sexta-feira, 28 de março de 2014

BLOCO INTERPELA GOVERNO



TRÊS NOTAS

 

Três notas sobre a interpelação, desta manhã, do Bloco de Esquerda ao Governo.

Primeira - A jornalista da SIC que acompanha os trabalhos parlamentares passou todo o seu tempo de antena a lamentar que os partidos da oposição não tivessem interpelado Paulo Portas (a quem hoje competia responder pelo Governo) sobre o episódio de ontem do Secretário de Estado da Administração Pública relativo aos cortes permanentes das pensões. Portas, mesmo sem ser interpelado, bem tentou falar do caso, dizendo que foi um tremendo erro político, mas praticamente não obteve resposta.
É óbvio que os partidos da oposição não iam dar de bandeja ao Governo a possibilidade de se defender por via de um seu representante que aparentemente estava “fora da jogada”. Quem a oposição tem de interpelar é a Ministra das Finanças e Passos Coelho, já que foram eles que urdiram a trama que o Secretário de Estado, Leite Martins, começou a pôr em prática segundo as orientações recebidas. Por isso é que será politicamente um erro chamar Leite Martins, que em seguida terá de se demitir, deixando limpa a “honra” de quem lhe encomendou o serviço.

Segunda – Foi interessante ouvir Miguel Frasquilho a reproduzir as teses de Cavaco sobre o pós-Troika. Ou seja, que os credores ficam por cá a mandar até que 75% da dívida esteja paga, deitando assim por terra os esforços de Paulo Portas que, durante todo o tempo de que dispôs antes de Frasquilho falar, tentou fazer crer que nada disso se passaria. Que acabaria em Maio, como ele diz, o “fim do protectorado”.

Terceira – Fazenda, que, da bancada, fez a última intervenção do Bloco, distanciou-se claramente das teses de Louçã quanto ao euro, admitindo a saída de Portugal da moeda única. O que quer isto dizer: que Fazenda já é uma voz isolada no Bloco ou que no Bloco já há quem afronte publicamente as teses de Louçã?

quarta-feira, 26 de março de 2014

VOLTANDO À UCRÂNIA


 

QUE FUTURO?

Torna-se cada vez mais evidente aos olhos das pessoas informadas, que não se deixam intoxicar pela poderosa imprensa ocidental, que quem manda em Kiev e por extensão em parte da Ucrânia são as milícias fascistas e nazis do Svoboda e do Pravy Sektor com a cumplicidade dos corruptos de Iulia Timochenko.

São estes os aliados do Ocidente: dos Estados Unidos, da França, da Inglaterra e da Alemanha para citar apenas os que realmente contam. Que a Alemanha esteja do lado dos que governam a Ucrânia, nada a estranhar, porque com Hitler ou sem Hitler os aliados naturais da Alemanha são os mesmos desde há muito: croatas, eslovacos, austríacos, húngaros, letões, ucranianos do ocidente e os finlandeses (se os deixassem). Mas que aqueles que no Ocidente lutaram contra o nazismo, nomeadamente a Inglaterra e os Estados Unidos, já que a França saiu estranhamente vitoriosa de uma guerra que perdeu por duas vezes, estejam hoje do lado dos aliados de Hitler não deixa de ser uma ignomínia para os milhões de soldados que por eles combateram e lutaram gloriosamente e não deixa de ser também a evidência do estado de degradação moral a que desceu o capitalismo que tudo sacrifica ao lucro e à ganância.

Que a “geração neoconservadora” americana, a que Obama também pertence, por mais que se pense o contrário, e a que antes dele já outros altos responsáveis pertenceram, como Bush e a sua gente, os Clinton e Reagan, não compreenda a complexidade da situação europeia, da sua geopolítica, da sua história e das gravíssimas consequências que decorrem dos passos errados que se dêem na Europa, é grave, mas era esperado. Mas já não era de esperar que a Inglaterra, apesar das nefastas reformas introduzidas na educação por esse coveiro do trabalhismo britânico, que foi Tony Blair, também não compreenda e alinhe cegamente com as máximas do capitalismo neoliberal de cariz neoconservador no cerco à Rússia, bem como a França, principalmente a direita francesa, já que os socialistas sempre foram um pau-mandado de Washington e tanto mais quanto mais frouxa e inepta for a sua direcção, como é actualmente o caso, alinhe igualmente neste desvario europeu manobrado pela Alemanha, é de uma gravidade extrema que prenuncia não apenas o fim da União Europeia – o que em si, tal como as coisas estão, até poderia não ser mau – mas principalmente a futura e muito próxima irrelevância política desses dois países na condução da política europeia.

É exactamente tendo por referência um quadro que não andará muito longe deste que a Rússia irá actuar no futuro próximo. A Rússia já percebeu - e quem não perceberia no lugar dela – que a sua integração no espaço europeu e por extensão no espaço ocidental só poderia ter lugar como súbdito, nunca como par. Como súbdito militarmente cercado e economicamente diminuído. E isso a Rússia não vai aceitar certamente. A ofensiva ocidental na Ucrânia irresponsavelmente conduzida pela União Europeia e logo secundada pelo neoconservadorismo americano (que hoje domina praticamente toda a classe política), que não teve pejo em se servir dos maiores escroques do leste para a tentar pôr em prática uma política de facto consumado, retira quaisquer dúvidas a quem porventura na Rússia ainda as tivesse sobre quais os verdadeiros objectivos do Ocidente.

Colocada perante esta evidência, a Rússia anexou a Crimeia, fazendo uso de um simulacro de legalidade, apesar de tudo mais bem urdido do que as técnicas fraudulentas utilizadas pelo Ocidente em situações similares, com a diferença de a Crimeia nunca realmente ter sido ucraniana e de a maioria esmagadora da população estar de acordo com aquele resultado. E está preparando agora a jogada seguinte, obviamente imposta pela razão de Estado, consubstanciada na garantia da sua segurança e na protecção dos seus nacionais.

E a jogada seguinte continuará a passar pelo não reconhecimento do governo de Kiev e dos bandos nazi-fascistas que o integram e por uma de duas soluções: ou uma Ucrânia neutralizada à finlandesa (sem quaisquer veleidades de integrar a NATO) e federalizada com ampla autonomia das componente federadas, nomeadamente as regiões do leste em Donetsk e em Kharkov, ou seja, de forma mais correcta, tudo o que fica para lá do rio Dniepre ou, segunda alternativa, a Rússia ver-se obrigada a ir em auxílio da população russófona ameaçada de marginalização e hostilizada pelas milícias nazi-fascistas de Kiev e da Ucrânia Ocidental, ficando, neste caso, a Ucrânia praticamente circunscrita ao território antes integrado na Polónia entre o fim da Primeira Guerra Mundial e o começo da Segunda. Um território que ficaria doravante à mercê da cobiça dos alemães (novas técnicas) e dos polacos (velhas técnicas).

Esta segunda alternativa é uma aposta de risco mas que a Rússia muito provavelmente assumirá se a investida Ocidental permanecer e os seus interesses estratégicos continuarem a ser desprezados. E isso levará a que, depois desta crise, ou porventura desde já, a Rússia tenha de reorientar as suas relações, olhando para Oriente e para a América Latina.

Do lado de cá, o capitalismo ocidental, com excepção do entreacto representado pela Revolução de Outubro e suas sequelas no mundo, só tem somado vitórias e isso tem-no levado a olhar apenas para o presente e para o futuro imediato sem qualquer preocupação com uma perspectiva verdadeiramente estratégica que tenha em conta o que possa acontecer a longo prazo. A lógica do lucro é fundamentalmente uma lógica de conjuntura. E a da capital financeiro mais do que a de qualquer outro. Ele vive da ocasião. O que interessa é cavalgar a onda e tirar da força motriz que dela irradia a máxima vantagem. O que possa acontecer depois, logo se verá. O capitalismo adaptar-se-á e voltará a tirar proveito da nova situação. Sempre foi assim, exulta o capitalismo vitorioso!

E de facto, há fundadas razões para recear as consequências desta visão temerária que o capitalismo de hoje tem da política. A diferença que hoje existe relativamente ao passado é que num passado não muito remoto os Estados não se dispensavam de desempenhar o seu papel e tinham frequentemente em conta estratégias destinadas a garantir a sua própria sobrevivência corrigindo e pondo alguma ordem na voracidade do capital em defesa dos seus próprios interesses. Hoje, pelo contrário, os Estados, nomeadamente os Estados ocidentais desenvolvidos, estão completamente nas mãos do capital, principalmente do capital financeiro e especulativo, sendo este e o modo como interpreta os seus interesses que ditam a acção dos Estados, obrigando-os a agir mesmo quando o modo de actuação imposto acaba por causar dano aos seus próprios interesses estratégicos. É por isso que nesta crise não é tão relevante quanto se supõe o papel que determinados sectores políticos, mais ligados a um certo tipo de interesses que privilegia a estabilidade e a consolidação dos fluxos comerciais entretanto criados, possam vir a desempenhar já que a sua acção estabilizadora e de contenção é facilmente suplantada pela fatídica aliança entre o neoconservadorismo arvorado em defensor universal de altos valores morais e a acção rapinadora do capital financeiro.

Por outro lado, como se tem visto, pelos múltiplos exemplos ocorridos nestes últimos vinte anos tanto na Europa como em África e no Médio Oriente, o papel outrora desempenhado pelas massas populares de oposição aos desvarios expansionistas do capitalismo está hoje muito limitado ou é quase inexistente dada a fragilidade do movimento operário, por um lado, e a colonização das consciências pela ideologia dominante, por outro. Tudo isto aponta, infelizmente, para a intensificação de uma situação explosiva na Ucrânia…onde tudo poderá acontecer.

 

segunda-feira, 24 de março de 2014

SÓCRATES VÍTIMA DE CILADA



REGRAS ALTERADAS COM O JOGO A DECORRER
José Sócrates entrevistado por Rodrigues dos Santos

 

Mal ou bem – e a nosso ver mal – as televisões enveredaram pelo comentário político da autoria de antigos responsáveis políticos que estabelecem a agenda dos assuntos a tratar em cada semana limitando-se o representante da televisão a fazer a passagem de um assunto para o outro com perguntas mais ou menos simbólicas.

No fundo, trata-se de atribuir aos dois maiores partidos, principalmente ao PSD, um assinalável tempo de antena relativamente aos demais, escondendo-se a voz partidária sob a capa de uma pretensa independência de juízo, como se essas personalidades investidas no papel de comentadores adquirissem por essa razão uma distanciação relativamente aos partidos a que pertencem e deixassem no essencial de pensar dentro dos quadros e dos interesses estratégicos dos respectivos partidos. Isso não significa que não possa acontecer – e às vezes acontece - que alguns desses comentadores não tenham divergências com os partidos a que pertencem ou, em alguns casos, não tenham até uma agenda política própria, que os leva naturalmente a marcar as respectivas distâncias relativamente à linha oficial sem contudo deixarem de neles estar inseridos.

Como se sabe, entre os comentadores, que já desempenharam importantes funções políticas e que em solilóquio nos dão semanalmente a sua opinião sobre os assuntos da actualidade, estão: Marcelo Rebelo de Sousa, Marques Mendes, Morais Sarmento, Augusto Santos Silva, Bagão Félix, Manuela Ferreira Leite, Francisco Louçã e José Sócrates. Pelos nomes indicados, também logo se fica a saber como é entendida pelas televisões a pluralidade de opiniões…

Estes comentadores têm um espaço televisivo semanal para, como antes se disse, comentarem os acontecimentos da actualidade. Se eles fossem à televisão para serem interrogados ou entrevistados sobre os actos que praticaram como governantes a sua participação ficaria esgotada ao fim de uma sessão, no máximo de duas e o programa deixaria de ser de comentário político para passar a ser qualquer outra coisa, já que não faria sentido manter vários programas semanais com os mesmos intervenientes para permanentemente  estar a comparar o que cada um deles fez com o que agora defende. Ninguém está agora muito interessado em escalpelizar o que, por exemplo, Bagão Félix fez ou deixou de fazer como Ministro das Finanças para depois comparar o resultado dessa pesquisa com o que ele agora defende. Ninguém excepto porventura o Governo que pode estar interessado em o desacreditar como comentador cotejando permanentemente as posições que agora defende com os actos que praticou ou as posições que defendeu enquanto governante.

A alteração do formato do programa sem aviso prévio, transformando-o numa contundente acusação contra o comentador que passa de um momento para o outro a entrevistado/acusado só pode interpretar-se como um “frete”, um vergonhoso “frete”, que alguém sob a capa de jornalista se propôs fazer ao Governo provavelmente a troco de alguma vantagem, já que não é crível que quem na vida política actue com um mínimo de moralidade, com o "chamado mínimo ético", tome a iniciativa de alterar de uma semana para a outra a natureza de um programa, transformando-o num libelo acusatório contra o comentador, sem que este tivesse sido previamente avisado.

A esta completa ausência de ética na profissão de jornalista, a esta violação do “mínimo ético”, assistiu-se ontem na RTP quando o habitual comentário semanal de José Sócrates foi inopinadamente transformado pelo “entrevistador de serviço” numa permanente acusação à sua personalidade e ao seu carácter.  

Não está de forma alguma em causa a condenação deste “exercício” contra José Sócrates ou contra qualquer outro comentador em espaço próprio. O que está em causa é que se transforme um espaço de comentário político da responsabilidade do comentador num tempo de antena contra o próprio comentador por alteração, à falsa fé, sem aviso prévio, das regras que até então regiam esse espaço, procurando-se mediante a apresentação de declarações políticas avulsas e descontextualizadas colocar o comentador na obrigação de se defender de actos pelos quais até já foi politicamente “julgado”.

Esse frete ao Governo esteve uma vez mais a cargo de um conhecido porta-voz da direita reaccionária que ainda há bem pouco tempo teve oportunidade de demonstrar os “critérios jornalísticos” que guiam a sua acção na RTP. Ele é exactamente o mesmo que ainda há dias na Ucrânia apoiou o bando nazi-fascista que domina o poder em Kiev, branqueando a natureza política do poder em exercício, escamoteando factos essenciais à compreensão da situação e dando uma imagem propositadamente deturpada da realidade política ucraniana.

O episódio ontem ocorrido na RTP não é relevante pelos incómodos que possa ter causado ao comentador, já que ele tem experiência política suficiente para não se deixar enredar pelas artimanhas do “pivot”, mas apenas e só pela personalidade perversa que indiscutivelmente revela – a mesma personalidade que antes da reaparição de Sócrates nos écrans de televisão apresentou em peça autónoma, passada imediatamente antes da entrevista, um longo e faccioso libelo acusatório contra o entrevistando e a mesma personalidade que ainda recentemente, sob a capa de falso repórter, pretendeu transmitir aos portugueses durante vários dias uma imagem deturpada da situação política ucraniana. E poderia ainda acrescentar-se a mesma personalidade que nunca na televisão perdeu a oportunidade de bajular os político de direita ou os "seus patrões" sempre que lhe cabe a vez de os entrevistar.

quinta-feira, 20 de março de 2014

A SUPREMA HIPOCRISIA OCIDENTAL


 
 
AINDA A UCRÂNIA

Há pouco mais de quarenta anos o mundo Ocidental escandalizou-se profundamente por um grupo de trabalhadores ter assumido a direcção de um jornal em Portugal. Não houve noticiário radiofónico ou televisivo que de Bona a Madrid e de Londres a Roma não tivesse como notícia de abertura a ocorrência do Bairro Alto. O comportamento daquele punhado de trabalhadores foi imediatamente identificado com o fim da liberdade de imprensa e o prenúncio da instauração de uma terrível ditadura. Uma poderosa campanha varreu a Europa de Ocidental de Norte a Sul e de Leste a Oeste impondo a milhões de pessoas a sua verdade sobre o que se passava em Portugal.

Agora, na Ucrânia um bando de nazis e de fascistas entra na televisão ucraniana, agride o seu director e obriga-o a assinar o pedido de demissão debaixo de uma chuva de socos e de insultos e nós apenas sabemos disto pelas imagens que alguém, num acto furtivo, colocou no You Tube. Não há notícias nos jornais, não há imagens nas televisões. Nada. O silêncio…

quarta-feira, 19 de março de 2014

UCRÂNIA

EM POUCAS PALAVRAS
 

O que interessa agora saber é quem vai ficar a ganhar – se a Rússia ou a União Europeia (leia-se: Alemanha) e os Estados Unidos. Aparentemente ganhou a Rússia. Mas somente o tempo dirá se foi realmente uma vitória e se a estratégia de Putin foi bem sucedida. Tal como as coisas se apresentam, é bem provável que Putin tenha ganho a Crimeia (que nunca foi ucraniana) e tenha perdido a Ucrânia (que quase sempre foi russa). E se esse for o resultado, Putin sofrerá outras perdas no Cáucaso e na Moldávia. Se assim vier a suceder, o desfecho do conflito não será um bom negócio para a Rússia nem para quem teme o expansionismo neoliberal. Mas ainda é cedo para fazer previsões…

MEDEIROS FERREIRA


 

UMA RARA INTELIGÊNCIA POLÍTICA
 

 

Medeiros Ferreira não conseguiu concretizar um dos seus maiores sonhos: traduzir em acção política corrente o seu pensamento político. Dono de uma invejável auto-estima, mas não tendo manifestamente vocação para liderar um partido político que o pudesse guindar aos mais altos lugares da política nacional, apaixonado pela política, muito independente e convencido dos seus méritos pela capacidade de antecipação que sempre manifestou dos fenómenos políticos e a subsequente constatação de que o devir lhe dava razão, Medeiros Ferreira “gostava que lhe batessem à porta”, mas esqueceu-se talvez ingenuamente que os líderes partidários, os chefes políticos, não nutrem um especial apreço por quem pensa. Podem estimar o pensamento político alheio desde que seja para dele se apropriarem, em discursos, em proclamações solenes, enfim, o pensamento político de quem esteja fora e se proponha servi-los de fora, mas em regra recusam o acompanhamento de quem privilegie o pensamento político estratégico na acção política corrente. Essa a razão por que Medeiros Ferreira nunca ocupou na política portuguesa um grande cargo ou, se o chegou a ocupar, foi por pouquíssimo tempo.

O último livro de Medeiros Ferreira – Não há mapa cor-de-rosa A História (Mal)dita da Integração Europeia  - reflecte melhor, muito melhor, que qualquer outro texto sobre a actualidade política nacional a angústia de quem vê o futuro do país numa encruzilhada de difícil saída. Um país que durante séculos, embora de modo porventura mais intenso desde o último quartel do século XIX até ao terceiro quartel do século XX, viveu o mito do Império e se viu depois obrigado a construir à pressa um outro mito que pudesse dar sentido a uma nação centenária - o mito da Europa, construído nos últimos quarenta anos. O mito imperial de que a nação portuguesa durante tantos séculos se alimentou e que desesperadamente tentou estender para além do tempo que politicamente o poderia sustentar esgotou-se simbolicamente, na sua formulação originária, no 25 de Abril, tendo surgido pouco depois, embora de uma forma tantas vezes postiça e canhestra, o mito da Europa – que Medeiros Ferreira tanto criticou reclamando-se de uma visão tratadística, contratualista entre Estados e cidadãos - que “globalizou” o pensamento pátrio enquanto houve dinheiro a rodos e o clube europeu era pequeno – “passaram a ser europeístas com o mesmo fervor com que antes eram colonialistas”. Criticando a ausência de orientação estratégica na condução política externa de integração de Portugal na Europa desde logo reflectida na deficiente negociação dos grandes instrumentos comunitários, em que tão insensatamente Portugal se reviu, apoiando-os numa formulação contrária aos interesses nacionais, Medeiros Ferreira não chegou nunca a afastar-se da Europa, mas apenas – e isso já não era pouco – a tentar vê-la tal como ela realmente é, principalmente a partir do alargamento a Leste e da introdução do euro como expressão máxima da União Económica e Monetária, a propor as medidas indispensáveis à democratização do conjunto europeu e também a traçar as vias alternativas de uma política externa portuguesa. Essa incapacidade de a política portuguesa compreender as profundas mutações ocorridas na Europa desde há mais de vinte anos constituem sem dúvida uma das maiores angústias políticas de Medeiros Ferreira para quem o papel de “bom aluno de maus mestres” vem sendo desde há muito – e não apenas desde agora - um dos maiores problemas da nossa política externa.

Na política interna talvez seja de sublinhar entre tantas intervenções cujo mérito é diferentemente avaliado, a rara inteligência política com que antecipou, com vários anos de antecedência, as consequências nefastas para o PS e para a esquerda portuguesa em geral de dois dos maiores erros políticos de Sócrates: ter desprezado a importância política das presidenciais de 2006 e não ter tido a coragem de afrontar Cavaco nas presidenciais de 2011. Em ambas as situações o tempo deu-lhe razão. O fim de Sócrates, vaticinou Medeiros Ferreira em 2006, começaria em 2010 e o seu afastamento do poder, disse Medeiros Ferreira em finais de 2010, iria ter lugar bem antes do termo da segunda legislatura. E assim foi com as consequências que estão à vista…

domingo, 16 de março de 2014

EM DUAS PALAVRAS


 

A PROVA DE QUE PORTUGAL PERDEU A INDEPENDÊNCIA
 
 
 
A prova de que Portugal perdeu a independência é tão óbvia, é uma prova que cai em cachoeira, como dizem os brasileiros, que até se torna penoso evidenciá-la de tão evidente que ela é.
O PSD e o CDS, ou seja, Passos Coelho e Paulo Portas, não põem em prática nenhuma política que eles possam deixar de aplicar, o que não quer dizer que não estejam de acordo com as políticas que aplicam. Estão. Mas todas lhes são ditadas pela União Europeia e agora também pelo FMI, embora o que verdadeiramente conte sejam as imposições da UE. A todas as questões a que não podem fugir, e incapazes de invocar argumentos habituais de quem está fazendo as coisas por sua iniciativa, respondem dizendo que tem de ser assim ou porque é o que está no Memorandum ou porque são essas as obrigações decorrentes dos tratados aprovados ou dos regulamentos comunitários ou das deliberações do Conselho Europeu.

Por outro lado, o PS não apresenta nenhuma proposta política, absolutamente nenhuma, cuja exequibilidade dependa da vontade do próprio partido. Todas as propostas apresentadas por Seguro, Assis ou pelos que se empenham na busca de novos caminhos nos “Novos rumos” dependem da União Europeia. Da sua aceitação ou aprovação pela União Europeia.

Ora, um estado cujo governo não dispõe politicamente de meios para pôr em prática as políticas que quer aplicar ou que não está em condições de aplicar outras políticas senão aquelas que lhe ditam, não é um estado independente ou, tendo-o sido, deixou de o ser!

 

AINDA SOBRE O MANIFESTO
 
 
 
 
 
Relativamente à dívida, o establishment actua dividido e tenta pôr em prática duas tácticas diferentes.

O Governo está antes de mais interessado em consolidar uma agenda ideológica que somente o endividamento e a dependência externa lhe permitirão levar até ao fim. Mas o Governo sabe perfeitamente que a dívida é insustentável. Quanto ao seu pagamento, a táctica do Governo, embora não pareça, também é óbvia. Quer fazer tudo o que estiver ao seu alcance para parecer credível aos olhos dos credores para numa segunda fase, coincidente com a segunda legislatura, evidenciar a insustentabilidade, negociando uma reestruturação ou pura e simplesmente beneficiando do precedente entretanto aberto para a Espanha ou para a Itália ou para ambos.

Do lado dos subscritores do Manifesto, a ideia que os guia é antes de mais impedir a consolidação da agenda ideológica do Governo e romper com o unanimismo existente à volta da sua política. Subsequentemente tentar abrir uma clareira no seio da União Europeia por onde possa abrir-se caminho à renegociação da dívida, embora saibam que as propostas que apresentaram são insuficientes. São insuficientes, mas são importantes como começo. O resto virá depois.

Neste contexto quem fica francamente mal colocado é o PS oficial e os seus apoiantes oficiais e oficiosos. Porque ou não dizem nada ou quando abriram a boca foi para dizer que o timing escolhido para debater este assunto era inapropriado.

sexta-feira, 14 de março de 2014

AS REACÇÕES AO MANIFESTO DOS 70


 

BREVE NOTA

 

Não interessa referir aqui as reacções daqueles que discutiram e analisaram o Manifesto. Essa terá sempre de considerar-se uma consequência normal subsequente à publicação de um documento daquela natureza. Muitos o fizeram e nós também neste blogue. Também não interessa discutir a posição daqueles que imputam a alguns dos signatários do Manifesto a situação em que nos encontramos por força de políticas a que eles deram voz enquanto governantes. Essa é uma manifestação de superioridade moral totalmente descabida no contexto desta discussão, além do mais porque essa concepção pré-moderna de medir a política pela moral nunca leva a bons resultados. A política tem as suas regras próprias e omiti-las ou não as querer reconhecer acaba por levar à supremacia das teses neoconservadoras que no actual momento histórico são exactamente aquelas que mais invocam a moral como suporte dos seus intentos imperialistas.

Aliás, e desculpem a franqueza, só mesmo por estupidez e uma grande dose de ignorância se pode imputar o endividamento dos Estados a uma acção culposa, censurável dos governantes. Esta é maneira mais simples de escamotear o problema e fazer de conta que ele não existiria se não fosse o perverso comportamento de alguns ou, no mínimo, a sua irresponsável atitude em lugares chave da política nacional. O endividamento tem as suas causas, ele está intimamente relacionado com a actual fase do processo de desenvolvimento capitalista de domínio do capital financeiro. E acontece em todo o lado, sejam os governantes mais ou menos competentes, mais ou menos virtuosos. Mas não é disso que agora queremos tratar.

O que queremos agora tratar, embora sumariamente, é da reacção do Governo e de todos os que ao longo destes últimos três anos têm defendido a sua política que mais não é que a política da União Europeia e do FMI, repetida até à exaustão pelos órgãos mais representativos destas instituições e plasmada em documentos coercivos, juridicamente vinculativos, a que os Estados, todos os Estados, mesmo os mais sacrificados por ela, deram o seu assentimento.

E esta reacção do Governo, dos seus apoiantes, do FMI, da UE, do BCE, dos Estados membros da UE está conforme com a política que desde Maastricht vem sendo posta em prática na Europa mas cuja verdadeira face só se tornou mais visível a partir da crise financeira internacional e das suas repercussões na zona euro. E a linha de rumo fundamental desta política é a seguinte: não adianta estar a discutir o que podem a UE ou Estados que a compõem fazer para aliviar o peso da dívida ou a política de austeridade que lhe anda associada porque isso não é matéria que possa ficar sujeita à discricionariedade da acção política. Isso é matéria de natureza económica regulada por leis cuja formulação é insusceptível de ser influenciada pela acção política. É matéria dos mercados, não da política. E não sendo da política isso também significa que se trata de matéria subtraída à decisão democrática. Como diz Medina Carreira com a crueza de quem não tem de ir a votos: não adianta os políticos andarem a prometer que vão fazer isto e aquilo ou que vão manter ou desenvolver o serviço nacional de saúde, porque isso não depende deles. Depende da economia. E as leis da economia não vão a votos!

Aliás, a todo o momento o BCE, o FMI, a Comissão Europeia, o Conselho Europeu reafirmam que a política de desendividamento é para continuar. Nem outra coisa é de esperar depois da ratificação do Tratado Orçamental e de outros instrumentos jurídicos que têm vindo a ser aprovados. Ora, o desendividamento pressupõe que anualmente se gerem excedentes orçamentais (superávides primários) em montante suficiente para em cada ano fazer face ao pagamento dos juros e à amortização da dívida (serviço da dívida). Que não haja, portanto, a contracção de novos empréstimos para atender ao serviço da dívida, pois somente por aquele meio se alcançará a meta mágica de uma dívida aquém dos 60% do PIB. Como, por outro lado, não há inflação (essa é estatutariamente a política do Banco Central), que obviamente faria diminuir o peso da dívida, e como não é crível que os Estados europeus em média ou até somente alguns deles cresçam durante vinte anos (o lapso de tempo concedido pelo Tratado para o desendividamento) a uma taxa média satisfatória, da ordem dos três, quatro por cento, o desendividamento – a fazer-se – só poderá acontecer pela via da contracção da despesa. E escusado será perguntar qual despesa que vai ser cortada, porque a resposta é óbvia: a despesa que financia o Estado social.

Este é que é o problema. O grande problema do nosso tempo. Um problema com solução? Certamente que sim, mas não seguramente à volta de uma mesa do Conselho Europeu, ou de qualquer outro órgão político do establishment. Nesse contexto o problema só poderá agravar-se, nunca resolver-se. Ele tem de ser resolvido fora desse enquadramento. E em algum lado ele vai começar a ser resolvido. Provavelmente num país de dimensão média com aspirações a grande potência. Provavelmente pelo lado direito da política. Era melhor que não fosse assim, mas se for esse o caso, isso poderá não ser tão mau como se supõe desde que possa contribuir para romper esta gigantesca teia urdida pelo capital financeiro que paralisa a acção política dos povos relativamente à economia.

quinta-feira, 13 de março de 2014

A REESTRUTURAÇÃO DA DÍVIDA


 

UMA ANÁLISE POLÍTICA
 
 

 

O prefácio de Cavaco aos Roteiros VIII, apesar da convicção com que foi escrito e da douta análise que o seu autor quis trazer ao conhecimento dos portugueses sobre o seu futuro a curto, médio, longo e longuíssimo prazo, teve a virtualidade de deitar por terra de um dia para o outro o “relógio” de Portas, o “milagre económico” de Pires de Lima, “ os sinais positivos e encorajadores” de Passos Coelho, a “lengalenga” de Seguro sobre a via alternativa com base num programa que não depende dele e fez soar as campainhas de alarme em milhares de portugueses que ainda não tinham interiorizado em toda a sua extensão o futuro que os espera se o “consenso” por que Cavaco tanto almeja fosse mesmo para levar à prática.

Cavaco com a crueza própria de quem está a falar de números sem sequer lhe passar pela cabeça que por detrás de cada número está uma pessoa achou perfeitamente normal que nos próximos vinte anos as contas públicas portuguesas gerem em cada ano, em média, um superávide primário de cerca de 3% do PIB para pagamento de juros e amortização de cerca de metade da dívida, com vista a reduzi-la a 60% do PIB. É claro que Cavaco não pode deixar de saber quais as consequências que daí resultariam para a economia portuguesa, nem tão-pouco pode entrar em linha de conta com taxas de crescimento irrealistas (4% ao ano) para atenuar o efeito catastrófico de tal política, pois tem de saber pela experiência recente que tais taxas de crescimento são inatingíveis, não apenas para Portugal, como para qualquer país da União Europeia, e que a própria taxa de juro implícita do stock da dívida, que ele estima em 4%, depende de factores que Portugal não controla. Portanto, o que desta política de austeridade, vigente no mínimo pelo lapso de tempo correspondente ao de uma geração, necessariamente resultaria seria uma total destruição do que resta do estado social.

E é isto o que também está em causa na questão da dívida. Mantendo-se Portugal algemado ao Tratado orçamental e a outras políticas que entretanto têm sido aprovadas por Bruxelas (“six pack” e “two pack”), a asfixia financeira do Estado terá como consequência inevitável a degradação para um nível na prática correspondente à destruição do serviço nacional de saúde, da escola pública e da segurança social. Aliás, essa é a estratégia do neoliberalismo: retirar o Estado de tudo o que possa ser desempenhado por privados e eliminar a sua intervenção correctora na actividade económica, deixando-a totalmente entregue às leis do mercado.

É neste quadro que a questão da dívida tem de ser colocada. Dir-se-á: o que foi emprestado tem de ser pago. Só que não há racionalidade nesta afirmação. Porque nenhum Estado, nenhum devedor pode pôr em causa a sua existência e o seu futuro por causa de uma dívida que além do mais resulta da absoluta necessidade que o capital financeiro teve de rentabilizar os seus excedentes obtidos à custa de uma sobreexploração encoberta pelas facilidades de concessão de crédito.

Na verdade, a questão da dívida não pode ser resolvida com a linearidade de quem pensa que o emprestado tem de ser pago. É preciso perceber por que razão se endividou a generalidade dos Estados europeus nestes últimos vinte anos a ponto de em vários deles a dívida se ter tornado insustentável e por que razão, simultaneamente , houve quem adquirisse um tal poder capaz de se impor aos próprios Estados. Os Estados endividaram-se para fazer face a despesas para as quais deixaram de cobrar as receitas devidas e endividaram-se também para garantir a solvabilidade dos devedores privados, em última instância das instituições financeiras. E as instituições financeiras endividaram-se por razões especulativas e para garantir à procura privada um nível de consumo muito superior ao suportável pelos seus rendimentos.

O engodo foi o crédito barato e a razão de ser do endividamento assenta, por um lado, nos critérios de distribuição do rendimento que têm vindo a ser postos em prática desde há mais de trinta anos e, por outro, na eliminação do papel do Estado na economia que chegou ao ponto de até o desapossar do privilégio de emitir moeda. Critérios que passaram a privilegiar fundamentalmente o capital em detrimento do trabalho, tendo-se assim resolvido o aparente paradoxo de conciliar a necessidade de o capital exigir, para se multiplicar, uma procura sempre crescente com a diminuição permanente do rendimento atribuído ao trabalho mediante a introdução de um factor que pudesse mascarar esta indiscutível incongruência – esse factor foi a concessão indiscriminada de crédito sem real conexão com as fontes de rendimento que o poderiam pagar.

Este problema foi particularmente agravado na Europa comunitária depois de Maastricht que liberalizou a economia e criou o mercado interno, deixando-o praticamente a coberto de qualquer intervenção política correctora (somente indirecta: fundos estruturais, no plano dos Estados e despesas sociais, no plano dos cidadãos, constituindo uns e outros novos factores de endividamento público) e depois levado às suas consequência mais dramáticas pela introdução de uma moeda única num espaço económico assimétrico contribuindo essa moeda para agravar ainda mais essas assimetrias.

Como esta política assenta numa agenda ideológica que não esmorece perante nenhuma dificuldade, que inclusive tem sabido transferir para terceiros as consequências pontualmente desastrosas da sua ortodoxia, e como dela resultam grandes vantagens para poucos e enormes desvantagens para muitos, ninguém poderá esperar que os que dela tiram os maiores proveitos aceitem por via negocial reduzi-los para favorecer os mais prejudicados.

É por isso que embora algumas das ideias do Manifesto que apela à reestruturação da dívida, como a de redução da taxa de juro do stock da dívida e o alongamento dos prazos por várias (muitas) décadas, sejam positivas, ele é limitado nas propostas – parte da dívida tem de ser extinta e o pagamento da restante tem de estar consignado a uma percentagem das exportações – e irrealista na sua concretização prática.

É impensável supor a existência de qualquer política credível e condizente com os interesses dos países endividados saída de um acordo comunitário. O “consenso europeu” sobre essa matéria está expresso no Tratado Orçamental e nas demais imposições da União Europeia. A teia que o neoliberalismo urdiu no seio da União Europeia, transformando-a no exemplar mais acabado dessa doutrina económica, a ponto de tal doutrina poder ser coercivamente imposta por constar de textos jurídicos a que as partes deram o seu assentimento, não deixa margem a qualquer heterodoxia.

 Portugal só recobrará a sua independência se sair do euro e não hesitar na resolução unilateral da questão da dívida, se a opção por uma via negocial se revelar inviável ou se inaceitável for o resultado que dela decorre. E não faltam modelos históricos, uns mais conhecidos que outros, em que Portugal se possa inspirar.

É um caminho difícil, certamente. Mas é o único compatível com a dignidade nacional e o único que a prazo permitirá um futuro melhor. A escolha tem de ser feita entre um sacrifício que agrava a situação e mantém a dependência por tempo indeterminado e um sacrifício, igualmente difícil de suportar, libertador e que abre um verdadeiro caminho alternativo.

segunda-feira, 10 de março de 2014

CAVACO E O CONSENSO


 

O QUE DIZ CAVACO


 

O que é para Cavaco o consenso? Consenso significa concordância ou uniformidade de opiniões, de pensamentos, de sentimentos, de crenças da totalidade dos membros de uma comunidade.

Cavaco reclama o consenso só de alguns, não de todos. Deixa propositadamente de fora uma importante parcela daqueles que, segundo ele, estariam em condições de “outorgar o consenso”. Mas há mais: a vontade de alguns cujo consenso Cavaco reclama não passa de um pequeníssimo número de pessoas. Segundo Cavaco – ele não o diz expressamente, mas só pode ser este o seu pensamento - trata-se de pessoas que que têm o poder de representar um número indeterminado de outras pessoas, certamente um conjunto de pessoas muitíssimo numeroso, de milhões. Só que aqui surge um outro problema, muito mais complexo: quem atribuiu a esse pequeno número de pessoas o poder de representar milhões de outras pessoas? Quem?

O que Cavaco quer dizer quando apela ao “consenso”, quando clama “consenso”, é que a democracia acabou. Que aqueles que realmente têm o poder de decidir não têm nada para decidir. Pelo menos, nos próximos vinte anos.

Cavaco é coerente e sabe o que faz. Como defensor do neoliberalismo, Cavaco sabe – e concorda – que o neoliberalismo afastou a democracia das questões económico-financeiras e por arrastamento de todas as questões em que a importância daquelas se reflecte. Quem dita as regras nestas matérias não é o povo, directamente ou por intermédio dos seus representantes, mas os mercados. Os mercados é que dizem o que se pode ou não pode fazer. Por outro lado, o poder político, a política – por outras palavras, a democracia – não pode interferir com a “justiça” do mercado. Não há justiça social que se sobreponha à “justiça do mercado”.

Portanto, o que Cavaco está a dizer aos portugueses é, por outras palavras, o seguinte: “A democracia acabou. O que se pode ou não fazer nos domínios da governação, seja em que campo for, depende das imposições do mercado. Quanto a isso nada poderemos fazer. O que nós podemos e devemos é tentar agradar aos mercados, tentar “amaciar” a sua acção para que o tratamento deles relativamente a nós seja o mais brando possível. E é minha convicção que se o PS, o CDS e o PSD fizerem simultaneamente essa profissão de fé e derem garantias aos mercados de que não tentarão interferir com as suas normas, eles nos tratarão melhor do que nos tratariam se essa garantia lhes não for dada”.

Isto é o que diz Cavaco. E nós o que dizemos?  E o que fazemos a um Presidente como este?