terça-feira, 29 de dezembro de 2015

ESPANHA


O PSOE SEM SAÍDA



Dificilmente haverá em Espanha uma solução governativa idêntica à portuguesa. A grande vítima dessa ausência de solução à esquerda será o PSOE. A vítima e simultaneamente o grande responsável pelo bloqueamento desta solução governativa. Responsável porque o PSOE, apesar do grande peso eleitoral que durante décadas teve na Catalunha e até no país basco, não prescinde de uma linha política que admita, sequer teoricamente, pôr em causa o princípio da unidade de Espanha. A grande vítima porque, contrariamente ao que se supõe, há cada vez mais espanhóis que pretendem uma política verdadeiramente democrática (coisa que Espanha não tem) e de esquerda, nem que para isso tenham de aceitar o princípio do “direito a decidir”.

O Podemos, embora defendendo a continuidade da Catalunha em Espanha, aceita que os catalães tenham o direito de decidir se querem ou não ser independentes. Esta posição, juntamente com outras relativamente bem conhecidas entre nós – e que têm a ver com a rejeição das políticas de austeridade, a contestação das imposições de Bruxelas, etc, etc -, granjeou-lhe enorme popularidade na Catalunha, no País basco e na Galiza (as três nacionalidades históricas), e assegurou-lhe uma votação muito significativa no resto de Espanha, inclusive nas tradicionais “praças-fortes” do PP e do PSOE.

O PSOE não aceitando, por imposição dos seus “barões” regionais, dialogar com Podemos, se este não abandonar o princípio do “direito a decidir”, vai seguramente cair numa de duas situações: ou se junta a outros votos de rejeição para impedir, à segunda e à terceira votação, a investidura de Mariano Rajoy por maioria simples, com vista à realização de novas eleições (imposição constitucional); ou, por inviabilização de qualquer tipo de aliança positiva à esquerda, acaba, por via das suas exigências, por deixar passar o governo do PP.

Tanto num caso como noutro as consequências eleitorais para o PSOE serão demolidoras. Se em 20 de Dezembro passado teve o pior resultado da sua história (pós transição), em novas eleições, a realizar em Março ou Abril próximos, terá seguramente uma derrota ainda maior, além de agravar a crise da Catalunha que, sem “os fundamentalismos espanhóis”, já estaria há muito resolvida.

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

AS AUDIÊNCIAS DE CAVACO


UMA BURLA EM JEITO DE FARSA



As audiências a que Cavaco se entregou depois da crise política que provocou, entremeadas por umas férias na Madeira, além de demonstrarem, se necessário fosse, a desconsideração com que trata o Parlamento e os portugueses que nele se sentem representados, constituem também um exercício inútil e desnecessário. Inútil por estar a ouvir pessoas que se representam a si próprias e desnecessário por as suas opiniões serem por demais conhecidas e antecipáveis por qualquer pessoa que siga com um mínimo de atenção a vida política portuguesa. Uma burla, portanto, em jeito de farsa.

Perguntar a Ferraz da Costa o que é que ele pensa de um governo de esquerda é um exercício inútil e desonesto, como inútil seria perguntar-lhe hoje o que pensa ele da independência das “colónias”, o que pensa do 25 de Abril, o que pensa da PIDE, tudo questões inúteis, já que as respostas que ele daria a estas perguntas são conhecidas. E quem diz Ferraz da Costa, diz outros exactamente como ele.

E chamar os banqueiros para serem ouvidos em nome do povo português é uma ofensa inqualificável. Que é que um banqueiro, qualquer que ele seja, tem hoje a dizer ao povo português, tem a dizer a qualquer europeu? Só pode dizer: “Peço muita desculpa pelos inúmeros sacrifícios que a minha ganância vos fez passar”. É que os portugueses, com excepção de meia dúzia, não foram brindados pelos banqueiros com a compra de acções pelo dobro ou triplo do preço por que tinham sido adquiridas…

E que respostas lhe podem dar ex- Ministros das Finanças que ou fugiram ou deixaram défices enormíssimos para quem os substituiu ou levaram o país à falência?

Cavaco tem de ouvir rapidamente os partidos, que lhe devem manifestar a sua inequívoca reprovação por terem sido preteridos numa consulta em que deveriam ter sido únicos, e indigitar António Costa como Primeiro ministro, limitando-se a exercer  daí para a frente os poderes que lhe restam como Presidente da República.

E os partidos devem exigir-lhe uma decisão rápida, uma decisão que termine com a obstrução que tem vindo a ser feita ao pleno funcionamento da Assembleia da República e do Governo, pondo termo à irresponsável conduta de impedir o regular funcionamento das instituições.

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

SÓCRATES E MACEDO


DOIS PARTIDOS, DOIS CRITÉRIOS


Sócrates foi preso há cerca de um ano, a investigação tem saltitado de assunto para assunto sem até ao momento se ter formalmente fixado num deles. A acusação continua sem data marcada e sem previsão sobre quando ocorrerá. Não obstante, só há pouco mais de um mês Sócrates foi libertado, contra a vontade do juiz de instrução, embora continue sujeito a medidas de coacção menos graves.
Macedo, pelo contrário, investigado com recato, só muito recentemente passou a estar sujeito a medidas coacção ligeiras, apesar de já ter sido formalmente acusado da prática de vários crimes.
Com isto não estamos a querer dizer que Sócrates não deva ser investigado nem a sugerir que Macedo deva ser privado da liberdade. Não. Não mudamos de critério em função dos protagonistas. O que queremos dizer é que houve face a dois conhecidos políticos da actualidade uma divergência de critérios que nada juridicamente pode justificar.
Hoje, aos olhos de muita gente, cresce a convicção de que Sócrates não foi preso apenas para ser investigado, mas para criar um clima favorável a uma vitória eleitoral da direita.
Um dia se saberá se assim foi ou não, apesar de os últimos desenvolvimentos da vida política portuguesa nos façam acreditar em muita coisa, menos em coincidências. Um dia se saberá se alguém esteve por detrás de tudo isto e se o duplo critério usado pela investigação foi apenas ditado pela vontade dos seus protagonistas ou se, pelo contrário, outras vontades e razões estiveram no comando desta divergência.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

A PRIVATIZAÇÃO DA TAP NOS PRÓS E CONTRA


O QUE FOI DITO

Um debate que não serviu os interesses do país. E desta vez nem sequer se pode dizer que a culpa tenha sido da apresentadora.
Do lado dos que defendem uma TAP pública ou discordam desta privatização tudo ou quase tudo correu mal. Luís Ferreira levou o debate para campos de reduzido interesse ou que só servem o interesse dos privatizadores. Insistir excessivamente no papel dos reguladores é inútil e não leva a nada. Toda a gente sabe que em noventa por cento dos casos os reguladores digam o que disseram existem ou para fazer o que o Governo quer que façam, quando o governo tem sobre a sociedade e a economia uma perspectiva neoliberal, ou para dizerem aquilo que o capital quer que digam. O interesse dos cidadãos e o combate à concentração  da riqueza é coisa que eles jamais defenderão ou farão. Quem esperar o contrário é ingénuo. Por outro lado, trazer à colação a compra pela United Airlines de uma fracção do capital da Azul, qualquer que seja a volta que se lhe dê, só serve só o interesse do novo dono da TAP e favorece o ponto de vista do Governo. Nada pior em debates do que não perceber nada de política!
Ana Paula Vitorino, em representação do PS, jogou permanentemente à defesa. Embora porventura saiba muito mais do que disse, quis manifestamente guardar-se para quando for governo e manter em aberto as duas hipóteses de um Governo PS: ou renegociar uma recomposição do capital social ou declarar que não é possível fazer essa renegociação. Se das palavras de Costa na Grande Entrevista se pode vislumbrar uma certa intenção de materializar a proposta do PS, das de Ana Paula Vitorino apenas se colhe a ideia de que há uma pressão velada sobre os compradores, embora se fique sem saber se é para “espectador ver” ou se é mesmo para levar a sério.
António Pedro Vasconcelos que tem tido uma acção cívica a todos os títulos notável acabou por não referir o que politicamente era essencial – a continuação da responsabilidade do Estado pelas dívidas da TAP e o embuste que esta privatização representou por dela se ter dado ao público uma imagem completamente diferente do que realmente aconteceu. É certo que referiu algumas questões importantes, mas poderia ter ido mais além no escasso tempo que lhe concederam.
Do lado do Governo, referir antes de mais a extrema habilidade de Fernando Pinto para fugir às questões difíceis e de saber apresentar sempre as coisas de modo convincente para o grande público, principalmente se não houver entre os seus contraditores quem ,com argumentos válidos, seja capaz de desmontar a sua retórica. Negativo, o excessivo elogio aos novos patrões.
Pita Ferraz da Comissão de Acompanhamento é o exemplo acabado de um cromo que poderia ter sido completamente colado à parede se os seus opositores fossem outros. Além de ser uma insuportável e pouco inteligente voz do dono, nem sequer o negócio conhecia em pontos essenciais, como, por exemplo, a possibilidade da sua reversão sem custos para o Estado durante o tempo que mediou entre a assinatura dos contratos promessa e a assinatura dos contratos definitivos. Estava ali para defender o Governo, sem qualquer imparcialidade e poderia ter-se tornado num aliado precioso se as suas “competências” tivessem sido bem exploradas pelos seus contraditores.
O Secretário de Estado, aparte a questão do secretismo do negócio e da natureza semi-clandestina do seu encerramento, não chegou a ter necessidade de se defender por nunca ter sido atacado nos pontos nevrálgicos da privatização.
Assim, não se vai lá…

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

A RESPONSABILIDADE DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA




CRIMES DE RESPONSABILIDADE DOS TITULARES DE CARGOS POLÍTICOS


Segundo a Constituição, art.º 117.º, os titulares de cargos políticos respondem política, civil e criminalmente pelas acções e omissões que pratiquem no exercício das suas funções, cabendo à lei ordinária determinar os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos, bem como as sanções aplicáveis e os respectivos efeitos.

No artigo 130.º prevê-se a responsabilidade do Presidente da República pelos crimes praticados no exercício das suas funções, sendo a iniciativa do processo da Assembleia da República e a competência para o julgar do Supremo Tribunal de Justiça

Durante mais de dez anos a lei ordinária não deu cumprimento ao disposto na Constituição, tendo finalmente, a Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, estabelecido a tipologia dos crimes de responsabilidade bem como o respectivo regime.

Esta lei foi alterada posteriormente várias vezes, sendo última alteração de 2015,  Lei n.º 30/2015 de 22 de Abril.

Para analisar a responsabilidade criminal do Presidente da República convirá fundamentalmente atender aos artigos 8.º e 9.º da Lei n.º Lei n.º 34/87 de 16 de Julho.

Art.º 8.º - ATENTADO CONTRA A CONSTITUIÇÃO

O titular de cargo político que no exercício das suas funções atente contra a Constituição da República, visando alterá-la ou suspendê-la por forma violenta ou por recurso a meios que não os democráticos nela previstos, será punido com prisão de cinco a quinze anos, ou de dois a oito anos, se o efeito se não tiver seguido. 

Art.º - 9.º - ATENTADO CONTRA O ESTADO DE DIREITO

O titular de cargo político que, com flagrante desvio ou abuso das suas funções ou com grave violação dos inerentes deveres, ainda que por meio não violento nem de ameaça de violência, tentar destruir, alterar ou subverter o Estado de direito constitucionalmente estabelecido, nomeadamente os direitos, liberdades e garantias estabelecidos na Constituição da República, na Declaração Universal dos Direitos do Homem e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, será punido com prisão de dois a oito anos, ou de um a quatro anos, se o efeito se não tiver seguido.  

DESENVOLVIMENTO

Analisemos em primeiro lugar o artigo 8.º. Este artigo prevê duas situações: a alteração ou a suspensão da Constituição por meios violentos ou por recurso a meios que não os democráticos nela previstos.

Relativamente à primeira situação não se vê como possa o crime consumado ser punido, parecendo antes que na sua previsão apenas poderá caber a tentativa ou a frustração. Vejamos porquê. Se o titular de um cargo político no exercício das suas funções atenta contra a Constituição com vista a alterá-la ou suspendê-la por forma violenta e logra obter esse objectivo, a partir desse momento a lei que penaliza o atentado contra a Constituição deixa de aplicar-se, porque a legalidade vigente passa a ser outra - a legalidade decorrente do acto de força que permitiu alterar ou suspender a Constituição; se, porém, o titular do cargo político não conseguir alcançar o objectivo, então estaremos perante uma tentativa que a lei igualmente prevê e para a qual estabelece uma punição mais branda.  A menos que se entenda que a lei não consagra a tentativa por se bastar com o facto de o agente visar alterar ou suspender a Constituição. Só que  nesse caso deixa de ter sentido a previsão da pena para a simples tentativa. Uma coisa, porém, é certa, se o objectivo for alcançado por meios violentos (manu militari) a punição não terá lugar pelas razões acima aduzidas. Por muito cínica que esta interpretação possa parecer, ela é a que resulta do princípio da efectividade.

Já o mesmo se não poderá dizer relativamente à alteração ou suspensão da Constituição por meios não democráticos. O recurso a meios não democráticos só pode querer significar o recurso a qualquer outro meio que não os previstos na Constituição para a sua alteração ou suspensão. A questão que a este respeito naturalmente se põe é a de saber se a alteração ou a suspensão a que o artigo 8.º se refere tem de consubstanciar-se num acto formal ou se pode também resultar de uma prática que deixa formalmente inalterado o texto constitucional, mas da qual resulta de facto uma verdadeira alteração ou suspensão da Constituição.

Relativamente à alteração ou suspensão da Constituição por meios não democráticos também se poderia começar por afirmar que o crime consumado não poderá ocorrer  porque o acto que formalmente consagra aquela violação é juridicamente inexistente, uma vez que se mantém a estrutura essencial do Estado de direito. No entanto, neste caso, parece óbvio que o essencial para que a consumação ocorra é a prática do acto, independentemente da sua validade jurídica. Todavia, apesar de a prática, por meios não democráticos sem recurso à violência, de um acto formal, porém inexistente, ser punível e de relativamente a ele se não levantarem os mesmos problemas que filosófica e praticamente estão associados à prática de um acto da mesma natureza por meios violentos, temos de admitir que, para além da prática de actos formais, o artigo em questão se refere também às práticas que igualmente visem a alteração ou a suspensão da Constituição levadas a cabo sem a existência de actos formais que a consubstanciem. Ou seja, práticas que produzam um resultado equivalente ao que resultaria de uma alteração ou suspensão formal.

A dificuldade com que esta interpretação se depara é que nem toda e qualquer prática contrária à Constituição de um titular de órgão de soberania deve ser criminalmente punida. Teria de se fazer a distinção entre as práticas contrárias à Constituição e as práticas que visam de facto alterá-la ou suspendê-la por subverterem gravemente os princípios democráticos nela consagrados.

Optar por este caminho para punir o titular de um órgão de soberania seria certamente um caminho árduo e difícil de ser percorrido com êxito. Mas nada impede de o tentar percorrer desde que os factos que provam a existência dessa prática e o animus de quem os pratica sejam manifestamente informados pelo desprezo pelos princípios democráticos consagrados na Constituição.

Já quanto ao artigo 9.º da lei acima citada, a configuração do crime de atentado contra o Estado de direito refere situações mais plausíveis e mais prováveis de acontecer sem que a subsunção dos respectivos comportamentos na previsão normativa levante o mesmo tipo de interrogações. Aquele que abusar das suas funções, que delas se desviar gravemente ou que gravemente violar os seus deveres para tentar destruir, alterar ou subverter o Estado de direito constitucionalmente estabelecido incorre numa pena de dois a oito anos de cadeia ou de um a quatro se os seus intentos não tiverem sido alcançados.

Aqui tudo é mais simples e plausível ,como acima se disse. Desde que uma determinada conduta de um titular de um órgão de soberania se traduza numa flagrante violação das suas funções ou represente um uso abusivo dessas funções ou uma grave violação dos seus deveres para por essa via tentar destruir, alterar ou subverter o Estado de direito constitucionalmente consagrado estaremos claramente numa situação em que o comportamento do agente preenche (integra) a previsão normativa, havendo, portanto, lugar ao desencadeamento das consequências jurídicas que a concretização daquela previsão acarreta.

Do ponto de vista prático – e era aqui que queríamos chegar – a questão que se põe é portanto a de saber como qualificar o comportamento de Cavaco, enquanto titular de um órgão de soberania, se fizer tábua rasa da decisão do Parlamento e mantiver em funções o actual Governo, na sua actual composição ou remendado, recusando-se a indigitar um outro Primeiro ministro.

Vejamos o que diz a Constituição. Cabe ao Presidente da República nomear o Primeiro Ministro, ouvidos os partidos políticos representados na Assembleia da República, tendo em conta os resultados eleitorais. Esta é uma competência do Presidente da República.

A competência de um órgão compreende os poderes que por lei lhe são atribuídos para o desempenho da sua função. Todavia, os poderes compreendidos na competência de um órgão não são todos da mesma natureza. Há poderes que esse órgão exerce discricionariamente (não confundir com arbitrariamente), embora sempre em vista do fim para que foram concedidos, compreendendo essa discricionariedade umas vezes a prática ou a não prática de um acto; outras, a escolha de uma via entre várias possíveis, devendo em qualquer caso a decisão, embora baseado num juízo pessoal de quem decide, ser aquela que, segundo esse juízo, melhor serve o objectivo, o fim, em vista do qual aquele poder foi concedido.

Todavia, nas competências de um órgão não estão apenas compreendidos poderes discricionários. Pelo contrário, a maior parte desses poderes são poderes vinculados, poderes que têm de ser exercidos nos termos prescritos pela lei, havendo, entre estes, poderes que não podem deixar de ser exercidos por a inacção representar a violação de um dever.

É o que se passa com a nomeação do Primeiro Ministro pelo Presidente da República.

O Presidente da República não pode deixar de nomear o Primeiro Ministro. Não pode, por exemplo, o Presidente da República deixar de nomear um novo Primeiro Ministro saído de eleições legislativas, mantendo o anterior Governo em funções, por não lhe agradar ou não concordar com a orientação política do partido vencedor ou por qualquer outra razão. O Presidente da República não tem o poder de nomear ou não nomear. Tem de nomear.

A que regras está subordinada essa nomeação? A Constituição é muito clara: como já atrás dissemos, o Presidente da República nomeia o Primeiro Ministro, tendo em conta os resultados eleitorais, depois de ouvidos os partidos representados na Assembleia da República.

Ter em conta os resultados eleitorais significa olhar para a correlação de forças no Parlamento resultante do acto eleitoral. E há situações saídas dos resultados eleitorais que não suscitam quaisquer dúvidas, em que ouvir os partidos não passa de uma mera formalidade. Assim, inequivocamente, quando há um partido ou uma coligação de partidos que ganha as eleições com maioria absoluta dos deputados. Também não há qualquer espécie de dúvida quando depois das eleições se constituiu uma coligação formada por dois ou mais partidos com maioria absoluta de deputados no conjunto dos partidos coligados. E o mesmo se poderá dizer quando dois ou mais partidos negoceiam depois das eleições um acordo de incidência parlamentar que assegura, a um deles, o apoio maioritário no Parlamento. Em todos estes casos a decisão do Presidente da República só pode ser – tem de ser – a indigitação como Primeiro Ministro da personalidade que chefia o partido mais votado, a coligação de partidos ou o partido que beneficia do acordo de incidência parlamentar.

Em qualquer destes casos se o Presidente da República não nomear Primeiro Ministro a personalidade acima indicada, se estiver a fazer depender essa nomeação de exigências ou da aceitação de condições que a Constituição não prevê – e a Constituição não prevê nenhumas! –, terá de entender-se que o Presidente da República estará a tentar alterar a Constituição por meios não democráticos ou, no mínimo, a abusar das suas funções, a violar os seus deveres e a tentar alterar ou subverter o Estado de direito constitucionalmente consagrado por estar a impedir o regular funcionamento das instituições.

Mesmo nos casos em que a interpretação dos resultados eleitorais não seja tão óbvia como nas situações acima descritas, o Presidente também não goza de um poder discricionário de interpretação dos resultados eleitorais. O seu poder é sempre limitado e compreende-se que o seja porque o que está em causa é o voto do povo numa democracia representativa. Numa democracia representativa o deputado não recebe um mandato imperativo, como toda a gente sabe. O deputado não tem tutores, nem explicadores sobre o que deve ou não fazer, estando apenas condicionado pelo voto popular na eleição seguinte. Numa democracia representativa de feição partidária o partido assume igualmente um papel de relevo, sem que contudo a autonomia jurídica do deputado seja posta em causa, embora do ponto de vista prático essa autonomia esteja obviamente condicionada pelas regras partidárias, que, todavia, o deputado pode não aceitar, desligando-se do partido sem deixar de ser deputado. Isto para dizer que ninguém, com excepção do deputado, no sistema constitucional português se pode arrogar o direito de interpretar o sentido do voto popular. Daí que os poderes do Presidente na República sejam muito limitados quando se trata de atender aos resultados eleitorais.

Assim, fora dos casos acima previstos, o Presidente da República deve indigitar para Primeiro ministro a personalidade que chefia o partido mais votado. Contudo, se durante as negociações para a formação de governo, o Primeiro Ministro indigitado chegar à conclusão de que não consegue assegurar o voto favorável do Parlamento ou a abstenção que lhe permita governar impõe a lealdade institucional que tal facto seja comunicado ao Presidente que, depois de ouvidos novamente os partido, deverá convidar o segundo partido mais votado para formar governo já que nenhuma outra alternativa lhe resta, pois, como se sabe, a AR não pode ser dissolvida nos seis meses subsequentes à sua eleição. 

Se, porém, o Primeiro Ministro indigitado for empossado porque não comunicou ao Presidente que não dispunha de apoio parlamentar ou porque acreditava que esse apoio poderia vir a alcançar-se e o seu Governo não passar no Parlamento em consequência de uma moção de rejeição aprovada por maioria absoluta de votos dos deputados em efectividade de funções e entretanto se tiver formado uma coligação pós eleitoral ou um acordo de incidência parlamentar que assegure, em qualquer dos casos, um apoio maioritário a essa coligação ou a um partido, o Presidente da República deve – está obrigado – nomear Primeiro Ministro a personalidade que chefia a coligação ou o partido que dispõe desse apoio parlamentar maioritário. O Presidente da República não pode deixar ficar o país sem Governo, sem um Governo no pleno exercício de efectividade de funções.

A Constituição não atribui ao Presidente da República qualquer poder susceptível de condicionar essa nomeação. O Presidente não pode impor-lhe condições para o nomear, nem exigir-lhe compromissos de nenhuma espécie, salvo obviamente o respeito pela Constituição. Se o Presidente não nomear o novo Primeiro Ministro por não concordar com a “cor” política do novo Governo ou por entender que esse Governo não está em condições de cumprir as exigências (inconstitucionais) que ele lhe impôs, ou por qualquer outro motivo, e deixar em gestão por tempo indeterminado o governo rejeitado, o Presidente da República estará de facto a tentar alterar a Constituição ou, no mínimo, a abusar dos seus poderes e das suas funções, a violar gravemente os seus deveres e a tentar por essa via subverter ou alterar o Estado de direito consagrado na Constituição por estar dolosamente a impedir o regular funcionamento das instituições.

No caso de Cavaco, o dolo nem sequer é difícil de provar porque ele expôs com muita clareza o seu pensamento e as suas intenções no discurso de indigitação de Passos Coelho. Por outro lado, o comportamento de Cavaco subsequente à rejeição aponta no mesmo sentido. A decisão de ouvir os chamados “parceiros sociais”, em vez de ouvir os partidos, como a Constituição lhe impõe, resolver partir de férias ou de viagem de recreio para a Madeira, protelando a decisão sobre uma situação urgente, não podem deixar de constituir indícios mais que seguros de um comportamento doloso de desprezo pela Constituição que assim estava sendo subvertida com base num sectarismo absolutamente inaceitável.

Se esse for o caso, se o actual Governo for mantido em gestão até á realização de novas eleições, a Assembleia da República, mediante proposta de um quinto dos deputados (46), deverá iniciar o processo-crime por atentado contra a Constituição e contra o Estado de direito com vista à sua aprovação e posterior remessa ao Supremo Tribunal Justiça afim de nele ser instruído e julgado.

ADITAMENTO

Tendo em conta o conselho do António Hespanha e também o ensinamento de Vital Moreira, que entretanto consultei, não pode deixar-se de parte, na análise da responsabilidade do Presidente da República por crime de responsabilidade praticado no exercício de funções, o disposto no artigo 10.º da Lei n.º 34/87 de 16 de Julho e posteriores alterações.

O artigo 10.º contempla a chamada “Contempt of Parliament”, nos seguintes termos:


COACÇÃO CONTRA ÓRGÃOS CONSTITUCIONAIS
1 - O titular de cargo político que por meio não violento nem de ameaça de violência impedir ou constranger o livre exercício das funções de órgão de soberania ou de órgão de governo próprio de região autónoma será punido com prisão de dois a oito anos, se ao facto não corresponder pena mais grave por força de outra disposição legal.

A não nomeação do Primeiro Ministro, depois da realização de eleições legislativas e a substituição do Governo rejeitado pelo Parlamento depois daquelas eleições, traduz-se numa efectiva obstrução ou, no mínimo, num forte constrangimento às funções da Assembleia da República.
A Assembleia da República, embora possa fiscalizar o Governo em funções, está de facto e de jure impedida de exercer as suas funções em plenitude, pela própria natureza do Governo em exercício - competência limitada a actos de gestão corrente.
A Assembleia da República além de ficar privada de ter em funções um Governo da sua confiança, no mínimo, um Governo que ela não rejeitou, fica em consequência das limitações constitucionais dos Governos de gestão amplamente limitada no exercício das suas funções por manifesta obstrução do Presidente da República.
Além de que, a rejeição do Governo pela AR obriga o PR a empossar outro Governo, como acima se demonstrou.

(Por agora este aditamento fica por aqui, sendo minha intenção desenvolvê-lo em post posterior)





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terça-feira, 10 de novembro de 2015

O DEBATE SOBRE O PROGRAMA DO GOVERNO




A DIREITA PORTUGUESA É ANTIDEMOCRÁTICA



Não adianta estar a poupar nas palavras. Não se ganha nada com isso e quanto mais redondas são as palavras utilizadas maior é a confusão. A direita portuguesa é aquilo que sempre tem sido desde há cem anos. É visceralmente antidemocrática ou como muito expressivamente se dizia há umas décadas atrás: é fascista, como a presente conjuntura amplamente o demonstra.

A direita portuguesa, golpista desde o 25 de Abril (os vários golpes de Spínola e o golpe de Sá Carneiro/Palma Carlos entre Abril de 74 e os primeiros meses de 1975), caceteira, bombista e incendiária (os muitos atentados em que participou e os múltiplos incêndios que ateou no Verão de 1975), beneficiou até 4 de Outubro deste ano do certificado de democracia que, por razões meramente tácticas, Mário Soares lhe outorgou no 25 de Novembro e da incompatibilidade de quatro décadas entre os partidos de esquerda, razão por que até hoje nunca teve necessidade de fazer prova de respeito pelos princípios democráticos.

Estes pressupostos eram para a direita uma espécie de “seguro democrático” que a dispensavam do pagamento de “prémio” e a isentavam da obrigação de fazer a “prova devida” tão certa ela estava da sua imutabilidade.

Tendo-se deparada pela primeira vez desde Novembro de 1975 com a ausência daqueles pressupostos, a direita portuguesa não precisou de mais de 30 dias para mostrar a sua verdadeira face - a face antidemocrática e fascista que na realidade nunca perdeu, nem mesmo quando se travestiu de direita neoliberal, trajando à moda da época, como disfarce que passou usar para melhor alcançar os seus objectivos de sempre: o poder sem partilha e sem controlo.

Colocada neste novo contexto e estando impossibilitada de usar explicitamente o meio que melhor a caracteriza – o uso da força – a direita portuguesa, de Cavaco a São Bento, passando pelos mil e um meios de que dispõe para amplificar a sua voz, esgrime argumentos estúpidos, repetidos à saciedade, sempre com a esperança de que com a sua permanente repetição alguma coisa deles possa ficar na cabeça das pessoas.

Assim, continua no Parlamento a ouvir-se o estafado argumento de que Passos Coelho ganhou a eleição para primeiro-ministro, não podendo António Costa ser indigitado para o cargo porque a perdeu. Dada a imbecilidade do argumento nada melhor do que uma resposta à altura: “Se o primeiro ministro é eleito que sentido faz que seja Cavaco a nomeá-lo, depois de ouvidos os partidos representados na Assembleia da República”?

Em seguida, embora ligado a este, vem o argumento da falta de legitimidade de António Costa ou do Partido Socialista para governar. É estranho que nunca ninguém antes de responder a esta tonteira tenha perguntado ao autor do “argumento” o que é a legitimidade, em que consiste, pois somente depois de se saber em que consiste se pode verdadeiramente dizer se existe ou não.

Em terceiro lugar, vem o estafado e inacreditável argumento de que António Costa só pode ser indigitado primeiro-ministro e formar governo se apresentar um acordo estável e duradoiro com apoio parlamentar maioritário. Estranho. Então se para ser indigitado primeiro-ministro é necessário apresentar um acordo estável e duradoiro com apoio parlamentar maioritário como se explica que Cavaco Silva tenha indigitado e dado posse a Passos Coelho?

Obviamente que estes argumentos não passam de pseudo-argumentos, são na sua coerência lógica estúpidos e imbecis, apenas desenvolvidos por mentes que privilegiam o obscurantismo e o analfabetismo na acção política.

A resposta à questão que nos domina é bem mais simples e a sua compreensão está ao alcance de qualquer mente cuja capacidade de compreensão se não queira propositadamente obscurecer.

As eleições de 4 de Outubro de 2015 foram eleições legislativas. Eleições que se destinaram a escolher os 230 deputados que compõem a Assembleia da República. A Assembleia da República tem por principal actividade fazer leis e fiscalizar a acção do Governo. Nos regimes parlamentares ou de dominante parlamentar como é o nosso, o Governo para exercer funções carece do apoio do Parlamento. Apoio do Parlamento, expresso ou tácito, para evitar a rejeição do seu programa de governo, apoio expresso do Parlamento para confirmar a confiança dos deputados e apoio, expresso ou tácito, do Parlamento para evitar a sua censura.

O Presidente da República só excepcionalmente pode demitir o Governo: apenas e só quando se torne necessário para garantir o regular funcionamento das instituições democráticas.

Aparte este caso e o direito de veto relativamente a qualquer decreto do Governo, o Presidente da República não interfere na acção governativa.

Todavia, compete ao Presidente da República nomear o primeiro ministro, ouvidos os partidos com assento na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais.

Em lugar algum da Constituição se diz ou sequer se sugere que o Presidente da República só pode nomear um Primeiro Ministro que goze de apoio parlamentar ou que seja portador de um acordo interpartidário que lhe garanta esse apoio. Nada disso existe na Constituição. Tudo o que se tem dito este respeito não passa de pura ficção política destinada a perpetuar a direita no poder.

Isto não quer dizer que o Presidente da República não tenha de atender aos resultados eleitorais para nomear o primeiro ministro. E tem também de ouvir os partidos representados no Parlamento, sendo da conjugação destes dois pressupostos que o primeiro ministro é nomeado.

Assim, se há uma força política que goza do apoio da maioria absoluta dos deputados, seja essa força política um partido, uma coligação pré ou pós eleitoral ou um partido que beneficia de um acordo de incidência parlamentar com aquelas características, deve o dirigente máximo dessa força política ser indigitado primeiro ministro.

Se, porém, não existe qualquer maioria absoluta, seja porque nenhum partido ou coligação pré ou pós eleitoral a conseguiu, seja porque nenhum partido beneficia de um acordo de incidência parlamentar que a garanta, o Presidente da República deve indigitar para primeiro ministro o representante máximo do partido ou coligação pré-eleitoral que nas eleições obteve mais deputados.

É isto o que diz a Constituição. Tudo o resto é fantasia. Das muitas personalidades e pseudo personalidades que se têm pronunciado sobre este assunto, apenas uma dela, não jurista, interpretou correctamente a Constituição: Sampaio da Nóvoa!

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

AINDA A PROPÓSITO DO ACORDO À ESQUERDA




O QUE FAZ FALTA

Não há nada pior na política portuguesa do que alguém vestir as vestes alheias e fazer-se passar por quem não é.

Recordo que a seguir à queda do Muro, por razões profissionais e outras, desloquei-me várias vezes a alguns países do extinto Pacto de Varsóvia e não podia deixar de criticar a arrogância com que alguns colegas se referiam à paisagem urbana de cidades como Berlim Leste, Praga e Varsóvia entre outras.

Falavam e criticavam como se fossem cidadãos de Munique, de Londres, de Paris ou até de uma qualquer cidade modelo e esqueciam-se completamente que tinham a Baixa Pombalina numa situação miserável, que no Largo de Camões havia pés de couves a nascer dos telhados em ruínas, enfim, tomavam-se por quem não eram.

Infelizmente, esse mau hábito é contagioso. Se eu tenho um programa político para executar, mas nem sequer disponho no Parlamento de um décimo dos deputados, por mais justo e excelente esse meu programa seja, eu não posso ter pretensão de o executar como faria se dispusesse da maioria absoluta dos lugares. Claro, que os meus deputados são importantes para construir uma maioria e nessa medida tem um valor superior ao seu peso numérico isoladamente considerado, mas como, por outro lado, eu também estou interessado numa nova solução (é suposto) aquele peso baixa na razão directa desse meu interesse e obriga-me a ser comedido e moderado nas minhas exigências, sem deixar de ser firme no que tenho de ser.

É tudo.

SOBRE O ACORDO À ESQUERDA




O QUE TEM DE SER FEITO



Sobre o acordo à esquerda, nomeadamente entre o PS e o PCP, fala-se muito e sabe-se pouco.

Em duas palavras, ou um pouco mais, também gostava de dizer alguma coisa. A primeira não é muito diferente daquela que quase toda a gente já disse: o eleitorado de esquerda não está preparado para um falhanço das negociações, nem aceita uma qualquer explicação para esse hipotético desenlace. A segunda também já foi muito repetida, mas que importa continuar a sublinhar: esta é uma oportunidade que não pode ser perdida de ânimo leve, não apenas pelas potencialidades que encerra mas também porque, se falhar, dificilmente se repetirá nos tempos mais próximos, com a agravante de a direita se prevalecer desse fracasso para aplicar em toda a linha o seu programa neoliberal de destruição do Estado social e de desforra do 25 de Abril.

Dito isto, quanto ao resultado das negociações não estou apreensivo, nem convencido. Apenas expectante. Expectante e atento.

A ideia base que os negociadores não podem deixar de ter em conta, imposta, não direi pelo senso comum, que é algo que eu tenho alguma dificuldade em saber o que é, mas pelo princípio da boa-fé, que na sua compreensão objectiva significa muito simplesmente fazer o que deve ser feito e não exigir o que não pode ser exigível, o que aplicado às negociações em curso quer muito pura e simplesmente dizer o seguinte:

É inadmissível que as negociações fracassem por exigência de realização imediata de algo quer pode fazer-se gradualmente; assim como é inadmissível que as negociações não tenham êxito por não se querer fazer agora o que somente agora pode ser feito!

Entendido?


sexta-feira, 30 de outubro de 2015

A ENTREVISTA DE JERÓNIMO DE SOUSA A ANA LOURENÇO

O PODER SEM FANTASIAS

Não contava escrever sobre esta entrevista. Tudo me pareceu tão fácil de interpretar …mas afinal não foi. Tenho ouvido e lido as mais díspares interpretações sobre a entrevista. E pior do que isso tenho pressentido estados de alma com que também não contava, que vão desde a indisfarçável depressão à euforia de quem afirma “eu não dizia…”.

Há até quem cite filósofos, um dos mais importantes nomes da filosofia política, para a partir daí concluir que Jerónimo não está à altura das circunstâncias. Uns dizem que lhe falta a Virtu outros a Fortuna que Maquiavel tanto enfatizou.

Como Maquiavel, o primeiro grande nome da modernidade, me é bastante caro por tudo o que lhe devemos na compreensão da política, achei que não deveria manter-me à margem deste debate, apesar, como já disse, de tudo me ter parecido demasiado óbvio e justificável.

O que Jerónimo ontem disse foi o que outros, que nem ao Partido Comunista pertencem, se não têm cansado de dizer. A saber: o que está em discussão com o PS é a negociação de um programa mínimo que incide fundamentalmente sobre os rendimentos.

A negociação e futura aplicação de um programa desta natureza tem consequências macroeconómicas que ninguém pode negar. Mas Jerónimo não acalenta ilusões. Sabe que há constrangimentos que pesam negativamente sobre a economia portuguesa e o futuro do país como Estado soberano. Jerónimo não aceita que esses constrangimentos se traduzam na limitação do Estado social, no corte das pensões nem na diminuição dos rendimentos do trabalho.

O PS também não quer estas consequências. Essa é aliás a essência da sua crítica à governação de Passos Coelho. Esse foi sempre o discurso de António Costa. Logo, algo de novo surgirá…

O que Maquiavel trouxe de novo à política foi o realismo. Encarar o poder como ele realmente é. Sem fantasias nem moralidades. E além disso a crença na vitória do novo sobre o velho.

Só quem não compreendeu a entrevista pode ter ficado decepcionado ou, pior ainda, ter considerado que Jerónimo não esteve à altura do que as circunstâncias exigiam.


Quem esperava foguetes e champagne continua a olhar a política numa perspectiva pré-maquiavélica. 

O que de certa forma não admira porque estamos todos, uns mais outros menos, muito contaminados pela mediocridade do comentário político que por ai se vai fazendo.

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

AFINAL, QUEM RESPONDE PELA DÍVIDA DA TAP?




O QUE GANHOU O ESTADO COM A PRIVATIZAÇÃO?


Como todos certamente nos recordamos, embora convenha relembrar porque há sempre quem se esqueça, a TAP foi “oferecida” a um “comprador” estrangeiro com base em duas razões muito divulgadas, ou, se quisermos, talvez três.

Primeira – o novo dono da TAP iria responsabilizar-se pela dívida da empresa, desonerando dessa responsabilidade o Estado Português;

Segunda – o novo dono da TAP iria recapitalizar a empresa com várias centenas de milhões de euros,

Terceira - o Estado Português à luz do direito comunitário não teria margem de manobra para capitalizar a empresa, a menos que procedesse a uma profunda reestruturação (despedimento em massa de trabalhadores; eliminação de rotas; diminuição radical de meios aéreos) que lhe alteraria por completo a fisionomia; deixaria de ser a TAP para passar a ser, no dizer do PM, uma Tapezinha.

Pois bem, pelo que se conhece, a partir do que a imprensa vai publicando, as dificuldades para concluir o processo de privatização não cessam de aumentar, em consequência exactamente da dívida da empresa.

Convém por isso recapitular alguns factos para tentar compreender o que está em causa.

O primeiro responsável pela dívida da TAP é…a própria TAP. Nem de outro modo poderia ser. Se fosse, isso significaria uma de duas coisas: ou que o Estado tinha assumido integralmente a dívida, pondo a empresa à venda livre de passivo; ou que o comprador a teria assumido como principal devedor. Ambas as hipóteses são inverosímeis, se não mesmo absurdas. Nem o Estado Português tinha condições para pôr à venda a empresa sem a dívida, nem haveria nenhum comprador que estivesse disposto a adquiri-la mediante a assumpção pessoal da sua dívida, independentemente de outras considerações que abaixo serão referidas.

Assim sendo, o que o negócio da privatização, no essencial, consubstanciava era, como acima dissemos, a venda da empresa por um valor meramente simbólico a troco da obrigatoriedade da sua recapitalização e da substituição da responsabilidade do Estado pela do novo comprador.

De facto, a TAP como empresa pública é propriedade da Parpública que, por sua vez, é propriedade do Estado Português. Enquanto a TAP se mantiver no domínio público pelas suas dívidas responderá em primeira linha a empresa, subsidiariamente ou solidariamente, conforme os contratos, a Parpública e pelas responsabilidades desta o Estado Português.

Ora, a privatização pressupunha a transferência desta responsabilidade para o novo comprador. Só que essa transferência não é algo que esteja na exclusiva dependência da vontade do comprador e do vendedor. Não se muda de devedor sem o assentimento do credor. E aqui é que está o problema.

O problema parece estar no facto de os credores da TAP não quererem prescindir da responsabilidade do Estado Português. Aliás, segundo se diz, haverá dívidas que se vencem imediatamente se o Estado Português deixar de ter o controlo da empresa.

Perante este imbróglio, ou seja, perante a intransigência dos credores (bancos) em prescindir da responsabilidade do Estado Português, como elemento determinante da renegociação da dívida, é caso para perguntar, a ser assim, o que ganhou o Estado Português com a privatização?

De facto, sendo a TAP actualmente uma empresa quase sem activos e ficando doravante o seu controlo entregue ao comprador, a posição do Estado Português, se mantiver em última instância a sua responsabilidade pela dívida da empresa à data da privatização, será consideravelmente pior e muito mais vulnerável do que aquela que actualmente tem.


Daí a pergunta: o que ganhou o Estado Português com a privatização da TAP?

CAVACO E O RESTO DA DIREITA

AS DUAS POSIÇÕES DA DIREITA

O resto da direita está dividido quanto ao discurso de Cavaco. Simplificando, pode dizer-se que os apoiantes de Marcelo Rebelo de Sousa afirmam que do discurso se não pode deduzir que Cavaco não dê posse a um governo de António Costa, se houver uma maioria parlamentar que o apoie com base num acordo. Enquanto, a outra parte, mais fiel aos princípios que a regem, entende que o discurso de Cavaco se situou no âmbito dos seus poderes constitucionais, sendo, portanto, igualmente legítimas qualquer das opções que com base nele venha a adoptar.

Os apoiantes de Rebelo de Sousa não querem defrontar-se com a situação de o seu candidato ser obrigado durante a campanha eleitoral a ter de responder sobre o que fará uma vez eleito. Se Cavaco deixasse perpetuar até ao fim do seu mandato o governo rejeitado de Passos Coelho, Rebelo de Sousa não tinha como fugir à pergunta do que fará ele uma vez eleito: dissolve o Parlamento e marca novas eleições ou dá posse a um governo que goze de apoio parlamentar maioritário? Perante esta situação, Marcelo não pode esquivar-se. Vai ter que tomar posição e ambas as respostas o prejudicam, como mais ainda o prejudicaria a ausência de qualquer resposta.

Pelo contrário, os outros, entre os quais se conta Santana Lopes, embora reconheçam que o discurso de Cavaco teve o efeito perverso de ajudar a unir a esquerda, não deixam de sublinhar que as palavras de proferidas pelo Presidente da República aquando da indigitação de Passos Coelho se situaram no âmbito da constitucionalidade e não são assim tão diferentes das que outros presidentes, no passado, igualmente proferiram perante situações semelhantes, devendo atribuir-se a uma campanha orquestrada pela esquerda a ideia de que o discurso de Cavaco se situa fora dos poderes presidenciais.
Quanto à posição de Rebelo de Sousa e dos seus apoiantes, pouco haverá a dizer. Marcelo afirmou durante anos que o candidato presidencial de direita só poderia ganhar a eleição presidencial se tivesse capacidade para cativar cerca de dez por cento do eleitorado que tradicionalmente vota à esquerda ou se o candidato da esquerda fosse muito fraco. É essa a estratégia de Marcelo. Ela passa, primeiro, por dividir a esquerda e depois por tentar seduzir aquela parte do voto da esquerda que se situa mais à direita. Portanto, para Marcelo nada melhor do que Cavaco dar posse a António Costa, se a rejeição de Passos se confirmar. E nada pior do que a manutenção em funções de um governo de direita rejeitado.

Já quanto àquela parte da direita, mais fiel aos seus princípios antidemocráticos, que admite como igualmente válidas e politicamente aceitáveis qualquer das decisões que Cavaco venha a adoptar, no fundo o que essa direita verdadeiramente pretende é que Cavaco não dê posse a António Costa, mantenha Passos em gestão até ao fim do seu mandato e que o novo presidente convoque novas eleições para serem ganhas pela direita. Estes são os três objectivos que a direita tem em vista e todos eles assentam num único pressuposto: a esquerda não tem legitimidade para governar. Pode ter assento no Parlamento, até convém que tenha, mas governar está fora de questão.

Santana Lopes, agora bem mais próximo do Santana Lopes que conhecemos nos fins da década de setenta e durante a década de oitenta do século passado, é o que melhor e com mais clareza exprime este pensamento. Claro que Santana Lopes, como não é tão ignorante como Cavaco e como também conhece os meandros do direito constitucional, procura refugiar-se em pretensos lugares paralelos da história da democracia portuguesa para fundamentar a sua posição. E então invoca duas situações em defesa do seu ponto de vista.

A primeira, ocorrida em 1983 – portanto, já depois da revisão constitucional que altera os poderes do Presidente da República (1982) -, quando o Presidente Eanes, tendo dissolvido o parlamento maioritariamente formado pelos deputados da Aliança Democrática, composta pelo PSD/CDS/PPM, que haviam concorrido coligados e vencido as eleições de 1980, manteve Balsemão em funções por largos meses – até à tomada de posse de Mário Soares à frente do IX Governo Constitucional.
Não há semelhança nenhuma entre as duas situações, nem as coisas se passaram assim. Em primeiro lugar, o Governo Balsemão (VIII Governo Constitucional) caiu por dentro em virtude das desavenças entre Freitas e o Primeiro-ministro. Freitas nunca aceitou ser segundo de Balsemão, de modo que quando Eanes anunciou a decisão de dissolver o parlamento e depois a concretizou em Janeiro de 1983, não só não havia nenhuma outra alternativa política com apoio parlamentar como o próprio governo já tinha pedido a demissão. As eleições foram marcadas para o dia 25 de Abril e o Primeiro-ministro seguinte (Mário Soares) tomou posse quando constitucionalmente tinha que tomar. Não houve, portanto, qualquer prorrogação do governo em funções de mera gestão por o Presidente se negar a dar posse a uma outra solução de governo integrada por partidos diferentes dos que haviam até então governado. Como se vê por este simples exemplo, o passado está cada vez mais difícil de “prever” do que o futuro…

A segunda, ocorrida em 204, refere-se ao XVI Governo Constitucional presidido por Santana Lopes. Diz-se que o Presidente de então, Jorge Sampaio, condicionou a posse do governo à aceitação de uma espécie de “caderno de encargos” por ele imposto. Também não há qualquer semelhança entre a situação então ocorrida e actual, salvo a que decorre de em ambos os casos ficar bem patente que as eleições legislativas são eleições para deputados e não para primeiro-ministro! De facto, Sampaio, depois da demissão de Durão Barroso, para ocupar o lugar de Presidente da Comissão Europeia, hesitou longamente sobre se deveria ou não empossar Santana Lopes, que nem sequer deputado era, como primeiro-ministro. E acabou por concluir que, mantendo-se a coligação pós-eleitoral que apoiava o Governo Barroso e que sendo esta maioritária no Parlamento, deveria empossar como Primeiro Ministro a personalidade por ela indicada. A coligação indicou Santana Lopes e Sampaio deu-lhe posse. É verdade que no discurso de posse – e não antes – Sampaio teceu várias considerações sobre o caminho que o Governo deveria seguir. Considerações que se poderiam justificar se se destinassem a marcar a posição do Presidente relativamente ao Executivo, mas que já seriam descabidas, como foram, se tivessem a pretensão de balizar a acção do Governo. Tratou-se porventura do momento mais infeliz da Presidência Sampaio (sem esquecer a intervenção da NATO na Jugoslávia à margem do Direito Internacional), parecendo que subjacente a essas considerações havia uma espécie de má consciência ditada pela posse, como primeiro-ministro, alguém que nem sequer às legislativas havia concorrido.

De qualquer modo, Sampaio cumpriu a Constituição ao dar posse a Santana Lopes, devendo as ditas considerações sobre a acção do governo, proferidas na posse e não antes, entender-se como reveladores da sua posição perante o Governo e não como uma sujeição do programa do Governo à vontade do Presidente. Essa função, de apreciação do programa de governo e das eventuais consequências dessa apreciação, cabe no ordenamento jurídico-constitucional português inequivocamente ao Parlamento!


Assim, por mais que a direita tente justificar o discurso de Cavaco e a eventual recusa de um Governo de esquerda nenhuma dúvida poderá subsistir de que semelhante comportamento violaria gravemente a Constituição.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

O PEDRO E O ANTÓNIO

LES BEAUX  ESPRITS SE RENCONTRENT

O Pedro e o António ainda não perceberam o que é ganhar as eleições legislativas. O Pedro e o António raciocinam em termos futebolísticos, o que muito admira que António o faça, porque, ao contrário de Pedro, é pouco dado a futebóis. As eleições legislativas não são um campeonato de futebol em que necessariamente ganha a equipa que faz mais pontos. Nas eleições legislativas não é necessariamente assim: nem sempre o partido ou a coligação que tem mais votos (ou deputados) ganha as eleições. Em alguns casos é, noutros não é.

Nas democracias parlamentares as eleições legislativas têm em vista eleger um Parlamento que, entre as múltiplas funções que qualquer Constituição lhe atribui, tem uma que acaba sempre por ser primordial: permitir formar um governo que possa governar apoiado pelos deputados que o suportam.

Este objectivo nem sempre pode ser alcançado pelo partido ou coligação que teve mais votos ou deputados. Se essa maioria for absoluta (metade mais um do número de deputados), o Governo apoiado pelos deputados que o suportam pode iniciar a sua actividade e manter-se em funções pelo período correspondente ao da legislatura, a menos que venha a perder a confiança dos deputados (ou de alguns deles) que o suportam ou não seja capaz de assegurar o regular funcionamento das instituições e o Presidente da República o demita com base nesse fundamento.

Mas se a maioria que o suporta for apenas relativa, esse governo para entrar em funções carece que os restantes deputados o não rejeitem mediante a aprovação de uma moção de rejeição votada pela maioria absoluta dos deputados em exercício de funções. Se essa moção de rejeição não tiver sido votada ou, tendo-o sido, não tiver sido aprovada, esse governo só pode manter-se se contra ele não for votada uma moção de censura aprovada pela maioria absoluta dos deputados em exercício de funções ou se não for aprovada uma moção de confiança.

Portanto, a conclusão inevitável que daqui decorre é que não basta ter mais votos ou mais deputados para se conseguir formar governo; e mesmo quando se consegue formar governo nestas condições nada garante que o governo não caia durante a legislatura.

Conclusão: ter mais votos ou mais deputados e ganhar as eleições não são sinónimos. Tanto o Pedro como o António sabem isto perfeitamente. Quando dão a entender outra coisa estão a tentar enganar-nos!

Mas não é somente nesta questão que o Pedro e António estão muito próximos. Eles também coincidem na apreciação de outras questões. Ninguém se recorda de o Pedro e António terem perguntado ao PSD e ao CDS qual era o conteúdo do acordo que estes dois partidos fizeram para governar coligados depois das eleições legislativas de 2011. Nem o Pedro, nem o António, nem o Presidente da República exigiram que lhes fosse mostrado o acordo então assinado entre os dois partidos. O que o Pedro e o António divertidamente discutiram em público foi quem era quem no Governo. Com que pastas ficava o CDS e quem as ia ocupar. Essa era a única preocupação. Uma preocupação lúdico-política.

O Pedro e António também não exigiram que Portas lhes garantisse que não haveria deputados do CDS a votar contra o acordo.

Agora tudo mudou. E o Pedro e António estão muito mais exigentes. Pedro não está seguro de que não haja deputados do PS com “dores de barriga” na hora da votação. Pedro espera mesmo que isso aconteça ou, no mínimo, admite essa hipótese como muito provável. Já António, relativamente a essa matéria, por decoro, é mais reservado.

Todavia, tanto Pedro como António querem ver o acordo, escrito e assinado, entre os partidos de esquerda, e querem avaliá-lo, querem conhecê-lo ponto por ponto. Não lhes basta que O Secretário geral do PS, a Porta voz do Bloco e o Secretário Geral do PC garantam a existência de um acordo. Querem Vê-lo e aprová-lo! E certamente que não seria suficiente para saciar a curiosidade de ambos um acordo como o assinado entre o CDS e o PSD em 2011 - um acordo que não refere uma única medida concreta, um acordo meramente proclamatório

Mas Pedro quer mesmo mais: quer que tanto o PC como o Bloco declararem publicamente que deixaram de ser quem são. Que digam preto no branco que não são contra a NATO, contra a União Europeia, contra o Euro, contra a renegociação da dívida. António está inclinado a dizer que o Pedro tem razão.

Mas  Pedro não pára nas suas exigências. Quer que o PR volte a apresentar um conjunto de condições que tanto o Bloco como o PC não possam aceitar. António, sempre tão alegre e loquaz, fica sisudo e nada diz.

E agora digam-me lá: Vocês acreditam mesmo que esta direita é democrática?





segunda-feira, 19 de outubro de 2015

A DIREITA QUE IMPORTA TER EM CONTA


O APROFUNDAMENTO DO EURO

Entrando directamente no assunto. Sem grandes considerações nem teorizações, salvo as imprescindíveis.

Não é o Nuno Melo, nem o seu falecido tio-cónego e os seus “combatentes da liberdade”, nem a Cristas ou o Portas, ou o ex-conselheiro de Cavaco para assuntos constitucionais, nem mesmo alguns dos mais assanhados reaccionários do PSD que verdadeiramente nos devem preocupar. Esses contam pouco e só mesmo os iguais a eles neles se podem rever. Além de que essa direita já levou una valentíssima “trepa” no 25 de Abril e tão cedo não voltará a levantar cabeça. E se levantasse acontecia-lhe o mesmo que à cobra da quadra do Zeca Afonso no disco do Sérgio Godinho.

Mais perigosa é a outra direita. Uma direita mais moderna, bem-pensante com lugar assegurado nos “jornais de referência”, nas televisões e que entre inócuas tiradas de esquerda, quase sempre desenterradas de um anti-fascismo mais consensual que imaginar se possa, deixa ficar a mensagem da imperiosa necessidade de um governo de direita com ou sem o PS, mas sempre com o apoio do PS, tal como ela o concebe.

E é a partir deste pressuposto omitido que essa direita adianta uma argumentação alicerçada em pomposas palavras de recorte indefinido destinadas a sugerir o perigo que Portugal correria (convém dizer Portugal, que é uma entidade incorpórea de contornos quase míticos e não portugueses que cheira a povo e a odores pouco recomendáveis) se o PS cometesse o gravíssimo erro de aceitar fazer Governo ou aceitar ser apoiado no Governo por comunistas e bloquistas. Porquê? Porque não se pode confiar que esse Governo constitua uma alternativa minimamente sólida para poder aceitar no plano internacional, entenda-se da União Europeia, não tanto os compromissos já firmados, mas muito mais os aprofundamentos de determinadas matérias como. por exemplo, um aprofundamento do euro.

Primeira nota que interessa sublinhar é esta: este argumento não está desenvolvido nem é expresso com o mesmo primarismo com que qualquer Cavaco, Portas ou mesmo Assis o faria. Todavia, o juízo é exactamente o mesmo, se é que não é pior, e as suas consequências são as mesmas, se é que não são piores.

Em primeiro lugar, neste simples raciocínio está sibilinamente subentendido que é a política externa que dita a política interna. Por maiores que sejam os condicionamentos ou até os constrangimentos na cabeça do governante nunca pode estar outra ideia que não a oposta. Esse princípio basilar está aqui “deitado às urtigas”. E é também sob este aspecto que a nova direita se distingue – e muito - da velha direita. Sob a capa de um cosmopolitismo chique, esta direita está sempre pronta a pôr-se de cócoras perante o estrangeiro – não qualquer estrangeiro, evidentemente, mas daquele estrangeiro à qual ela julga pertencer.

Mas há mais: o aprofundamento do euro. O que é que isto quer dizer? Quer isto dizer que a Europa não é democrática, que em Bruxelas está sediada uma burocracia que os cidadãos não elegeram cuja actividade governativa é pautada pelos interesses do grande capital? Que há em Bruxelas um agrupamento soberano que toma decisões cruciais que influenciam a vida de milhões de pessoas que não está previsto em nenhum tratado nem em nenhuma lei, que funciona sem regras e sem escrutínio democrático de nenhuma espécie? Que esse agrupamento, chamado Eurogrupo, formado pelos ministros das finanças da zona euro se reúne à porta fechada, sem actas e sem nenhuma informação relevante fornecida aos cidadãos, salvo a formada pelas suas ditatoriais decisões? Que esse agrupamento é dominado pela Alemanha, com o apoio dos seus aliados tradicionais e com o tradicional colaboracionismo francês? Aprofundamento do euro quer dizer que o Banco Central Europeu cuja acção é vital para a vida de milhões de pessoas e cuja política é determinante para a economia dos países da zona euro, de economia desigual e assimétrica, tem de ter uma política monetária e de crédito destinada a atenuar as desigualdades existentes? Aprofundamento do euro quer dizer que o BCE tem de ter uma política monetária e de crédito destinada a fomentar o desenvolvimento económico e o emprego como missões prioritárias da sua actividade? Em resumo: aprofundamento do euro quer dizer uma profunda reforma da zona euro que tome na devida conta as assimetrias existentes, conceba a política do BCE como uma política ao serviço de todos os Estados, capaz também ela de contribuir para uma mais equitativa distribuição dos rendimentos entre os cidadãos dos países da zona euro?

Se o “aprofundamento” do euro quer significar reforçar a democracia, reforçar o desenvolvimento económico, combater as assimetrias, fomentar o emprego, criar os pressupostos para uma mais justa distribuição dos rendimentos entre os cidadãos dos Estados da zona euro não esteja esta direita preocupada com as posições do Bloco ou do PC nem tema que o PS possa incorrer no desvario de não apoiar este aprofundamento.

Mas será isto o que verdadeiramente se quer dizer quando se fala no “aprofundamento do Euro”? Ou será que com o “aprofundamento do euro” o que se pretende é entregar a gestão da zona monetária a um ministro das finanças europeu que actue sob a influência dominante das politicas defendidas pela Alemanha, um aprofundamento que aliene por completo a democracia da decisão, que se elimine a soberania nacional na concepção das política monetária e de crédito, que torne a política orçamental nacional menos digna do que a de uma qualquer filial de uma grande multinacional? 

Se for isto o “aprofundamento do euro”, como temos boas razões para supor que é, ninguém poderá de facto contar com o apoio do Bloco nem do PC. Disso qualquer eleitor de esquerda tem a certeza. E quer continuar a tê-la!