segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

RETRATO DA ONGOING





UM PADRÃO DE EMPREENDORISMO



O longo artigo publicado no Público de ontem sobre a Ongoing vale a pena ser lido, para se ficar com uma ideia de como se passam as coisas neste país em matéria de negócios.

Embora a investigação deixe muito a desejar no plano substantivo, ela é mesmo assim importante por trazer à superfície a rede de amigos influentes de que a Ongoing se tem servido para se lançar no mundo obscuro do capitalismo português.

Importa também dizer que a publicação de tal artigo não pode deixar de ser interpretada no contexto de velhas contas a ajustar entre os patrões do Publico e a Ongoing, relacionadas com a fracassada tentativa da OPA da Sonae sobre a PT.

Prescindindo de outras considerações, o que interessa perceber é que há um grande e descarado tráfico de influências aos mais diversos níveis, uma promiscuidade obscena entre a política e o capital e uma rede tentacular de “amigos” com capacidade para integrar grande parte da malandragem que realmente manda neste país.

Outras organizações certamente haverá. Que igualmente recorrerão aos mesmos processos e integrarão os mesmos ou outros malandros.

Uma coisa parece, porém, cada vez mais óbvia: com uma “redada” que apanhasse ai uns quatrocentos ou quinhentos isto ficaria limpo. Mais tarde ou mais cedo vai ter de acontecer…




quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

CASA PIA: RELAÇÃO CONFIRMA, NO ESSENCIAL, A SENTENÇA



SÁ FERNADES DERROTADO EM TODA A LINHA



Sá Fernandes, que utiliza com ligeireza a televisão para fazer o julgamento dos processos em que intervém como advogado, sofreu nestes últimos dois dias uma rotunda derrota que deve servir de exemplo a todos aqueles que pretendem pressionar os tribunais por via de uma opinião pública tanto mais impreparada e ignorante quanto mais complexa é a matéria sobre que pretende pronunciar-se.

No caso Casa Pia, o Tribunal da Relação, por unanimidade, declarou a nulidade da sentença na parte relativa aos crimes praticados na Casa de Elvas, baixando o processo de novo à primeira instância nesta parte, e confirmou em toda a linha a sentença anterior, mantendo inalteradas as respectivas penas.

A nulidade da parte do processo relativo à Casa de Elvas aproveitou, até ver, a Hugo Marçal que somente estava condenado pela prática desses crimes, mas não impediu a condenação dos restantes arguidos – Carlos Cruz, Abrantes, Ritto, Silvino e Ferreira Diniz - que, para já, apenas aproveitam, no cálculo da pena, de aquele crimes não terem sido considerados.

De todo modo é bom que se explique que o Tribunal não emitiu qualquer juízo substantivo sobre os factos de Elvas, tendo-se limitado com base num juízo procedimental a declarar a nulidade do processo nessa parte.

Em princípio, não haverá recurso para o Supremo, salvo ao que parece no caso do Silvino, mas é muito provável que os condenados recorram agora para o Tribunal Constitucional, não sendo de estranhar que novamente utilizem todos os meios que estão à sua disposição para fazer correr o tempo e tentarem pela via do seu decurso obterem o que pelas vias normais não conseguiram.

ZECA AFONSO

FOI HÁ 25 ANOS


quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

POLITEIA – IV ANIVERSÁRIO



INTERESSA CONTINUAR?

A Politeia faz hoje quatro anos. A maior parte dos mais de dois mil posts aqui publicados foram escritos com entusiasmo. Não certamente com o entusiasmo de quem julgava que iria mudar o mundo mas antes com a convicção de quem permanentemente estava fazendo um esforço para apresentar as coisas de um modo diferente do habitual.

O horror aos lugares comuns, às falsas explicações acriticamente repetidas em cadeia e ao eco acefalamente reproduzido a partir das intervenções dos fazedores de opinião foram o principal alvo deste blogue. Mas há uma altura a partir da qual quem escreve começa a sentir que está a incorrer nos mesmos vícios daqueles que critica: a originalidade começa a escassear, as ideias tendem a repetir-se e falta de entusiasmo começa a manifestar-se.

Dai a pergunta: interessa continuar?

UMA NOTA SOBRE A EXECUÇÃO DO MEMORANDO





O SENTIDO DO ÊXITO





Durante o Carnaval fomos inundados com informações sobre a avaliação que a Troika fez da execução do Memorando de Entendimento. Falou-se em êxito e houve mesmo um Ministro do CDS que realçou importância deste caso de sucesso no contexto da União Europeia.

Contrariamente ao que se disse em certos meios da oposição, o êxito que a Troika vai confirmando e o caso de sucesso a que se referia o Ministro do CDS têm toda a razão de ser. A Troika e o Governo não estão minimamente preocupados com o emprego nem com os direitos de quem trabalha, assim como também não estão nada interessados em que o dinheiro das receitas do Estado se destine a despesas sociais ou sirva neste momento para fomentar o crescimento.

É certo que a recessão os incomoda e pode mesmo pôr em causa o “êxito” do Programa. Mas essa é uma questão com que apenas se vão preocupar daqui a uns tempos. Enquanto a situação for socialmente sustentável – e a sustentabilidade social não se mede por critérios de natureza exclusivamente económica – a Troika e o Governo tudo farão para pôr em prática as medidas previstas no Memorandum, seguros de que dessa execução resultará um país um país muito diferente daquele que existia quando os homens da Troika pisaram pela primeira vez solo português.

Se em certas camadas mais sensíveis da população começar a haver a convicção de que o país não tem saída e de que o futuro que as espera será muito diferente daquele que chegaram a idealizar, lá se arranjará para acalmar os ânimos um pseudo programa de promoção do emprego jovem a que o Ministro Relvas se encarregará de emprestar a retórica devida para tentar credibilizar mais uma farsa.

Para a Troika e para o Governo português o que está em causa é a construção de um novo conceito de sociedade, exclusivamente fundado no mercado e nas suas forças, de modo a que todos aqueles que dela fazem parte actuem sem protecções de nenhum tipo, dando assim corpo a uma ideia tão velha como a do próprio capitalismo segundo a qual quem participa em qualquer actividade social deva fazê-lo em condições de plena igualdade formal com os outros.

O objectivo do Governo, em sintonia com a Troika, é garantir a plena igualdade formal de todos os que participam no processo social – a tal democracia económica de que falava Passos Coelho – já que ela é caminho certo e seguro para a completa dominação do mais fraco pelo mais forte. Nada ideologicamente mais consensual do que uma “dominação democrática” em que uns, por serem mais fortes do que outros, acabam por impor a sua vontade, não obstante as condições de igualdade formal em que uns e outros partiram.

A real desigualdade resultante da diferente força económica, social e política dos intervenientes é para o Governo e para a Troika uma ideia do passado, contrária à liberdade e que para ser interiorizada precisa de um consenso social trabalhado. Nada portanto mais fácil do que continuar a pugnar contra os que se prevalecem de vantagens obtidas à custa dos rendimentos doutrem. A defesa de pontos de vista semelhantes aos que vigoram na selva nunca precisou de grandes teorizações…

Neste sentido, a execução do Memorando da Troika tem sido um êxito. Um êxito de funestas consequências para o povo português, mas um êxito.

É por isso que não faz qualquer sentido criticar a União Europeia e os seus líderes, como alguns tanto gostam de fazer, por não terem uma política para a Europa ou por a sua liderança ser fraca. De facto, nunca como hoje a Europa, a tal Europa a cuja pseudo-união pertencemos, teve uma política tão determinada, tão obstinada como a que actualmente está sendo posta em prática por todo o continente. E nunca a Europa, a tal Europa que existe desde 1958, teve uma liderança tão forte como a que hoje está sendo exercida. Uma liderança em que a vontade de um só país, acolitada pelos habituais aliados e pela fraqueza de aliados de ocasião, se impõe sem restrições a todos os países, salvo porventura a Inglaterra cuja secular sabedoria sempre soube pô-la sempre a coberto de qualquer tipo de hegemonia continental.

Portanto, a conclusão parece cada vez mais óbvia: somente no quadro nacional será possível romper com esta dominação, propondo-se, quem o fizer, arrostar com as consequências imediatas, que não serão fáceis de suportar, de um acto pioneiro que acabará por ser recompensado tempos mais tarde.

Terá Portugal gente para isso? Essa a grande incógnita de quem tanto já se deixou corroer pelo desenfreado consumismo imposto pelo moderno capitalismo…

Os números ontem publicados pelo Banco de Portugal sobre a dívida são alarmantes. Eles não deixam qualquer margem para dúvidas: a Europa, esta Europa capitalista em que estamos inseridos, em que os mais fortes dominam os maios fracos, a ponto de a partir de agora os transformarem em verdadeiros escravos modernos, é um dos maiores embustes da História.

Para sair disto vai ser necessário muito mais do que um profundo sobressalto cívico. Vai ser necessário uma verdadeira Revolução…


sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

AS CONFIDÊNCIAS DE SOARES

SOARES IGUAL A SI PRÓPRIO
Discussão gravíssima entre Soares e Sócrates antecedeu pedido de resgate



Ontem na Figueira da Foz, na presentação do livro que acabou de publicar – e que por sinal não tem qualquer interesse, seja qual for o ponto de vista de apreciação –, Mário Soares vangloriou-se de ter tido uma conversa muito dura e prolongada com Sócrates a propósito do “pedido de ajuda externa”. Segundo Soares, Sócrates não queria de forma nenhuma fazer o pedido de intervenção e (depreende-se) que somente depois de “encostado à parede” acedeu fazê-lo. E invoca ainda para fortalecer a sua posição a opinião concordante com a sua do então Ministro das Finanças, Teixeira dos Santos.

Com esta confidência Soares não adiantou rigorosamente nada acerca do que se pensa da sua intervenção política antes, durante e depois do 25 de Abril. Ou seja, Soares é um homem de direita, que concorda com esta miséria de governação a que se chama “democracia representativa”, e que sempre esteve disponível antes, durante e depois do 25 de Abril a todo o tipo de acordos com os sectores mais reaccionários da sociedade portuguesa, inclusive com a extrema-direita. E nunca com a esquerda.

Portanto, não admira rigorosamente nada que Soares tivesse incentivado a intervenção externa por que a actual extrema-direita tanto ansiava para se desforrar das conquistas de Abril.


Mas se Soares com esta confidência não acrescentou nada relativamente à sua personalidade política, acabou prestando um relevante serviço a Sócrates. O facto de agora se ter a certeza de que Sócrates foi coagido a solicitar intervenção externa não deixa de constituir um importante ponto a seu favor. Nem interessa sequer saber as verdadeiras motivações dessa atitude, porque o que importa é o facto objectivo em si.

O PS, o actual PS, deveria partir desta confidência para se afastar definitivamente do Memorandum da Troika já um acto praticado sob coacção não tem qualquer valor.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

INFELIZMENTE NÃO SOMOS A GRÉCIA



SE FÔSSEMOS, TUDO PODERIA SER DIFERENTE



Quem escreve regularmente nos blogues ou na imprensa e tem a preocupação de tentar dizer algo de novo dificilmente poderá escapar à sensação de que já está tudo dito relativamente à grave crise em que está mergulhada a esmagadora maioria dos trabalhadores e da classe média dos chamados Estados desenvolvidos, apesar de ela se manifestar diferentemente nos Estados Unidos e na Europa e de nesta não atingir por igual todos os países.

Nos últimos dias surgiu com alguma insistência a ideia de que afinal também somos gregos como rejeição tardia a um slogan que há mais de dois anos vinha sendo repetido por quase toda a gente como a coisa mais natural deste mundo: “Nós não somos a Grécia!”. Ou, pior ainda, como quem quer deixar a garantia perante terceiros da inexistência de contágio da terrível doença que atingiu a Grécia.

Esta mudança de atitude é positiva, mas insuficiente, antes de mais porque nós, infelizmente, não somos como os gregos. Somos politicamente acomodatícios, subservientes, incapazes de tentar resolver pelos nossos próprios meios os nossos problemas, entregando com facilidade a estranhos a solução de questões que somente a nós deveria caber procurar.

Certamente que como cidadãos de um país integrante da zona euro não poderá deixar de nos interessar o que se passa em Estados com problemas semelhantes ao nosso ou em Estados onde a esmagadora maioria das pessoas está sofrendo, tal como cá, as consequências das políticas restritivas impostas pelo capital com vista à eliminação daquilo a que usualmente se chama o “Estado social”. Esse conhecimento permitir-nos-á antecipar, como de facto já permitiu, o que por cá se passará e assim tentar preparar com outras possibilidades de êxito a resposta a este movimento aparentemente avassalador que parece insaciável nos seus objectivos e propósitos.

Antes de mais é preciso compreender que, dentro da lógica do capital, tal movimento, que está sendo levado a cabo por toda a parte com assinalável êxito, faz todo sentido, já que o dito “Estado social” não passava de uma concessão táctica conquistada numa conjuntura política desfavorável ao capital em que este se viu obrigado a fazer as cedências necessárias para salvaguardar o essencial. Alterado o quadro de fundo e a correlação de forças que ditaram aquela situação, o capital, apoiado por uma campanha ideológica aparentemente convincente – assente na ideia de que não se pode “viver acima das possibilidades” –, tem conseguido com impressionante facilidade eliminar uma pós outra todas as conquistas sociais fazendo reverter a seu favor de uma forma quase directa as vantagens económicas resultantes daquela eliminação.

Esta campanha ideológica embora assente numa falsidade é convincente porque as pessoas, muito despolitizadas pela sociedade de consumo, que sofrem as consequências daquelas políticas, tendem a tomar a tomar a parte pelo todo e por isso a reconhecer ou até mesmo a aceitar com relativa facilidade que as vantagens de que beneficiam estão para além daquilo que os seus rendimentos poderiam suportar. Ou seja, as pessoas não entram em linha de conta com os rendimentos globais gerados pela economia nem com o modo de distribuição da riqueza imposta pelo neoliberalismo. Nunca como hoje se gerou tanta riqueza e nunca como hoje nos tempos modernos ela foi tão desigualmente distribuída. Nem nos “anos dourados” do capitalismo anteriores à Primeira Guerra Mundial a distribuição da riqueza foi tão desigual como hoje. Daí que a tal ideia de não “viver acima das possibilidades” tenda a ser acolhida como evidência incontornável, não obstante a falsidade em que assenta.

Perante uma situação que não pára de desenvolver-se e que no dia seguinte à eliminação de direitos históricos já está preparando nova investida com vista à completa desregulamentação do que resta das mais elementares relações sociais de incidência económica - facto que, obviamente, terá como consequência a fragilização política da maior parte da população -, será ingénuo tentar encontrar uma resposta dentro do quadro institucional vigente. Como ingénuo será procurar numa pretensa solidariedade europeia de classe a solução para os males que nos apoquentam.

Não que essa solidariedade não fosse bem-vinda e não permitisse alcançar mais facilmente os objectivos da luta nos respectivos quadros nacionais. Só que as coisas não se passam assim, mas antes exactamente ao contrário. Primeiro porque a Europa, a tal “Europa connosco” do Dr. Mário Soares ou outra ainda mais mítica do que esta, realmente não existe como a presente situação se tem encarregado de demonstrar à saciedade. E depois porque, por mais sérias que fossem as vontades nesse sentido, a impossibilidade prática de conjugação de esforços e estratégias arrastaria o desfecho da luta para fases já muito adiantadas de consolidação do actual statu quo, tornando muito fácil a sua defesa.

Somente o êxito da luta no quadro nacional poderá ter um efeito mobilizador além-fronteiras e contagiar pelo seu exemplo movimentações idênticas em países com problemas semelhantes. Esse terá de ser o caminho, o qual, como todos os caminhos, para se formarem, precisam primeiramente de ser calcorreados pelos pioneiros.

Os que agora descobriram tão tardiamente que afinal não somos assim tão diferentes dos gregos – descoberta que levou tanto tempo… - deveriam antes empenhar-se numa acção semelhante à dos gregos, lutando com todos os meios ao seu dispor contra este projecto de dominação capitalista de que a Alemanha e os seus satélites, com a cumplicidade dos governos nacionais, se aproveitam para dar corpo a um projecto hegemónico de dominação política.

A solidariedade platónica com os gregos não leva a nada, nem aqui nem na Grécia!


terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

A FACTURA ENERGÉTICA



OU MAIS UM EXEMPLO DE NEOLIBERALISMO

Ontem à noite, no programa Prós e Contras da RTP 1, sobre os custos da energia, defrontaram-se dois painéis, que, embora constituídos por interesses divergentes, se situavam ambos no “milieu energético”, sem que uma voz verdadeiramente alternativa tivesse estado presente, quanto mais não fosse para clarificar e descodificar o hermetismo do tema, propositadamente cultivado pelos participantes no debate para que o assunto pudesse mais facilmente ser abordado como coisa sua (deles!).

Com excepção da intervenção inicial da DECO, no estilo habitual da associação, o debate versou aparentemente sobre as vantagens e desvantagens das energias renováveis versus energia atómica, a qual, quase sem ter sido falada, esteve permanentemente presente nos subentendidos da discussão.

A conclusão óbvia que se retira de tudo o que se ouviu é que a energia em Portugal e, porventura noutros países capitalistas, não obstante a natureza do mercado em que actua – monopólio ou oligopólio –, dos altos preços a que é vendida tanto para usos domésticos como empresariais, dos fabulosos lucros que proporciona ainda é subsidiada pelo Estado, ou seja pelos contribuintes, em termos que tendem em breve a aumentar drasticamente e que somente poderão ser suportados com um agravamento draconiano das condições de vida da generalidade da população.  

Perante este quadro verdadeiramente criminoso, os beneficiários dos subsídios – EDP, ENDESA, etc. – ameaçam e falam em direitos adquiridos por contrato, com a tranquila impunidade de quem se sente suficientemente forte para extorquir até ao último centavo os rendimentos dos contribuintes.

A EDP, ciente da sua força, nem sequer se dignou participar no debate, por ter plena consciência de que o saque é tanto mais eficaz quanto menos balado for. A Endesa, representada pelo presidente, não teve qualquer pejo em exibir nas suas diversas intervenções a mais descarada desonestidade intelectual, escamoteando por sistema o que verdadeiramente estava e está em jogo, enquanto Carlos Pimenta, representando as renováveis, mais uma vez fez alarde dos seus dotes demagógicos aqui apoiados numa pretensa e falsa preocupação económico-ambiental, um e outro apoiados por um apatetado professor que, como todos os néscios, teve a virtude de tornar mais claro, por ser para ele evidentemente defensável, o que os outros dois pretendiam esconder.

Mas a questão da energia serve também para demonstrar como funciona verdadeiramente o neoliberalismo: eliminação dos direitos de quem trabalha em nome da produtividade e de outras tretas do género e correspondente consolidação dos interesses do capital com base no saque e na exploração. E serve também para evidenciar, para quem ainda tivesse dúvidas, como é que os recém nomeados representantes chineses no conselho de supervisão da EDP entendem a actividade económica em Portugal, ou seja, o que verdadeiramente quer dizer “viver acima das possibilidades”.

Viver acima das possibilidades é ser titular de direitos e de rendimentos que urge eliminar, drenando os réditos resultantes dessa eliminação directamente para o capital e seus lacaios

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

ESTALINEGRADO

2 DE FEVEREIRO DE 1943

 Há 69 anos, no dia 2 de Fevereiro de 1943, o VI Exército alemão comandado por Von Paulus rendeu-se ao Exército Vermelho.
A batalha de Estalinegrado é uma das mais extraordinárias batalhas da História da Humanidade.
Não há adjectivos que possam qualificar a heroicidade dos defensores de Estalinegrado: nunca antes nem depois se tinha visto ou voltaria a ver nada de semelhante.
Desde os mais empedernidos anticomunistas aos democratas amantes da liberdade, todos os que lutavam contra a barbárie nazi-fascista, todos sem excepção, renderam homenagem ao Exército Vermelho.
Foi Estalinegrado que decidiu a sorte da guerra.
[Na imagem Vasily Zaitsev, o famoso sniper soviético, que à sua conta pôs fora de combate mais de duzentos alemães; justamente glorificado na União Soviética, Zaitsev foi no início deste século homenageado pelo cinema americano no filme Enemy at the Gates, dirigido por Jean-Jacques Annaud, francês]

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

AS LIMITAÇÕES DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA



QUE SAÍDA?



A congruência da maior parte da gente que tem governado o país é, como se sabe, nula. Dizem hoje uma coisa, amanhã fazem outra; prometem com juras solenes cumprir um programa e antes que o eco das palavras se esbata já estão a fazer o contrário do que prometeram.

Isto a gente sabe. O que talvez muitos desconheçam é que estes comportamentos são potenciados e favorecidos pela democracia representativa tal como é praticada nos nossos dias.

Com o tempo a democracia representativa, nomeadamente a que resulta da eleição em listas partidárias fechadas, acabou consagrando o mandato incondicionado como princípio incontestável, deixando de haver durante a sua vigência qualquer possibilidade de controlo dos eleitos, salvo o que resulta da pressão da opinião pública, cada vez mais ferreamente condicionada e manipulada pelo poder, do establishment, que tudo faz para que a opinião pública tenda a coincidir com a opinião publicada, sendo esta altamente limitada e controlada pelos detentores dos órgãos de informação.

O mandato incondicionado supostamente fundado na legitimidade eleitoral permite ao eleito actuar com total liberdade, no contexto do cálculo político que ele próprio faz da sua actuação em função da próxima eleição. E como entre a prática dos actos de incumprimento das promessas e a nova eleição medeia um lapso de tempo relativamente longo é sempre possível no clima eleitoral típico das campanhas esbater essa questão e focar a atenção do eleitor apenas ou quase só nas promessas relativas ao novo mandato.

O que não significa que o eleitor esqueça completamente o que se passou antes. Não esquece, nomeadamente em tempos de crise, mas isso não impede que no novo mandato se repita exactamente o mesmo e assim sucessivamente. E quem se reveza no poder também não tem, por razões óbvias, nenhum interesse em alterar este estado de coisas.

A eleição uninominal, embora tenda a limitar a representação dos partidos minoritários, poderia alterar parcialmente as consequências mais gravosas da incondicionalidade do mandato, se não fosse dar-se o caso de a eleição ser hoje, em percentagem apreciável, determinada pelo dinheiro, principalmente se a principal fonte (visível) de financiamento eleitoral continuar a ser o partido, por ser ele que, em última instância, merece a confiança dos grandes financiadores. E estaríamos passado pouco tempo caídos na mesma situação, com inconvenientes colaterais (ausência, ou quase, de representação dos partidos minoritários) que a eleição em lista fechada de certo modo esbate.

Talvez seja bom recordar que duas das mais importantes questões da filosofia política ocidental são a conservação do poder e o controlo do poder. A primeira, largamente dominante durante séculos e que hoje renasceu com extraordinário vigor, interessa ao príncipe; a segunda, inconsiderada durante muito mais que um milénio, interessa ao povo. Não é aqui o lugar adequado para descrever a longa evolução que gradualmente foi permitindo ao povo passar de sujeito passivo do poder exercido pelo príncipe a interveniente activo no processo político e depois a titular, ele próprio, de um poder – soberano – cujo exercício também tinha (teoricamente) o direito de controlar.

Desde há cerca de duzentos anos foi-se aceitando a ideia - embora, no início, com plena consciência de todos os perigos que ela encerrava - que a “democracia representativa” era a forma de governo que melhor permitiria ao povo exercer o poder (através dos seus representantes eleitos) e simultaneamente controlá-lo (por via de um conjunto de mecanismos, no essencial, actuantes a posteriori, teoricamente destinados a inviabilizar o despotismo, dentre os quais assume particular importância a temporalidade dos mandatos).

Contrariamente ao que por vezes se ouve dizer, isto não significa que antes da consolidação da democracia representativa como forma de governo não tivesse havido outras tentativas, algumas relativamente bem conseguidas, de controlo do poder, nomeadamente por via dos chamados corpos intermédios, que na prática funcionavam como uma verdadeira divisão (horizontal) do poder, com a vantagem, relativamente à actual divisão (vertical) do poder, de esse poder moderador ser exercido por entidades pertencentes a diversos estratos sociais enquanto a actual separação de poderes não impede que todos os poderes estejam dominados ou hegemonizados pela mesma classe ou pelos mesmos interesses.

E é essa a razão pela qual os maiores obstáculos ao poder hegemónico continuarem a ser, ainda hoje, os tais corpos intermédios. Daí a luta feroz que o capitalismo trava actualmente tanto no plano político como no ideológico para desagregar essas forças de resistência que, apesar de bastantes debilitadas, continuam a ser as únicas que levantam dificuldades à sua insaciável voracidade.  

Esta quase completa ausência de controlo do poder político saído dos actos eleitorais leva necessariamente à conclusão de que não há “aprofundamento” possível da democracia representativa. Ela tenderá a ser, nos tempos que correm, cada vez mais um “embuste participado” no qual os eleitores, por falta de alternativa, intervêm de boa-fé, assegurando a quem governa a legitimidade formal suficiente para deixar o poder constituído a coberto de qualquer substituição inorgânica.

Portanto, por “este lado” a coisa tem pouca saída. O “aprofundamento da democracia” pressupõe um poder político popular que controle, sem partilha, o poder económico e seja ideologicamente hegemónico, o que nunca acontecerá se ao inimigo – o capital - forem facultadas as armas de destruição da própria democracia. É essa hegemonia que é preciso conquistar. Sem ela nunca haverá verdadeira democracia.

A igualdade como princípio, isto é, como ponto de partida e objectivo de chegada, é indissociável do conceito de democracia. À medida que o princípio da igualdade foi sendo postergado e até tido, como é hoje o caso, por inimigo da democracia por, segundo o argumento mais corrente, causar graves danos à liberdade individual e à capacidade individual de “empreendedorismo” e à medida que foram sendo implementadas políticas que davam expressão prática àquelas ideias, a democracia foi perdendo terreno, a ponto de hoje se ter tornado, nomeadamente no Ocidente, numa caricatura assente numa encenação ritual na qual o povo participa como figurante, mas de cuja participação não tira quaisquer vantagens. As vantagens vão integralmente para o pequeno núcleo que controla o poder (núcleo político, económico, financeiro e também ideológico) e o exerce em benefício próprio, arcando o povo, a maioria esmagadora do povo, com as perdas correspondentes.

Nada pior para a sorte de milhões de pessoas em todo mundo do que ter aqueles que agora os governam ungidos por uma falsa concepção da legitimidade. De facto, nada pior para o futuro colectivo do que justificar a "barbárie" que assola o mundo ocidental com base em considerações de legitimidade quando essa legitimidade substantivamente não existe.

Talvez seja conveniente recordar que a democracia representativa não nasceu ungida desta legitimidade indiscutível que hoje lhe serve de capa protectora. A questão do mandato imperativo foi uma das mais apaixonantes discussões que acompanharam o seu nascimento. Como chamar representante a alguém que esteja desobrigado de cumprir o mandato? Como aceitar as consequências de actos praticados pelo representante fora do mandato? Que valor têm tais actos para o representado?

As respostas parecem óbvias e todavia o mandato imperativo não logrou impor-se. Hoje, a questão volta a ser actual. Porventura mais do que há duzentos anos. É que nunca como agora se assistiu a uma tão grave divergência o poder concedido e o poder exercido.

Como resolver? Uma coisa certa: se a democracia só puder sobreviver como representativa, então ela vai ter que ser substituída por outra forma de governo que assegure uma real proximidade entre os governantes e os reais interesses da maioria esmagadora dos governados…

Não adianta argumentar com a ideia de que pior do que a democracia representativa é a tendência hoje corrente de governantes de outro país ou de forças fácticas poderosas imporem aos governantes eleitos as medidas da governação. Apesar gravidade das situações que se conhecem de que é exemplo mais elucidativo a recente tentativa de Berlim impor um gauleiter a Atenas, tudo isso faz parte da mesma questão. Autonomizar esta parte do problema só serve para assegurar uma sobrevida à democracia representativa tal como existe.