quarta-feira, 22 de julho de 2015

UM PROCESSO À DERIVA


AGORA É A OI, MAIS A VIVO E A PT

Continuando a seguir o processo “Operação Marquês” pelo Correio da Manhã – e não há até hoje nenhuma razão para considerar infundadas as notícias nele divulgadas sobre as fases investigatórias por que este processo tem passado – não pode deixar de considerar-se que se está perante um processo completamente à deriva – um processo que tendo partido de uma ideia vagamente apoiada em factos e não tendo, não obstante o tempo já decorrido, sido capaz de se fixar num rumo relativamente seguro nem de coligir um conjunto de factos processualmente credíveis e penalmente relevantes, se vai alimentando de investigações ou pseudo-investigações que noutros contextos, inclusive noutros países, vão sendo feitas.

Do ponto de vista jurídico já dissemos tudo o que sobre o assunto havia a dizer. Na primeira hora e nas horas subsequentes. Tudo o que então foi dito não apenas mantém actualidade, como viu essa actualidade reforçada pelo conhecimento que se vai tendo da investigação.

A tese de que de que a investigação partiu, completamente sufragada pelo juiz de instrução criminal, se não mesmo mais do que isso, é conhecida e logo foi evidenciada no nosso segundo escrito sobre este assunto.

A ideia base é esta: há aqui um tipo, que foi ministro e primeiro-ministro deste país, que está, desde que deixou de exercer funções governamentais, a viver manifestamente acima das suas possibilidades; além disso tem ar de malandro, tem um grupo de amigos tão ou menos recomendáveis do que ele; seguramente estará metido em quanta porcaria existiu durante os seus mandatos; com base em alguns factos conhecidos, que serão amplamente difundidos pela imprensa, fundamentar-se-á a sua prisão; e com ele na cadeia investigar-se-á toda a sua vida, as suas amizades, os negócios em que participou em nome do Estado português… e alguma coisa se há-de encontrar; como isto é muito complexo, poder-se-á contar com o prazo de um ano, eventualmente de ano e meio, para fazer a investigação e deduzir a acusação. Mãos à obra!

E assim se fez. Quem se der ao trabalho de coligir e enumerar os múltiplos negócios sob suspeita, geradores de proveitosos réditos, e a facilidade com que se deixam cair uns e se pegam noutros, chega inevitavelmente a duas conclusões:

Primeira – Para recoltar todos esses proventos, quer pelo seu número, quer pela sua magnitude, seria necessário dispor de uma poderosa organização que manifestamente se não compadece com a omnipresença diligente de um estimado amigo; logo, será necessário ampliar, e muito, a investigação;

Segunda – A frequente passagem de um tema para outro, a dificuldade em se fixar num assunto, em estabelecer e fixar factos susceptíveis de integrarem um tipo legal de crime, leva a investigação a saltitar de um negócio para outro, com a ansiedade e o pânico típicos de um náufrago à deriva que sente afastar-se cada vez mais da linha da costa – em resumo, está-se perante um processo completamente à deriva.

Conclusão: Como tudo o que está sendo feito é absolutamente inaceitável num Estado de Direito, como é hoje evidente que se prendeu para investigar, tem de concluir-se, qualquer que seja o desfecho deste processo e não obstante as decisões intercalares já proferidas (quase todas juridicamente lamentáveis), que se está muito próximo de uma situação de “cárcere privado”, convenientemente disfarçada pelo exercício de um poder discricionário inconcebível em processo penal.


terça-feira, 14 de julho de 2015

O EXPERIENTE CAVACO



NADA MELHOR DO QUE CONTAR A HISTÓRIA


Para começar talvez não seja exagerado afirmar que as intervenções de Cavaco, formais ou informais, já estão a ser aguardadas pela esquerda com uma expectativa semelhante à que acompanhava as famosas declarações de Américo Tomaz. Com uma diferença, Tomaz era mais modesto. Cavaco, pelo contrário, junta o ridículo das suas tiradas a uma pesporrência que não se deve deixar passar em claro.

Hoje, mais uma vez, Cavaco do alto do seu auto-convencimento voltou a afirmar que os políticos gregos foram inexperientes e cometeram vários erros que vão custar caro à Grécia e ao povo grego.

Por aqui já ficamos com uma ideia do modo como Cavaco, enquanto Presidente da República, interpreta a sua obrigação constitucional de defender a soberania nacional e mais ainda como ele próprio avalia a actuação dos que na Europa, nesta Europa da União Europeia, se portaram como verdadeiros bandoleiros. Como saqueadores que não se contentam com o produto do saque, mas querem muito mais do que isso: querem humilhar os saqueados e deixar um aviso aos relutantes das consequências retaliatórias que os espera se porventura tiverem a veleidade de imitar a Grécia ou de seguir um caminho parecido com o trilhado pelo governo grego.

Se nada disto constitui surpresa quanto ao comportamento expectável de Cavaco, constituiria sem dúvida uma gratíssima surpresa que Cavaco nos desse conta do modo como se comportou na CEE durante os dez anos em que foi Primeiro Ministro.

Cavaco que é tão dado a “Roteiros” prestava um grande serviço à História se apresentasse documentos comprovativos da sua participação no Conselho Europeu, então órgão informal, mas nem por isso menos relevante na discussão e decisão das questão que à época foram importantes na vida da Comunidade Europeia. Todos gostaríamos muito de conhecer como actuou o experiente e avisado Primeiro Ministro na defesa dos interesses portugueses.

Mas há mais: foi durante os dez anos de Cavaco como PM que foi negociado, aprovado e depois ratificado o Tratado de Maastricht. Que é nem mais nem menos o documento mais importante até hoje negociado no seio da que a partir de então se passou também a chamar União Europeia. É do “ventre” desse tratado que sai tudo aquilo que a UE hoje é.

Como Cavaco é um homem muito avisado e experiente certamente desde logo percebeu o enorme alcance desse tratado e o papel que lhe cabia como modelador da nova Comunidade Económica Europeia. Seria por isso indispensável, quanto mais não seja para que a História reconhecesse os seus méritos, que os arquivos fossem desclassificados e que os historiadores pudessem conhecer o papel desempenhado pelo Primeiro Ministro no aconselhamento e orientação do texto que em Bruxelas durante larguíssimos meses ia sendo negociado pelos diplomatas portugueses e outros funcionários públicos. Que intervenções internamente teve o Primeiro Ministro. Que orientações deu ao Ministério dos Negócios Estrangeiros. Em suma, como acompanhou interventivamente tão importante negociação.

Ainda estão vivos, felizmente, os diplomatas que em Bruxelas arcaram com a responsabilidade de negociar o tratado. Seria muito positivo para uma correcta avaliação do papel de Cavaco na condução dos assuntos europeus que também eles pudessem dar o seu testemunho sobre a participação de Cavaco nessas negociações.

Se Cavaco o não fizer, se não trouxer ou deixar trazer à luz do dia a documentação que atesta a sua experiência e sabedoria na condução dos assuntos europeus, vai ficar seguramente amputada uma das facetas mais importantes da personalidade política do grande leader lusitano.
E muitos até vão dizer que Cavaco, em Bruxelas, entrava mudo e saía calado. E que somente se deu conta de que havia um novo Tratado quando tomou conhecimento que tinha de o ir assinar a Maastricht.


quarta-feira, 8 de julho de 2015

A EUROPA, A GRÉCIA E NÓS


O QUE FAZ FALTA

Diz Wolfgang Münchau que não há nenhuma teoria económica respeitável que possa sustentar a ideia de que uma economia mergulhada numa profunda depressão há oito anos por força de sucessivos programas de austeridade necessita de uma nova rodada de austeridade para alcançar os equilíbrios económicos indispensáveis ao crescimento, ou seja, para sair da depressão.

Não há teoria económica nem há inteligência que acredite em semelhante monstruosidade. A União Europeia e os governantes que preconizam esta política também não acreditam no resultado que aparentemente defendem. No que eles acreditam, e muito, é noutra coisa – eles sabem que esta política é a que melhor os defende dos aleas da democracia e a que lhes permite manter sob tutela política os povos que fazem parte da União Europeia, nomeadamente os da zona euro.

Reduzida a democracia a uma caricatura, sem qualquer expressão no plano económico, social ou cultural, e desprezada a vontade popular pela “impossibilidade” de pôr em prática políticas alternativas, qualquer que seja a real vontade do eleitorado, a “Europa”, esta “Europa” que nos governa, tem por esta via garantida uma política de sentido único que visa reforçar o poder do capital, agravar a desigualdade na distribuição do rendimento, fragilizar e precarizar o trabalho e reconduzir a força de trabalho à condição de servidão de que apenas há pouco mais de um século se começou a libertar.

Estas as razões por que é tão decisiva a luta dos gregos. Nesta luta, como em todas as grandes batalhas, o que importa é nunca perder o sentido estratégico do combate. Quem se deixar enredar em manobras de diversão, quem fizer do acessório o principal, quem se perder na “pureza dos princípios”, além de correr o risco de se deixar enganar por quem apenas pretende alterações cosméticas, mantendo, no essencial, tudo na mesma, despreza também uma oportunidade única de introduzir mudanças substanciais na política portuguesa como nunca mais houve desde 25 de Novembro de 1975!

Ouvindo os programas de radio e de televisão que abrem as suas antenas à opinião popular, frequentando as redes sociais, percebe-se que houve um acolhimento muito favorável à decisão dos gregos por parte dos portugueses. Por toda a parte o cidadão anónimo louvou a coragem dos gregos, o seu patriotismo, a afirmação de orgulho nacional, a rejeição das inconcebíveis ingerências com que através da ameaça, da chantagem e da criação de um clima de terror se pretendeu influenciar o sentido do voto. Percebeu-se pelas inúmeras reacções havidas ao resultado do referendo que a generalidade dos portugueses soube valorizar as condições em que na Grécia se exprimiu a vontade popular.

Portugal, não estando nas mesmas condições da Grécia, está igualmente numa situação potencialmente explosiva. O peso da dívida portuguesa, da pública e da privada, superior a duas vezes e meia o PIB nacional, é economicamente insustentável. Sem uma política que aponte inequivocamente para a reestruturação da dívida, os portugueses vão continuar sujeitos a políticas de austeridade cada vez mais violentas não apenas para pagar o serviço da dívida, mas também para a criação de excedentes primários intoleráveis (da ordem dos 4 ou 5 por cento) com vista à tentativa impossível de diminuir o seu peso.

Esta questão e a atitude perante Bruxelas é que tem de ser decisiva para a determinação do sentido do voto de esquerda. Esperar que seja a Europa a mudar, apresentar um programa eleitoral com base nesse pressuposto é o mesmo, ou talvez até pior, que o programa daqueles que se limitam a fazer aquilo que a Europa permite. A esquerda não pode dar o seu voto a quem não ofereça garantias de lutar, com todas as consequências que daí decorrem, por uma política que defenda o interesse nacional. Uma política que rompa com a austeridade, que defenda o estado social, que restitua a dignidade do trabalho, revogando a legislação que o discrimina negativamente e restaurando os direitos eliminados e, finalmente, reforce o papel do Estado nos diversos domínios da vida nacional, nomeadamente no plano económico e das competências de que tem vindo a ser expurgado nos últimos anos.


Daqui decorre que nas próximas eleições o perigo não esteja nem venha propriamente da direita. O nosso problema não está na Direita que usa o nome- - essa representa na melhor das hipóteses 37% dos votos; o nosso problema está na direita que não usa o nome e se esconde atrás da esquerda fazendo-se passar por uma parte dela!

segunda-feira, 6 de julho de 2015

UM SIMPLES PALPITE SOBRE O PRÓXIMO FUTURO DA GRÉCIA


A CIMEIRA DE AMANHÃ

Creio que a Frente Nacional de Marine Le Pen pode ter um papel determinante na “salvação” da Grécia.  

Dito assim é estranho ou, no mínimo, parece estranho. Explicando melhor: Merkel vai hoje jantar com Hollande no Eliseu. Em princípio, como tem feito até aqui, imporia as suas soluções cobrindo-as com a capa do consenso franco-alemão. Desta vez não vai ser tão fácil. Os franceses, Hollande, não vão querer deixar cair a Grécia e muito menos empurrá-la para fora do euro. Por solidariedade? Nada disso. Por imposição dos princípios socialistas? Menos ainda. Muito simplesmente, porque, nesse cenário, a FN constituiria uma ameaça real para ambos os partidos do sistema francês.

A Alemanha vai resistir. Com vistas curtas, como sempre, quer lá saber da FN. Na Alemanha não há FN. Ou se há, já esta no poder, disfarçada, sem tão cedo poder mostrar a face. Para fazer frente a este desalinhamento da França vai arregimentar as suas tropas: a Finlândia, Portugal, a Holanda, a Roménia, a Polónia, os Bálticos, a Eslováquia, a Croácia, a desgarrada Áustria e vai tentar impor na cimeira de amanhã uma orientação política que lhe garanta margem de manobra relativamente à Grécia.

Mas a França não vai desistir. Não pode desistir. Talvez a Itália dê uma ajuda. E pode até acontecer que o manhoso galego veja nesta posição da França alguma vantagem e, sem se aliar a ela, a não desautorize, não apoiando abertamente a Alemanha. Quanto à Inglaterra, desde que não tenha de pôr dinheiro, convém-lhe que a Grécia se mantenha no euro.

Conclusão: vai haver novo resgate, com ressalva de algumas linhas vermelhas impostas pelos gregos, o BCE não vai deixar cair os bancos gregos e vai-se vagamente prometer falar lá mais para a frente sobre a dívida grega. Ainda não será desta que a bomba atómica cairá sobre Bruxelas…embora haja cada vez mais radioactividade à solta.

AS ESCLARECEDORAS DECLARAÇÕES DE ANTÓNIO COSTA


A PROPÓSITO DOS POLÍTICOS DO  SPD

O Secretário-geral do PS, nesta onda Syriza que pretende surfar sem se molhar, sentiu necessidade de se demarcar dos seus correlegionários alemães, Sigmar Gabriel e Martin Schultz. Do holandês passou ao lado, sob pena de se descredibilizar tanto mais quanto mais pretendesse salvá-lo.

Só que as suas palavras a propósito dos alemães são muito mais esclarecedoras do que aquilo que ele poderia supor. Diz Costa que não se revê nas palavras de Gabriel e reconhece que ele falou mais como vice-chanceler alemão do que como socialista.

Aqui é que está o problema. É que com estes socialistas europeus a gente nunca sabe em que qualidade nos falam e qual das declarações contraditórias é para levar a sério. Quem nos garante que, falando hoje Costa como fala, não falará amanhã de outra maneira como primeiro-ministro português?


Conclusão: só nos podemos fiar nos políticos que mantêm inalterada a coerência do discurso qualquer que seja a qualidade em que actuam ou o cargo que exercem.

domingo, 5 de julho de 2015

AS FRASES FEITAS E O SEU SENTIDO


MAIS UM BREVE APONTAMENTO

A imprensa espanhola, principalmente a próxima do PSOE, como, de resto, a portuguesa próxima do PS, não se cansa de dar lições de moral aos gregos e de criticar o Syriza pela sua actuação. São raríssimas as excepções, mas não é das excepções que queremos falar, mas sim do que é normal e corrente.

Diz o El Pais de hoje que o “Não” ameaçará a irreversibilidade da moeda única e minará a credibilidade da União Europeia numa época de crescente euro-cepticismo. Mas logo acrescenta que a factura será ainda pior para a Grécia, cujo primeiro-ministro Alexis Tsipras, promotor da consulta e da ruptura de pontes com a Europa, queimou em seis meses o seu capital político. E traça a seguir um cenário apocalíptico sobre o futuro da Grécia.

É sobre a parte sublinhada em itálico que gostaríamos de dizer alguma coisa. Em primeiro lugar, por que razão se afirma que Tsipras rompeu as pontes com a Europa? Por que não o contrário, conhecidos que são os relatos das reuniões havidas entre as partes? Porque para os jornalistas desta corrente quem “rompe as pontes” é quem não aceita os diktats da Europa. E com que legitimidade se afirma que Tsipras “queimou em seis meses o seu capital político”? Para responder a esta segunda questão convém demorar mais algum tempo.

A chegada do Syriza ao poder foi saudada pela esquerda europeia, foi também saudada por uma direita nacionalista que não aceita a subserviência a Bruxelas e foi ainda saudada, com algumas reticências, por alguns partidos socialistas e social-democratas do sul que se encontram na oposição e que vislumbraram na chegada ao poder do Syriza a possibilidade de os patrões da Europa fazerem certas concessões aos críticos da austeridade. Logo, porém, que se começou a ter a certeza de que as exigências dos credores não abrandavam, pelo contrário, cresciam de tom e de intensidade, e que as promessas eleitorais do Syriza não eram “papel molhado”, mas para levar, tanto quanto possível, a sério, a posição dos ditos partidos socialistas e social-democratas alterou-se radicalmente. Da vaga e interesseira simpatia inicial rapidamente se passou ao distanciamento e à crítica ao “radicalismo” do Syriza para daí partirem para a conclusão inevitável: “Tinham razão, mas perderam-na; destruíram em seis meses o capital de simpatia com que partiram”.

Não pode haver maior hipocrisia, nem pior covardia e servilismo políticos do que os daqueles que se abrigam sob a falsa capa de uma moral comportamental. De facto, o que os partidos socialistas, social-democratas e seus acólitos criticam é que o Syriza tenha tentado pôr em prática as suas ideias e promessas eleitorais e o que eles escondem é que, como sempre, nunca estiveram dispostos a lutar por uma via diferente para a Europa e a arcar com as consequências dessa luta, mas antes esperavam, como normalmente espera quem não tem a coragem de lutar, que sejam os “senhores” a satisfazer os seus interesses. E aqui reside a razão da tal “queima do capital político” com que partiram. Queimou-se, porque confrontaram corajosamente os patrões e os credores da Europa com as suas propostas não se aninhando perante as suas exigências. Romperam as pontes, porque restituíram ao povo o direito de se pronunciar e de decidir sobre o sentido desse confronto.

Para os socialistas normal e coerente seria aceitar o que vem de cima e esperar, depois dessa manifestação de boa vontade, que no regaço lhes caia a generosidade de uma migalha magnanimamente prodigalizada pelos "senhores da Europa"

Perguntar-se-á, porquê este ataque aos socialistas e nem uma palavra sobre a direita? A razão é simples. Quanto à direita, o chamado “povo de esquerda” não tem qualquer ilusão: sabe que é uma direita servil e antipatriótica que ataca os pobres, os velhos, os desempregados, os doentes, as crianças carenciadas, o estado social e que defende os ricos e os poderosos depois de servidos os credores. Quanto a estes não há equívocos, nem enganos. O perigo vem de outro lado…


sexta-feira, 3 de julho de 2015

A PROPÓSITO DAS DECLARAÇÕES DE DURÃO BARROSO



UM SIMPLES APONTAMENTO

As declarações de Durão Barroso sobre os méritos do Governo Português merecem ser analisadas com atenção. Hoje, no plano internacional, praticamente não há contraditório relativamente às teses dominantes da corrente hegemónica. É uma hegemonia que não deixa de usar a força, sempre que vislumbra uma hipótese de êxito pela sua utilização, mas que sabe muito bem que somente através da força não conseguiria alcançar os objectivos pretendidos e, acima de tudo, mantê-los. Para isso recorre ao aparelho ideológico que tem o condão de conformar as vontades e tornar natural e sem alternativas o que visto cruamente apareceria aos olhos da maioria como simplesmente aberrante.

Nenhum dos dois grandes poderes que integram as sociedades e os grupos - o poder político e o poder económico – poderiam manter-se, por mais fortes que fossem, se não tivessem ao seu serviço, para cimentar o que eles naturalmente desunem, um fortíssimo poder ideológico.

As grandes hegemonias assentaram sempre num poder ideológico sem brechas e eficaz. É disso que hoje goza o capitalismo, na sua fase de dominância de capitalismo financeiro, nas sociedades neoliberais dos nossos dias.

Duas ideias estão profundamente enraizadas no pensamento da generalidade das pessoas – a primeira é a de que somente o modo de produção capitalista é eficiente e de que o é tanto mais quanto menor forem os custos do trabalho que o oneram; e a segunda, que é uma consequência desta, é a de que no mundo globalizado em que vivemos não há alternativa a este modo de estruturação das sociedades.

O simples poder político ou mesmo o poder económico na sua máxima expressão e potência jamais seriam capazes de consolidar e fazer aceitar estas ideias, sem o importantíssimo papel desempenhado pelo poder ideológico nas suas múltiplas e altamente eficazes manifestações.

Portanto, a luta sem deixar de ser política e económica, nunca pode desprezar o factor ideológico que deve ser atacado sem contemplações em todas as frentes em que o mesmo se manifesta e são muitas – ensino, media, a religião, a moral dominante, etc.

Pois bem, o discurso de Barroso é simultaneamente a expressão desse poder e sua vítima. Quando Barroso, hoje simples cidadão de um pequeno país causticado pelos credores, diz que o mérito do Governo está em Portugal se ter apropriado das reformas que de fora lhe estavam sendo veiculadas, ele exibe o que de mais penoso e lamentável existe na natureza humana – a identificação da vítima com o agressor.

Esta era (e é) a doutrina que o FMI e a Comissão Europeia não deixaram de veicular até hoje para consolidar as suas imposições e que começaram por tentar pôr em prática em África nos já longínquos anos 80 e 90 do século passado. Os países, que à força (em consequência da dívida contraída no exclusivo proveito das potências do norte) eram convertidos ao neoliberalismo com base em violentos programas de ajustamento estrutural, foram singelamente classificados em dois grupos: de um lado os que “internalizaram” as reformas; do outro, os que reagiam a essa ideia de assumir como sua uma imposição do inimigo. Apesar de tudo, os africanos, talvez por terem sido vítimas de uma secular exploração, souberam reagir a isto muito melhor que a maior parte das chamadas “elites do Norte “dos países devedores. Fazendo uso desse saber secular, aprendido a duras penas, iam dizendo a sim que tudo e fazendo o que muito bem entendiam. Que é que tinha a perder quem já tinha tão pouco?

Ora, não pode menosprezar-se na conduta das pessoas este permanente constrangimento que ou as impede de pensar de outra forma ou as leva a pensar assim. Não é justo, em muitos casos, não evidentemente em todos, imputar certas tomadas de posições, concordantes com as posições dominantes,  a interesses inconfessáveis.

Quando pessoas, como por exemplo, Vital Moreira, se manifestam como se têm manifestado a propósito da Grécia e do Syriza, sem prejuízo da sua natural inclinação pelas teses liberais, como noutros escritos já se tentou demonstrar, não será razoável imputar esse posicionamento a vantagens pessoais de natureza material ou semelhante. Por que não reconhecer antes que essas pessoas não foram capazes de resistir à constante e insidiosa manipulação das organizações internacionais em que participaram, autênticos órgãos segregadores da ideologia dominante? Tanto mais, que é depois da passagem por essas organizações que os maiores dislates verbais ocorrem. Infelizmente, nem todos estão em condições de resistir às consequências desse “mergulho ideológico" nas organizações internacionais. Uns são fortes, infelizmente poucos, outros são fracos e débeis.

Algo de semelhante se passa num outro tipo de posição assumida por gente comum. Gente que não faz opinião, mas que é ela própria expressão da opinião dominante. É sabido que a União Europeia, ou seja, os credores que a dominam, põe em prática uma actuação fortemente punitiva relativamente aos países devedores e, dentro destes, uma punição direccionada em relação ao maior número, ou seja, aos que menos tem.

Uma punição que funciona a dois tempos: a primeira é a punição que visa castigar o chamado “risco moral”. “Portaste-te mal, endividaste-te acima das tuas possibilidades, pois para não voltares a fazer o mesmo vais ficar a saber o que é viver dentro das tuas possibilidades pelo tempo que necessário for”. Esta máxima que assenta no chamado “senso comum” tem o condão de ser apreensível na sua superficialidade aparente pela generalidade das pessoas. E mais do que isso: de levar essas pessoas a concordar com ela.

De fora, fica obviamente qualquer juízo sobre a sua irracionalidade numa perspectiva macro, bem como a imputação subjectiva de qualquer responsabilidade a quem facultou (e muito ganhou com isso; e continua a ganhar) os meios necessários para esse endividamento.

A segunda manifestação desta punição ocorre quando alguém ao leme do país devedor tenta inverter este ciclo infernal, pugnando por uma solução racional susceptível de servir o maior número. Aí a punição redobra de intensidade: não apenas se mantém o que antes já era mau, como se agrava até ao péssimo o que agora se passa a impor.

E então, as pessoas que antes já estavam dominadas por aquela máxima do chamado “senso comum”, multiplicam (supõem que multiplicam) as suas defesas e passam a pensar exactamente aquilo que os verdugos querem que elas pensem: quem se atrever a tentar mudar o que está, corre o risco de pôr tudo muito pior. Logo, o que se impõe é deixar ficar as coisas como estão.

Há neste tipo de actuação da União Europeia algo que parece filiar-se na “retaliação nazi”. Nos países ocupados, os nazis, para evitar todo e qualquer tipo de resistência, organizada ou não, retaliavam indiscriminadamente sobre um grande número ao menor sinal de “dissidência”. Hoje, apesar de os meios serem diferentes, os objectivos são exactamente os mesmos.