OS DESAFIOS DA POLÍTICA EXTERNA
Num país com a grandeza dos Estados Unidos, a resolução de alguns dos problemas internos depende muito da forma como se actuar na política externa.
Nos últimos dias, posteriores à vitória de Obama, os comentadores de política internacional têm-se desdobrado em previsões sobre o que fará ou não fará a Administração americana sob a liderança de Obama, esforçando-se muitos deles por demonstrar que nada de muito diferente acontecerá. Curiosamente, as previsões mais pessimistas vêm de quadrantes opostos do espectro político, posto que muito identificados pelo conservadorismo de que ambos se alimentam.
Na verdade, tanto a direita mais conservadora, como a esquerda do mesmo quadrante, não acreditam em grandes mudanças. Para ambas, o “Yes, we Can” não passa de um mobilizador slogan eleitoral sem tradução prática no plano da governação.
A direita acha que o eleitorado americano é fundamentalmente um eleitorado de direita e de centro-direita, avesso a grandes oscilações políticas. A esquerda, por seu turno, entende que, sendo a matriz do regime estruturalmente imperialista, nada de substancialmente diferente acontecerá.
Não adianta politicamente fazer previsões desta natureza já que elas não têm na realidade outro efeito prático que não seja o de assegurar algum momentâneo conforto aos derrotados. Vale mais a pena perceber até que ponto as mudanças que internamente a nova Administração quer pôr em prática dependem dos resultados que ela obtiver em política externa.
É certo, que nem todas as medidas emblemáticas da campanha de Obama estarão sujeitas a este condicionalismo, mas a maior parte delas está, quanto mais não seja pelo reflexo directo de natureza económica que estas têm naquelas.
Os dois maiores desafios de Obama, em política externa, são Israel e o terrorismo, ambos intrinsecamente ligados e com múltiplas ramificações.
O problema de Israel é muito complexo e não poderá ser resolvido sem que simultaneamente a América ponha irreversivelmente em prática uma política energética alternativa. Obama anunciou-a repetidas vezes. Será que vai conseguir pô-la em prática? Esse o seu maior desafio. Enquanto os Estados Unidos se mantiverem reféns do papel que Israel desempenha no médio-oriente, o lobby judaico americano continuará a ter muita força e a ditar, tanto no Congresso, como na Administração, o essencial das políticas americanas naquela região do mundo.
Resolver o problema de Israel, significa começar a resolver o problema do terrorismo. Obviamente, que os Estados Unidos não podem deixar de garantir o direito de Israel à existência e assegurar que esse direito seja respeitado pelos seus actuais inimigos. O que nunca se conseguirá sem o regresso de Israel às suas fronteiras primitivas e o desmantelamento dos colonatos instalados em território alheio.
Garantida uma pátria viável aos palestinianos, torna-se mais fácil o entendimento dos Estados Unidos com o Irão, embora a história americana neste país, muito anterior à Revolução Islâmica, já que ela praticamente começa com a perda de influência dos ingleses na zona, não seja uma história isenta de profundos ressentimentos. Vai ser preciso tempo e actos que criem confiança e no fundo indiciem aquilo que Ahmadinejad, na carta que escreveu a Obama, reclama: uma real mudança nas relações dos Estados Unidos com a região e respeito recíproco.
Depois há o Iraque, onde não haverá muito mais a fazer. Embora o regresso das tropas americanas a casa seja tanto mais difícil e tanto menos aceitável pela direita belicista quanto mais agudizados estiverem as relações americanas na região.
A seguir, ou simultaneamente, Obama tem que se ocupar da crise afegã, onde os Estados Unidos e a NATO se defrontam com uma situação militar e social cada vez mais adversa. Ao contrário do que Obama disse na campanha eleitoral, os Estados Unidos e os seus aliados vão ter que saber negociar enquanto é tempo um acordo de paz. De facto, a presença da NATO no Afeganistão é uma completa aberração e por mais que alguns políticos europeus insistam em afirmar que a nossa liberdade se joga nas montanhas do Afeganistão, nenhum deles tem internamente condições políticas para aumentar significativamente o número das suas tropas naquele país ou, alguns deles, sequer para autorizar a sua instalação em zonas de combate.
Depois, Obama terá que contribuir para a estabilização do Paquistão, embora esse seja o segundo maior desafio da sua política externa, já que o estado de relativa desagregação política em que o país se encontra torna muito difícil qualquer acção daquele tipo. Por isso, os Estados Unidos vão ter de se manter muito próximos da política do Paquistão, mesmo com todos os inconvenientes que daí resultem.
A outra frente aberta pela Administração Bush, o alargamento da NATO a Leste e o cerco da Rússia (escudo anti-míssil, etc.), seria, porventura, a mais fácil de resolver, não fora a fortíssima pressão dos sectores armamentistas americanos, embora a sua não resolução possa acarretar gravíssimas consequências para os Estados Unidos noutras partes do mundo. E dizemos que seria a mais fácil de resolver por ser aquela que pode colher o mais franco apoio de uma parte significativa da Europa, desde que a Rússia assuma compromissos firmes em matéria energética, e por o aparente recuo dos Estados Unidos relativamente às questões em disputa ser facilmente diluído no relançamento futuro das relações com a Rússia.
Na América Latina, os problemas ainda não são graves para os americanos, embora a hostilidade criada pela era Bush e o afastamento da maior parte dos governos locais relativamente a Washington tenham gerado uma situação irreversível que não pode mais ser olhada nos termos de outrora. Por isso, soa a ridícula a pretensão daqueles que, na Europa, consideram o “novo atlantismo”, envolvendo além dos anteriores parceiros também o Brasil e outros países, como um novo vector da política externa de certos países europeus…
Finalmente, a credibilidade de Obama também se joga no modo como pretender regular a globalização, nomeadamente no sistema financeiro, e na forma como colaborar na reforma das organizações internacionais, sejam elas políticas ou económicas.
Mais do que pelas palavras, Obama será julgado pelos seus actos, não apenas pelos seus eleitores, mas também, e principalmente, pelos seus interlocutores!
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