sexta-feira, 29 de setembro de 2017


SOBRE A INDEPENDÊNCIA DE ESTADOS
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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O TEMA 



A propósito da vontade do governo catalão promover um referendo em que tenciona questionar o eleitorado sobre se a Catalunha – região autónoma de Espanha – deve constituir-se em Estado independente, muita coisa tem sido dita sobre o “direito à independência”.

Essa a razão por que convém tecer algumas considerações sobre a independência e o direito à independência.

Um Estado diz-se independente quando à luz do direito internacional existe uma realidade jurídico-política que o direito internacional considera como tal.

Essa realidade existe com essa qualificação jurídico político sempre que ela apresenta as seguintes características:

Um território; uma população; e um governo que exerça, sem dependência de um poder superior, a sua jurisdição sobre esse território e sobre essa população na defesa de interesses próprios.

O território não tem de ser rigorosamente definido, embora tenha de existir um espaço territorial sobre o qual aquele poder se exerça, nem tem de haver continuidade geográfica, embora essa seja a regra nos Estados continentais, salvo quando engobam áreas insulares, como acontece com variadíssimos Estados em todo o mundo.

A população não tem de ser etnicamente homogénea, nem rigorosamente definida. Embora não possa ser uma população nómada, hoje está num lugar, amanhã noutro, fora da jurisdição de que acima falámos.

Finalmente, tem de haver um governo. Não no sentido de um poder executivo, mas de um poder, mais ou menos complexo, com ou sem separação de funções, que represente essa colectividade, imponha a sua jurisdição sobre aquele território e aquela população, no desempenho de um poder próprio, e não como entidade subordinada a um poder superior.

Quando estas características estão reunidas essa entidade será considerado um Estado e poderá estabelecer relações com outros Estados, se como tal for por estes reconhecido.

O reconhecimento por outros Estados é decisivo para que aquela entidade possa considerar-se e firmar-se como Estado, embora o reconhecimento não tenha natureza constitutiva (isto é, um Estado não existe porque é reconhecido; é reconhecido porque existe como Estado), mas meramente declarativa (os outros Estados limitam-se a constatar, segundo a sua própria apreciação, que aquela entidade constitui um Estado, sendo por isso reconhecida como tal).

O reconhecimento não é obrigatório; não existe nenhuma norma de Direito Internacional que imponha o reconhecimento verificados que sejam determinados pressupostos. Mas o contrário, segundo a opinião dominante, já se não verifica. Ou seja, não pode ser reconhecida como Estado uma entidade que não reúna os pressupostos necessários à sua qualificação como Estado.

A inexistência de uma norma sobre a obrigatoriedade do reconhecimento é fácil de explicar. A prática dos Estados é, a este respeito, muito fraccionária – umas vezes reconhecem, outras, perante uma situação idêntica, não reconhecem.  Mais: o mesmo Estado usa frequentemente esta duplicidade de critérios em função dos seus interesses – umas vezes reconhece como Estado uma determinada realidade, outras não reconhece como tal uma outra realidade substancialmente idêntica.

Ora, se não há, se não existe um comportamento constante e uniforme dos Estados acompanhado da convicção de que ele é juridicamente obrigatório nenhuma norma geral se pode formar a esse respeito. E é isso o que se passa no actual estadio do Direito Internacional.

Daqui resulta, portanto, que a independência é uma situação de facto: ou se tem ou se não tem. A expressão jurídica dessa situação de facto chama-se soberania. Um Estado é soberano – nenhum poder existe acima do seu – porque é independente.

Hoje, no actual estadio das relações internacionais e da ocupação das terras de todo o planeta (ou seja, não há terras de ninguém “res nulius”, todas as terras estão ocupadas e têm dono) e em que todas as situações coloniais estão auto-determinadas, um Estado só se pode formar à custa da amputação de uma parte do território de um Estado pré-existente.

Aqui dois tipos de situações se podem considerar: uma é a das Federações, outra a dos Estados unitários ou descentralizados, de natureza não federativa.

De uma maneira geral as federações não reconhecem o direito de as partes se separarem e declararem a respectiva independência. Com excepção da União Soviética, cuja constituição previa expressamente o direito à separação, nenhuma outra consagra esse direito. E o que se tem visto é que quando uma das partes pretende fazê-lo contra o disposto na respectiva constituição, normalmente há guerra. Ou seja, vai ser pela força que a separação se consuma ou a federação se mantém intacta.

Exemplo recente do primeiro caso é o da Jugoslávia; do segundo, o mais significativo é o dos Estados Unidos da América, da terrível guerra civil que se seguiu à secessão dos estados confederados do Sul – a guerra mais mortífera e mais violenta de todo o século XIX, mais que as guerras napoleónicas!

Pode, porém, acontecer, independentemente do disposto na constituição, que certas federações admitam por acordo separar-se, como aconteceu em finais do século XX com a República da Checoslováquia; ou que outras, como o Canadá e o Reino Unido, admitam submeter à vontade referendária da parte que se pretende separar a respectiva decisão, como aconteceu no seculo XX com o Québec (Canadá) e recentemente com a Escócia (Reino Unido).

Em nenhum destes casos, porém, existia um direito pré-existente à independência ou um direito a decidir. Foi um procedimento que se chegou por acordo político entre as partes.

Nos outros casos, em que não havia o direito à separação e a independência acabou por alcançar-se, foi pela força e o apoio bélico, ou não, de uma, ou mais, grande potência que a mesma se conseguiu, como aconteceu na desagregação da Jugoslávia (Croácia, Eslovénia, Bósnia-Herzegovina, Macedónia e Kosovo), já que o caso de Montenegro é ligeiramente diferente, embora decorrente daquele contexto.

Nos estados unitários, regionalizados ou não, a independência de um novo Estado também só pode ocorrer mediante a amputação de uma parte do território do Estado pré-existente. Com excepção da Eritreia, cuja independência se alcançou por acordo entre as partes num quadro de grande fragilidade internacional da Etiópia, todos os demais casos ou tentativas de independência ocorreram ou ocorrem num quadro altamente conflituoso, normalmente bélico. 
Convém ainda esclarecer um outro ponto sobre o qual reina uma imensa confusão, mesmo em alguns dos meios mais eruditos deste país, quando se invoca o direito à autodeterminação para justificar o direito a decidir ou à independência da Catalunha.


O direito dos povos à autodeterminação que a Carta das Nações Unidas consagra e a Constituição da República Portuguesa reconhece e apoia (Art.º 7.º, CRP) respeita aos povos dos territórios não autónomos submetidos a situações coloniais. As Nações Unidas, desde a sua instituição em fins da década de quarenta do século passado até à extinção de todas as situações coloniais, travaram uma importantíssima batalha política contra as potências coloniais que se recusaram a reconhecer aquele direito aos povos dos territórios colonizados, nomeadamente contra aquelas que mais resistiram, como foi o caso de Portugal. Uma batalha longa, porém, totalmente vitoriosa já que todos os povos desses imensos territórios do Médio Oriente, da Ásia, da Oceania, da África, enfim, de todas as partes do mundo onde a situação existia, lograram exercer o direito à autodeterminação, tendo a esmagadora maioria deles alcançado a independência por essa via. 

Como não há qualquer situação colonial na Catalunha nem, felizmente, em qualquer outra parte do mundo, o direito à autodeterminação não pode ser invocado como pressuposto da independência. O que ainda existe relativamente a outros territórios – não na Catalunha, evidentemente – é uma “ocupação” territorial com pretensões de anexação. Mas estas são situações diferentes, sujeitas a um regime jurídico igualmente diferente. O direito internacional regula as situações de “ocupação”, em regra decorrente de uma guerra, mas proíbe peremptoriamente qualquer anexação que na sequência dessa ocupação se pretenda fazer.

Analisada friamente a situação da Catalunha (ver sobre este assunto o excelente texto de Matos Gomes no Facebook), a conclusão que racionalmente se impõe é a de que não existe qualquer “direito” da Catalunha à independência ou sequer o “direito a decidir” sobre a independência.

Mas quer esta conclusão dizer que a Catalunha não pode ser um Estado independente? De forma alguma, a Catalunha pode tornar-se um Estado independente como tantos outros na Europa nestes últimos trinta anos igualmente se tornaram sem que qualquer prévio direito à independência existisse. Para isso a Catalunha vai precisar de lutar pelos meios que considerar mais eficazes e vai ter de contar, para ter êxito, com o apoio de uma grande potência, sem a colaboração da qual essa vontade estará quase a cem por cento votada ao insucesso. De facto, foi por essa via que na Europa as independências mais recentes se alcançaram, a acabar na do inacreditável Kosovo.

Como diria um conhecido revolucionário chinês a propósito da Revolução, também nós aqui o poderemos dizer relativamente à independência: “A independência não é um chá dançante!”.

Portugal, como pequeno e velho pais desta turbulenta Europa sabe bem, a duras penas, o que é lutar pela independência. Quem estiver convencido que isso se consegue com votos ou decisões democráticas ou com tiradas morais mais ou menos grandiloquentes não só está redondamente enganado, como também está a criar uma frustrante ilusão.

Este post nada tem a ver com as simpatias ou antipatias do autor relativamente às partes envolvidas, mas apenas e só com a crua realidade dos factos.

Se nenhuma simpatia  política nutrimos por Castela, pela arrogância castelhana, a ponto de politicamente quase podermos subscrever a grande máxima do país basco: “Não há nada mais parecido com um espanhol de direita do que um espanhol de esquerda”, não obstante a simpatia pela excelente gastronomia espanhola e pela beleza paisagística e urbana da Espanha mourisca e de todo o norte galego, asturiano e cantábrico, também não nos sentimos minimamente reconhecidos à Catalunha por factos passados – Portugal nada deve à Catalunha. Portugal é independente pelo heroísmo e engenho do seu povo que soube ao longo de nove séculos resistir, lutar e conservar a sua independência.
Também não temos opinião fundamentada sobre o que é melhor ou pior para Portugal, tema, aliás, sobre o qual gastaríamos de ouvir os leitores.


quinta-feira, 28 de setembro de 2017


O MINISTÉRIO PÚBLICO E ANGOLA

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VICISSITUDES DE UMA RELAÇÃO DIFÍCIL

Já aqui dissemos noutras ocasiões que o Ministério Público está a envenenar as relações com Angola. Em sintonia com o Expresso, SIC e Público, para apenas citar os mais visíveis, o MP prejudica gravemente as relações com Angola, investigando altos dignatários do Estado angolano por factos pretensamente ocorridos naquele país, a pretexto de impor o império do Direito em solo pátrio.
Na recente tomada de posse do Presidente da República Popular de Angola,  João Lourenço, o Presidente da República Portuguesa passou um mau bocado, quer quando se anunciaram publicamente os altos dignatários presentes, momento em que o anúncio do seu nome foi “brindado” com uma valente assobiadela da assistência, embora de imediato “abafada” por uma calorosa salva de palmas, quer quando, no decorrer do discurso presidencial, João Lourenço não soube resistir à tentação de fazer uma provocação directa e desnecessária, omitindo ostensivamente o nome de Portugal da lista dos países com os quais Angola tenciona estabelecer relações privilegiadas.
É evidente que se trata de uma pressão directa, com vista a que, uma vez por todas, Portugal, o Governo português, ponha cobro a investigações enxovalhantes de altos dignatários angolanos, além do mais protegidos pela imunidade internacional decorrente dos cargos que desempenham.
Os angolanos sabem, como sabe qualquer pessoa que não se alimente exclusivamente da ideologia que rodeia o conceito de Estado, que a Justiça de qualquer Estado, a começar pela das democracias representativas ocidentais, por mais independente que se diga ou que até queira ser, está, no domínio das relações internacionais, ao serviço dos interesses supremos do Estado a que pertence e em nome do qual actua.
Isto é assim em todo o lado, com mais ou menos cosmética, com mais ou menos retórica. É-o de uma forma descarada nos Estrados Unidos da América, sempre que o Estado americano actua contra outros Estados ou altos dignatários desses Estados, ou quando actua contra empresas estrangeiras em defesa de interesses específicos de empresas americanas; é-o também abertamente em França, em Inglaterra e na Alemanha, embora aqui com mais cautelas por força de um passado pouco recomendável que convém fazer esquecer; é-o também em Espanha, que é certamente de todos os países ocidentais aquele em que a Justiça mais ligada está ao Executivo e à defesa dos interesses nacionais, não obstante o discurso sempre “politicamente correcto” fundado num pseudo-normativismo ético.
Pois bem, os angolanos sabem isto, como o sabe qualquer governante de qualquer outro país. Mas os angolanos sabem também, pela particular proximidade a Portugal, que existe entre nós uma forte corrente anti-MPLA, porventura salpicada de ressentido saudosismo colonial, que, embora não tenha tido desde há mais de 30 anos expressão directa no Governo da República, nem por isso deixa de ser muito actuante em instâncias periféricas de grande influência, susceptíveis de causar danos irreparáveis nas relações entre os dois Estados.
Esta corrente anti-MPLA, em parte (embora pouco significativa) representativa das extintas instâncias colonialistas e também do conflito sino-soviético, é principalmente “filha” da Guerra Fria e da subserviência ideológica de todos aqueles para quem a defesa dos interesses nacionais passava sempre e prioritariamente pela   identificação da sua posição com a defesa do ponto de vista americano ou da NATO. E, mais recentemente, ela filia-se também num certo fundamentalismo democrático de raiz pseudo-trotskysta que no plano das relações internacionais acaba por defender posições muito próximas ou quase idênticas às neoconservadoras. 
Curiosamente, mesmo depois de terminada a Guerra Fria, de esfriado ou até desaparecido o conflito sino-soviético, inclusive depois do desenvolvimento das relações entre Angola e os Estados Unidos, da derrota militar da UNITA e da morte do seu líder carismático, a corrente anti- MPLA, ou mais genericamente anti-angolana, agora alimentada fundamentalmente pelas “viúvas de Savimbi”, continua muito actuante e com força em áreas nevrálgicas de relevante importância política.
Também é sabido que esta hostilidade foi posta em prática, logo em 1975, quando o Governo em funções (VI Governo Provisório), com grande influência do Partido Socialista, nomeadamente de Mário Soares,  conseguiu impedir o reconhecimento do Estado de Angola, em 11 de Novembro, mediante uma rocambolesca manobra destinada a evitar que a delegação portuguesa às cerimónias oficiais de declaração de independência pisasse chão angolano, por força de uma ordem que intimou o avião da TAP, em que a ela se transportava, já quase a entrar no espaço aéreo angolano, a que desse meia volta e regressasse a Portugal.
Foi por obra do General Costa Gomes, então Presidente da República, que o Estado de Angola acabou por ser reconhecido pouco depois (Fevereiro de 1976), então já reconhecido por vários países ocidentais e pelo Brasil desde 11 de novembro.
As relações estabeleceram-se, mas continuaram em “lume brando” até 1985, não obstante o papel desempenhado pelo General Ramalho Eanes, então Presidente da República, que com a sua acção conciliadora sempre tentou evitar a crispação entre o ressentimento angolano e a hostilidade portuguesa liderada por Mário Soares. Foi, contudo, a partir da chegada ao poder de Cavaco, como Primeiro Ministro, e de Durão Barroso, como Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, que as relações entre os dois países se normalizaram e passaram a assentar numa base de confiança recíproca que até então não existia, apesar dos esforços da esquerda comunista e de outros sectores democráticos, todavia insuficientes para alterar o rumo da política do governo, como sempre, muito dependente da posição americana.
O mérito de Cavaco, porventura o mais significativo da sua contestada carreira política, está em ter sabido manter a defesa do interesse nacional contra a pressão americana nas relações de Portugal com Angola. E essa política foi premiada em Angola quer pela ampla abertura a interesses portugueses, quer pela estima e consideração que os governantes angolanos continuam a devotar a Cavaco e a Barroso.
É bom que se diga que não foi fácil pôr em prática esta política, não apenas no plano internacional, como seria de esperar (hostilidade do Senado americano, da França e outros países), mas também no plano interno, tanto no plano diplomático, como militar, quer mesmo no plano partidário. De facto, certos sectores diplomáticos, influenciados pelas posições americanas e afectados quanto mais não fosse por um “cosmopolitismo de pacotilha”, que tendia a ver a África como um “assunto” de importância menor, levantavam obstáculos vários à sua concretização e actuavam sem qualquer entusiasmo. Problemas todavia superados quer pelo inequívoco sentido das directivas oriundas de Lisboa, quer, na sequência dos Acordos de Bicesse, pela deslocação para Luanda de uma missão ad hoc que, na prática, subalternizou a embaixada credenciada. Seria, todavia, injusto não referir aqui na normalização das relações entre os dois países o importante papel desempenhado pelos Embaixadores Sá Coutinho, Pinto da França e, porventura o mais importante, António Monteiro.
Mas se no plano diplomático nem sempre foi fácil, também o mesmo se pode dizer no plano militar, onde algumas das escolhas feitas para dar corpo e concretização aos avanços registados no plano diplomático e da busca da paz em Angola se revelaram contraproducentes, a ponto de terem pura e simplesmente sido substituídas.
Se nos dois sectores acima referidos, muito melindrosos do ponto de vista político, não foi fácil pôr ordem na casa, embora tenha sido posta, que dizer do plano partidário onde era difícil a amplos sectores do PSD perceber como poderia a direcção do seu partido e do seu governo alinhar com uma política que verdadeiramente só era defendida pela esquerda comunista e outros sectores democráticos. É difícil dizer, mesmo a esta distância, se acabaram por a perceber ou não, mas o que não há dúvida é que a “aceitaram” sempre que era necessário exprimir o seu voto e que a não obstaculizaram, mantendo-se calados. E esta atitude ao mais alto plano institucional propagava-se aos demais planos, quase sem excepção. Por outro lado, o facto de Soares estar na Presidência da República e não poder neste domínio manobrar com o à vontade com que até então o fazia, sob pena de ter de sofrer as consequências, fez com que a acção da    corrente anti- MPLA tivesse tido nesse período a sua mais baixa intensidade.
Com a saída de Cavaco e a chegada de Guterres e Gama ao poder houve quem temesse pelo estado das relações com Angola. A verdade é que tanto um como outro seguiram uma política exemplar em relação a Angola, sem cedências de nenhuma espécie a provocações internas, inclusive de Soares, que por não ter tido no plano do Governo a defesa que esperava das suas desavenças com Angola erigiu em inimigo para o resto da vida aquele que até então tinha sido um dos seus mais fiéis e importantes aliados na política interna – Jaime Gama!
Mas isto não significa que, com os socialistas no Governo, a corrente anti-MPLA não tenda a ganhar força, não apenas por o partido não ter porventura a mesma capacidade do PSD para impor a disciplina (interna e periférica) em questões vitais, mas também por às “viúvas de Savimbi” do PS se juntarem as do PSD, que são muitas e com muito eco nos media, agora partidariamente desobrigadas por ausência de qualquer vínculo de obediência que as remeta ao silêncio.
E a questão das relações com Angola está nisto: tende a haver um agravamento das relações sempre o PS chega ao poder. Não se trata de uma má vontade do Governo de Angola, mas antes de um facto objectivo incontornável  – o recrudescimento em Portugal da corrente anti- angolana. Não, obviamente, por instigação do governo socialista, que seguramente sofre com isso, mas por uma conjugação de factores que leva a que aquelas forças actuem nesses períodos com mais intensidade e eficácia.
Se é certo que o Governo nada ou pouco poderá fazer contra os ressabiamentos de Belmiro e Balsemão, bem como dos órgãos de informação que eles dominam, já o mesmo se não poderá dizer do Ministério Público relativamente ao qual há um amplo conjunto de medidas que tardam em ser tomadas. De facto, a desavença com Angola está muito longe de se poder circunscrever à conhecida ideia de que o Executivo tem as “mãos atadas” por força do conhecido princípio de “à Justiça o que é da Justiça e à política o que é da política”, já que o essencial do que no processo se discute pertence à política -  à política no domínio das relações internacionais entre Estados soberanos regidos pelo Direito Internacional comum e convencional. E neste domínio cabe ao Governo e ao Presidente da República exigir o cumprimento do Direito Internacional, tanto do Direito internacional geral e comum, como do Direito Internacional a que Portugal convencionalmente se vinculou.
Aliás, para se ficar com uma ideia de como é que estas coisas realmente funcionam, basta dizer que em muitos Estados da Europa Ocidental os tribunais nacionais não ousam aplicar o direito internacional convencional sem primeiramente consultar o Governo (Ministério dos Negócios Estrangeiros) sobre qual a sua interpretação das normas potencialmente aplicáveis. Por outro lado, ainda recentemente, entre nós, Cavaco Silva, como Presidente da República veio expressamente declarar que não empossaria nenhum Governo que tivesse como programa, ostensivo ou dissimulado, a violação dos tratados a que Portugal estava convencionalmente ligado. E então será caso para perguntar: podem as instâncias judiciárias fazer, ainda por cima com grave prejuízo do interesse nacional, o que está vedado ao próprio Executivo?
Por último, como simples nota de rodapé, não é de crer que o facto de a mãe de António Costa ser uma conhecida “viúva de Savimbi” possa ter algum papel nesta crise.