que esse dinheiro foi parar a boas mãos…

Sobre isto, sobre esta vergonha nacional e outras que os mesmos intérpretes estavam a congeminar, apenas parcialmente concretizadas, a justiça portuguesa disse NADA!

É óbvio que há todas as razões para supor que há entre nós uma justiça com fotografia…

E é essa razão por que à primeira vista se compreende mal a posição do PS no caso Sócrates. Aparentemente, é de uma covardia política insustentável, tanto mais que no plano dos princípios e dos objectivos estratégicos de quem se opõe à direita mais reaccionária há um vasto e largo campo de acção.
Pode, porém, o cálculo político ser de outra natureza. Há males que podem vir por bem...
Tendo acontecido o que aconteceu, não será ousado pensar, ponderados os prós e os contras, que para a estratégia eleitoral (e até de governo) de Costa não seja desvantajoso que Sócrates esteja na cadeia. Livra-se de um aliado incómodo e indesejável sem verdadeiramente ter de o sanear ou marginalizar e se conseguir separar completamente as águas entre o PS e Sócrates, como até aqui tem tentado, talvez as vantagens de o ter em "Évora" sejam bem superiores às desvantagens de o ter em Paris com incursões regulares a Lisboa.
É uma hipótese...

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

O DIA COMEÇA MAL


 

TRÊS EXEMPLOS

Para quem se deitou muito tarde e se levanta tarde, o dia não poderia começar pior:

1.º - O Ministro Pires de Lima anuncia com pompa e circunstância a requisição civil na TAP. Justifica-a invocando a supremacia do interesse público sobre o interesse particular, a imagem da empresa e o papel que a TAP desempenha no mundo como elo de ligação entre Portugal e as comunidades portuguesas, além do seu inestimável valor na economia nacional.

Suspendi a respiração. Tentei ficar calmo. Não acredito no que estou a ouvir: "supremacia do interesse público", "inestimável valor  para a economia nacional";  só uma imagem me percorre o espírito. A patroa de uma casa de prostitutas convocando uma conferência de imprensa para lutar contra a prostituição.

2.º - Cavaco chama a Belém, para os homenagear, os empregados de uma câmara do Norte que encontraram na recolha do lixo um envelope com uns milhares de euros e os entregaram à autarquia para devolução ao seu legítimo proprietário.

Três pintos é o que me deve”, como diria o espingardeiro de Camilo (Mistérios de Fafe), quando devolveu ao lavrador as cinquenta meias peças de ouro que encontrou no bojo do bacamarte.

Pois é, muito bonito. A honradez é um grande valor e um bom exemplo. Pena que Cavaco quando lhe ofereceram mais do dobro do valor por que tinha comprado as acções da SLN não tivesse tido um comportamento semelhante ao do espingardeiro de Guimarães.

3.º - A TVI 24 depois de decretada a requisição na TAP leva à antena para explicações um “especialista em direito do trabalho”. Conheço-o vagamente de outros carnavais, mas juro que não sei o nome dele. O anúncio estava porém erradamente feito. Não é um especialista em direito do trabalho, é um lacaio dos patrões a falar sobre direito do trabalho. Alguém me pode fazer o favor de recordar o percurso do dito…

VITOR CRESPO, MILITAR DE ABRIL


 

E TODOS, TODOS SE VÃO…



Abril ficou mais pobre. Mais um que partiu. Destacado elemento do MFA, depois da adesão da Marinha ao Movimento que viria a derrubar a ditadura, Vítor Crespo desde cedo demonstrou a sua inabalável frontalidade na defesa da Revolução ao fazer frente, na Pontinha, em 25 de Abril, ao todo poderoso Spínola, quando pura e simplesmente lhe disse: “Meu General, os tanques continuam na rua…”. E então Spínola foi obrigado a aceitar o que só mais tarde e à sua custa acabaria por compreender: que os “tempos gloriosos” da Guiné tinham definitivamente terminado.

Membro destacado da Comissão Coordenadora do MFA e do primeiro Conselho de Estado, Vítor Crespo foi nomeado Alto Comissário para a descolonização em Moçambique, na sequência dos trágicos acontecimentos do Rádio Clube de Moçambique, de 7 de Setembro de 1974, onde se manteria até à independência.

Membro do Conselho da Revolução desde a sua criação, não obstante as funções que desempenhava em Moçambique, Vítor Crespo nele continuou, com excepção de um pequeno interregno no Verão de 75, até à sua extinção em 1982.

Desempenhou ainda com grande brilhantismo e assinaláveis êxitos as funções de Ministro da Cooperação do VI Governo provisório. Foi com Vítor Crespo na cooperação que se fecharam os principais acordos sobre o contencioso colonial com Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe.

Pode agora dizer-se, como registo da época, que foi com alguma mágoa que Vítor Crespo se viu afastado destas funções governativas no I Governo Constitucional. Mas esse afastamento tinha de ser compreendido como uma consequência inelutável da estratégia que Mário Soares pôs em prática, com a colaboração de Sá Carneiro e também de Freitas, em obediência às imposições da NATO e da “democrática Europa Ocidental” que nem cheiro dos militares de Abril aceitava nos Governos de Portugal.

A estratégia era clara e implacável: primeiro, afastá-los do governo; depois, extinguir o Conselho da Revolução. Os poucos que ficaram durante os governos de Soares, Sá Carneiro e Balsemão não tinham qualquer compromisso sério com a Revolução.

Depois do exercício das funções governativas e após a extinção do Conselho da Revolução, Vítor Crespo, como os demais militares de Abril, foi marginalizado na respectiva arma e politicamente mantido à distância. Somente em épocas de grande investida das forças reaccionárias, como durante o cavaquismo ou agora, é aqueles que tanto contribuíram para o afastamento dos militares de Abril se voltavam demagogicamente a lembrar deles, invocando-os na vã tentativa de reescrever a história.

Mas a História aí estará para homenagear como grandes nomes da Pátria aqueles que, fazendo Abril e derrubando a ditadura, acalentaram o sonho de transformar Portugal. E, entre eles, Vítor Crespo figurará!

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

SÓCRATES – A PROIBIÇÃO DE ENTREVISTAS


 

UMA QUESTÃO COMPLEXA CUJOS CONTORNOS IMPORTA CONHECER

Antes de mais convêm dizer, a propósito da proibição da concessão de entrevistas em prisão preventiva, que o que se está a passar com Sócrates ou o que se passou com Carlos Cruz, poderá passar-se com qualquer outro preso e o que se decidir relativamente a estes valerá nos mesmos termos para qualquer outro, embora seja óbvio que a curiosidade dos meios de comunicação social se não manifesta do mesmo modo relativamente a todos os presos. Somente aqueles cuja notoriedade seja susceptível de interessar o grande público ou aqueles crimes que pela sua natureza adquiram uma grande repercussão social suscitam em regra o interesse da comunicação social. E contra isto nada há a fazer, já que não são os juristas, nem os directores dos serviços prisionais a traçar a linha editorial dos jornais e das televisões.

Isto para responder ao argumento muito em voga nas redes sociais e numa certa “conversa de café” de que com o “Zé Ninguém” ninguém se interessa.

Sobre a questão em concreto - pode ou não quem se encontre em prisão preventiva conceder entrevistas? – entendemos que a resposta deve ser encontrada nas leis e regulamentos relevantes, conformes à Constituição, e deve ser o menos discricionária possível. Ou seja, deve ser uma resposta a que se chegue, a que qualquer jurista possa chegar, pela simples aplicação da lei e não tanto uma resposta em última instância fundada nas valorações pessoais de quem decide. Como se diz em direito, uma resposta derivada de uma aplicação vinculada da lei e não uma resposta discricionária.

Embora não tenhamos especiais conhecimentos de processo penal ou de direito penitenciário (se assim se pode chamar), sendo mesmo muito escassos esses conhecimentos por da matéria estarmos afastados há mais de quatro décadas, parece-nos que os aspectos relevantes da questão são os seguintes:

Em primeiro lugar, uma pessoa pelo facto de estar presa não deixa de ser titular dos direitos fundamentais que a Constituição consagra, embora fique sujeita às restrições impostas pela natureza da pena ou da medida de coacção ou da segurança e da ordem do respectivo estabelecimento prisional.

Em segundo lugar, as restrições aos direitos fundamentais (direitos, liberdades e garantias) têm de estar expressamente previstas na Constituição, devem limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, devem revestir natureza geral e abstracta e não podem afectar o conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.

Do exposto decorre, antes de mais, que há um princípio constitucional norteador, incontornável, da aplicação de qualquer restrição ou limitação de um direito fundamental – esse princípio é o da proibição do excesso. As restrições ou proibições não devem ir além do que é estritamente necessário à salvaguarda de outros direitos ou interesses. Devem ser proporcionais ao fim que legitimamente se pretende salvaguardar.

No caso da prisão preventiva (a prisão fundada em sentença estará, em parte, sujeita a um regime diferente…), a primeira questão que há a equacionar é a de saber se a proibição de concessão de entrevistas se enquadra na medida de coacção decretada e se por ela é exigida. E essa decisão (é de uma decisão que se trata e não de um parecer, segundo se crê), só pode ser tomada pelo juiz de instrução criminal que pode (ou deve?) para o efeito ouvir o ministério público.

Supondo existentes os indícios dos tipos de crime que podem justificar a decretação da prisão preventiva, dos três fundamentos que a legitimam (fuga ou perigo de fuga; perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo, nomeadamente aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou perigo de que o arguido continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas) nenhum deles parece, razoavelmente, poder justificar a proibição. Seria manifestamente excessivo impor uma restrição ao exercício de um direito fundamental que não é necessária ao fim visado por qualquer dos fundamentos da prisão preventiva.

Em que medida pode a concessão de uma entrevista facilitar o perigo de fuga, se o arguido está preso? Ou perturbar a instrução do processo, nomeadamente a prova, se o arguido não tem qualquer tipo de acesso à dita? Ou possibilitar a actividade criminosa ou perturbar gravemente a ordem e a tranquilidade públicas? Não se vê que qualquer destes fins possa ficar prejudicado por via de uma entrevista.

Claro que a entrevista pode dar da prisão do arguido uma versão diferente da que foi veiculada pela acusação. E depois? Somente em ditadura é que a “quebra pública” do consenso (falso) existente pode constituir um factor de perturbação da ordem pública. Em 1958, a entrevista de Humberto Delgado ao jornal República constituiu sem dúvida uma grave perturbação da ordem fascista. Mas em democracia não há lugar a isso. Não pode o poder político considerar que uma entrevista constitui uma grave perturbação da ordem pública, como também os magistrados não podem supor que uma simples entrevista perturba o processo ou põe em causa a ordem e a tranquilidade públicas. A magistratura tem de se democratizar, de se habituar a conviver com o contraditório imposto pela opinião pública e pelos próprios visados nos processos por ela julgados. Não há nisso qualquer mal, desde que respeitadas as regras elementares da convivência social.

A justiça não pode refugiar-se no seu casulo, como coisa dos magistrados, de que a sociedade só conhece o resultado. Ela tem de estar preparada para a crítica e para a fundamentação adequada ( e também convincente) das decisões que toma, tanto mais que a maior parte delas, digamos mesmo, a esmagadora maioria delas, não decorre de uma aplicação matemática (puramente lógica) da lei (isso somente acontece em casos muito contados) mas de uma valoração em que muitas vezes intervêm factores eminentemente subjectivos.

Se os fundamentos que, do ponto de vista do juiz de instrução criminal, ditaram a prisão preventiva não são postos em causa pela concessão de uma entrevista a um jornal, já terá de admitir-se, em tese, que da razão de ser de outras medidas de coacção, nomeadamente a imposição ou a proibição de certas condutas, pode resultar a proibição de conceder entrevistas.

Assim, o juiz pode impor ao arguido (se houver indício de crime doloso a que corresponda pena de prisão de máximo superior a três anos), a obrigação, entre outras que para o caso não interessam, de não contactar, por qualquer meio, com determinadas pessoas.

Só que esta proibição de contactos – se é que existe no caso concreto – não pode assumir a natureza de uma proibição genérica. Não se pode configurar a medida de coacção, de proibição de contactos, de modo a abranger toda uma categoria profissional, como nalguns casos já vimos decretado: por exemplo, a “proibição de o arguido contactar magistrados judiciais ou do ministério público” é manifestamente inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade. Causas específicas do processo podem determinar que o arguido esteja proibido de contactar certos magistrados - a, b e c - mas não todos. O mesmo se diga relativamente à proibição de contactar jornalistas ou de conceder entrevistas.

A proibição de o arguido se explicar perante a opinião pública, nomeadamente quando existe uma fortíssima campanha de opinião contra a sua pessoa, com base em indícios postos a circular por quem conhece o processo, não só deve ser permitida como se justifica plenamente à luz do que vem sendo tornado público. Além de que nem sequer se poderá dizer que essa entrevista visa por em campo uma campanha contrária à que diariamente tem sido veiculada por meios de comunicação próximos das teses da acusação, tanto mais que o jornal em questão tem dado mais acolhimento a estas teses do que às opostas. Portanto, a proibição não pode verdadeiramente fundar-se no receio oculto, não explicitado, de que haja uma inversão da opinião pública, susceptível de descredibilizar o processo, não por via das palavras de quem se defende, mas por o processo não assentar em factos suficientemente sólidos para se aguentar pelos seus méritos.

A justificação da proibição tem, pela natureza e dimensão desta, de ser compatível com o direito fundamental do arguido (liberdade de expressão)  no caso sacrificado para protecção de um interesse constitucionalmente protegido. Se não for esse o caso, se o interesse constitucionalmente protegido, para se manter actuante e eficaz, não exigir o sacrifício do exercício daquele direito, então a proibição não pode ser decretada .

E não havendo, como juridicamente parece não haver, justificação para a proibição no quadro das medidas de coacção decretadas, caberá ao director geral dos serviços decidir, em conformidade com as leis e os regulamentos em vigor, tendo sempre em conta os princípios e normas constitucionais acima citados.