sábado, 28 de abril de 2018

ANDRÉS INIESTA


HOMENAGEM A INIESTA
Andrés Iniesta


Despediu-se hoje do Barcelona Andrés Iniesta, um dos maiores jogadores de futebol dos tempos modernos. Vinte anos depois de ter ingressado no Barcelona, Iniesta anunciou que no fim desta época porá termo à sua participação na equipa catalã.
Pode não ter ganho os títulos individuais mais sonantes nestes dezasseis anos em que alinhou nas equipas principais do Barcelona e de Espanha, mas ninguém se compara a ele nos títulos colectivos que conquistou, fazendo justiça ao princípio de que o futebol é antes de qualquer outra coisa e acima de qualquer outra coisa um desporto colectivo.
Iniesta nunca sentiu a frustração de não ter ganho os prémios individuais que merecia. Os recordes individuais não constituíam a sua grande ambição como grande jogador de equipa que foi. O seu grande objectivo sempre foi  o de juntar à elegância e inteligência do seu futebol a vitória da equipa em que alinhava, contribuindo para essas vitórias com a indiscutível classe de ser o melhor jogador de equipa das competições em que participava
Essa a razão por que nenhum outro jogador no mundo somou nos últimos dezasseis anos tantos e tão importantes títulos colectivos como Iniesta


Campeão da Europa de Sub 17 (Espanha)
Campeão da Europa de Sub 19 (Espanha)
Oito Ligas de Espanha (Barcelona)
Seis Taças do Rei (Barcelona)
Sete Supertaças de Espanha (Barcelona)

Três Taças da Catalunha (Barcelona)

Quatro Ligas dos Campeões Europeus (Barcelona)
Três Supertaças Europeias (Barcelona)
Três Campeonatos Mundiais de Clubes (Barcelona)
Dois Campeonatos da Europa (Espanha)
Um Campeonato do Mundo (Espanha)


A Espanha vai sentir a falta do seu maior jogador deste século…









segunda-feira, 23 de abril de 2018

O NAMORO COSTA-RIO




QUEM GANHA, QUEM PERDE
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As opiniões sobre o recente “namoro” entre Rio e Costa, que mais frequentemente se têm ouvido, são muito convergentes: Costa tem tudo a ganhar, Rio, tudo a perder.

Lobo Xavier, que é voz mais autorizada do lado do CDS no comentário político, foi peremptório na última Quadratura do Círculo – considera incompreensível que, a cerca de um ano de eleições legislativas, Rio se preste a este espectáculo com Costa, subscrevendo um acordo sem conteúdo, mas cheio de valor simbólico; é ainda de opinião que, tendo o CDS tudo a ganhar com este posicionamento do PSD, Rio tenha tudo a perder com este aval que concede a Costa do qual se não percebe quais possam ser as contrapartidas.

Do lado da direita do PS, o acordo é aplaudido com entusiasmo. Jorge Coelho, cuja paixão socialista rejuvenesceu com o seu reingresso na administração da Mota-Engil, foi categórico: tudo o que é bom para o país, é bom para o PS e também para o PSD.

Do lado de comentadores, ditos independentes, enaltece-se a habilidade política de Costa, capaz de conseguir acordos à direita e à esquerda, qual mago da política.

Analisando com mais atenção o que se está a passar talvez as coisas não sejam bem assim.

Costa chegou ao poder com uma votação minoritária, mercê do apoio concedido pela esquerda - Bloco, PCP e Verdes. O Governo, embora sempre tenha sido um Governo PS, com tudo o que esta expressão encerra, era tido interna e internacionalmente como um governo à esquerda. Um governo que tinha uma orientação de esquerda, não apenas em consequência da execução das medidas que constam das posições comuns acordadas entre o PS e cada um dos partidos que no Parlamento o apoiam, mas também – e principalmente – por essas medidas terem sido negociadas com partidos de esquerda. Partidos que no seio da UE estão em todo lado arredados da área do poder. Era este simbolismo que conferia ao governo do PS a novidade de um governo à esquerda liderado por uma força do establishment da União Europeia.

O acordo com os partidos de esquerda que o apoiam representava muito mais do que o simples cumprimento das medidas acordadas, tão óbvias elas seriam há uns anos atrás - representava simbolicamente um rumo e uma escolha relativamente à ortodoxia dominante e era uma fonte inspiradora de novos percursos no seio da União Europeia.

E tanto assim era que nas recentes eleições do PSD para a liderança do partido este assunto foi amplamente debatido entre os concorrentes e ponto de fractura entre as duas correntes em confronto. Uma, a de Santana Lopes, na esteira de Passos e do exemplo do seu governo, entendia que o PS tinha feito a sua escolha e com ela deveria ficar, posicionando-se o PSD no bloco de direita, aliado ao CDS, como alternativa frontal àquelas políticas e acima de tudo àquele simbolismo que o Governo PS representava. A outra, a de Rui Rio, com um entendimento diametralmente oposto: conhecedor da natureza de PS, Rio sempre defendeu que o PSD tudo deveria fazer, apesar de ser oposição ao PS, para o retirar da dependência das forças de esquerda. A sua opção era igualmente muito clara, embora oposta à de Santana. Tal clara que até Ferreira Leite, tributária do pensamento cavaquista e por isso pouco dada a entendimentos com quer que seja, considerava que no actual contexto o mais importante era desatrelar o PS da esquerda, nem que para isso fosse necessário “vender a alma ao diabo”!

Portanto, depois deste debate o PS não poderia deixar de perceber e de antecipar o que significariam os seus entendimentos à direita por maior ou menor que fosse conteúdo prático dessa convergência. Eles teriam sempre a grande carga simbólica de representarem a vitória da linha vencedora no seio do PSD relativamente ao que era necessário fazer para retirar o PS da órbita da esquerda.

Por outro lado, enganam-se os que supõem que Rio sacrificou às suas mais arreigadas convicções ideológicas o eventual sucesso de um próximo resultado eleitoral. Não parece ser essa a intenção de Rio, bem pelo contrário. Rio somou às suas convicções ideológicas a esperança de um resultado eleitoral bem melhor do que aqueles que o PSD tem tido em últimas eleições.

O raciocínio de Rio parece fácil de compreender. Rio entende que se criar no eleitorado a ideia, fundada em factos, de que existe uma boa relação com o PS e de que essa relação pode dar frutos a curto prazo, será de esperar que uma parte do seu eleitorado oscilante, de centro – e que nas últimas eleições abandonou completamente o partido – volte a votar PSD, deixando o PS e que, por força desses mesmos sinais de entendimento com o PS, aquele outro eleitorado que se situa à esquerda do PS deixe de votar nele, e vá a votar nos partidos à sua esquerda, nomeadamente no Bloco já que este tem sido o partido que com mais facilidade absorve o descontentamento ou a desconfiança de um certo eleitorado PS.

Ou seja, a ideia de Rio é a de que o PS perca votos à direita e à esquerda, fragilizando assim o seu peso eleitoral. Rio conta ainda com a influência da direita do PS e do seu peso tanto dentro do partido como no apoio que essa mesma direita dará publicamente aos resultados imediatos da sua proposta (entendimento ao centro).

E, por outro lado, não será difícil antecipar que a Esquerda sentindo-se traída por Costa, não precise de muito tempo para vir a terreiro reivindicar o que de mais positivo para a vida das pessoas se fez nestes últimos dois anos, atribuindo esses êxitos à sua persistente e perseverante influência na governação PS, sem a qual teríamos um PS absorvido (como parece já estar) pela obsessão do défice, pelo zeloso cumprimento das regras europeias à custa dos mesmos de sempre, pela continuação da desregulamentação laboral, da perda de direitos e garantias sociais e por outras e mais perigosas manobras, aliás muito possibilitadas pelo facto de muitos dos intervenientes nesta governação, directa e indirectamente, já terem participado noutras com os resultados que se conhecem.

É difícil neste momento dizer se Costa já deu passos irreversíveis no sentido de um entendimento ao centro ou se apenas quis exibir publicamente a facilidade com que pode mudar de parceiro, pressionando os seus actuais companheiros de percurso com vista a amenizar as suas reivindicações. Seja uma coisa ou outra é um caminho perigoso que frauda a confiança de quem, não sendo do seu partido, o apoia dentro e fora do Parlamento.




sábado, 21 de abril de 2018

A REYERTA DE ALSASUA




MAIS UM EXEMPLO DO SISTEMA PENAL ESPANHOL
La juez Lamela deja en libertad a cuatro de los siete encarcelados por la agresión de Alsasua

Alsasua é um pequeno município da Comunidade Foral de Navarra, perto de Pamplona, situada numa zona politicamente dominada pela Esquerda Abertzale.

No País Basco e em Navarra, de predomínio basco, existe um conflito patente, não obstante a dissolução da ETA na próxima primeira semana de Maio, entre ambos os nacionalismos – o espanhol e o basco. O espanhol representado pelas autoridades repressivas, do lado basco pelas massas populares que o apoiam, predominantemente jovens, com ressentimentos profundos de ambas as partes. Do lado de Espanha, as vítimas da ETA, do lado basco, as vítimas da repressão espanhola.
Não estamos a pôr no mesmo plano, os atentados da ETA e a repressão espanhola, estamos apenas a descrever a natureza desse conflito e as suas consequências. Os atentados da ETA atingiram muita gente, deixaram marcas profundas na sociedade espanhola, foram muitos os anos de insegurança, medo e ansiedade. Tudo isto é certo. Como certas também são as feridas deixadas no sociedade basca, ou numa parte muito considerável dela, pela repressão espanhola. 

Durante os últimos 40 anos, a Espanha tem actuado no País Basco à revelia de qualquer censura internacional digna de realce, muito por causa da violência da ETA. Ou seja, a actuação da ETA foi justificando, sem censura, os múltiplos atropelos ao Estado de Direito no Pais Basco. Por mais graves que tivessem sido estes atropelos, como os GAL e as torturas denunciadas pelos presos, a violência da ETA, algumas vezes absurdamente arbitrária, tudo justificava e ninguém se atrevia a censurar a Espanha. Simultaneamente, a sociedade espanhola foi-se radicalizando relativamente a esta questão a ponto de como resposta aos atentados da ETA ser frequente ouvir, em conversas mais ou menos informais, que um “bom etarra, é um etarra morto”.  

Engana-se quem supuser que com a cessação dos atentados, a anunciada dissolução da ETA e inclusive do próprio pedido de perdão da “banda”, as coisas passaram a ser radicalmente diferentes. Não passaram. A grande diferença é que a ETA deixou de praticar atentados,  desarmou-se e foi desarmada. Fora isto – que seria em qualquer outro país o mais importante – tudo se mantém mais ou menos na mesma. A mesma intolerância, o mesmo radicalismo, o mesmo ódio, o mesmo desejo de vingança. Engana-se também quem supuser que em Espanha se poderá passar algo de semelhante ao que se passou no Reino Unido depois dos “Acordos de sexta-feira Santa”. Ou o que se passou noutros países europeus depois de derrotados movimentos violentos de extrema esquerda ou de extrema direta. Aliás, o governo, depois do já referido pedido de perdão, foi muito claro: não haverá contrapartidas.

Os condenados da ETA continuam e continuarão presos, muitos deles a cumprir penas de prisão muito superiores à sua esperança de vida, em prisões muito distantes do País Basco;  outros que entretanto venham a ser apanhados terão penas idênticas aos que estão presos; qualquer manifestação de homenagem às vítimas da polícia espanhola corre o risco de ser punida como apologia do terrorismo; os direitos políticos de ex-presos da ETA ou das suas fileiras “civis” podem ser cerceados pelos tribunais, ou seja, por outras palavras: não existe em Espanha a grandeza do perdão, embora comedido e gradual. O que existe é sede de vingança.

De um lado e do outro os rancores alimentam-se mutuamente sem sinais de mudança.

Vem tudo isto a propósito de uma rixa ocorrida numa taberna de Alsasua entre um grupo de jovens e dois guardas-civis à paisana – um de Córdova, outro de Valencia, em serviço na Comunidade de Navarra – acompanhados das suas namoradas.

As testemunhas presenciais dão a entender que nada de especial se passou, salvo provocações recíprocas, enquanto os depoimentos das vítimas e os da polícia foral de Navarra, que terá vindo em socorro dos guardas-civis, descrevem um clima de ódio e violência traduzido em agressões e de insultos.

Não é todavia difícil de aceitar que os guardas tenham sido provocados pelos jovens, que tenha havido discussão, insultos e agressões. Em qualquer país estes factos seriam punidos, podendo a punição variar em função da qualidade das vítimas e da gravidade das agressões. Também não haverá dúvidas de que os jovens sabiam que se tratava de guardas-civis, apesar de não estarem fardados.

O crime por que seriam acusados seria certamente o de insultos e agressões à autoridade. Em Espanha, tudo é diferente. Os tribunais de Pamplona qualificaram o crime tal como ele objectivamente decorre dos factos. Acontece que o Supremo, contrariamente aos tribunais de Pamplona, considerou por unanimidade que havia sérios indícios de terrorismo, razão pela qual o caso foi remetido para a Audiência Nacional para instrução e julgamento -  Audiência Nacional ,o tal “tribunal plenário” da “democracia” espanhola. Sete dos oito acusados foram presos preventivamente, sem admissão de fiança, tendo a “fiscalia” daquele tribunal, secundada pela “nossa conhecida” juíza Cármen Lamela, acusado os jovens de vários crimes de terrorismo e pedido, para sete deles, uma pena de prisão de 50 anos acrescida de 12 para um deles! Ou seja, 375 anos de cadeia para conjunto dos oito acusados e uma indemnização de 41. 100 € para as quatro vítimas das agressões. O que também dá para perceber que em Espanha os símbolos valem muito mais que as pessoas…

Em qualquer país realmente democrático isto não seria possível. Se o MP tivesse a ousadia, em conivência com o juiz de instrução, de pedir penas daquela natureza, estamos certos de que, pelo menos, uma parte significativa da sociedade e da opinião pública se insurgiriam contra esta desproporção inaceitável à luz dos mais elementares princípios do Estado de Direito. O que acontece em Espanha? Com excepção dos nacionalistas bascos que protestam e se manifestam, governo de Navarra inclusive, o que se assiste em Espanha é a uma crítica severa aos que criticam os tribunais. A título de exemplo o editorial de ontem do El País! Isto significa que aquela desproprção se “alimenta” na própria sociedade!

Mais palavras para quê?

sexta-feira, 20 de abril de 2018

A DEMOCRACIA EM ESPANHA


E SE A EUROPA NÃO ENTREGA OS CATALÃES?
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As prisões e os delitos por que estão sendo acusados os independentistas catalães estão a ser postos em causa pelos tribunais de outros países europeus, da União Europeia e não só. Como tem sido noticiado, a Bélgica não atendeu o mandado de detenção europeia dos ex-governantes aí exilados quanto ao crime de “rebelião” (com excepção de Puigdemont, por o tribunal espanhol, por razões meramente tácticas, o ter revogado) e solicitou novos elementos relativamente ao de “malversacion” – uso indevido de dinheiros públicos.

Pouco depois, o Tribunal Superior de Schleswig-Holstein recusou a prisão de Puigdemont pelo crime de “rebelião”, por ausência de um elemento fundamental à integração do tipo legal de crime que no ordenamento jurídico alemão se assemelha à rebelião – alta traição – que é a violência. E, tal como o tribunal belga, solicitou novos elementos quanto ao de “malversacion”, tendo posto em liberdade o ex-presidente da Generalitat, mediante o pagamento de uma fiança relativamente baixa – 75 mil euros.

Se o crime de rebelião corre o sério risco de não ser reconhecido, não obstante os desesperados esforços que o Governo e o Supremo Tribunal vêm fazendo para convencer as autoridades estrangeiras de que houve violência, outro tanto se passa com o de “malversacion”, que ficou muito difícil de provar, mesmo internamente, depois de o Ministro da Fazenda, Cristobal Montoro, ter declarado que no referendo não foi gasto dinheiro do orçamento. Disse Montoro numa entrevista a El Mundo: “Não sei com que dinheiro se pagou as urnas chinesas de 1 de Outubro, nem a estadia (no estrangeiro) de Puigdemont. Mas sei que não foi com dinheiro público”. Se antes desta declaração já era difícil fazer aquela prova, até então assente numas tantas suposições de um relatório elaborado pela Guardia Civil, mais difícil ficou depois das declarações do responsável máximo pelas finanças do Reino de Espanha.

A propósito destas declarações assistiu-se a um fenómeno que seria insólito em qualquer democracia da Europa Ocidental, mas que, pelos vistos, em Espanha é perfeitamente normal. O juiz de instrução do Supremo Tribunal, Pablo Llarena, furioso por Montoro lhe ter posto em causa a acusação que tão laboriosamente engendrara com a “fiscalia”, exigiu que Montoro prove que não houve “malversacion”. O Juiz solicitou a Montoro que o informe “com a maior brevidade possível sobre os elementos em que baseia as afirmações de que no referendo ilegal de 1 de Outubro não foram gastos dinheiros públicos”. Portanto, não é à acusação e ao juiz (que com aquela faz parelha) que compete fazer a prova dos factos, mas sim àqueles que com toda a propriedade se podem pronunciar sobre o destino legal dos fundos a seu cargo. Quer dizer: acusação não tem de fazer a prova positiva dos factos, mas é ao responsável pelas finanças públicas que cabe a prova negativa dos mesmos. Espantoso! No Uganda, do “saudoso” Amin também seria assim?

Entretanto, na Alemanha, as coisas complicam-se para os espanhóis. Admitindo a hipótese de uma denegação de entrega, o Supremo, para além de todas as declarações pressionantes que tem vindo a fazer, actuando como um verdadeiro órgão político, de resto, com o apoio de políticos como Felipe Gonzalez e Manuel Valls (já lá iremos), sabendo que da decisão do tribunal superior do Land não há recurso para outros tribunais alemães, parece admitir a hipótese de solicitar uma decisão prejudicial ao Tribunal das Comunidades. O que também não deixaria de ser insólito, já que a regra e a praxe judiciária vão no sentido exactamente oposto. Ou seja, é ao tribunal ad quem, ao tribunal solicitado, que cabe fazer essa consulta se tem dúvidas sobre a interpretação do direito comunitário, e não ao tribunal a quo, ao solicitante. Porém, se a consulta se vier a fazer, o mais provável é que o Tribunal das Comunidades a receba e dentro dos habituais 15 meses diga, neste caso, o óbvio: se o crime previsto no mandado de detenção estiver tipificado entre os que constam do regulamento da euro ordem (e não está), a entrega tem de ser feita; se não estiver, a questão é da competência do tribunal solicitado que aplicará o seu direito nacional não cabendo ao tribunal comunitário interpretar os direitos nacionais.

A Espanha corre o sério risco de a uma derrota em tribunais nacionais europeus juntar uma outra no tribunal comunitário e então é que toda a estratégia do executivo cai por terra.

Como qualquer pessoa percebe, estas decisões jurisprudenciais não têm nada a ver com a questão política de fundo – a independência da Catalunha, mas com os atropelos ao Estado de Direito. Os protestos de Espanha e de todos os que apoiam a sua estratégia é que têm em vista politizar a justiça, ou seja, pretendem fazer o que se faz em Espanha: pôr os tribunais ao serviço de uma estratégia política!

E alguns, como Gonzalez e Valls (o coveiro do PS francês) fazem-no com a maior desfaçatez e a maior pouco vergonha. Disse Valls, ontem em Madrid: “A França teria entregado Puigdemont”. E Gonzalez considerou: “Preocupante que os juízes alemães qualifiquem em poucos dias o que a justiça espanhola está estudando há meses”.

Em Espanha, as decisões dos tribunais espanhóis, por mais absurdas que sejam, não se discutem. Nem Pedro Sánchez nem Iglesias se atrevem. Mas as dos tribunais alemães e belgas, essas já podem ser criticadas… E espantoso é também que Manuel Valls tenha tão afoitamente antecipado a hipotética decisão dos tribunais franceses, com base no argumento político de que as cisões nos estados europeus são muito prejudiciais ao futuro da Europa. É caso para perguntar: desde quando é que este argumento é válido? Desde a Segunda Guerra mundial ou desde 2008? E se Putin achar o argumento muito interessante, o que dirá Valls?

Estes políticos não valem um pataco furado!


quinta-feira, 19 de abril de 2018

A CONDENAÇÃO DE LULA

FINALMENTE, AS PROVAS!

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FIM DA LINHA PRA VOCÊ, EX-PRESIDENTE!

Fim da linha pra você, ex - presidente ladrão
mesmo sem provas
bato panelas
em prol da sua condenação
isso é pra você aprender
que o pobre não tem direito a mais que uma refeição
Fim da linha pra você, metalúrgico boçal
isso é pra você aprender
a nunca mais fazer assistência social
com meu dinheiro
e nem se atrever a transformar em engenheira
a filha do pedreiro
Fim da linha pra você ex presidente aleijado
não é pelo triplex
que você está sendo condenado
é pela sua ousadia
em ajudar o garçom
a virar advogado
em contribuir
pra ascensão do negro favelado
que agora acredita
que pode estudar medicina
sair da miséria
e até conhecer a Capela Sistina
Fim da linha pra você, ex presidente bandido
isso é pra você aprender
que o nordeste deve continuar a ser esquecido
e que saúde e educação
é pra quem pode
e não é que pra quem quer
Fim da linha pra você, semi analfabeto atrevido
graças a sua insensatez
o filho da faxineira
chamou o meu filho de amigo
você está sendo condenado
pela sua falta de noção
de achar que pobre é gente
que agora pode usar aparelho nos dentes
ter casa própria e andar de avião
Fim da linha pra você, ex presidente imundo
isso é pra você parar com essa palhaçada
de estimular a minha cozinheira
a querer ter carteira assinada
era só o que me faltava
o proletariado sonhar com qualidade de vida
você devia saber
que essa gente nasceu pra me servir
e não pra servida
mas você é tão inconsequente
não enxerga um palmo diante do nariz
que fez a babá do meu caçula
sonhar que pode estudar pra ser atriz
e fazer aula de inglês
essa pouca vergonha
é resultado
da sua insensatez
da sua irresponsabilidade desmedida
aprenda de uma vez
barriga vazia
e bala perdida
fazem parte do cotidiano
dessa gente bronzeada
foi querer mudar o mundo
se meteu numa enrascada
Fim da linha pra você, ex presidente imbecil
você está sendo condenado
não por ter roubado
porque isso não foi provado
seu erro
foi ser / fazer história
ser do tamanho do Brasil
ter oitenta por cento de aprovação popular
acreditar em igualdade
e saber governar.

Herton Gustavo Gratto

terça-feira, 17 de abril de 2018

A ESPANHA E A CATALUNHA - PARTE II


A DECISÃO DO TRIBUNAL ALEMÃO 
El tribunal de Schleswig-Holstein admite un “error” en el auto de Puigdemont... que no cambia nada
Parte II

A estratégia espanhola - a não internacionalização o conflito catalão, a recusa de o encarar como problema político, vendo-o  antes como simples questão do foro judicial a dirimir pelos tribunais, isto é, a reprimi-lo mediante a aplicação de pesadíssimas sanções penais - corre o risco de derrapar exactamente a partir da actuação do país que para Espanha era mais importante – a Alemanha – e do qual menos esperava uma resposta negativa. E foi o que aconteceu.

A ordemde detenção europeia emitida pelo Supremo Tribunal para o tribunal alemão competente – no caso, o Tribunal Superior de Schleswig-Holstein – não foi atendida no que respeita ao crime de rebelião e ficou suspensa da apresentação de novas e mais concludentes provas quanto ao crime de “malversacion”, tendo consequentemente Puigdemont sido libertado sob fiança.

Independentemente da interpretação a adoptar sobre a execução de uma euro ordem – e já lá iremos -, não há dúvida de que este expediente judiciário, decorrente do acordo de Schengen, vigente no seio dos Estados que ratificaram este tratado, implicando a obrigação de cooperação judiciária assente na confiança recíproca, é diferente do procedimento de extradição, que, envolvendo igualmente uma intenção de cooperação, não deixa de ser, pela forma como, em regra, está regulada nos acordos bilaterais que a consagram, uma manifestação da soberania dos Estados. Embora a confiança recíproca seja a pedra angular da cooperação judiciária “europeia”, é bom não esquecer a imensa polémica que este procedimento levantou quando foi discutido e aprovado no Conselho Europeu, principalmente entre a Espanha (sempre a Espanha…) e a Bélgica, seguramente motivada não apenas por ressentimentos históricos, mas já por força da desproporcionalidade manifestada pelo sistema penal espanhol relativamente a certo tipo de crimes.

E daí a polémica que tem rodeado a execução das ordens de detenção europeia, polémica que, como é óbvio, se não manifesta relativamente à generalidade dos crimes de direito comum, mas a crimes ou a procedimentos penais em que possam estar a ser subvertidos princípios fundamentais do Estado de Direito e, inclusive, os direitos fundamentais, como acontece, ou pode acontecer, nas áreas penais de maior incidência política. Por outras palavras, um Estado democrático, seguro dos seus princípios, sensível à opinião pública democrática, por maior que seja - ou diga que é - a confiança que deposita nos seus parceiros de Schengen, não deixará de avaliar aquelas questões no cumprimento das ditas euro ordens.

E tanto assim que somente esta legítima preocupação pode justificar as duas interpretações em confronto sobre a execução das euro ordens. De um lado, o sistema judiciário espanhol - fiscalia (ministério público), juízes, advogados, alguns professores de direito -, segundo o qual o Estado que recebe a euro ordem não tem que julgar as qualificações jurídicas feitas perlo Estado solicitante, mas apenas verificar se os factos imputados integram ou não um tipo legal de crime no Estado solicitado; se integram, qualquer que ele seja, a euro ordem deve ser executada; se não integram, não haverá entrega da pessoa detida. Outra, porém, foi a interpretação do tribunal alemão mais próxima do entendimento que aponta no sentido de que cabe ao Estado solicitado analisar se o tipo legal de crime pela prática do qual a pessoa detida está acusada existe no seu ordenamento ou outro substancialmente equivalente; se não existir, não entrega; se existir, poderá julgar se os elementos constitutivos do dito tipo legal estão ou não integrados pelos factos descritos.

Na Alemanha não existe o crime de rebelião, mas um outro substancialmente idêntico – o de alta traição -, tendo o tribunal considerado que não se verificava um dos requisitos fundamentais para integração desse tipo legal de crime – a violência, razão pela qual denegou a entrega de Puigdemont.

Evidentemente, que o tribunal alemão, para considerar que os factos descritos na euro ordem emitida pelo tribunal espanhol não configuravam uma situação de violência, teve de os julgar. E isto é que tirou os espanhóis do sério. Mas não somente isto, que apesar de tudo era algo que mantinha a questão no foro judicial. Pior foram as declarações da Ministra da Justiça da Alemanha, a social-democrata Katarina Barley, de apoio à decisão do tribunal, considerando-a “absolutamente correcta”, esperando que os juízes deixassem Puigdemont em liberdade sob fiança, (que foi, como se sabe, o que veio a acontecer), tendo ainda acrescentado que se o Supremo espanhol não justificasse a prática de outros delitos, Puigdemont passaria a ser “um homem livre num país livre, quer dizer, na Alemanha".

Por outro lado, um dos vice-presidentes do grupo parlamentar social-democrata, Rolf Mütznich, disse que “ o Governo espanhol tem de aceitar que os tribunais alemães decidam independentemente dos requisitos políticos”, insistindo que deve ser encontrada uma solução política para a questão da Catalunha, “podendo (a Espanha) contar, se precisar de ajuda, ou com países europeus ou com a própria União Europeia como interlocutores adequados”, terminando por comparar o sistema judicial espanhol com o da Polónia e o da Turquia, razão pela qual as euro ordens devem ser analisadas de modo a ficar garantido o respeito pelos princípios legais e democráticos. A entrada em cena da Alemanha, como país solicitado pela euro ordem, fez com que, além destas, outras vozes críticas relativamente ao que se passa em Espanha se tivessem manifestado, não apenas nas hostes social-democratas, e, obviamente na Esquerda (Die Linke), mas também nos Verdes e na própria CDU (democracia cristã).

Como seria de esperar os espanhóis lançaram uma forte ofensiva tendente a neutralizar os efeitos devastadores da sentença do tribunal alemão. O governo de Rajoy fez saber que se sentiu incomodado por a Ministra da Justiça ter apoiado politicamente a decisão, tendo esta ficada encarregada, por Merkel, de pôr termo ao assunto, dizendo que se tratou de um “mal-entendido”. Por seu turno, a “Fiscalia” espanhola sentindo-se ligeiramente apoiada pelo ministério público alemão promoveu um encontro em Haia, na sede do departamento para a cooperação judiciária europeia, para convencer os seus congéneres alemães a pedir ao tribunal uma reapreciação do caso.

Este procedimento é juridicamente viável, se a decisão do tribunal alemão não tiver sido uma decisão definitiva, mas uma simples decisão preliminar, que aguarda a presentação dos elementos solicitados. Fora deste caso, a decisão do tribunal alemão só poderá ser alterada pela via do recurso. A frenética actividade da "Fiscalia" espanhola reunindo "provas às pazadas” (404 actos de violência!), para tentar convencer o tribunal alemão de que houve violência no dia da realização do referendo, faz supor que se trata de uma decisão preliminar.

Todavia, pela leitura dos passos da decisão do tribunal alemão a que tivemos acesso, percebe-se que o que está em causa é a desproporção da pena relativamente aos actos praticados. As analogias que o tribunal faz para considerar que os factos constantes da acusação não podem ser considerados violentos e consequentemente integrar um tipo legal de crime com a gravidade do crime de rebelião deixa supor que não será pelo facto de os espanhóis apresentaram mais uma dúzia ou quatrocentas provas mais ou menos da mesma natureza das anteriores que a decisão se vai alterar. Aliás, esta estratégia espanhola de apresentação de mais provas dá o flanco, por estar a validar a interpretação seguida pelos alemães e não aquela que os espanhóis defendiam. Portanto, não é nada provável que o tribunal alemão venha a mudar a decisão. Na Alemanha sabe-se muito bem o que se passou no dia 1 de Outubro de 2017 e sabe-se também que os espanhóis buscam desesperadamente um pretexto para aplicar uma pesadíssima e desproporcionada pena aos independentistas catalães.

Em teoria, restaria ainda aos espanhóis, ao Juiz Llarena, recorrer para o Tribunal de Justiça da UE para que se pronuncie sobre a Interpretação que o tribunal alemão fez da regulamentação das euro ordens, o que de momento não ponderam fazer.

Não vale a pena ter ilusões, esta decisão do tribunal alemão constitui uma forte censura ao sistema judiciário espanhol e ao modo como o governo de Rajoy está lidando com a questão catalã. E sendo feita, como é, por um órgão de Estado independente, deixa o Governo alemão teoricamente à margem da polémica, mas provavelmente satisfeito, pelo menos uma parte dele, por ter havido na Alemanha quem tenha levantado o problema, que é uma forma eficaz de o trazer para debate na opinião pública europeia.

Para quem por cá ainda tenha (honestamente) dúvidas sobre o sistema judiciário espanhol, bastará dar o seguinte exemplo recente que, além de ter em si um valor absoluto, também ilustra bem a estupidez com que os espanhóis actuam. A “fiscalia” da Audiência Nacional (essa espécie de tribunal plenário da Espanha “democrática”), no dia seguinte à ocorrência dos eventos acima relatados, acusou por terrorismo dois membros dos Comités de Defesa da Republica – CDR – e ordenou a sua detenção por terem promovido (tentado) cortes nas estradas (difusão de mensagens em que se apelava ao corte pacífico, sem violência, de algumas vias públicas), bloqueios das portagens e formação de piquetes! Esta acusação, se tivesse sido aceite pelo juiz, faria incorrer os acusados em penas de prisão superiores a 50 anos, tal a moldura penal daquele tipo legal de crime no ordenamento jurídico espanhol. O juiz teve, porém, o bom senso de reconverter a acusação em delito de perturbação da ordem pública, ordenando a libertação os acusados, embora com medidas cautelares.

Apesar de a reforma penal de 2015 permitir, sem grande esforço, integrar nos crimes de terrorismo certos comportamentos que em Estados democráticos jamais poderiam merecer essa qualificação, também não é de pôr de parte, relativamente ao episódio acima relatado, a hipótese de se tratar de uma encenação destinada a demonstrar que em Espanha existe um estado de direito e que os juízes actuam com independência relativamente ao poder político. De facto, a situação é tão absurda, mormente numa altura em que se debatia a decisão do tribunal alemão e as suas consequências políticas e jurídicas, que não é de pôr de parte aquela Interpretação, além do mais por tudo se ter passado num tribunal como a Audiência Nacional. Enfim, é uma hipótese, não é uma certeza.

Entretanto, a imprensa espanhola vai-se desdobrando em editoriais, artigos de opinião e opiniões de juristas tendentes a demonstrar que tanto os Estados membros da UE, em especial, como os demais devem aceitar os tipos legais de crime previstos no direito criminal espanhol e respeitar os tempos e as garantias do Estado de Direito espanhol.

Relativamente a Puigdemont, pedra angular de ambas as estratégias – a de Espanha, esperando que lho entreguem para ser julgado e a da Catalunha como elemento fundamental para a internacionalização do conflito –, a Espanha parece admitir rebaixar a acusação para o crime de sedição (punível com prisão até 15 anos) se tiver indícios de que o tribunal alemão aceitará essa acusação com base nos factos que lhe foram remetidos. O que a verificar-se – e não é crível que se verifique - teria consequências terríveis para a justiça espanhola, que mantém relativamente aos membros da Generalitat presos e outros a acusação de rebelião, uma vez que todo o processo tem sido instruído nesse sentido. Esta divergência, mesmo num país como a Espanha, seria política e juridicamente insustentável!

Por outro lado, o crime de “Malversacion” dificilmente será reconhecido pelos tribunais estrangeiros, não apenas por se tratar de um acto da responsabilidade de um colectivo, mas principalmente por falta de provas, nomeadamente depois de Junqueras ter voltado a garantir que não se gastou um único euro do orçamento no “procés”.

Sem Puigdemont a Espanha limitar-se-á a fazer valer a sua estratégia apenas dentro das suas fronteiras e a vê-la fracassar no estrangeiro, assim se deslegitimando as acusações que estão em curso. Entretanto, a cada dia que passa, a Catalunha vai ficando mais longe de Espanha…

sexta-feira, 13 de abril de 2018

A ESPANHA NÃO DESARMA (I Parte)




O ESPANHOLISMO E O GOLPE BRASILEIRO
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A única grande diferença entre o sistema judiciário brasileiro e o espanhol é que o brasileiro perpetrou um golpe de Estado, iniciado com a destituição inconstitucional de Dilma e continuado com a prisão ilegal, e também inconstitucional, de Lula, com a manifesta intenção de afastar a esquerda do poder e reentregá-lo, indiviso e arbitrário, à oligarquia que tem governado o Brasil praticamente desde a sua existência como unidade política relativamente autónoma, enquanto o sistema judiciário espanhol actua em nome do “espanholismo”, que é um conceito bem mais abrangente que o anterior, representando nas suas actuações um sentimento comum às forças políticas dominantes, integradas por vários estratos sociais, com interesses porventura divergentes em múltiplas facetas da vida social, mas estranhamente unificadas por um sentimento de grandeza perdida, a todo o momento exaltado por representações fantasiosas que a realidade se encarrega de negar, daí resultando uma frustração que se abate ferozmente sobre os que o não compartem, ou, pior que isso, o combatem, desprezando-o.

Se o que se passa no Brasil com a destituição de Dilma e a prisão de Lula falam por si no que respeita a princípios fundamentais de uma sociedade democrática, como a presunção de inocência, a separação de poderes, o princípio da legalidade, enfim, o respeito pelos direitos fundamentais, nomeadamente a coarctação da liberdade física, já o que se passa Espanha com os independentistas catalães é porventura pior, porque é o exemplo acabado do desprezo que um Estado pode ter pelo ser humano que se não integra na sua mundividência, a ponto de relativamente a ele considerar normal e aceitável uma actuação vingativamente desproporcionada, que é sempre o suporte e o fundamento de todas as arbitrariedades. E a arbitrariedade é indiscutivelmente a matriz e o meio por via do qual as organizações políticas exibem o seu sectarismo e materializam o fundamentalismo que as norteia na sua acção política.    

Vem tudo isto a propósito do que se está a passar “aqui ao lado” com os presos políticos da Catalunha. A Espanha tem, como se sabe, desde a sua fundação como Estado unificado, um problema por resolver entre as partes que a compõem. Umas vezes adormecido, outras severamente punido, este problema mantém-se vivo e actuante na Espanha dos nossos dias, principalmente por o “espanholismo” ser incapaz de reconhecer que a génese do seu Estado encerra um problema político que só politicamente pode ser resolvido. A ideia de que a força bruta resolve os problemas políticos é uma ideia tipicamente antidemocrática que a consciência social do nosso tempo rejeita e repudia, não obstante a existência de algumas vozes minoritárias que fora de Espanha a apoiam ou até a aplaudem. Mas não nos iludamos, não é esse o sentimento dominante na opinião pública da Europa que conta.

A Espanha alicerçou toda a sua estratégia relativamente ao problema catalão na imposição da ideia de que é um problema que compete aos tribunais resolver, ou seja, um problema do foro judicial, tendo envolvido nesta estratégia tipicamente “espanholista”, além do PP, seu mentor e executor, os Ciudadanos, o PSOE e também, com nuances, o próprio Podemos. Os independentistas catalães, pelo contrário, basearam a sua estratégia na ideia oposta, na ideia de que o procés é um problema político, que importa internacionalizar o mais possível já que somente neste foro poderá ser resolvido.

Neste confronto de estratégias, pareceu a muita gente que a Espanha tinha a guerra ganha com a prisão arbitrária de vários dirigentes independentistas e de alguns conhecidos propagandistas do catalanismo, mais a instauração de um sem número de processos a dirigentes que lograram manter a liberdade mediante o pagamento de avultadas fianças, bem como com o apoio institucional que a União Europeia e alguns dos seus dirigentes lhe prodigalizaram com a “langue de bois” do costume em tais circunstâncias, como o respeito pelo primado da Constituição, do Estado de direito, das decisões dos tribunais, etc e tal. O que nem a Espanha nem os seus defensores e apoiantes no estrangeiro contavam é que um razoável número de dirigentes catalães, ameaçados de severas, desproporcionadas e injustificadas penas de prisão, tivessem tido a brilhante ideia de se exilar em países europeus, a partir dos quais pudessem tentar a internacionalização do conflito por pressão da opinião pública democrática.

A Espanha colocada perante um facto com que não contava não hesitou nem um segundo na estratégia a seguir. Sempre com o “Carlos V metido na cabeça até à raiz dos neurónios”, o Supremo Tribunal de Espanha, convencido de que estava a transmitir uma ordem a um vulgar guardia civil, que obedientemente perfilado de tricórnio a cumpriria para honra da Benemerita, emitiu uma “euro ordem” solicitando à Bélgica extradição dos “fugados”, Puigdemonte e outros ex- membros do Governo da Catalunha. Dentro da tal lógica de que acima falámos, os crimes por que os “extraditáveis” estavam sendo acusados – rebelião, sedição, “malversacion” -, fariam incorrer os seus autores em penas de prisão superiores a meio século!

É evidente, para qualquer democrata que se preze, que um pedido com estas consequências – um pedido que muito provavelmente nem Erdogan teria coragem de fazer – fez acender de imediato as luzes vermelhas anunciadoras dos mais graves e arbitrários desvios aos princípios democráticos. Quando os espanhóis perceberam que iam ser derrotados na barra, retiraram o pedido de extradição com a sobranceria típica de quem considera a Bélgica um parceiro menor, porventura recordados daqueles patriotas da Flandres que as cervejarias de Bruxelas exibem pendurados pelo pescoço por obra e ordem do caridoso e mui pio Filipe II de Espanha (e I de Portugal).

Deixou-se cair a prisão de Puigdemont, fizeram-se outras prisões, instruíram-se outros processos e impediram-se, prendendo-os, os eleitos de exercer os seus cargos. Ou seja, a estratégia manteve-se intocável, mas circunscrita ao território espanhol. Até que Puigdemont foi convidado para debater o problema catalão em Helsínquia. E logo o Supremo Tribunal de Espanha (e seguramente o governo de Rajoy) entendeu que estava agora criado o circunstancialismo que permitiria, finalmente, trazer de volta a Espanha o “fugado” catalão. E sem hesitação emitiram nova euro ordem, desta vez para a Finlândia, que se desincumbiu do encargo com a manha típica que os do norte costumam atribuir aos do sul, dizendo que não sabiam onde ele se encontrava e que muito provavelmente já teria transposto as suas fronteiras. Como o homem vinha de carro, os serviços secretos espanhóis conseguiram detectar o seu percurso, de modo que mal ele deixou a Dinamarca (país igualmente não confiável) e entrou na fronteira norte da Alemanha, foi de imediato expedida nova euro ordem desta vez para a fidelíssima Alemanha, solicitando a sua extradição para Espanha pela prática dos crimes de rebelião e “malversacion” de fundos públicos (o dinheiro gasto na realização do referendo foi em Espanha qualificado como dinheiro público gasto indevidamente em proveito próprio).

Com esta acção a Espanha julgava acabar de vez com o caso Puigdemont no estrangeiro, já que nem por sombras terá passado pelas iluminadas mentes do STE que os juízes alemães fossem questionar o bem fundado das qualificações jurídicas espanholas, nomeadamente a integração dos factos nos tipos legais de crimes pela prática dos quais era solicitada a extradição.

Pois bem, onde a Espanha considerou estarem finalmente criadas as condições para resolver um problema de acordo com a sua estratégia de sempre, pode muito bem ter começado uma outra forma de o encarar, primeiro pela justiça alemã, depois pela opinião pública europeia.

(Para não sobrecarregar mais este texto, amanhã será publicada a segunda parte, que versará sobre a decisão do tribunal alemão, as reacções em Espanha e as prováveis consequências daquela decisão na Europa).