domingo, 30 de novembro de 2008

A OPERAÇÃO FURACÃO



A ENTREVISTA DE CÂNDIDA ALMEIDA


Cândida Almeida concedeu uma entrevista ao DN sobre a operação furacão.
Dificilmente se poderia imaginar uma entrevista mais infeliz.
A entrevista é do princípio ao fim inconsistente. As respostas estão mal estruturadas e a opinião pública fica com uma má ideia sobre a forma como são conduzidas em Portugal este tipo (só este?) de investigações criminais.
Em primeiro lugar, para se vir falar sobre esta investigação quatro ou três anos depois de iniciada, é preciso ter ideias muito claras sobre o que se quer dizer. E, francamente, não sei se a Procuradora, na esteira das anteriores declarações do PGR sobre o crime económico, pretendeu preparar a opinião pública para um desfecho inconcludente do processo ou, se, pelo contrário, quis vir fazer uma espécie de “mid-term review”, dando conta do que se fez até hoje e do que falta fazer.
Em qualquer dos casos, a entrevista é um falhanço. Dela não resulta ter a investigação uma estratégia clara sobre o que pretende. Parece mais interessada em arranjar desculpas do que em apontar rumos claros que tenham sido seguidos. Desculpa-se frequentemente com a lei em vigor, para logo depois, num tardio rebate de consciência, vir dizer que concorda completamente com as exigências constitucionais portuguesas.
Depois, à semelhança de uma colega sua, parece estar muito preocupada por a investigação criminal ocorrer depois do crime! Este ponto de vista parece estar a generalizar-se no MP, como se o contrário é que fosse normal. É claro que pode haver fiscalização preventiva, mas a partir do momento em que haja crime ou suspeita dele, a investigação será sempre um posterius.
A referência à PJ nos termos em que foi feita levanta todo tipo de suspeitas: ou não dizia nada, ou dizia mais.
Finalmente, as reservas ao inquérito parlamentar são politicamente inaceitáveis. Embora se saiba antecipadamente o resultado de uma comissão parlamentar de inquérito que contenda com os interesses da maioria, nem por isso a opinião pública deixa de ficar mais esclarecida com o que nela se passa. Acredito é que o MP não esteja muito interessado em que o grande público tome conhecimento de factos precisos, porque quanto mais conhecimento houver do processo, menos tolerância haverá para um desfecho inconclusivo.

GUANTÁNAMO - EM ESPANHA JÁ SE COMEÇA A SABER



E POR CÁ, COMO VAI SER?


Como se previa, as cumplicidades no sequestro de prisioneiros começam a ser desvendadas.
O El País de hoje, com base num relatório secreto a que teve acesso, noticia a conivência de Aznar na passagem e escala em Espanha de voos militares americanos com prisioneiros para a base de Guantánamo. Ainda segundo aquele relatório, era a própria embaixada americana em Madrid que pedia ao governo espanhol autorização para aquelas escalas.
E por cá, como foi? Será que eles passaram sem pedir autorização a ninguém? Mas que desconsideração …
ADITAMENTO
O relatório, muito secreto, do Ministério das Relações Exteriores de Espanha diz que diligências idênticas às de Madrid estavam sendo feitas noutros países situados ao longo da rota que os aviões iriam fazer. E que o El País identifica como sendo, pelo menos, a Turquia, a Itália e Portugal.
A ser assim, alguém no MNE terá sido contactado. Será que esse alguém escreveu alguma nota sobre o assunto? Ou será que o contactado dispensaria pela sua posição a elaboração de uma nota?
O que é interessante é o tratamento burocrático que os americanos fizeram do assunto. Não foi o Embaixador que pediu uma entrevista ao Ministro. Foi o conselheiro político-militar da embaixada que telefonou directamente ao Director-Geral de Política Externa para a América do Norte e lhe pediu uma audiência urgrente.
Se tiver havido paralelismo de actuação, já haveria aqui elementos para uma boa investigação. Haveria...porque em Portugal nada é como parece ser.
Para complicar ainda mais as coisas: o relatório que o El País publica é de 10 de Janeiro de 2002 e o primeiro voo de prisioneiros terá passado no espaço aéreo português no dia seguinte.
O Governo de Durão Barroso tomou posse no dia 19 de Abril de 2002. Logo...

PINTO MONTEIRO RECONHECE A DIFICULDADE DO MP NA INVESTIGAÇÃO DO CRIME ECONÓMICO



É MAIS FÁCIL APANHAR OS DE FORA DO QUE OS DE DENTRO

Em entrevista recente à SIC, o Procurador-Geral da República reconheceu que é muito difícil investigar o crime económico. Por outras palavras, foi preparando a”malta” para o resultado zero dos processos mais conhecidos que estão em curso.
A sua colaboradora mais famosa até chegou a dizer que a investigação estava em desvantagem…porque partia sempre atrás! Desta gostei…
Perante tais declarações, ninguém pode queixar-se dos julgamentos sumários feitos pelos media aos suspeitos de fraudes económicas.
Feitas as contas, o trade-off é-lhes favorável: ficam com a reputação arruinada (durante uns tempos…), mas não perdem o dinheirinho “gamado”…

sábado, 29 de novembro de 2008

A CRISE FINANCEIRA E O PAPEL DOS JURISTAS



PODE O GOVERNO ACTUAR ARBITRARIAMENTE?

Como aqui logo sublinhámos, as leis que, em consequência da crise financeira, regulam a intervenção do Estado no sistema bancário são propositadamente vagas e lacunares. Os diplomas complementares que facilitam a sua aplicação ou têm normas inconstitucionais (como acontece com a Portaria n.º1219-A/2008 de 23 de Outubro, de que os bancos ainda se hão-de prevalecer) ou mantêm em pontos importantes a excessiva generalidade dos diplomas principais.
Isto significa que o Governo fica com uma extensa latitude de actuação e pode, dado o clima político reinante em Portugal, actuar contrariamente ao interesse público e aos verdadeiros fins para que, à luz do direito, aquelas intervenções foram previstas. Quando dizemos que o Governo pode não queremos dizer que o Governo tem o direito de actuar como actuou, mas que o Governo tem de facto a possibilidade de o fazer.
E a questão que juridicamente se coloca é a de saber se essa actuação é, em todos os casos, lícita e, não o sendo, como pode ser atacada. Evidentemente, que não me estou a referir a uma actuação contrária aos interesses dos accionistas e simultaneamente contrária à lei. Essa pode ser sempre directamente atacada pelos prejudicados.
Estou antes a referir-me a uma actuação não apenas contrária mas gravemente danosa do interesse público como parecem ser as duas intervenções que o Governo já fez. Uma coisa tenho por certa: o Governo não tem nesta matéria, como não tem em nenhuma outra, o direito de actuar arbitrariamente.
E discricionariamente, podê-lo-á fazer? O Governo tem de visar com a sua actuação a defesa do interesse público, explicitando muito clara e concretamente o que entende por essa defesa, ou seja, qual o interesse público que em cada caso está a defender (não pode, por exemplo, limitar-se a simples declarações genéricas do tipo “o efeito sistémico…” ou “a imagem de Portugal junto da banca internacional…”, ou outras do mesmo género) e tem que respeitar depois um conjunto de princípios e normas constitucionais que, em actos desta natureza, sempre balizam a sua legalidade.
A discricionariedade do Governo não pode ser entendida como leque de decisões à sua escolha, sendo legal aquela pela qual ele optar, seja ela qual for. Não. A decisão do Governo, para ser lícita, tem de ser a juridicamente correcta. E essa é apenas uma e não uma entre várias.
A outra questão é da legitimidade para atacar a decisão do Governo.
É este o repto que deixo aos juristas, principalmente aos magistrados, da judicatura e do ministério público, que se prestigiariam muito mais aos olhos dos portugueses se tratassem destas e doutras questões semelhantes do que de desprestigiantes questões corporativas.
Aos demais juristas não valerá muito apelar. Os pareceres estão caros…e o Governo, um bom freguês.

IRONIA OU CONFISSÃO?



O PAPEL DA CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS NA CRISE FINANCEIRA

Francamente, não sei como interpretar as declarações daqueles que sublinham o “importante papel” que a CGD tem desempenhado no combate à actual crise financeira, partindo daí para, numa pretensa posição “anti-neoliberal” justificar, junto daqueles que advogaram a sua privatização, a continuidade da dita no sector público empresarial do Estado.
Se é ironia, está muito mal conseguida. É que nestas coisas da ironia a gente tem sempre como paradigma Eça de Queiroz…
Mais me parece uma verdadeira confissão do papel se pretende a Caixa desempenhe. Enfim, era como dizer: “Estão vocês a ver, seus neo-liberais, por que é que nós não baixámos os impostos? É para agora termos dinheiro para pagar os prejuízos dos ricos!”

OS COMENTADORES OFICIOSOS DA CRISE FINANCEIRA



SEM INDEPENDÊNCIA NÃO HÁ LIBERDADE


Não é somente em política internacional que uma matilha de comentadores (para utilizar a feliz expressão do meu amigo Rui Namorado) desvirtua, distorce e interpreta de forma comprometida os factos, também no comentário económico nacional se passa o mesmo.
Ainda ontem, pouco depois de tornada pública a decisão sobre o futuro do BPP, já a SIC N reunia um conjunto de “comentadores” encarregados de fornecer a explicação oficiosa da decisão.
Tudo se disse para a justificar: desde salvar a imagem do país até proteger os “pequenos depositantes”que confiaram na solvabilidade do banco.
Nauseado com os comentários, aliás na mesma linha dos hoje desenvolvidos pelo Expresso - ou não fosse Balsemão um dos felizes accionistas do BPP – fechei a televisão dez minutos depois de os começar a ouvir.
Este país é um país de dependentes, a todos os níveis…e sem liberdade não se vai a lado nenhum!

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

A CRISE FINANCEIRA E O ESTADO



A POLÍTICA IRRESPONSÁVEL DO PS


Para além de tudo o que já foi dito sobre o modo como o Governo comprometeu o Estado na crise financeira, nomeadamente o nulo efeito útil sobre a economia das medidas a destinadas a impedir as falências bancárias em geral – agora já toda a gente diz que os empréstimos que os bancos venham a contrair, com o aval do Estado, se destinam a pagar passivos no exterior ou a reestruturar a sua dívida externa, facto que aqui há muito havíamos previsto -, é particularmente grave a actuação que o Governo vem tendo relativamente aos pequenos bancos.
Estas “banquetas”, como com toda a propriedade poderiam ser chamadas, apesar de não representarem quase nada enquanto entidades concessionárias de crédito e de terem neste plano uma diminuta influência sobre a economia nacional, são contudo, quando se trata de salvá-las, extremamente onerosas para o erário público por terem passivos muitíssimo superiores ao que seria exigível para bancos desta dimensão.
O Governo não querendo deixar cair nenhuma, tanto as que basearam a sua actividade em práticas ilícitas do foro criminal, como as que pura e simplesmente apostaram no risco e perderam, compromete ou pode comprometer o futuro da Caixa Geral de Depósitos, além de onerar injustamente os contribuintes em geral e praticamente inviabilizar uma intervenção em larga escala num banco grande que dela venha a necessitar.
Guiado pela obsessão de salvar os accionistas e argumentando com o propalado, mas efectivamente nulo, efeito “sistémico” – como se as falências, tal como lucro, não fossem consequências normais do sistema capitalista! – o Governo comete erros atrás de erros e compromete o futuro dos portugueses.
Aqui há muitos anos atrás, quando muito se discutia a “função social” da propriedade privada, um famoso sociólogo francês, também professor de direito, já cansado dos argumentos papais, e outros, sobre a matéria, disse mais ou menos o seguinte: “Então, se é assim, por que é que a propriedade privada não vai a concurso para poderem ser seus titulares apenas os mais aptos a desempenhar aquela função”? . É também caso para dizer: “Então, se os bancos não podem falir, por que não são todos nacionalizados e se proíbe a actividade bancária a privados?”

GOVERNO DO PS SALVA, INDIRECTAMENTE, BANCO DOS RICOS



É ASSIM A GOVERNAÇÃO EM PORTUGAL


A SIC N acabou de anunciar que João Rendeiro renunciou ao cargo de presidente do BPP, no quadro de um acordo liderado pelo Banco de Portugal e apoiado pelo Governo. O plano de salvamento do banco passa por um empréstimo concedido por um sindicato bancário, no qual obviamente está a Caixa Geral de Depósitos, que, por sua vez o negociará com aval do Estado Português.
Por outras palavras, o Estado Português assegura parcialmente (dado o papel da Caixa) um empréstimo ao BPP, para impedir de imediato a sua falência, e garante-o na totalidade.
Dada a natureza deste banco, tendo em conta o perfil dos seus credores (que a Sra Serras Lopes teve a ousadia de dizer na TV que muitos eram pedreiros…), a posição do Governo é coerente com o seu habitual comportamento político.
Este Governo tudo fará para que os ricos passem incólumes pela crise.
Constâncio, o desacreditado Constâncio, que passou toda a sua vida política a pregar moderação salarial, a pedir sacrifícios aos trabalhadores, aí está na primeira linha da negociação que o Governo subscreverá. Negociação cujos contornos os portugueses nunca irão conhecer, assim como também desconhecerão a real situação em que se encontra o BPP.
É assim a governação em Portugal!

AS PROPOSTAS DE PAUL KRUGMAN

QUE FAZER?


Vale a pena ler este artigo de Paul Krugman e comparar com o que cá se faz.
E depois digam lá se ele não tem razão, como muito bem sublinham os Ladrões de Bicicletas, quando afirma:
"Some people say that our economic problems are structural, with no quick cure available; but I believe that the only important structural obstacles to world prosperity are the obsolete doctrines that clutter the mind of men".

O PROGRAMA COMUNITÁRIO DE COMBATE À CRISE E PORTUGAL


QUE MEDIDAS?



A Comissão Europeia, composta por liberais, conservadores, socialistas e social-democratas neoconvertidos ao neoliberalismo, apresentou um programa de combate à crise que, no essencial, assenta nos planos nacionais (calculados em 130 mil milhões de euros) e na contribuição comunitária, na ordem dos 30 mil milhões (14,4 mil milhões de fundos comunitários e 15,6 do Banco Europeu de Investimentos).
Esta proposta é bem diferente da que inicialmente se encarou, que apontava para contribuições dos Estados membros na ordem de 1% do respectivo PIB. Como não foi possível chegar a qualquer tipo de acordo, desde logo porque é muito diferente a situação económica de cada país, deixou-se à liberdade de cada um a formulação do plano considerado mais adequado à respectiva situação nacional.
Mesmo com estas limitações, que ilustram bem o sentido da integração comunitária, há dificuldades, pois os fundos que a Comissão se propõe alocar são fundos antecipados de programas já existentes e para os injectar no sistema económico é necessário que os contribuintes líquidos aceitem antecipar as suas contribuições – o que não é seguro, como se já viu pela reacção da Alemanha.
Como este programa, depois de analisado pelo próximo Conselho de Economia, vai ter de ser aprovado, em última instância, pelo Conselho de Chefes de Estado e de Governo na reunião de 11 e 12 de Dezembro, o mais provável é que se traduza em nada ou muito pouco, não sem que, no fim, todos colaborem no número habitual de considerar aquele Conselho uma grande vitória e um importante contributo para a superação da crise.
Simultaneamente, o Comissário dos assuntos económicos e monetários, o socialista Joaquim Almunia, um dos neoconvertidos ao neoliberalismo, já advertiu que as eventuais derrapagens orçamentais devem ser “limitadas e transitórias”, ou seja, de algumas décimas e de um ano, não de vários.
Remetendo para cada um dos EM o encargo de superar sozinho uma crise que é de todos e mantendo apertado o garrote do Pacto de Estabilidade e Crescimento, a Comissão sabe que está a colocar em grandes dificuldades os países mais pequenos e de menores rendimentos afectados pela crise, que naturalmente terão mais dificuldades em a vencer do que os grandes. Já que é certo e seguro que se os grandes tiverem que aumentar o défice fá-lo-ão sem quaisquer consequências no plano comunitário.
Infelizmente, não é apenas a Comissão que não compreende, ou não se propõe atacar com eficácia, a presente situação. Internamente, passa-se o mesmo quer com o Governo quer com a oposição de direita, principalmente o PSD.
Segunda as palavras de M.F. Leite, que tenta fazer a síntese do que pensam Cavaco e Eduardo Catroga, o que interessa é assegurar a rentabilidade dos investimentos e competitividade das empresas.
Por rentabilidade dos investimentos entende-se a sua amortização em prazos curtos, sem atribuir grande relevância ao seu efeito multiplicador, e a natureza privada dos mesmos. Ferreira Leite insiste frequentemente na ideia de que é necessário o Estado não absorver recursos que têm que estar disponíveis para os privados, qualquer que seja a fonte desses recursos.
E por competitividade das empresas deverá entender-se o mesmo de sempre: isenção ou diminuição da carga fiscal, subsídios e degradação salarial.
O Governo, por seu turno, insiste num vasto programa de investimentos públicos e numa política orçamental que não privilegia, antes agrava, os rendimentos das pessoas.
Se a política que a direita propõe é o caminho mais que certo para o agravamento da recessão, aliás nada de muito diferente do que tem acontecido nestes últimos sete anos, a do Governo não atende suficientemente às características da presente situação e, por isso, arrisca-se a provocar no país profundas convulsões sociais pela iniquidade das suas medidas.
A receita da direita é retrógrada, porque no actual momento o que interessa é relançar a procura, principalmente a interna, única que depende de nós. Somente o relançamento da procura poderá inverter a espiral descendente em que cada dia estamos mais mergulhados. As famigeradas receitas para assegurar a “competitividade” das empresas ditadas pela insensata esperança de assim aumentar as exportações apenas contribuirão para agravar a crise. Não apenas porque diminuem drasticamente os rendimentos dos trabalhadores, mas também por o relançamento da procura nos mercados importadores não ser neste momento influenciável por uma relativa baixa dos produtos. Ignorando o principal, ou seja, que apenas há investimento privado se houver procura, a direita, ao insistir no relançamento do investimento privado sem procura, está de facto a dificultar ou mesmo a impedir a saída da crise.
Do lado do Governo, se é positivo no geral o programa de investimentos públicos, com excepção do novo Aeroporto de Lisboa, que vai traduzir-se num grande prejuízo para o país, não é seguro que o Governo tenha compreendido como se estimula a economia em épocas de crise profunda, como já é e vai ser aquela em que nos encontramos mergulhados. O Governo tanto no seu discurso, como na sua prática apenas tem diante dos olhos as empresas e apenas olha para as pessoas, quando olha, numa perspectiva assistencial.
Esta perspectiva está errada e padece do mesmo mal de base de que enferma a direita. Ou seja, a saída da crise não passa por uma via que vai das empresas para as pessoas, mas das pessoas para as empresas. Todo e qualquer gasto público que o Governo se proponha fazer neste momento, bem como qualquer outra medida com que pretenda estimular a economia, tem de ter isto em conta: tem de se assegurar que se trata de uma despesa que contribuirá para o relançamento da procura. Somente o maior poder de compra das pessoas poderá assegurar a viabilidade das empresas. Se o Governo apenas quer fazer obra porque tem compromissos com a empresa A ou B, sem previamente se certificar de que esse investimento serve mais aquele objectivo do que a prosperidade (fictícia) da empresa vai certamente endividar o país sem o retirar da crise.
Por outro lado, a forma atabalhoada como agiu perante a crise financeira e a excessiva confiança que continua a depositar no Banco de Portugal para a debelar, que já deu sobejas provas de que a não merece, colocam o Governo numa posição politicamente insustentável. Ninguém aceitará continuar a fazer sacrifícios e a endividar-se para que os recursos assim conseguidos sejam canalizados para os bancos mais interessados nas suas habituais práticas de agiotagem do que num apoio sério à economia nacional.

A EQUIPA ECONÓMICA DE OBAMA


QUE MUDANÇA?


Quando aqui há dias descritivamente referimos a nova equipa económica de Obama não fizemos qualquer comentário ao sentido político das escolhas.
Olhando aos nomes, somos forçados a concluir que Obama, mais uma vez, se inspirou na administração Clinton, escolhendo pessoas que já tinham trabalhado com o anterior Presidente democrata ou que nunca se demarcaram dessa política económica nem na de Bush, como acontece com o novo secretário do tesouro.
Pode dizer-se, como dizem certos assessores de Obama, encarregados de “condicionar a opinião pública” que aquelas pessoas mudaram muito e que, inclusive, estão dispostas a não repetir os erros do passado e a pôr em prática uma nova política económica, como se comprova pelo plano anti-crise a aplicar imediatamente.
Todavia, a questão que se coloca é a seguinte: se o objectivo é pôr em prática uma nova política por que não escolher pessoas que nunca tenham estado comprometidas com as do passado?
Com H. Clinton na secretaria de estado, com Robert Gates na defesa, só falta mesmo lá o Allan Greenspan, que até já fez um acto de contrição pública muito semelhante a certas auto-críticas já vistas noutras paragens.
Como diria, traduzido para português, o humorista americano Frank Caliendo: mudança ou trocos?

CATALINA PESTANA NA RTP



UMA ENTREVISTA

Catalina Pestana foi esta noite entrevistada na Grande Entrevista.
Contrariamente a João Aibéo, que já leva dezenas de horas alinhando factos, provas e nomes, Catalina Pestana, quase sem falar, sem invocar nomes nem descrever factos, deixou uma acusação impiedosa contra os que a traíram na violação mais grosseira dos valores que apregoavam.
Judite de Sousa teve a inteligência de não lhe pedir nomes e Catalina Pestana a sabedoria de não necessitar de os indicar.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

NOTAS SOBRE O CONCEITO DE DITADURA - PARTE III



AINDA A PROPÓSITO DAS DECLARAÇÕES DE MANUELA FERREIRA LEITE (CONT.)


“EU NÃO ACREDITO EM REFORMAS, QUANDO SE ESTÁ EM DEMOCRACIA…QUANDO NÃO SE ESTÁ EM DEMOCRACIA É OUTRA CONVERSA, EU DIGO COMO É QUE É E FAZ-SE. E ATÉ NEM SEI SE A CERTA ALTURA NÃO É BOM HAVER SEIS MESES SEM DEMOCRACIA, METE-SE TUDO NA ORDEM E DEPOIS ENTÃO VENHA A DEMOCRACIA”.
3 – Finalmente, temos a ditadura como instituição adequada para acudir a situações excepcionais: ”Eu digo como é que é e faz-se…E até nem sei se a certa altura não é bom haver seis meses sem democracia, mete-se tudo na ordem…”. Dictator est qui dictat.
Pulido Valente numa das suas intervenções de fim-de-semana já nos explicou que esta é uma ideia que vem da monarquia constitucional: o Rei dissolvia o Parlamento, o governo continuava a governar por decreto, mais tarde elegia-se novo Parlamento que, por via do bill de indemnidade, ratificava ou convalidava os decretos aprovados. Era a chamada"ditadura administrativa”. Acontece que esta prática (leiam-se os famosos discursos de Passos Manuel nas Cortes) que os alunos de direito conhecem desde o primeiro ano, a propósito da génese dos decretos-leis em Portugal, é muito mais antiga que a Monarquia Constitucional. É uma prática que vem de Roma, da República Romana, que consagrava a ditadura como magistratura legítima, posto que extraordinária, para a acudir a situações excepcionais, como uma guerra ou uma rebelião.
Esta magistratura extraordinária, instituída cerca de 500 ac e que terá perdurado até finais do século III ac, prestou grandes serviços à República e continuou pelos séculos fora a ser enaltecida com as características que tinha em Roma.
O ditador era nomeado por um dos cônsules a pedido do senado e a sua nomeação tinha em vista constituir, em tempos de perigo, um poder forte que não pudesse ser obstaculizado ou dificultado pela colegialidade da decisão, pelo direito de veto ou por qualquer outro procedimento impeditivo de uma decisão célere. O ditador recebia um mandato, como hoje se diria, para realizar uma determinada tarefa ou alcançar um resultado, executado o qual findava a sua missão que, em qualquer caso, nunca poderia ir além dos seis meses (cá estão os seis meses de MFL!!!) ou exceder o mandato do cônsul que o nomeara. A ditadura romana era, portanto, uma instituição legítima – estava prevista na constituição; excepcional – os demais poderes eram suspensos; monocrática – o ditador é sempre individual; e temporária – termina com a concretização do objectivo ou o mandato do cônsul, sem, porém, exceder nunca os seis meses.
À época, e posteriormente durante muitos séculos, a ditadura não tinha carácter pejorativo. O facto de ser legítima e limitada no tempo permitia facilmente distingui-la de dois conceitos clássicos, esses sim negativos, hoje praticamente caídos em desuso: a tirania e o despotismo.
O tirano é o que exerce o poder sem título ou que, tendo título, governa sem obediência às leis. A tirania é, portanto, como a ditadura, monocrática, mas não é legítima, nem necessariamente temporária.
O déspota, na concepção clássica do conceito, que prevaleceu até à teorização de Montesquieu, é aquele que exerce o seu poder no interesse próprio sobre povos naturalmente servis. Trata-se de um poder monocrático, permanente, mas legítimo, porque aceite pelos súbditos. Na concepção clássica aristotélica, o despotismo, como forma de governo, estava geograficamente delimitado - Ásia -, ideia que persiste em Montesquieu, não obstante as inovações que este introduziu no conceito. Para Montesquieu, o despotismo sem deixar de estar histórica e geograficamente delimitado, é uma forma autónoma de governo, distinta da monarquia e da república, baseada no medo, na vontade incontrolável do déspota, sem leis nem freios. A China do seu tempo é, para Montesquieu, o exemplo típico de despotismo, enquanto para Aristóteles era a Pérsia.
O despotismo terá mais tarde uma formulação positiva - o despotismo iluminado - , que fará do déspota o intérprete e aplicador das leis naturais e universais, cuja aplicação assegura ao homem a felicidade e a prosperidade.
A concepção positiva da ditadura prevalece ao longo dos tempos e é defendida pelos mais ilustres pensadores políticos ocidentais. Maquiavel, nos Discorsi, diz que a “instituição da ditadura faz bem, e não mal, à república romana; o que causa dano à vida política é o poder usurpado, não o que é livremente delegado”. Maquiavel não concorda, portanto, com a tese que responsabiliza a ditadura romana pela tirania que recaiu sobre a república, primeiramente com Sila e depois com César. Segundo ele, não foi a ditadura que facilitou a tirania, mas a usurpação do poder por quem se encontrava no governo. Se aquele título não existisse, o usurpador criaria outro: ”a força encontra facilmente um título, mas nenhum título cria a força”.
Também Jean Bodin, o grande teórico da soberania, elogia a ditadura romana e serve-se do ditador romano para fazer a distinção entre poder soberano, baseado na perpetuidade, do não soberano. O ditador romano, enquanto magistrado temporário, não era detentor de um poder soberano, cuja titularidade permanecia nos que o nomeavam. Também para Bodin, Sila é um tirano e não um ditador, e igualmente concorda com Maquiavel quando circunscreve a acção do ditador ao âmbito da função executiva.
Mais tarde, J.J. Rousseau, que dedicou no Contrato Social um capítulo à ditadura, admite que o poder sagrado das leis possa ser silenciado se isso for necessário à salvação da pátria, confiando-se, nestes raros casos, ao mais digno a missão de velar pela segurança pública. Rousseau insiste no carácter excepcional e temporário da ditadura e na sua natureza executiva: o ditador pode silenciar as leis, mas não as pode fazer falar: “o magistrado que a emudeceu (a autoridade legislativa) não pode restituir-lhe a voz (…) Tudo lhe é permitido excepto as leis”.
Carl Schmitt, o grande estudioso da ditadura, chama à ditadura tradicional, ou seja, à que temos vindo a tratar, “ditadura comissária” para a distinguir de uma outra forma muito diferente, que faz o seu aparecimento com a Revolução Francesa, a que chama “ditadura soberana” e que se prolonga até hoje.
A ditadura comissária ou delegada limita-se a suspender a constituição para a defender, enquanto a ditadura soberana “vê em toda a ordenação política existente um estado de coisas que quer eliminar com a sua acção”. Contrariamente, à ditadura comissária, ela não suspende a constituição baseada num direito constitucional, mas aspira a criar uma situação que torne possível uma nova constituição, que considera como a constituição verdadeira. A ditadura soberana não apela a uma constituição existente como fonte de legitimidade, mas à legitimidade que decorrerá do poder constituinte ao abrigo do qual a nova constituição vai ser implantada. Assim, o ditador comissário é o comissário de uma acção incondicionada de um poder constituído, enquanto o ditador soberano é o comissário de uma acção incondicionada de um poder constituinte. Dito mais simplesmente, o ditador comissário é constituído; o soberano, constituinte.
O exemplo de ditadura soberana que Schmitt apresenta é o da suspensão da Constituição de 1793 pela Convenção Nacional. A Convenção, órgão extraordinário do poder constituinte, foi encarregada de redigir uma constituição, que depois foi aprovada pelo povo em plebiscito. Com a redacção da constituição cessou o seu mandato, todavia, “devido à situação de guerra e ao movimento contra-revolucionário do interior que ameaçavam a nova constituição, a Convenção decidiu, em 10 de Outubro de 1793, que o governo provisório de França fosse revolucionário até que a paz se alcançasse”. Em consequência, foi suspensa a Constituição, que não mais voltou a entrar em vigor.
Schmitt considera soberana esta ditadura, visto a Convenção, com o cumprimento da tarefa de que estava encarregada, ter deixado de ser um órgão constituído; por outro lado, nem no mandato de redacção da constituição, nem na própria Constituição se admitia a sua suspensão, e tão-pouco existia qualquer outro órgão constituído que a pudesse decretar . A Convenção actuou fazendo apelo ao pouvoir constituant do povo e afirmando simultaneamente que este estava impossibilitado de o exercer em virtude da guerra e da contra-revolução.
Apesar das diferenças, existe alguma continuidade ente a ditadura comissária e a soberana, desde logo a excepcionalidade e o carácter temporário, aliás interligados, já que toda a situação excepcional é, por definição, temporária. O que as distingue, sem prejuízo do carácter temporário não ser respeitado, é a perda da natureza monocrática: a ditadura jacobina já não é a ditadura de uma pessoa, apesar do peso de Robespierre, mas de um grupo revolucionário, o Comité de Salvação Pública e a extensão dos poderes ditatoriais.
A perda de duas características fundamentais da ditadura clássica na transição da ditadura comissária para a ditadura soberana – o carácter monocrático do poder e a extensão dos poderes ditatoriais – é que vai fazer com que o conceito jamais possa ser entendido no sentido positivo com que foi instituído em Roma. De facto, a perda do carácter monocrático permitiu que o marxismo passasse o usar o conceito de ditadura para expressar o domínio de uma classe sobre outra: ditadura do proletariado e ditadura da burguesia. E a perda da natureza executiva da ditadura, circunscrita à execução de um mandato limitado no tempo, a favor da natureza legislativa, que se permite aprovar leis, inclusive constitucionais, e abolir, e não apenas suspender, garantias constitucionais, acabou por alterar definitivamente o sentido do conceito.
Se do ponto de vista teórico nenhuma dúvida pode existir na distinção entre a ditadura clássica, que é uma ditadura constitucional e constituída, e a ditadura moderna, que é extra constitucional e constituinte, do ponto de vista prático podem, por vezes, suscitar-se dúvidas, porque os novos ditadores tendem a associar à ditadura que institucionalizam certas características da ditadura clássica para a legitimar. É o que se passa quando se invoca a natureza excepcional da situação que a impõe e a natureza transitória do poder que se vai passar a exercer. Esta justificação ocorre frequentemente naqueles casos em que a seguir a uma insurreição armada, sempre justificada pela existência de uma situação excepcional, se instaura uma ditadura para preparar a nova ordem constitucional que o povo aprovará no exercício do seu poder constituinte. Mas não haja ilusões, trata-se apenas de invocações que têm em vista uma finalidade legitimadora, que a prática e o tempo se encarregam de desmentir. Recorde-se o que se passou entre nós, com o 28 de Maio de 1926, nomeadamente depois da chegada de Salazar ao governo. Por isso, a ditadura moderna não é mais uma instituição legítima, mas uma forma de governo dos tempos modernos a que classicamente se chamaria tirania, quer por se tratar de um poder exercido sem título legítimo, quer por se tratar da apropriação de um poder maior do que aquele que constitucionalmente foi confiado.
Daí a gravidade das palavras pronunciadas…

NOTAS SOBRE O CONCEITO DE DITADURA - PARTE II



AINDA A PROPÓSITO DAS DECLARAÇÕES DE MANUELA FERREIRA LEITE (CONT.)


EU NÃO ACREDITO EM REFORMAS, QUANDO SE ESTÁ EM DEMOCRACIA…QUANDO NÃO SE ESTÁ EM DEMOCRACIA É OUTRA CONVERSA, EU DIGO COMO É QUE É E FAZ-SE. E ATÉ NEM SEI SE A CERTA ALTURA NÃO É BOM HAVER SEIS MESES SEM DEMOCRACIA, METE-SE TUDO NA ORDEM E DEPOIS ENTÃO VENHA A DEMOCRACIA”.

2- A carga pejorativa incidente sobre o conceito de democracia, implícita no discurso de Ferreira Leite, quando deixa dito que a ”ordem” se restabelece sem a democracia e subentendido que a “desordem” é uma situação normal em democracia, é muito, muito antiga e das mais ancestralmente arreigadas nas convicções populares.
Basta dizer que já Heródoto, no século V ac, num texto que ficou célebre, Livro III das Histórias, sobre a melhor forma de governo a adoptar na Pérsia, por morte de Cambises, pôs três persa a dissertar sobre qual das três formas de governo deveria ser adoptada: o governo de muitos; o governo de alguns; ou governo de um só.
Otanes, que foi o primeiro a falar, defendeu o governo do povo, elogiando todas as suas virtudes: antes de mais, a isonomia (em linguagem moderna, a lei igual para todos); depois, a distribuição à sorte dos cargos públicos; em terceiro lugar, a obrigação de os representantes do povo prestarem contas do exercício do poder; e, por fim, todas as decisões estarem sujeitas ao voto popular.
Megabises, que falou em segundo lugar, manifestou-se completamente contrário ao governo popular: “ A massa inepta é obtusa e prepotente; nisto nada se lhe compara. De nenhuma forma se deve tolerar que, para escapar da prepotência de um tirano, se caia sob a da plebe desatinada. Tudo o que o tirano faz, fá-lo conscientemente, mas o povo nem tem sequer a possibilidade de saber o que faz (…)".
Dario falou em terceiro lugar e concordou com Megabises sobre tudo o que este disse contra o governo popular. Porém, acrescentou: “Quando é o povo que governa, é impossível não haver corrupção na esfera dos negócios públicos, a qual não provoca inimizades, mas sim sólidas amizades entre os malfeitores: os que agem contra o bem comum fazem-no conspirando entre si. É o que acontece até que alguém assuma a defesa do povo e ponha fim às suas tramas (…)".
É claro que esta discussão, que Heródoto situa ficticiamente na Pérsia, deixa-nos perceber o grau de desenvolvimento que o pensamento político grego já tinha atingido um século antes das famosas teorizações de Platão e Aristóteles sobre o mesmo tema, que também não foram muito favoráveis à democracia. Platão, que viveu a época da decadência da democracia ateniense e que, talvez também por isso, perfilhava uma concepção pessimista da história, considerava, na República, a democracia uma das quatro formas corruptas de governo por referência à república ideal que defendia, embora no Político a considere a pior das boas e a melhor das más. E Aristóteles, numa classificação que ficou célebre, fundada na aplicação simultânea de dois critérios: “quem governa” e “como governa”, usou o termo democracia para significar o mau governo de muitos e o termo genérico de politeia para caracterizar a forma boa do governo de muitos, embora numa formulação que parece resultar de uma fusão de oligarquia com democracia tendente a, como diríamos hoje, a fomentar o aparecimento de uma forte e numerosa classe média, âncora segura da estabilidade governativa.
A verdade é que, não obstante a “politeia” se aproximar de um governo ideal, o próprio Aristóteles reconheceu que esta forma de governo estava intimamente associada a pequenas comunidades, territoriais e demográficas, o que sempre impediu que ela se aplicasse a Estados de outra dimensão. A ideia de que a democracia estava directamente associada à dimensão das comunidades foi uma ideia que prevaleceu durante muitos séculos sem contestação.
Quase dois milénios mais tarde, Montesquieu dirá que “Num Estado livre, onde em cada homem é suposto possuir uma alma livre e, portanto, governar-se a si mesmo, seria necessário que o povo, como corpo, desempenhasse o poder legislativo. Mas como isto é impossível nos grandes Estados e sujeito a muitos inconvenientes nos pequenos, é necessário que o povo faça por intermédio dos seus representantes tudo o que não pode fazer por si mesmo”. Embora Montesquieu abrisse a porta a uma democracia de outro tipo, diferente da dos antigos, a verdade é que aquela objecção (a de a democracia estar ligada a pequenas comunidades) prevaleceu em larga escala aquando da formação dos modernos Estados territoriais, que viram noutras formas de governo, nomeadamente na monarquia, a forma normal de organização política.
O próprio Rousseau chegou a afirmar que a verdadeira democracia jamais existiria, uma vez que ela exigiria, entre outras condições, um Estado muito pequeno “no qual ao povo seja fácil reunir-se e cada cidadão possa conhecer todos os demais”. Muito ligado ao conceito de democracia directa, Rousseau nega categoricamente que o ideal de democracia possa ser alcançado através da eleição periódica dos representantes parlamentares ou da eleição periódica do governo. Diz Rousseau. “Toda a lei que o povo não aprovou pessoalmente é nula; não é uma lei. O povo inglês pensa ser livre; mas engana-se redondamente; ele não o é senão durante a eleição dos membros do parlamento; assim que estes são eleitos, ele vive novamente em escravidão; não é nada”.
E, enquanto na Europa se exaltava a monarquia constitucional como única forma de governo “Em que se poderia reconhecer o espírito do mundo após a Revolução Francesa” (Hegel), do outro lado do Atlântico, um novo grande Estado, governado sob a forma de república, começava a consolidar-se – os Estados Unidos da América. Os fundadores deste novo Estado não confundiam a república por eles instituída com a democracia dos antigos. Para eles a república era a democracia representativa, na qual, diz Madison, “há uma delegação da acção governativa num pequeno número de cidadãos eleitos pelos outros”, daí resultando poder ela “ampliar a sua influência sobre um maior número de cidadãos e sobre uma maior extensão territorial”. E é do sucesso desta experiência americana que se generaliza a convicção de que o tal elo entre democracia e dimensão do território pode ser superado pela via da democracia representativa, como forma não autocrática de governo compatível com um território vasto e uma população numerosa.
Anos mais tarde, Tocqueville esforça-se por demonstrar, nas condições então vividas na América, a irrelevância da distinção entre democracia directa e democracia representativa. Em Da Democracia na América diz: “ Às vezes é o próprio povo que faz as leis, como em Atenas; às vezes são os deputados, eleitos por sufrágio universal, que o representam e agem em seu nome, sob a sua vigilância quase directa”. O que realmente importa é que o poder esteja de facto, directamente ou por interposta pessoa, nas mãos do povo, que a soberania popular vigore como a “lei das leis”, que a “sociedade aja por si sobre si mesma” e “não exista poder fora dela e ninguém ouse conceber, e sobretudo exprimir, a ideia de buscá-lo noutro lugar”. Esta completa identificação entre o poder popular e a democracia representativa, tal como Tocqueville a concebia na América, está bem patente nesta afirmação: “O povo reina sobre o mundo político americano, como Deus sobre o universo. Ele é a causa e o fim de tudo: tudo deriva dele e para ele é reconduzido”.
Esta matriz da democracia americana - a sua maior proximidade à ideia base da democracia directa, de um controlo popular (ou dos grupos) intenso e permanente sobre os eleitos, que aproxima o mandato representativo do mandato imperativo – continua ainda hoje presente, embora sob formas muito mais atenuadas, e distingue-a da democracia europeia, principalmente da existente na Europa continental, onde a eleição dos representantes, em listas fechadas, incide sempre sobre nomes escolhidos pelas cúpulas partidárias, sem qualquer possibilidade de outros representantes, que não os escolhidos pelos partidos, serem eleitos. Este processo de escolha dos representantes parlamentares torna o mandato representativo praticamente incondicionado e faz com que entre eles e o eleitorado que os elege não haja qualquer vínculo ou ligação. Na verdade, os representantes respondem perante o partido, do qual dimanam, e não perante o povo, e se querem voltar a ser eleitos ou passar a figurar nas próximas listas eleitorais têm de se manter nas boas graças do aparelho partidário, sem o qual nada se consegue, perdendo toda a sua liberdade e autonomia.
Este procedimento, hoje corrente, arrasta uma consequência muito mais grave: como os representantes parlamentares são escolhidos pelas cúpulas partidárias que, em caso de vitória eleitoral, tendem a ir para o governo, acaba por ser o governo a controlar o parlamento, mais correctamente, a maioria parlamentar que o apoia e não o contrário, como seria normal em democracia.
Associado a estas novas formas de democracia temos desde a primeira hora a consagração dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, cuja extensão e defesa, principalmente em épocas de crise, são muitas vezes postos em causa pelos adversários da democracia, sempre com o velho argumento de que o “excesso de garantias” inviabiliza ou torna muito precária a defesa dos demais cidadãos ou do próprio Estado (Guantánamo, Abu Ghraib, admissibilidade de formas de tortura, etc.).
Tudo isto para dizer que a democracia como forma de governo, quer a directa, quer a representativa, apesar do indiscutível progresso civilizacional que representa, tem historicamente, pelas várias razões acima apontadas, uma carga pejorativa que, no mínimo, impede o seu reconhecimento sem reservas. Ferreira Leite, com as suas palavras, mais não fez do que, inconscientemente, exprimir este sentimento.

NOTAS SOBRE O CONCEITO DE DITADURA - PARTE I

AINDA A PROPÓSITO DAS DECLARAÇÕES DE MANUELA FERREIRA LEITE


“EU NÃO ACREDITO EM REFORMAS, QUANDO SE ESTÁ EM DEMOCRACIA…QUANDO NÃO SE ESTÁ EM DEMOCRACIA É OUTRA CONVERSA, EU DIGO COMO É QUE É E FAZ-SE. E ATÉ NEM SEI SE A CERTA ALTURA NÃO É BOM HAVER SEIS MESES SEM DEMOCRACIA, METE-SE TUDO NA ORDEM E DEPOIS ENTÃO VENHA A DEMOCRACIA”.

Não há nada como ter um responsável político que fala à vontade, sem preocupações do politicamente correcto. Ferreira Leite, talvez sem querer, mas não sem o saber, tocou com esta “tirada” em três questões fundamentais que estão muito longe de estar resolvidas não apenas em Portugal, mas em muitas outras partes do mundo recém-familiarizadas com a vivência democrática. São elas:
Primeira: As reformas em regime democrático;
Segunda: A carga pejorativa ancestral que recai sobre a democracia como forma de governo;
Terceira: A ditadura como instituição adequada para acudir a situações excepcionais;

Interessa-nos, fundamentalmente, desenvolver a questão da democracia e da ditadura, sem, contudo, deixar de dizer algo sobre as reformas.
1 - Sobre as reformas em regime democrático, devo começar por dizer que não tenho a certeza se Ferreira Leite, no contexto do discurso que vinha proferindo, quis dizer que não acreditava em reformas em regime democrático, ou antes que, em regime democrático, não acreditava em reformas sem a participação dos "reformandos".
Enfim, sem querer aprofundar o tema, parece-me excessivo afirmar-se que o pensamento subjacente da autora vá no sentido da transferência para o sector privado das actividades dos serviços públicos cujos funcionários resistem às reformas. Esta ideia, além de ter implícita a tese de que todas as actividades do sector privado são reformáveis contra os interesses e sem a luta dos trabalhadores que as servem, parece querer dar corpo a uma outra tese, igualmente perigosa, de que em democracia as reformas podem e devem ser feitas sem a participação dos "reformandos". É isso que certos “conselheiros de Sócrates”, fundados numa concepção antiquada de poder, têm advogado, esquecendo-se, exactamente, que as características mais emblemáticas das modernas sociedades plurais são o conceito relacional de poder e os procedimentos concertados de decisão. A decisão, ou melhor, o seu efeito, nas modernas sociedades democráticas, não é um jogo de resto zero (tudo o que uma parte ganha, a outra perde), mas antes um jogo de resultado positivo para ambas as partes (ambas ganham), contribuindo assim para a manutenção do equilíbrio do sistema social.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

OUTUBRO



HÁ OUTUBROS E OUTUBROS, PRINCIPALMENTE QUANDO HÁ OUTUBROS EM NOVEMBRO

Um velho amigo deu-me hoje a conhecer o blogue Outubro da Fundação Res Publica.
Achei graça ao nome e mais ainda há frase que o encima “Outubro de 1917, quando a alternativa de esquerda ao capitalismo liberal se começou a concretizar com a tomada de posse, em Estocolmo, no dia 19, na sequência de eleições democráticas, do primeiro governo com a participação do Partido Social-Democrata Sueco (em coligação) ”.
Eu bem sei que há Outubros e Outubros, principalmente quando alguns Outubros são em Novembro, mas esta de alguns ilustres membros do partido socialista e respectivos (recentes ou mais antigos) compagnons de route recuarem até 1917 para constituírem uma alternativa ao capitalismo liberal, quando por todo lado, as referências em que se filiam, não fizeram outra coisa durante estes últimos trinta anos que não fosse advogar terceiras vias, aplicação dos princípios do “Consenso de Washington”, limitação do papel do Estado, fragilização do modelo social, hostilização aos trabalhadores em geral e tudo o mais que todos conhecemos, esse recuo a uma experiência do início do século, nem que seja como simples facto inspirador, deixa-nos na dúvida sobre se os ilustres colaboradores de Outubro não estão mais interessados em lutar contra “moinhos de vento” do que contra os verdadeiros adversários do nosso tempo!
Se alguns dos vossos colaboradores, ainda há bem pouco tempo, um mês ou dois antes de a crise rebentar, zurziam os nossos ouvidos com a prédica de que o “moderno socialismo” nada tinha a ver com a economia, como querem vocês que agente acredite no facto fundacional que vos inspira?
Não seria mais razoável e credível recomeçar em 2008, mesmo que fosse em Outubro, com uma crítica contundente à vossa teorização e prática destes últimos trinta anos?

A EQUIPA ECONÓMICA DE OBAMA



TIMOTHY GEITHNER, SECRETÁRIO DO TESOURO

Barack Obama confirmou hoje, em conferência de imprensa, a equipa económica que tem por missão afrontar a crise económica de “proporções históricas” em que o país está mergulhado.
Para Secretário do Tesouro foi escolhido Timothy Geithner, actual presidente da reserva federal de Nova York, que ostenta no seu curriculum nunca ter trabalhado para Wall Street, contrariamente aos seus antecessores mais conhecidos. É uma personalidade política respeitada, embora, entre os democratas, os sectores mais de esquerda tivessem preferido alguém mais intervencionista.
Lawrence Summers, que desempenhou idêntica função na administração Clinton, dirigirá o Conselho Económico Nacional, órgão de consulta do Presidente e Christina Romer, da Universidade de Berkley, encabeçará o Conselho de assessores económicos da Casa Branca.
Obama sublinhou mais uma vez que para afrontar a crise global “é necessária a colaboração com outros países para dar uma resposta conjunta” ao círculo vicioso em que está imersa a economia do país, marcando, assim, as distâncias relativamente ao unilateralismo do seu antecessor.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

CONSTÂNCIO CONTINUA A EXPLICAR-SE MAL



A TENTAÇÃO DA VITIMIZAÇÃO


Constâncio, na entrevista que acabou de dar à RTP, continua a explicar-se mal. O pretexto para ser ouvido foi as diferentes versões da tal conversa entre Dias Loureiro e António Marta, no Banco de Portugal, sobre o BPN, em Abril de 2002.
Conversa de que Constâncio não teve conhecimento e a que atribui pouca ou nenhuma importância, salvo a prova, numa das versões, de que o Banco de Portugal estava actuante relativamente àquele Banco.
Não se percebe como é que o Governador do Banco de Portugal considera irrelevante uma conversa que, em qualquer das suas versões, é grave.
É grave na versão de Loureiro, porque se trata da denúncia difusa de factos que põem em causa o modo de gestão de uma instituição financeira, numa altura em que já havia um insistente “ruído”sobre o que de anormal nela se passava (palavras de Dias Loureiro).
É grave na versão do Vice-Governador, António Marta, porque se tratava de uma conversa pressionante, vinda de uma importante e influente personalidade política do PSD, sobre o modo de actuação do Banco de Portugal, tendo em vista “amaciá-la”. Se nos lembrarmos que Durão Barroso foi empossado como Primeiro-ministro em 6 de Abril de 2002, a entrevista de 19 de Abril, a ser verdadeira esta versão, só poderia querer sinalizar ao Banco de Portugal que era preciso tirar as consequências da mudança de poder político efectivamente operada cerca de duas semanas antes.
Grave ainda o facto de Constâncio levianamente admitir que conversas deste género, qualquer que seja a versão, poderem ocorrer com frequência, sem que ele tenha de as conhecer. Grave também que conversas desta natureza possam ocorrer com tanta informalidade, como se de uma conversa de café se tratasse.
Este episódio ilustra bem o modo como Constâncio concebe a supervisão.
Mas há mais: Constâncio disse repetidamente no Parlamento que o supervisor não é um polícia, nem um delegado do Ministério Público. Mas hoje, na entrevista, justificou os quase noventa dias que demorou para entregar uma denúncia ao Ministério Público, com a necessidade de reunir provas cabais antes de o fazer! O que apetece perguntar, perante tão grave contradição, é se Constâncio esperou quase 90 dias para ter a certeza de que não tinha outra alternativa senão denunciar (a que está por lei obrigado) ou se esperou 90 dias para enviar o processo ao Ministério Público já com a instrução que a este competia.
Constâncio insiste com os casos do Banesto, de Mário Conde, expoente máximo da “cultura del pelotazo” em Espanha e de Jerôme Kerviel, na Societé Géneral, em França, para, com base num argumento de analogia, isentar de responsabilidade a sua actuação como supervisor. Mas estas são situações muito diferentes daquelas com que Constâncio se defrontou no BCP e no BNP.
Antes de mais, ao contrário do que disse Constâncio, o efeito Mário Conde no Banesto foi de curta duração, apesar do muito que dele se falou em Espanha por esses tempos. Em de Outubro de 1987, Mário Conde comprou uma importante participação no Banesto com o dinheiro que havia ganho numa transacção milionária resultante da venda de um grupo de empresas farmacêuticas, de que era proprietário, a uma multinacional do ramo. Com esse dinheiro efectivo, e não fictício, propôs-se salvar o Banesto que por essa altura tinha um “buraco” de cerca de 100 mil milhões de pesetas; foi depois eleito presidente do conselho de administração e em 1989 distribuiu dividendos pelos cerca de 300 mil accionistas do banco. Em 1993, o Banco de Espanha intervencionou o banco, depois de ter descoberto uma série de fraudes que punham em risco a solvabilidade da instituição.
Se o caso Banesto demonstra que o Banco de Espanha actuou rapidamente perante o homem então mais famoso de Espanha e com tal eficiência que, pouco depois, Mário Conde era preso e condenado, o caso da Societé General somente por abuso da tradicional ignorância dos portugueses, inclusive dos deputados, pode ser invocado como uma falha do supervisor. A Societé General foi ela própria vítima de uma fraude de um seu funcionário, o operador Jerôme Kerviel, que, sem autorização da sociedade, comprava títulos de alto risco e dissimulava estas operações introduzindo no sistema informático do banco operações fictícias, de sentido inverso, que compensavam contabilisticamente aquelas. As perdas da sociedade, quando estas operações foram por ela descobertas, eram bastante fracas face aos montantes comprometidos, mas a Societé General considerou que tais operações expunham o banco a um risco considerável. Em inquéritos de opinião então realizados, a direcção do banco foi considerada responsável pelo sucedido por mais de 50% dos inquiridos.
Constâncio ao invocar estes exemplos na televisão, como já tinha feito no Parlamento, mas agora com mais dramatismo, procurou claramente o efeito vitimização para se inocentar perante os portugueses. Mais uma vez, não o conseguiu, porque, de facto, quanto mais se sabe, mais responsabilidades se imputam ao supervisor. No desempenho da sua função, evidentemente, não nos actos praticados no BPN.

OS MODOS DE ENCARAR A CRISE



AS DUAS PERSPECTIVAS


A grave crise económica com que se debatem os países ricos, desencadeada por uma crise financeira sem precedentes na história do capitalismo, tem vindo a ser encarada, dentro do sistema, com perspectivas diferentes, consoante o posicionamento ideológico dos respectivos actores.
Os sectores ligados às doutrinas neoliberais e ao “Consenso de Washington” vêem com muita desconfiança a intervenção do Estado na economia, mesmo em tempos de crise. Fiéis aos princípios da privatização, desregulamentação, ao monetarismo, com as suas normais consequências: equilíbrio orçamental e combate à inflação como primeiras prioridades, mantêm-se muito reticentes a tudo o que possa pôr em causa a “ortodoxia económica” em que assentaram a gestão da economia nestes últimos vinte e cinco anos.
Basta ver, como toda a direita na Europa (com excepção, como sempre, da gaullista) e nos Estados Unidos está a reagir às intervenções que vão para além do sistema bancário (ditas sistémicas e por isso aceites), ao défice orçamental e aos programas de investimentos públicos para que nenhuma dúvida seja a este respeito legítima.
Em Portugal, a presidente do PSD mantém a sua cruzada contra os investimentos públicos, o CDS, apesar de actuar eleitoralmente em estreitíssimos “nichos de mercado”, continua activo contra o rendimento social de inserção, o Presidente da República dá o seu aval apenas a “investimentos rentáveis”, envolvendo sob os mesmos critérios de apreciação os públicos e os privados, e outros, como Eduardo Catroga, continuam a privilegiar a competitividade das empresas, como factor determinante de superação da crise, a qual obviamente, num país como Portugal, não poderá deixar de passar por uma diminuição dos gastos públicos e uma progressiva degradação salarial.
Outros, representativos de sectores mais progressistas, pelo contrário, continuam a defender uma linha neo-keynesiana, traduzida numa maior intervenção do Estado na economia, posta em prática através de um vasto programa de investimentos públicos.
Nos Estados Unidos esta linha, já com evidentes reflexos na nova Administração e em alguns governos europeus, tem sido fundamentalmente defendida pelo recém-galardoado prémio Nobel da economia, Paul Krugman. Diz Krugman que quando se chega a esta fase de “economia de depressão”, as regras normais da política económica já não são válidas: “a virtude converte-se em vício, a cautela é um risco e a prudência, um disparate”. E dá o exemplo do desemprego, que deixa de poder ser combatido pelos procedimentos habituais, cuja progressão induzirá um consumo cada vez menor, que, por sua vez, implicará diminuição dos investimentos das empresas, logo mais desemprego e por ai adiante!
A receita para inverter esta espiral descendente, consiste, segundo o mesmo autor, em o Governo proporcionar um estímulo à economia aumentando a despesa e as ajudas aos que mais estão sofrendo. E logo adverte que este estímulo não chegará a tempo ou não será da dimensão necessária se os políticos e as autoridades económicas não forem capazes de superar vários preconceitos.
E, depois, explica. Um desses preconceitos é o medo aos “números vermelhos”, ou seja, ao défice orçamental. Se em épocas normais o equilíbrio orçamental é uma virtude, numa época de crise torna-se num vício perigoso. Roosevelt, em 1937, ao tentar regressar antes de tempo ao equilíbrio orçamental, ia pondo em causa o New Deal.
O segundo preconceito é o que se funda na crença de que em política se deve actuar com cautela. Se em regra o princípio é válido, em tempos de crise uma actuação atrasada corre o risco de levar ao desastre.
Finalmente, a ideia de que a humildade e a prudência são qualidades apreciáveis. Em tempos de crise mais vale fazer de mais do que de menos. Ou seja, mais vale que a economia se “aqueça” por excesso de estímulo do que continue estagnada ou deprimida por falta dele. É que para o excesso há sempre remédio, enquanto para a falta, não. Se, em consequência do excesso, houver inflação, sobem-se os juros; pelo contrário, para a deficiente falta de estímulo, nada há a fazer, logo, a prudência é um disparate.
A nova Administração americana vai pôr em prática um vasto plano de apoio à economia, porventura inferior ao preconizado por Krugman, que aponta para uma cifra da ordem dos 475 mil milhões de dólares e no Reino Unido, Gordon Brown, que na Europa tem sido um fiel seguidor dos conselhos do prémio Nobel, também se prepara para actuar no mesmo sentido, embora com as adaptações exigidas pelas particularidades da economia britânica. Zapatero, por seu lado, já anunciou um défice da ordem dos 4,2%, para os dois próximos anos, e nenhuma medida que possa implicar “recorte” social.
Em Portugal, ainda não se percebe muito bem como vai actuar o Governo. Os defensores da ortodoxia económica, que frequentemente aconselham e condicionam a actuação do Governo, já manifestaram a sua discordância relativamente a qualquer desequilíbrio das contas públicas. Fazem frequentemente profissões de fé anti-neoliberais, mas na hora da verdade estão como o outro “que fazia prosa sem o saber”.
Depois, há um outro aspecto da questão, que é decisivo: para relançar a procura, única forma de inverter a tal espiral acima referida, é preciso que o dinheiro vá parar às mãos do maior número e não apenas às mãos de alguns. A completa subjugação aos “interesses das empresas”, decorrente de uma visão ideológica exclusivamente centrada nos interesses empresariais, pode deitar tudo a perder.
Por último, não deve restar qualquer dúvida de que somente uma acção concertada no quadro da UE, com verbas comunitárias e nacionais, será capaz de dar uma resposta adequada à crise .
ADITAMENTO
Os diferentes modos de encarar a crise e as respectivas respostas, acima descritos, estão bem presentes nas divergências hoje evidenciadas na cimeira franco-alemã, quanto ao modo de actuação da União Europeia. Enquanto Sarkozy quer agir rapidamente no quadro de um plano europeu que envolva verbas significativas, Angela Merkel diz que é preciso reflectir para não confundir "acção com precipitação", mostrando-se mais favorável a um conjunto de medidas que não custem dinheiro aos Estados.

O COMUNICADO DE CAVACO SILVA SOBRE O BPN



O QUE PRETENDE CAVACO?


Cavaco Silva mandou publicar ontem à tarde um comunicado, emitido pela Presidência da República, no qual expressa a sua indignação por ver o seu nome cada vez mais associado ao escândalo BPN. E depois dá a conhecer aos portugueses um conjunto de factos para demonstrar que nunca esteve directa nem indirectamente ligado àquela instituição: nunca nela desempenhou qualquer função, não é nem nunca foi seu accionista, nunca lhe pediu emprestado qualquer dinheiro, aliás, aproveita para esclarecer que nem um euro sequer deve a qualquer banco, etc.. A única ligação de Cavaco ao BPN é um depósito bancário que lá tem, à semelhança do que acontece noutros bancos portugueses.
Todos os que têm acompanhado de perto, através dos media e dos debates parlamentares, o “caso BPN” não podem deixar de estranhar este comunicado, porque nunca em qualquer jornal, rádio ou televisão se afirmou ou sequer insinuou qualquer dos factos esclarecidos pelo Presidente da República.
Cavaco diz que está indignado, mas se há alguém que tenha fortes motivos, mais do que Cavaco, para indignação são os portugueses em geral e os contribuintes em particular. E é fácil explicar porquê.
Em consequência das irregularidades e dos alegados crimes cometidos no BPN, o Governo, numa decisão porventura discutível, mas já irreversível, decidiu nacionalizar o banco para evitar a sua falência. Esta decisão, além de garantir o pagamento do passivo do banco, aos credores em geral e aos depositantes em particular, pode ainda traduzir-se numa vantagem para os accionistas, que, obviamente, num processo de falência nada teriam a receber em virtude de o activo do BPN ser francamente inferior ao seu passivo.
Nesta operação de resultado muito incerto, já que o BPN pode nunca mais recuperar, o Estado já comprometeu, com dinheiros públicos, mais de mil milhões de euros. Dinheiro cuja aplicação torna os portugueses mais pobres e, a prazo, os contribuintes mais onerados.
E a verdade é que os portugueses em geral nada têm a ver com a gente que esteve à frente dos destinos do BPN. Os portugueses nunca manifestaram a essas pessoas uma especial confiança para ocuparem lugares de relevo na sociedade portuguesa. Até terão acreditado que, por muitos deles já terem exercido importantes funções públicas, onde tiveram que gerir e tomar decisões envolvendo vultosas verbas públicas, estavam acima de qualquer suspeita. Infelizmente, enganaram-se. Por isso, estão indignados.
Cavaco Silva, embora não tenha rigorosamente nada a ver com a gestão do BPN, nem com as suas irregularidades ou alegadas práticas criminosas, já concedeu, enquanto Primeiro-Ministro e presidente do PSD, a sua confiança a algumas das pessoas suspeitas de envolvimento no caso BPN. A uns como Ministros ou Secretários de Estado, a outros como deputados. Essa a verdadeira razão da irritação de Cavaco. Pois, mas esse não é um problema que os portugueses possam resolver ou que possa ser atirado para cima dos portugueses!

sábado, 22 de novembro de 2008

DIAS LOUREIRO E O BPN



A NECESSIDADE DE SER OUVIDO


Dias Loureiro numa entrevista que ontem concedeu à RTP, provavelmente a pedido, reiterou a sua confiança no detido ex-presidente do BPN, Oliveira e Costa, sublinhou as suas qualidades intelectuais e de carácter, sendo sua profunda convicção de que nada do que terá sido feito naquele banco o tenha sido em proveito pessoal de Oliveira e Costa.
Mas depois relatou um facto estranho. Contou que em 2002 foi, por sua iniciativa, ao Banco de Portugal, falar com um vice-presidente para lhe dar conta da sua preocupação acerca do que se dizia sobre a gestão do banco.
Logo a seguir à entrevista, o referido vice-presidente deu uma versão completamente oposta à de Dias Loureiro. Disse que, pelo contrário, Dias Loureiro fora manifestar a sua preocupação por o Banco de Portugal andar demasiado em cima do BPN. Por outras palavras, disse que Loureiro fora pressionar o BP.
Dias Loureiro sente necessidade de ser ouvido em público sobre o que se passou no BPN, dai as entrevistas às televisões e o pedido para ser ouvido no Parlamento.
Aqui há uns anos atrás uma conhecida personalidade dos media nacionais, sabendo que estava a ser investigado suspeita da prática de certos crimes, “correu” as televisões todas protestando a sua inocência sobre os boatos que circulavam e até uma audiência pediu ao então Procurador Geral da República, que, com a sua conhecida inabilidade, não somente lha concedeu como logo ali o absolveu.
Acabou por ser preso uns dias mais tarde e ainda está a ser julgado.

A PASSAGEM DE MEDVEDEV POR LISBOA



COMO VAI SER NO FUTURO?

Ainda ontem, ou anteontem, uma conhecida “viúva” de Bush, num artigo de opinião, no Público, sobre as relações da Europa com a Rússia, exclamava: ”Até parece que a guerra da Geórgia nunca existiu”, expressando assim o seu descontentamento pelo que se passou em Nice e deixando implícita uma crítica à passagem de Medvedev por Lisboa.
Ontem, durante a recepção a Medvedev, José Sócrates teve oportunidade de responder a essas e outras objecções dos nossos atlantistas, dizendo que a “A Geórgia é uma página que ficou virada em Nice”.
Desde a primeira hora que aqui assinalámos a autonomia de Sócrates relativamente a Washington nas relações com a Rússia. Com o seu habitual pragmatismo, o Primeiro-Ministro depressa percebeu que uma relação preferencial com a Rússia (isto é, uma relação que se destacasse dos vulgares atlantismos e dos ressentimentos dos países recentemente saídos da órbita soviética) só poderia ser vantajosa para Portugal. E tem vindo a trilhar essa política com firmeza.
E até o seu Ministro dos Negócios Estrangeiros já vai dizendo a Lavrov que olha com interesse e simpatia a proposta russa de um plano de segurança pan-europeia e o próprio Cavaco também acaba por aceitar esta relação com muito mais à vontade do que outras, como, por exemplo, a da Venezuela de Chávez, além do mais porque estes russos nem sequer de socialismo falam.
A prova dos nove vamos começar a tê-la, ainda este ano, em Helsínquia, na Conferência da OSCE, supondo, como parece cada vez mais provável, que do lado de Washington não haverá significativas mudanças da sua política externa em relação à Rússia.

JOHN FITZGERALD KENNEDY

35.º PRESIDENTE DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA
ASSASSINADO EM DALLAS HÁ 45 ANOS

HILLARY CLINTON, SECRETÁRIA DE ESTADO



AFINAL, ONDE ESTÁ A MUDANÇA?

Os apoiantes de Obama desde a primeira hora e aqueles que acreditaram que a sua presidência poderia trazer um novo rumo à política externa dos Estados Unidos, só podem, depois de tida como praticamente certa a nomeação de Hillary Clinton, como Secretária de Estado, manifestar a sua mais profunda decepção.
Nada se assemelha menos a mudança do que o nome de Hillary Clinton e nada representa mais Washington (o tal Washington de que Obama dizia querer afastar-se) do que a Senadora de Nova York.
As divergências entre Obama e Hillary em política externa, manifestadas durante as primárias tanto em comícios como em debates, foram em alguns casos até mais profundas do que as registadas mais tarde com o candidato republicano. O que torna ainda mais difícil de aceitar esta nomeação.
De H. Clinton não há que esperar mudanças significativas, salvo de estilo, o que pode certamente ser suficiente para os servis políticos europeus, que se davam mal com o unilateralismo de Bush e com algum radicalismo das suas posições, exibido de forma pouco diplomática, mas que certamente se darão bem com uma política essencialmente idêntica, formulada em termos diferentes, mas conduzida com a habilidade suficiente para os fazer crer associados à sua génese. Todavia, para o povo que aplaudiu Obama em Berlim e que nos quatro cantos do mundo acreditou numa política americana mais próxima das aspirações da paz e do desenvolvimento a nomeação de H. Clinton representa uma grande frustração.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

CONSTÂNCIO E QUEIROZ, OU UM CERTO MODO DE SER PORTUGUÊS



DOIS CASOS SEMELHANTES


Constâncio e Queiroz estão nas primeiras páginas dos jornais pelas piores razões. Em ambos os casos, a opinião generalizada entre os portugueses é a de que eles não têm competência para as funções que desempenham. E, todavia, há muita gente, que os conhece de perto, a garantir que são pessoas preparadas nas respectivas profissões e com capacidade intelectual acima da média.
Não tenho elementos para me pronunciar sobre tais apreciações, mas vamos partir do princípio de que são, no essencial, correctas e que avaliam com relativa fidelidade as capacidades das supra-citadas pessoas.
De Constâncio sabe-se que à frente do Banco de Portugal desempenhou defeituosamente as funções de regulador e de supervisor do sistema bancário português e que durante os seus mandatos se praticaram várias irregularidades graves ou mesmo crimes, que uma intervenção atempada poderia ter evitado. Mesmo não confundindo o polícia com o ladrão, a verdade é que um polícia actuantemente frouxo potencia o campo de manobra do ladrão.
Mas há mais, a intimidade e a proximidade entre os vigilantes e os vigiados gera, num país como Portugal, aberto ao compadrio e ao amiguismo, um clima propício à inacção e à desculpabilidade permanente. Se, por acaso, aparece alguém à frente de um serviço com outra mentalidade, disposto a aplicar a lei e a não se deixar enredar por enleantes relações pessoais, corporativas ou até de classe, essa pessoa poucas hipóteses de tem de se manter nesse posto, tantas são as inimizades e incompreensões que a sua conduta gera. Por isso, é mais fácil ceder.
De Queiroz sabe-se que sempre que assumiu responsabilidades a título principal fracassou estrondosamente, pelas mais diversas razões, mas entre as quais avultam a falta de liderança, a incapacidade de manter uma atitude relativamente independente face aos poderes fácticos e, acima de tudo, uma instabilidade emocional que o impede de conviver lucidamente com momentos de tensão. De tudo isto decorre uma grande incapacidade organizativa, uma falência na escolha dos colaboradores e uma deficiente capacidade de relacionamento com os jogadores, que rapidamente se apercebem das suas múltiplas fragilidades e por isso o desrespeitam sem o hostilizar.
Todavia, Queiroz já demonstrou que, fora do ambiente português, integrado numa grande equipa, inserido em estruturas altamente profissionais e superiormente dirigido, funciona bem. Provavelmente, com Constâncio, se é tão bom como dizem, aconteceria o mesmo.
Moral da história: se eu mandasse contratava no estrangeiro um competente governador do Banco de Portugal e procurava, também no estrangeiro, entre os treinadores disponíveis, um seleccionador tipo Capelo, que pudesse comandar a selecção portuguesa.
E tentaria que Queiroz fosse novamente para onde estava e que Constâncio integrasse uma instituição financeira internacional, onde, às ordens de alguém que soubesse mandar nele, pudesse finalmente exibir todas as suas capacidades!

O REVIVALISMO DA DIREITA PORTUGUESA


COMO SE FALSEIA A HISTÓRIA


Confesso que não compreendi bem esta notícia, nem a encontrei transcrita na demais imprensa portuguesa. Não percebi muito bem quem organiza estes colóquios, nem o que se pretende com eles.
O que Rui Patrício, Ministro fascista da ditadura, possa ter dito, é de certa forma irrelevante. Os mais velhos ainda se lembram das ridículas intervenções do Ministro na televisão e da consideração em que era tido pela oposição democrática. Lembro-me inclusive de uma carta que Mário Soares lhe enviou e que depois circulou pelos meios oposicionista, bem elucidativa do desprezo em que o tinha. E lembro-me também da penosa situação em que saiu do quartel do Carmo e da forma como se comportou durante o cerco… Com a pide ao lado, um valente, como a maior parte deles; sem a pide, uma vergonha …
Agora, o que me causa alguma apreensão são as palavras de um Embaixador, ao que suponho ainda no activo, ou, não estando, alguém que fez a maior parte da sua carreira na democracia, que são um verdadeiro branqueamento da acção de Marcelo Caetano. Nem a filha de Marcelo Caetano, que sempre tenho ouvido com toda a atenção, diz do pai aquilo que outros dizem. E não o faz certamente por entender que a melhor forma de homenagear a memória do seu pai é retratá-lo tal qual ele foi.
Dizer que Marcelo Caetano "era favorável a uma autonomia progressiva e participada como caminho para as independências" das colónias é uma falsidade histórica. Não há um único texto de Marcelo anterior ou posterior ao 25 de Abril que comprove esta afirmação. E mesmo a pretensa federação que se dizia Marcelo apoiar não passava de uma ideia exposta num texto muito simples e vago (nunca publicado, porque não estava assinado), que não ocupava o espaço de uma folha A4, no qual Marcelo defendia uma federação não muito diferente daquela que uma vez, numa entrevista a um jornal brasileiro, Salazar propusera ao Brasil. Uma perfeita farsa.
O que Marcelo advogava nesse texto era maior descentralização, com mudança de nomes das colónias (“reforma” que ele em grande medida acabou por fazer), e alterações de natureza administrativa. Nada que se assemelhasse a um Estado federal e muito menos qualquer autonomia que passasse por autodeterminação das respectivas populações. Se maior autonomia houvesse, essa autonomia seria para os brancos e para os africanos que aceitassem a supremacia branca. Mais do que qualquer real mudança, o que Caetano pretendia com esse texto (se é que chegou a pretender alguma coisa) era através de uma ficção jurídica fazer passar internacionalmente, principalmente na ONU, uma imagem diferente das colónias portuguesas.
Tudo isto para dizer que a democracia portuguesa sempre se ressentiu muito de o Ministério dos Negócios Estrangeiros nunca ter sido saneado. Mesmo os que colaboraram abertamente com a pide e até os que tiveram um papel vergonhoso no caso Delgado foram poupados. Devem-no ao Dr. Mário Soares, que inclusive poupou aqueles que denegriram a sua imagem nas célebres manifestações de Londres aquando da visita de Caetano ao Reino Unido.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

O PREÇO DOS COMBUSTÍVEIS



A EXTORSÃO CONTINUA


Afinal, não é só na costa da Somália que há problemas. Em Portugal também há. O preço do crude nos mercados internacionais está cotado abaixo dos 50 dólares. Se as petrolíferas utilizassem agora os mesmos critérios que usaram durante a primavera para calcular o preço dos combustíveis, eles estariam a ser vendidos, tendo já em conta as alterações cambiais entre o dólar e o euro entretanto ocorridas, a onze cêntimos menos em cada litro. Onze cêntimos em cada litro é muito dinheiro. É um verdadeiro saque a que ninguém põe cobro.
O capitalismo neoliberal e os seus incondicionais apoiantes (que são muitos, mesmo entre os que dizem que não são) inventaram essa coisa das entidades reguladoras “independentes”, das “autoridades da concorrência” e outras tretas do género. Independentes de quem? Independentes do Estado, que representa o interesse geral e dependentes das empresas.
O conceito de autoridade independente quer fazer passar a ideia de que essas autoridades desempenham um papel independente dos interesses em jogo, o que é um verdadeiro contra-senso, pelo menos face à ideologia burguesa do conceito de Estado - que sempre o definiu como algo acima dos interesses em presença e único definidor do interesse geral!
Pois é, ao capitalismo neoliberal não lhe basta o domínio que exerce sobre o aparelho de Estado, quer ter a certeza de que não há nessa estrutura zonas de relativa autonomia, e por isso inventou as autoridades independentes.
E é por isso que o Manuel Sebastião, tão lesto a tratar dos negócios das empresas do Manuel Pinho, mandou para as calendas de Março, um famoso estudo que há-de apresentar sobre a formação dos preços dos combustíveis. Mesmo admitindo que o estudo venha a ser contrário aos interesses das petrolíferas, o que somente como hipótese se admite, o que elas extorquirão até lá, já constitui um pecúlio irreversível de extraordinário valor.
Mas há mais: Há todas as razões para supor que as principais petrolíferas estão concertadas na formação dos preços. E que faz a “autoridade da concorrência”, perante indícios mais do que evidentes? Anda com uma lupa á procura de uma pretensa acta na qual os cartelistas tenham firmado o compromisso assumido…

PINTO RIBEIRO E A INEXECUÇÃO DO ORÇAMENTO



DINHEIRO MAL GASTO OU DINHEIRO A MENOS?


Pinto Ribeiro, Ministro da Cultura, num certo estilo maoista, critica os seus antecessores, segundo a perspectiva que ele hoje tem do exercício das funções, certo de que também ele será criticado quando as abandonar. Vem isto a propósito das declarações de Pinto Ribeiro, que os jornais hoje transcrevem, sobre a execução orçamental e a responsabilidade dos seus antecessores pelo decréscimo de verbas atribuídas ao orçamento da Cultura.
Quem andou pelos departamentos do Estado, sabe que quando não se gastam as verbas orçamentadas, é certo e sabido que no ano seguinte o orçamento desse departamento reflectirá essa realidade. Isto não se passa apenas no orçamento do Estado português: passa-se nos orçamentos de todas as organizações infra e supra-estaduais. Em Bruxelas, por exemplo, na área da cooperação para o desenvolvimento e certamente nas demais, até metia dó constatar a pressa e a pressão que os dirigentes dos serviços punham no comprometimento das verbas atribuídas, chegando inclusive a estipular-se prazos dentro dos quais o dinheiro tinha de estar totalmente comprometido (é claro, que havia vários níveis de comprometimento: primário, secundário, etc., embora isso seja irrelevante para a realidade que se pretende ilustrar).
A consequência deste entendimento da execução orçamental está à vista: cometem-se muitos erros e desperdiça-se muito dinheiro.
Ora, se bem percebi, Pinto Ribeiro, queixa-se da inexecução orçamental dos seus antecessores e chama-lhe “desperdício”. Descodificando: desperdiçaram-se as verbas que o Estado atribui à Cultura, embora o Estado as vá aproveitar para gastar noutros fins. Supõe-se que excelentes.
Conclusão, somente com outra mentalidade do Ministério das Finanças, Secretaria de Estado do Orçamento, seria possível gastar melhor e mais eficazmente o dinheiro do orçamento. E até talvez chegasse para muito mais…

QUE É FEITO DE JOE BERARDO?


QUE FAZER QUANDO TUDO ARDE?

Durante a crise do BCP, melhor: durante o tempo em que a crise do BCP esteve nos media, Joe Berardo era figura regular nos jornais e nas televisões. Por essa altura a generalidade dos portugueses ficou a saber que o “emigrante madeirense” era uma espécie de Georges Soros à portuguesa, um homem que jogava na bolsa, um “investidor”, como agora se diz, ou mais prosaicamente um especulador.
Muito acarinhado pelos media, não apenas por ter denunciado graves irregularidades no BCP de Jardim Gonçalves, outro madeirense que Mário Soares restituiu à alta finança, mas também pelo seu pitoresco português, Joe Berardo foi desvendando algumas interessantes facetas da sua actividade profissional e a curiosidade dos jornalistas descobrindo outras tantas.
E foi assim que se ficou a saber que Berardo durante a luta pelo controlo do BCP, para reforçar a sua posição accionista, pediu um importante e vultoso empréstimo à Caixa Geral de Depósitos, donde haveria mais tarde de sair parte da equipa que hoje dirige aquele banco.
Entretanto veio a crise financeira e as acções do BCP que, nunca haviam recuperado da crise em que o banco mergulhou, caíram ainda mais, a ponto de hoje representarem uma ínfima parcela do valor que tinham outrora e um valor muito inferior ao preço por que durante aquela crise foram compradas.
Seria por isso muito interessante que, da mesma forma que Berardo nos transportou para os meandros da crise do BCP, alguém da CGD nos esclarecesse sobre a situação desses empréstimos: se já foram amortizados, ou, no caso de não terem sido, se os juros têm sido regularmente pagos, de que garantia dispõe a Caixa em caso de incumprimento (valores mobiliários: acções, obrigações, outros títulos? ou bens imobiliários (edifícios, terrenos, etc.). Seria interessante. Pena que os bogues em Portugal não tenham direitos de cidadania e não possam,como acontece na América, apresentar-se a fazer perguntas como um qualquer jornalista…

PS SALVA BANCO DE CAVAQUISTAS COM DINHEIRO DOS CONTRIBUINTES



BPN, UM MAU NEGÓCIO PARA O ESTADO


Do artigo anterior sobre a crise financeira, depreende-se que a decisão do Governo de nacionalizar o BPN talvez tenha sido um mau negócio para o Estado Português. E com as notícias que regularmente têm vindo a público cresce a suspeita sobre as principais razões da nacionalização.
Sabe-se pouco sobre o BPN, a opinião pública sabe pouco. Sabe-se que aquilo é um banco montado por gente que serviu Cavaco, com o dinheiro inicial, pouco, de alguns construtores civis do centro-norte do país. Depois há toda uma série de negócios pouco claros ou mesmo muito escuros que foram sendo feitos por Oliveira e Costa sempre com a cumplicidade e participação de um ou mais administradores.
E assim o Banco funcionou durante cerca de 10 anos, com os lucros teoricamente sempre a crescer e o activo líquido a aumentar, até que, simultaneamente com o desencadear da crise financeira, mas não necessariamente em consequência dela, o Banco se viu confrontado com um passivo de cerca de 700 milhões de euros para o qual não tinha as coberturas adequadas. Passivo este resultante de empréstimos a accionistas, alguns deles ministros de Cavaco, e “imparidades” detectadas no Banco Insular.
Face à gravidade da situação, o presidente do BPN, Oliveira e Costa, ex-secretário de Estado de Cavaco, demitiu-se e uma nova administração presidida por Miguel Cadilhe, tomou posse. Como sempre acontece com qualquer neoliberal que se preza, a primeira ideia que ocorreu à nova administração do Banco foi pedir ao Estado que lhe tapasse aquele “buraco” com um “empréstimo” de 800 milhões de euros.
O Estado, já depois de o Banco de Portugal ter deixado chegar a situação do Banco ao ponto a que chegou, recusou o pedido e nacionalizou o Banco para “salvar os depositantes e o sistema bancário”.
A verdade é que quando a nacionalização foi feita, já o Estado tinha lá depositado muitas centenas de milhões de euros da segurança social, depósito entretanto parcialmente levantado, e já a Caixa Geral de Depósitos havia também emprestado várias centenas de milhões de euros.
Por que razão actuou o Estado deste modo, sabendo, como não poderia deixar de saber, dado o conhecimento que o Banco de Portugal tinha da situação, que o estado do BPN era de falência eminente? Esse é o mistério que o Governo não desvenda e que tenta a todo o custo que os deputados desconheçam, inviabilizando sistematicamente os pedidos de audição parlamentar de antigos e recentes responsáveis pela administração do Banco.
Uma coisa é certa, se o Governo tivesse deixado falir um banco de pequena dimensão como é o BPN, os contribuintes portugueses teriam ficado muito menos onerados (apesar da tonta declaração do Ministro das Finanças em Bruxelas, de que o Governo cobriria a totalidade dos depósitos bancários em caso de falência de algum banco a operar em Portugal) do que vão ficar com a sua nacionalização. E pior ainda, esta nacionalização fragiliza e agrava ainda mais a situação da Caixa Geral de Depósitos, que cada vez mais parece estar a desempenhar o papel de pára-raios do sistema bancário português. E como a situação só poderá agravar-se, como muito em breve infelizmente se vai ver, o mais provável é que o pára-raios não aguente tanta “descarga”!

A ACÇÃO DO ESTADO E A CRISE FINANCEIRA



AS MEDIDAS ADOPTADAS NÃO IMPEDEM A RECESSÃO


Começa a ficar claro para qualquer não economista minimamente atento a estas coisas da economia que as medidas que os Estados adoptaram para combater a crise financeira não estão a produzir os resultados esperados.
A ideia inicial da Administração Bush é conhecida: comprar os chamados activos tóxicos e restaurar a confiança no sistema com o dinheiro assim injectado nos bancos. Depois, em consequência de violenta reacção dos contribuintes a tal medida, o Congresso americano introduziu várias alterações ao plano inicial sem contudo o descaracterizar completamente. Simultaneamente, Paul Krugman demonstrou que sendo a crise antes de mais nada uma crise de liquidez do sistema bancário, aquele plano não era apenas injusto, mas também ineficiente porque não restituía ao sistema os meios de que ele necessitava para apoiar a economia. E por isso propôs um conjunto de medidas que, no essencial, vieram a ser adoptadas por Gordon Brown e depois seguidas pela generalidade dos países da União Europeia.
Todavia, em escritos anteriores no NYT, Paul Krugman tinha advertido para o desconhecimento da verdadeira dimensão da crise, dimensão da qual nem os próprios bancos teriam perfeito conhecimento. E esta parece ser a razão pela qual as medidas que foram adoptadas se estão a revelar insuficientes.
Na verdade, nós vamo-nos gradualmente apercebendo de que os bancos continuam a debater-se com falta de liquidez, não obstante os meios postos à sua disposição quer para contrair empréstimos interbancários, quer para reforçar o capital. E também nos apercebemos de que esta ausência de liquidez não parece estar a resultar, pelo menos em grande escala, do pagamento de depósitos bancários, mas antes do pagamento de outros passivos e da ausência de aforro. De modo que, o problema inicial subsiste: a ausência de liquidez impede os bancos de apoiar a economia ou, em certos casos, apenas a poder fazê-lo a custos incomportáveis pelas empresas.
Isto parece querer dizer que o dinheiro que os Estados meteram nos bancos está a ser canalizado para outros fins: pagamentos de juros de empréstimos, pagamento de títulos, amortizações de empréstimos, etc, e como, por outro lado, o valor dos activos diminuiu drasticamente e os depósitos não aumentaram, pelo contrário, diminuíram, o problema de liquidez mantém-se e as empresas começarão a ir à falência (a procura diminui, os encargos correntes deixam de poder ser financiados pelo crédito, os despedimentos começam a ter lugar como medida de ajustamento e, depois, o resultado está à vista).
Os economistas que temos ouvido nas nossas televisões, todos da escola neoliberal (que levou o mundo à beira do caos), dizem-nos que os Estados só podem actuar junto do sistema bancário porque somente as intervenções “sistémicas” fazem sentido. As demais seriam arbitrárias.
Uma coisa é certa: ou bem que as intervenções no sistema bancário têm por objectivo salvar a economia, ou se destinam a salvar os bancos. Se têm por finalidade salvar os bancos, as repercussões da crise financeira na economia só cessarão quando se retomar a procura. O que acontecerá, não se sabe quando, embora se adivinhem as consequências do que até lá possa acontecer.
Se, pelo contrário, as intervenções têm por finalidade salvar a economia e reflexamente os bancos, então os governos vão ter que mudar de rumo uma vez chegados à conclusão de que as actuais medidas não estão a resultar. Ou seja, vão ter mesmo que injectar dinheiro directamente na economia, tanto nas empresas, como através do investimento público (um investimento que relance a procura, único critério de rentabilidade em épocas de crise!).
Em países como o nosso, repleto de “meninos de oiro”, o grande problema é a equanimidade dos critérios a utilizar…

AINDA A AVALIAÇÃO



UMA SUGESTÃO

Já se viu que muito dificilmente a Ministra conseguirá levar avante a avaliação nas escolas. E se conseguir, muitos temem que em consequência dessa teimosia o PS seja mal avaliado nas eleições.
Como na luta pela avaliação se tem distinguido alguns professores universitários, sugiro que a avaliação comece pelos docentes das universidades. Não me refiro evidentemente a uma avaliação que substitua as provas académicas de progressão na carreira, mas sim a uma avaliação feita pelos alunos, no fundo a verdadeira razão da existência dos professores.
Algumas universidades privadas já o fazem e com resultados muito interessantes para a qualidade do ensino. Não há nenhuma razão para supor que a experiência não seria igualmente vantajosa para as públicas.
Não seria necessária uma avaliação complexa, a resposta a dez ou doze quesitos seria suficiente para produzir resultados interessantes. E a minha experiência diz-me que os alunos não se enganam. Deixo para o Ministério do Ensino Superior as consequências dessa avaliação na carreira dos professores.

QUEIROZ, UM ZERO À ESQUERDA



PEPE UM BURACO; RONALDO, O MELHOR DE QUÊ?

Só quem não percebe nada de futebol se pode surpreender com a prestação de Queiroz à frente da selecção. E tudo piorará se Queiroz não partir imediatamente para o lugar que sabe desempenhar com mais eficiência: moço de recados de Ferguson.
A capacidade intelectual de Queiroz para comandar uma equipa de futebol está bem espelhada na resposta que deu à TVI no fim do encontro: a equipa desagregou-se, porque marcou um golo.
A incapacidade de perceber o que se estava a passar em campo revela a sua inaptidão técnico-táctica e a completa ausência de comando.
A defesa portuguesa é um verdadeiro buraco. Desde que Pepe chegou à selecção, a equipa já sofreu mais golos do que nos vinte jogos anteriores. E no Real Madrid, nem falemos! O defesa esquerdo não tem lugar numa equipa do campeonato regional. Estamos muito longe da eficiência alcançada com Jorge Andrade na marcação e Carvalho como libero.
No meio campo, onde mais do que em qualquer outra zona do terreno se vê a mão do treinador, a conclusão que imediatamente se retira é a de que essa mão não existe. Tanto na interligação com a defesa, como com o ataque. Por outro lado, pôr Tiago a jogar na posição em que jogou, só lembra mesmo a uma luminária como Queiroz.
O mesmo se diga do lugar atribuído a Ronaldo. Como é possível que Queiroz, tendo convivido com Ronaldo no Manchester durante vários anos, lhe atribua o lugar de ponta de lança? Ronaldo, que mesmo no seu lugar, está longe de ser um jogador como Kaká, fora dele, fica a léguas do brasileiro! Mais uma vez, como já tinha acontecido na Champions league de há dois anos, Kaká demonstrou ser um jogador muito mais completo e que, além disso, responde presente nos grandes momentos.
Espantosa é a benevolência da imprensa para com Queiroz. Essa mesma imprensa que atacava Scolari por ganhar. Creio que é preciso recuar muito na história da selecção para encontrar um resultado semelhante. Recuar tanto, que a maior parte dos actuais espectadores ainda nem sequer era nascida.
É óbvio que Portugal já está eliminado do mundial. Todavia, se alguém na Federação ainda acredita no contrário, então que despeça o Queiroz ainda hoje. Não tem condições para continuar, não é aceite pelo público, nem é respeitado pelos jogadores, que, evidentemente já perceberam que ele não tem qualquer capacidade de liderança.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

O JULGAMENTO DE ANNA POLITKOVSKAÏA: UM PASSO ATRÁS



AFINAL, O JULGAMENTO NÃO SERÁ PÚBLICO

O juiz do processo encarregado de julgar o assassinato de Anna Politkovskaïa voltou atrás na decisão que havia tomado e decidiu que o processo não será público, com o fundamento de que assim garante a segurança dos participantes no processo e dos que lhes são próximos. O juiz invocou ainda que os jurados se recusaram a entrar na sala na presença dos jornalistas.
É uma decisão lamentável, qualquer que seja o seu fundamento, que põe em causa a credibilidade das instituições judiciárias e seguramente se vai virar contra a Rússia.

DICK CHENEY ACUSADO DE ACTIVIDADES CRIMINOSAS



UMA BOA NOTÍCIA!


Da América chega uma boa notícia: um júri texano acusou o Vice-Presidente por condutas abusivas em prisões privadas. O antigo Ministro da justiça, Alberto Gonzalez, que se demitiu em consequência dos escândalos relacionados com prisioneiros, também é visado.
O Vice-Presidente dos Estados Unidos é acusado de actividades criminosas organizadas. A acusação afirma que o Vice-Presidente tirou proveito dos abusos cometidos em prisões privadas, porque investiu 85 milhões de dólares numa empresa que detém parte dessas prisões e os abusos nelas cometidos permitiram-lhe potenciar os rendimentos.
O documento de acusação considera que há um “conflito de interesses directo”, porque Cheney tinha influência sobre a adjudicação dos contratos federais que permitiam às empresas gerir as prisões. Além disso, é também acusado de delitos de agressão sobre os prisioneiros, praticados por interpostas pessoas.
Independentemente da consistência desta acusação, o que ela revela é que, com o fim da Administração Bush, os americanos vão querer “varrer a testada”. Muita coisa vai sair cá para fora. Os que no estrangeiro foram serventuários fieis e cúmplices de actos criminosos, que se cuidem…

A INTERPRETAÇÃO DE VITORINO


ATÉ VITORINO JÁ SUJEITO A INTERPRETAÇÃO CORRECTIVA


António Vitorino terá dito num programa de televisão que dada a situação a que se chegou, o melhor seria avaliar a avaliação por meio de uma entidade independente aceite por ambas as partes.
É claro que, com esta afirmação, Vitorino pretende, em primeiro lugar, demarcar-se do Governo e depois deixar-lhe um aviso para que arrepie caminho enquanto é tempo.
A proposta terá certamente pouquíssimas probabilidades de ser aceite por qualquer das partes dada a situação a que se chegou. Mas o que não há dúvida é que essas pouquíssimas probabilidades só poderiam subsistir se a avaliação da avaliação tivesse por objecto o modelo “imposto” pela Ministra e nunca o resultado da avaliação, como agora alguns pretendem fazer crer.
Ao que isto chegou: até o Vitorino já é correctivamente interpretado à direita das suas próprias palavras!

DISSERAM-LHE PARA FALAR MAIS: E ELA DISSE ASNEIRA!



AS DECLARAÇÕES DE MANUELA FERREIRA LEITE

Todo o discurso de Ferreira Leite sobre a avaliação dos professores é um discurso postiço, como hoje ficou amplamente demonstrado. Mas não só o dela: o discurso da direita portuguesa é, na sua essência, um discurso anti-democrático que os momentos críticos e de crise tornam muito evidente. Não há nesta gente qualquer vivência democrática genuinamente sentida, há uma mera aceitação de procedimentos que tornam mais cómodos os processos de legitimação. Eliminada que estava a esquerda, como opção de governo, o que restava da democracia era aceitável pela direita e não punha em perigo a sua hegemonia, tanto mais que o PS, de cada que chegava ao Governo, a primeira preocupação que manifestava era a de deixar bem claro o seu propósito de não fazer qualquer rotura, por mais suave que fosse.
Todavia, numa altura em que o PS ameaçava manter-se no poder por mais quatro anos com maioria absoluta, a direita, depois dos tristes sucessos que acompanharam a sua passagem pelo Governo, tenta refazer o discurso e ganhar espaço a Sócrates.
Ferreira Leite, a terceira tentativa depois da derrota, começa por ensaiar o estilo que melhor servia a sua reduzida capacidade política: falar pouco ou quase nada para tornar a interpretação do seu silêncio eloquente. Não resultou. No clima de guerrilha interna do PSD quem não falar arrisca-se a ser de imediato substituído. E então, a Senhora começou a falar…e a dizer dislates.
Instruída para mudar o discurso, no sentido de o pôr ao sabor da corrente pró-contestação, nota-se que as suas palavras são postiças, quando pede a suspensão da avaliação, a participação dos professores nas reformas que os afectam e, por aí adiante. Em nada disto ela acredita, como já teve oportunidade de demonstrar sempre que exerceu cargos executivos. E vai daí, no auge da crítica ao Governo e da “aproximação” aos professores diz: “Em democracia isto não é assim. Se não se está é outra conversa. Eu digo como é que é e faz-se. E até não sei se a certa altura não seria bom haver seis meses sem democracia, mete-se tudo na ordem e depois então venha a democracia!
Não há dúvida de que este desabafo de Ferreira Leite a aproxima muito da ideia que ela tem da democracia. Ou seja, a ideia clássica, defendida por todos os que se sentem próximos do príncipe e longe do povo: a democracia como espaço privilegiado da demagogia e da desordem.
Poderia, em sua defesa, advogar-se que a ditadura entendida em termos clássicos não é necessariamente uma instituição anti-democrática. Poderia, mas não foi isso, nem de perto nem de longe, o que Ferreira Leite quis dizer. O que Ferreira Leite quis dizer é que há ocasiões em que se justificaria “suspender” a democracia para resolver os problemas. Algo que não anda muito longe do “Deixem-nos trabalhar!”, embora dito de uma forma muito mais crua e naif.
Hoje, dada a conotação totalmente negativa do conceito, nenhum político de bom senso se atreve sequer a insinuar aquele modo de governação, quanto mais admiti-lo.