sábado, 30 de maio de 2009

O CASO BPN E A INTERVENÇÃO DE VITAL MOREIRA

O QUE ESTÁ EM CAUSA: O DITO E O OMITIDO

Vamos lá ver se nos entendemos e se podemos pôr algum cobro na onda de demagogia que por aí já começa a circular sobre a “corajosa intervenção” de Vital Moreira a propósito do caso BPN.
Que o caso BPN é um verdadeiro escândalo nacional, ninguém contesta. Que aquela gente praticou negócios ruinosos, ao que tudo indica, em proveito próprio, também é comummente aceite. Que a maior parte daquela gente é oriunda do cavaquismo, gente importante do PSD e que o actual Presidente da República também teve negócios com o BPN, como certamente muitos outros portugueses, também ninguém se atreve a contestar. Que Dias Loureiro, para falar apenas num dos mais conhecidos, foi um dos grandes beneficiários daquilo a que, na mesma época, em Espanha e no quadro de idêntico clima político, se chamava a cultura do “pelotazo” - que, segundo um dos melhores dicionários de língua espanhola, significa: golpe dado por uma “pelota”; trago de uma bebida alcoólica; negócio de duvidosa legalidade com o qual se ganha muito dinheiro de maneira rápida – também não há qualquer dúvida. Que Dias Loureiro, não obstante, merecia (e não sei se continua a merecer) a confiança pessoal e política do PR, também é inquestionável.
Que o caso BPN é apenas um exemplo, porventura o mais emblemático, da promiscuidade entre política e negócios, já é assunto que não goza de tão amplo consenso. De acordo está o povo em geral e a esquerda. A direita, o bloco central e maior parte dos comentadores e políticos comprometidos com os interesses exprimem reservas e apresentam várias justificações para fazer múltiplas distinções. Que esta gente, a que exprime reservas, está com ou no PS e no PSD e também, à sua pequena dimensão, com ou no CDS/PP, é um facto empiricamente comprovável.
Que a pouca-vergonha ocorrida no BPN, para além da perícia criminosa dos seus autores, só foi possível no quadro de uma supervisão completamente complacente com os interesses do capital financeiro e devido a um comportamento, no mínimo, grosseiramente negligente do órgão regulador, é assunto que também não goza de genérica aceitação: o PS não tem dado tréguas na defesa de Vítor Constâncio e na audição parlamentar a que este foi sujeito nada, absolutamente nada, fez para averiguar a verdade; pelo contrário, procurou evitar a sua averiguação.
Que o governo PS partiu para uma nacionalização do BPN de maneira politicamente irresponsável, comprometendo grave e onerosamente o erário público em milhares de milhões de euros é também um facto que o tempo se encarregará de demonstrar, apesar de o PS e o seu governo continuarem a negá-lo.
Que o grande prejudicado pela “roubalheira” de que falou o cabeça de lista do PS será e já é o contribuinte português também é certamente um facto demonstrável, apesar de o PS e o seu governo se recusarem a reconhecê-lo.
Que o que hoje se sabe sobre a pouca-vergonha do BPN e do papel da supervisão se deve fundamentalmente à acção do CDS/PP, do BE do PCP, bem como do papel desempenhado na Comissão Parlamentar de Inquérito pelos deputados Nuno Melo, João Semedo e Honório Novo é também um facto que o PS e o PSD relutam em reconhecer, desde logo pela escassa colaboração prestada na averiguação da verdade.
Dito isto, terá de concluir-se que a declaração de Vital Moreira, cabeça de lista do PS às eleições europeias, seria corajosa se fosse completa. Ela limita-se a reproduzir muito parcialmente as conclusões a que outros laboriosamente chegaram sem a colaboração ou até com a disfarçada oposição do PS e do PSD. Vital Moreira não está a falar em nome próprio. Está a falar em nome do PS. E nesta qualidade a sua declaração omite parte do essencial e procura apenas tirar partido da outra parte na “guerrinha eleitoral” que vem travando como PSD!

sexta-feira, 29 de maio de 2009

ROUBALHEIRA? MAS QUEM É ROUBADO?


O BPN NA CAMPANHA DO PS

Ontem à noite, na campanha do PS, o cabeça de lista, discursando sobre o BPN disse que o que se passou no banco foi uma autêntica roubalheira, que economia foi utilizada para efeitos criminosos, salientando o facto de toda aquela gente ou a maior parte dela ser constituída por figuras gradas do PSD.
A seguir houve logo muito ruído: uns, com amigos no Banco ou na SLN, demarcaram-se, porque não gostaram da linguagem (ou seja, não se manifestam sobre se houve ou não roubalheira, agora o que não concordam é que, se porventura houve, se chame roubalheira ao acto de roubar organizada e continuadamente); outros ainda, choca-lhes a displicência de quem dentro do PS se não revê naquela linguagem; e, finalmente, a gente do PSD, a começar pela sua presidente, exprime a sua indignação pela indignidade das palavras proferidas e exigem que Sócrates se demarque.
Para além de outras questões menores, que podem ser abordadas à parte, como a condução da campanha do PS, o que verdadeiramente sobressai de toda esta incrível conversa é a extraordinária falta de pudor de todos eles. Dos que lá estavam dentro e fizeram o que se sabe, e dos que estavam cá fora e que na hora da verdade acudiram aos que estavam lá dentro à custa de milhares de milhões a pagar pelos contribuintes!
Então, se é tudo uma roubalheira como se compreende que o Governo, em nome do Estado, vá lá meter o nosso dinheiro para tapar os buracos deixados pela roubalheira?
Estas frases sonantes, desligadas de quaisquer consequências práticas, proferidas depois de consumados os actos, não querem realmente dizer nada e somente servem para enganar os incautos que de boa fé acreditam que a denúncia tem o efeito prático de fazer reverter para os cofres do Estado o que lá já foi enterrado.

ELEIÇÕES EUROPEIAS: O DESCRÉDITO DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA


O QUE CONTAM OS ELEITORES?

Mais por intuição política do que certamente baseados numa elaborada construção teórica, os eleitores chamados a votar no próximo dia 7 de Junho nas eleições europeias vão seguramente, pela abstenção, deixar uma mensagem muito forte ao sistema político sobre o modo como encaram a democracia representativa, na modalidade cada vez mais difundida de soberania partidária.
Se nas eleições legislativas nacionais, a escolha dos candidatos e a sua responsabilização perante o eleitorado já são quase politicamente inexistentes, com o consequente desprestígio da função parlamentar e a completa perda de independência dos deputados eleitos, inteiramente subjugados aos directórios partidários, nas eleições europeias este mesmo fenómeno atinge proporções de tal modo desresponsabilizantes que ninguém verdadeiramente sabe para que elege um deputado europeu.
É que, apesar de nas eleições nacionais, nomeadamente naquelas, como é o nosso caso, em que os deputados são eleitos em listas fechadas segundo o método proporcional, não haver a possibilidade de durante o mandato controlar o seu exercício, dada a natureza incondicionada do mesmo, sempre haverá, no fim do dito, a possibilidade, se o eleitor tiver memória política e não se deixar enganar, de avaliar a consonância entre o que foi prometido e o realizado para daí retirar as consequências políticas adequadas. É um controlo a posteriori, de fraca intensidade, falível, mas apesar de tudo um controlo.
Nas eleições europeias nada disto se passa. Os deputados eleitos, em círculo nacional único, em listas igualmente fechadas, segundo o método proporcional, pertencem a um colectivo partidário transnacional no qual se integram mal chegam a Bruxelas e actuam a partir daí completamente à revelia do eleitor, o qual, aliás, na altura da votação não faz a mínima ideia do programa eleitoral do partido em que se vão integrar os deputados que constam da lista partidária por ele escolhida. Aqui não só não há controlo durante o exercício do mandato, nem posteriormente à sua execução, como nem sequer há conhecimento prévio do programa que os eleitos se propõem realizar.
E esta grave falha democrática presta-se, como se está vendo, a todas as demagogias. Um diz que é favorável (favorável? Mas isto na política é assim? É favorável ou vai propor?) a um imposto europeu; outro deixa subentendido que vai criar um Eramus para o primeiro emprego. Tudo isto dito completamente à revelia do programa eleitoral do partido transnacional em que se integram e de acordo com as directrizes do qual votarão na maioria esmagadora das vezes.
Pior todas estas razões, que contendem com a essência da democracia, os eleitores que, não obstante este estreito condicionalismo, mesmo assim resolvam votar devem-no fazer nos partidos nacionais que contestam esta Europa.

UMA MÁXIMA AMBÍGUA


ACUMULAÇÃO DE EMPREGOS

O meu Amigo João Vasconcelos Costa, sempre muito atento ao que se passa na blogosfera, chamou-me a atenção para este texto de Ana Gomes, do qual destaco a seguinte grande máxima: “Nunca acumulei, não acumulo, nem acumularei cargos, nem nunca misturei ou misturarei funções políticas com actividades profissionais privadas”.
O texto parece referir-se a Paulo Rangel. Ficamos todavia sem saber se se trata de uma máxima categórica e absoluta - eu politicamente só trabalho assim e apenas colaboro com quem assim trabalha – ou, se pelo contrário, não passa de uma máxima integrada no relativismo cultural dos nossos dias - eu trabalho assim, mas estou disposta a colaborar politicamente com quem entende as coisas de modo muito diferente. É que no PS os princípios nunca são o que parecem ser…

quinta-feira, 28 de maio de 2009

ASSIM VAI A CAMPANHA ELEITORAL


O BLOCO CENTRAL E AS MANOBRAS DE DIVERSÃO


A campanha eleitoral para as eleições europeias está sendo dominada por questões sem importância, esgrimidas pelos dois principais partidos, para conscientemente escamotearem o essencial.
Enquanto em tempos de crise intensa o Partido Socialista distribui comida nos comícios para assegurar assistência e reclama a presença assídua do Secretário-Geral para salvar a campanha e tentar ganhar as eleições, o PSD, satisfeito com a prestação de Rangel, esconde Ferreira Leite, ciente de que a sua presença só por mero acaso não provocaria danos irreparáveis.
E então, uns e outros, vão falando destas coisas, atribuindo-lhes um sentido exactamente oposto ao que elas efectivamente têm e, na ausência de outros temas, uns e outros, têm o desplante de trazer para a campanha questões da responsabilidade comum, como a educação, passando aos eleitores um verdadeiro atestado de menoridade, por tal discussão ter pressuposta a ideia de que ambos nada têm a ver com que o que nesse domínio se passou nos últimos 33 anos!
As questões que poderiam ter interesse, como as que têm a ver com a construção europeia – estas eleições servem ou deveriam servir para isso – ou pura e simplesmente não são tratadas, ou, quando são afloradas, relevam de uma chocante superficialidade, como foi o caso do imposto europeu proposto pelo cabeça de lista do PS, naquela que deve ter sido a sua última intervenção autónoma nesta campanha.
É evidente que a questão dos recursos financeiros é uma questão crucial do debate europeu. O processo assimétrico de integração europeia não pode ser abordado, nem superado, sem uma reforma profunda do orçamento comunitário e de outros fundos indispensáveis à construção de uma Europa coesa e solidária. Obviamente, que esta discussão só faz sentido se tiver por pressuposto um projecto de construção europeia, que o PS verdadeiramente nunca explicitou para além do existente, nem tão-pouco estará em condições de o fazer por tal projecto relevar da competência do PSE, em que ele, como ramo nacional, está integrado. Por outras palavras, o projecto dos socialistas é o Tratado de Lisboa. Exactamente por isso se não compreende a intervenção do cabeça de lista do PS sobre o “imposto europeu”. Além de vaga e confusa, e de inintegrável na estratégia partidária da lista a que pertence, a proposta releva de uma ingenuidade política pouco recomendável num sexagenário! Certamente por isso a presença de Sócrates, o grande controleiro, passou a ser indispensável na campanha.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

DIAS LOUREIRO SAI DO CONSELHO DE ESTADO



UM DESFECHO ESPERADO


Como se esperava, depois do depoimento de Oliveira e Costa, Dias Loureiro demitiu-se do Conselho de Estado.
Para além da importância do depoimento de Oliveira e Costa sobre questões estruturais relativas ao funcionamento do sistema bancário – papel e comportamento dos bancos face à lei e à sociedade; seu relacionamento com o governo e com as entidades fiscalizadoras; impunidade da actividade financeira, entre outras –, ele acaba também por ter um efeito verdadeiramente demolidor sobre as teses defendidas por Dias Loureiro, a propósito dos actos por si praticados como gestor da Sociedade Lusa de Negócios, bem como sobre os reflexos desta sua actividade nas funções políticas de Conselheiro de Estado escolhido pelo Presidente da República. A ponto de se poder afirmar que tais efeitos se repercutem muito negativamente na figura do Presidente da República, que acaba saindo muito mal de toda esta “história” relacionada com a demissão de Dias Loureiro.
Logo que a questão se pôs, ou seja, quando opinião pública teve conhecimento do envolvimento de Dias Loureiro em negócios ruinosos, com parceiros pouco recomendáveis, qualquer que seja o prisma por que são apreciados, e, principalmente, depois de contraditada a sua versão sobre a reunião no Banco de Portugal com António Marta, o Presidente da República tinha obrigação política de lhe fazer sentir que a sua presença era indesejada no Conselho de Estado.
Aparentemente, de acordo com as palavras do próprio Presidente da República, nada disso aconteceu. Das vezes que sobre o tema se pronunciou, Cavaco disse fundamentalmente três coisas:
Primeira: Que Dias Loureiro era um conselheiro igual aos outros;
Segunda: Que Dias Loureiro lhe havia garantido que nada de errado ou reprovável se tinha passado com ele;
Terceira: Que se os jornalistas lessem o regulamento do Conselho de Estado perceberiam melhor a posição do Presidente da República.
Vale a pena analisar a súmula de cada uma das intervenções de Cavaco.
Em primeiro lugar, Dias Loureiro não é para o PR um conselheiro igual aos outros: é um conselheiro da sua confiança pessoal, escolhido por si; portanto, para o que nesta matéria releva, ele apenas é igual aos demais conselheiros escolhidos pelo PR; perante ele, politicamente, Loureiro está numa posição muito diferente dos que ocupam o lugar por inerência ou por escolha do Parlamento.
Em segundo lugar, não se compreende a argumentação de Cavaco, invocando a palavra de Dias Loureiro, quando o que estava em causa era exactamente a honorabilidade da sua palavra; deixando aparentemente todo o ónus da prova a cargo de Loureiro, a posição de Cavaco, pouco corajosa, não pode, apesar daquela nuance, deixar de interpretar-se politicamente no sentido de atribuir à palavra de Loureiro um valor muito superior à que a contradita; apesar de só por ingenuidade política se poder supor que Dias Loureiro, na data em que resolveu solicitar a reunião no Banco de Portugal (atenção ao pormenor da data, que é decisivo!), o fez para pedir ao órgão regulador mais exigência na sua função fiscalizadora. Será de recordar que Mário Soares, colocado numa situação idêntica, de suspeita de grave comportamento, já não me recordo se de um Ministro do seu governo ou um de governador que dele dependia, disse, depois recebido o visado para esclarecimento do assunto, que resolveu mantê-lo no posto, porque: “Li nos seus olhos que ele me falava verdade e que os factos alegados são falsidades!”. Há uma enorme diferença entre as duas posições, independentemente de a suspeição se ter ou não confirmado.
Finalmente, não é verdade que o regulamento do CE iniba o PR de actuar num caso destes. Para lá das interpretações jurídicas que não vem agora ao caso discutir, o PR pode sempre actuar politicamente. Aliás, esta última declaração só pode ser interpretada como um começo de actuação, posto que tímido, mais uma vez pouco corajoso e desculpabilizante.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

AS ELEIÇÕES EUROPEIAS



VISTAS À DISTÂNCIA

Enquanto o cabeça de lista do PS às eleições europeias se esforça por convencer os militantes do partido que é tão socialista como o mais profundo PS, esforço que só pode ser interpretado como confirmação do receio cada vez mais justificável de evitar a perda de votos dentro da própria casa, o candidato do PSD, entusiasmado com o resultado das sondagens, que o dão muito perto da vitória ou com possibilidade de a ela chegar, se esforça por marcar diferenças em questões de política interna ou relativas à execução da política comunitária.
Apesar de as sondagens atribuírem aos dois partidos de esquerda um resultado conjunto razoável, ele será porém insuficiente para evitar que o PSD se sinta suficientemente moralizado para se lançar na corrida às legislativas com dinâmica vencedora. Raramente terá havido condições mais vantajosas do que as actuais para, a propósito das eleições europeias, fazer das forças de esquerda um factor incontornável da governação deste país.
Sendo a construção europeia resultado da acção política de partidos como o PS e o PSD e tendo a actual crise evidenciado o insucesso das políticas que nas últimas décadas, nomeadamente as duas últimas, aqueles partidos e outros ideologicamente idênticos defenderam e puseram em prática, estas eleições constituiriam o momento ideal para os responsabilizar por igual pela actual situação. Insistir excessivamente em questões de política nacional, acaba por indirectamente favorecer um dos grandes responsáveis pela crise: o PSD. Com o inconveniente de este favorecimento se poder traduzir ainda mais negativamente no resultado das próximas legislativas.
De facto, a fraca prestação eleitoral do candidato socialista, esperada e sem surpresas, aliada à discussão intensiva das questões internas, poderá por ter como efeito a saída do PSD da crise em que está mergulhado praticamente desde a partida de Cavaco, o que não deixaria de constituir mais uma das muitas ironias em que a história é fértil: ser o maior defensor da governação socialista o mais directo responsável pelo ressurgimento do seu principal adversário eleitoral!

sábado, 23 de maio de 2009

PRÉMIOS DE GESTORES



PS IGUAL A SI PRÓPRIO


Sem tempo nem elementos para aprofundar o comentário sobre o voto parlamentar do PS relativo aos prémios dos gestores, deixa-se apenas assinalado o facto de tal voto não constituir qualquer surpresa. Em múltiplos posts, que agora não podemos procurar, se disse aqui que tudo iria ficar mais ou menos na mesma e que a conversa em curso na Europa não passava de mais uma onda de demagogia para fazer face ao descontentamento popular face às poucas vergonhas que se estavam a passar nas empresas, nomeadamente nos bancos.
O PS não fugiu à regra. Manteve-se igual a si próprio. E deixou tudo na mesma.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

CHINA: O VERDADEIRO SALTO EM FRENTE



AGORA, QUEM A DETÉM?

Da China miserável e humilhada que os comunistas herdaram em 1949, um longo, sinuoso e difícil caminho foi percorrido até hoje.
Não adianta sequer tentar assinalar as grandes linhas deste extraordinário percurso. A história fala por si e nada melhor do que a história para comparar o antes e o depois. Da tigela de arroz diária garantida a cada chinês que, segundo Edgar Snow, constituía a primeira grande conquista da era comunista, até à China de hoje, cosmopolita e camponesa, moderna e ainda arcaica, a caminho de se tornar dentro de duas ou três décadas a primeira economia mundial, vão apenas 60 anos!
Com excepção da República Romana que alcançou feitos antes inimagináveis nuns escassos 50 anos, poucos terão sido os povos ou, para dizer numa linguagem mais moderna, os Estados, que, sem conquista de novos territórios, terão atingido tão grandioso êxito.
O modelo chinês pós Deng Xiao Ping, porventura irrepetível em qualquer outra latitude, não obstante a experiência vietnamita, demonstrou a sua extraordinária eficiência alicerçada num alto grau de consenso popular e serviu para deitar por terra umas tantas verdades sagradas que os livros de filosofia política e também de ciência política repetiam sem cessar, transformando-as com o passar do tempo em mais uns tantos mitos ideológicos de que a história – com a sua extraordinária sabedoria de só falar do passado – se rirá no futuro.
Não adianta argumentar com pormenores, como não adianta fazer a apologia do que quer que seja. Apenas constatar, observar e concluir que há outros e muito importantes direitos fundamentais para além da liberdade política tal como ela é entendida pela cultura ocidental. E concluir também que eu não gostaria que fossem os dois mil milhões de chineses a escolher o regime político em que devo viver…É apenas uma questão de reciprocidade.

LULA NA CHINA


ABANDONO DO DÓLAR NAS RELAÇÕES BILATERAIS?


Sob a presidência de Lula da Silva, o Brasil tranquilamente, sem triunfalismos excessivos, mas com segurança vai desempenhando o seu papel de grande país emergente a caminho da grande potência em que, mais tarde ou mais cedo, inevitavelmente se tornará.
Grande potência económica, comercial e demográfica, mas também grande potência militar se e quando as circunstâncias o possibilitarem e exigirem.
O que verdadeiramente impressiona nos países emergentes demograficamente fortes é o optimismo com que encaram o futuro, seguramente fruto do enorme peso representado pelas camadas jovens, contrastando com o sentimento reinante nos países “velhos” onde a principal preocupação parece ser conservar as vantagens e os privilégios do passado.
A recente viagem de Lula à China – a segunda do seu mandato – é bem o exemplo da confiança com que os dois grandes países encaram o futuro nestes tempos de crise. Mais de dez acordos foram assinados, tendo a China com os seus extraordinários recursos financeiros proporcionados por uma balança comercial altamente superavitária assumido o compromisso de financiar a exploração petrolífera da Petrobras nos novos campos de petróleo a troco da remessa de 150 mil barris por dia no primeiro ano e de 200 mil nos nove anos subsequentes.
A China é hoje o maior parceiro comercial da América Latina, e obviamente também do Brasil, tendo ultrapassado os Estados Unidos nos primeiros meses deste ano. Este facto, que marca uma viragem muito importante das relações da América Latina com o resto do mundo, não é certamente estranho à proposta apresentada por Lula ao seu homólogo chinês, na reunião de Abril do G20, e agora reiterada no decurso da sua visita à China: abandono do dólar nas transacções comerciais entre os dois países e sua substituição pelas respectivas moedas nacionais, real e yuan.
A ideia pode não colher a aceitação da China nos tempos mais próximos, dadas as suas gigantescas reservas em dólares, e a sua estratégia cada vez mais evidente de consolidação do yuan como grande moeda regional, um pouco à semelhança do euro na Europa, mas nem por isso deixa de reflectir o sentimento corrente nos países emergentes de que a hegemonia do dólar está a chegar ao seu termo.
Por outro lado, a convicção de que a actual crise, desencadeada pela crise financeira americana, está intimamente ligada ao dólar, contribui igualmente para aquele declínio. É caso para dizer que “Bretton Woods is over” ou quase e que com ou sem acordos multilaterais prévios o dólar vai deixando de ser aquilo que era.

terça-feira, 19 de maio de 2009

VASCO LOURENÇO: UM HERÓI DO NOSSO TEMPO



A FORÇA DA CORAGEM


As longas viagens de avião, principalmente se realizadas de dia, permitem durante horas a fio a leitura ininterrupta de livros, que, noutras circunstâncias, estariam sujeitos a múltiplas interrupções. E não há nada como a leitura seguida para “mergulhar” completamente o leitor na ambiência da escrita.
Impressionou-me fortemente o percurso de Vasco Lourenço na Guiné. Embora em situação melhor que a dele, também eu fiz a guerra colonial na Guiné, quando Spínola era Governador e Comandante em Chefe da colónia.
Assisti aos feitos da poderosa máquina de propaganda por ele montada para ter efeitos em Portugal e nas colónias, principalmente na Guiné. Em Lisboa, era a República, com Raul Rego à frente, que, no campo da oposição, mais ajudava a divulgar a lenda spinolista. Nas Forças Armadas e nos meios criticamente afectos ao regime, uma legião de fiéis encarregava-se de fazer chegar a todo o lado as virtudes e as qualidades do chefe, construindo lendas, inventando histórias, a ponto de até a imprensa de países com liberdade de expressão, como a francesa, as repetir acriticamente.
Porém, quem, com um mínimo de experiência política, fez a tropa na Guiné, sabia que tudo não passava de uma gigantesca operação de propaganda e de demagogia barata, alimentada por um séquito de incondicionais que tudo fazia para servir os projectos de poder de Spínola.
A verdade era bem outra. Spínola, não obstante as mudanças tácticas de condução da guerra, ensaiadas muito tardiamente, como Vasco Lourenço muito bem sublinha, foi derrotado militar e politicamente na Guiné, como Costa Gomes constatou, dois ou três meses depois do seu regresso a Lisboa, quando lá se deslocou já no tempo de Bettencourt Rodrigues.
Spínola, enquanto exerceu funções políticas e militares, foi frequentemente prepotente com os inferiores hierárquicos que não o adulavam e sob o discurso, na aparência, politicamente diferente, feito nas paradas dos quartéis ou nos “Congressos dos Povos da Guiné”, estava sempre presente o homem que, integrado na Divisão Azul, visitou a frente de Estalinegrado, aspirando por uma vitória nazi.
Por tudo isto, pelo medo que a sua arbitrária prepotência frequentemente infundia, poucos eram aqueles que ousavam fazer-lhe frente. Um ou outro oficial general da Marinha, mais ou menos abertamente, um ou outro miliciano, logo castigado de facto ou de direito e pouco mais.
A chegada a Bissau de um jovem capitão, comandante de companhia, integrado num batalhão de infantaria, sediado numa das zonas mais críticas da guerra, ajudou, com a sua corajosa frontalidade, a desmontar o mito e a demonstrar que era possível fazer frente a Spínola em todos os planos: no político, no militar e até no da coragem física.
Para quem não viveu os tempos da ditadura ou desconheça o sentido normalmente atribuído ao conceito “disciplina militar”, principalmente em tempos de guerra, poderá não reconhecer no comportamento de Vasco Lourenço o valor e o significado que ele realmente teve. Mas quem viveu aqueles tempos sabe que os factos narrados por Vasco Lourenço, em “Do interior da Revolução”, ao longo de vinte e quatro meses de comissão, são verdadeiramente heróicos. Além do mais, eles demonstraram que, se era possível fazer frente ao general mais idolatrado da ditadura, também seria possível fazer frente à própria ditadura.
Por isso, o 25 de Abril deve muito a Vasco Lourenço.

MÉDIO ORIENTE: MAIS DIFICULDADES PARA OBAMA



O ENCONTRO COM NETANYAHU

Como se previa, o encontro de Obma com o Primeiro Ministro israelita, apesar da sua inusitada duração, reforça a convicção de que entre as duas partes há consideráveis divergências sobre a forma de encarar o problema do Médio Oriente.
Enquanto do lado da nova administraçao americana, pelo menos ao nível do discurso, há uma preocupação em dar resposta algumas das mais elementares reivindicações palestianas, sem a satisfação das quais dificilmente se atenua o clima de hostilidade árabe e muçulmano face aos Estado Unidos e ao Ocidente em geral, do lado israelita o objectivo é sempre o mesmo: inventar pretextos, acentuar divergências e eliminar quem possa vir a fazer frente à sua hegemonia na área, com o objectivo de manter ou até agravar, a qualquer preço, o actual status quo.
Como aqui já tinhamos referido, agora é o Irão e a sua bomba atómica, como antes foi o Iraque e as armas de destruição em massa, ou qualquer outro.
Que a posição de Israel se não alterou, demonstra-o amplamente o facto de nas conversações de ontem, em Washington, o Primeiro Ministro israelita nunca ter falado de um Estado palestiniano independente, nem no desmantelmento dos colonatos.
O conflito do Médio Oriente é a prova de fogo de Obama. Veremos como reage. Se claudicar, como muitos já vaticinam, a sua administração será apenas mais uma administração americana.

GRIPE



ALGUNS PROCEDIMENTOS BUROCRÁTICOS


Na China e respectivos territórios autónomos ou zonas económicas especiais, todas a pessoas que entram nos respectivos territórios preenchem um boletim sanitário: identificação, idade, nacionalidade, procedência (países visitados nos últimos 15 dias), morada e relação dos sintomas da gripe A, para resposta afirmativa ou negativa.
Segundo as autoridades, este documento tem-lhes permitido, nos casos em que se detectou o vírus da gripe ou simples suspeita de contágio, actuar preventivamente sobre todas as pessoas que mais em contacto estiveram com o contagiado ou suspeito, colocando-as inclusive em regime de quarentena.
Descontados os direitos que na nossa Europa permitem ao doente contagiar os demais, que, pelos vistos, são juridicamente incontornáveis, e mesmo tendo em conta o espaço Shengen, não seria aconselhável que quem entra no espaço da União preenchesse um documento idêntico, que permitisse às autoridades sanitárias conhecer mais facilmente o rastro do vírus e actuar em conformidade.
Evidentemente, que o boletim sanitário pode ser preenchido com falsidade, embora quem o faça incorra em sanções, mas deixar tudo à diligência do cidadão (telefonema para a linha de saúde pública) não será, num caso destes, excessivo?
Certamente, que haverá mil e um argumentos para demonstrar a inutilidade do preenchimento daquele formulário (em Portugal isso acontece em relação a tudo o que não se faz), mas quando vejo alguns países a actuar preventivamente através de medidas excepcionais, interrogo-me sempre sobre se esses países não terão previamente avaliado as vantagens e desvantagens de tais procedimentos. E se essa avaliação deve ser pura e simplesmente desprezada pelos demais.

sábado, 16 de maio de 2009

GUANTÁNAMO: O SISTEMA MOSTRA A SUA FORÇA


OBAMA RECUA


Como aqui já havíamos referido, a manutenção das comissões militares era o desfecho mais provável para o imbróglio de Guantánamo.
Sem as verbas do Congresso, com a animosidade, se não mesmo recusa, dos diversos Estados da União em receber os detidos de Guantánamo, ainda com o período de suspensão a esgotar-se, Obama foi literalmente encostado à parede e obrigado a manter o regime excepcional de “julgamentos” adoptados na era Bush. Com a diferença de, dentro da excepcionalidade, terem sido reconhecidos alguns direitos aos detidos.
É uma grande derrota para a esquerda americana e, paradoxalmente, também para aqueles que interessados acima de tudo em “prestar serviço” já se tinham voluntariado para receber os prisioneiros!

ALEGRE DESLIGA-SE, FICANDO


A DECISÃO DE MANUEL ALEGRE

Que Alegre ficaria no PS era certamente o mais provável, por todas as razões apontadas em posts anteriores: dificuldade de formação de um novo partido; “impossibilidade prática” de integração das listas do Bloco.
Num contexto de previsível maioria absoluta seria provável que Alegre tentasse negociar com a direcção do PS uma participação nas listas eleitorais integrando nelas alguns dos seus apoiantes; no actual contexto, de provável maioria relativa, Alegre, se ficasse, perderia força e importância. O seu voto não teria o peso nem o significado que chegou a ter na actual legislatura.
Por outro lado, tendo concluído que a formação de um novo partido estava rodeada de dificuldades e incertezas, só lhe restavam duas hipóteses: ou juntar-se a uma força de esquerda já existente, como independente; ou continuar no PS. A primeira hipótese não tinha viabilidade prática, tanto do lado do PCP, como do BE. Restava-lhe, portanto, a segunda.
Só que manter-se no PS ao mais alto nível, integrando as listas para deputado ou pertencendo aos órgãos dirigentes do partido (que já não pertencia), levantava necessariamente a questão da coerência. Como justificar manter-se ao mais alto nível num partido que nos últimos anos não cessou de criticar e até de combater?
Querendo manter-se activo na política, a via escolhida foi a de se desligar do PS, ficando. Esta via abre-lhe a porta para uma acção mais concertada contra a actual direcção e permite-lhe, novamente, candidatar-se à Presidência da República contra o candidato do PS. Sim, porque Alegre sabe que muitas dezenas, se não centenas, de milhares de votos que obteve nas últimas eleições presidenciais só os alcançou por não ser o candidato oficial do partido. E conta ter a capacidade de persuasão suficiente para numa candidatura anti-direcção recolher a grande maioria dos votos PS. Esta parece ser a estratégia de Alegre.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

A SOCIAL-DEMOCRACIA REUNIDA EM ATENAS


A GRANDE QUESTÃO: ONDE ESTÁ A DIFERENÇA?

Os diários To Vima da Grécia e El País de Espanha organizaram em Atenas um Congresso sobre a Social-democracia europeia.
O que se disse por lá não anda muito longe do que se tem dito por cá: um pacto para impulsionar o emprego, a reforma dos mercados financeiros, o reforço da protecção social, o desenvolvimento da economia verde e o avanço na integração europeia.
Como diria o outro: o diabo está nos detalhes.
Há dez anos, os social-democratas e socialistas, isoladamente ou em coligação, estavam no governo de 13 dos 15 Estados-membros que então integravam a União. E o que se viu foi um reforço da arquitectura neoliberal que desde os meados da década de 80 começou a entrar em força na Europa.
Hoje, os social-democratas e socialistas estão no governo em 15 dos 27 estados-membros. Porquê, então, tanta retórica, tanta crítica? Afinal, quem governa? Razão tem José Luis Cebrián, fundador do El País, também presente no Congresso, quando afirma: “Interrogo-me se há um projecto social-democrata europeu diferente de um projecto conservador europeu”.

O PAPA NA PALESTINA


UM DISCURSO A RETER

A viagem do Papa à Palestina e a Israel é uma viagem difícil, tem de reconhecer-se, qualquer que seja a qualidade em que a faz.
Sem se ter uma informação completa do périplo que o Papa está fazendo, corre-se sempre o risco, quando se emite opinião sobre o que se passou, de vir a ser desmentido pelos factos.
Parece todavia seguro que o Papa não disse aquilo que o establishment reaccionário de Israel gostaria de ter ouvido. Os judeus gostam que permanentemente lhes peçam perdão e que quem fala com eles ou para eles se sinta moralmente desconfortável e, por isso, menos livre para criticar ou condenar as barbaridades que eles têm cometido nestes últimos anos (que já são muitos). Nesse aspecto, o Papa andou bem, tendo dito o que disse sem concessões ao tipo de discurso que gostaria de ter sido ouvido.
Hoje, na Palestina, em Belém, a fazer fé no que noticiam as agências, igualmente se tem de elogiar a acção do Papa quando apelou à criação de um Estado palestiniano independente (“Uma pátria soberana na terra dos vossos antepassados!”), evocou as vítimas do ataque israelita a Gaza (“A martirizada Gaza”), chorou a sorte dos refugiados que desde a criação do Estado de Israel tiveram de abandonar as suas terras (“O meu coração está com todas as famílias que ficaram sem as suas casas”) e pediu o fim do bloqueio à faixa de Gaza.

PRESSÕES SOBRE OS MAGISTRADOS DO FREEPORT

A LÓGICA DE VITALINO CANAS E DO PS


O PS, depois de tudo o que disse a propósito do incidente da Alameda entre alguns manifestantes e Vital Moreira, em que exigiu que o PCP assumisse as responsabilidades do sucedido e apresentasse um pedido de desculpas, vem agora dizer que a conversão do processo de inquérito a Lopes da Mota em processo disciplinar, por haver indícios seguros de pressão sobre os delegados do MP encarregados do caso Freeport, não prova que essas pressões tenham existido. É preciso fazer a prova delas no local próprio. E consequentemente acusou de oportunismo político os partidos que exigiram a demissão do magistrado dos lugares que ocupa.
Então, se a lógica de Vitalino Canas e do PS é esta como se atreveram eles a responsabilizar o PCP pelos incidentes da Alameda sem que tivessem primeiramente recorrido aos tribunais para provar a sua autoria moral no sucedido? Que comportamento é este de um partido que se arvora em Papa da democracia?
O que o PS porventura teme, e dai o seu imenso nervosismo, é que isto não pare aqui. Provavelmente parará. Mota será sacrificado e aceitará o sacrifício a troco de uma vantagem que lhe será proporcionada quando o assunto já estiver esquecido. É assim que as coisas funcionam em Portugal…
Curiosamente, nos países anglo-saxónicos o elo mais fraco da cadeia quando se apercebe que vai ter de suportar sozinho o rebentamento da onda, normalmente fala e conta tudo. Por que será que entre nós isso nunca acontece?

terça-feira, 12 de maio de 2009

A DIREITA AO ATAQUE


MAIS UMA DO CDS

Um episódio ocorrido nas jornadas parlamentares do CDS é bem ilustrativo do modo como a direita intimamente ligada ao grande capital encara a crise e as suas consequências, nomeadamente o pagamento das medidas que têm vindo a ser tomadas.
Numa primeira fase, a direita chegou a assustar-se, quando se viu responsabilizada pela crise, e consequentemente temeu que medidas institucionais relativamente gravosas pudessem ser postas em prática. Receou igualmente que movimentos populares incontrolados pudessem afectar a sua situação patrimonial e política.
Hoje, muitos meses depois do aparecimento dos primeiros graves sinais da crise financeira, a direita já se sente vitoriosa por ter conseguido, em todos os domínios, estancar os efeitos da crise, sem prejuízos, nem perda de posições. Evidentemente que a crise continua a existir, mas apenas para os outros.
É neste novo contexto, que entre nós se iniciará logo que seja formado o próximo governo, que a direita se vai desde já posicionado para fazer pagar a crise pelos mesmos do costume.
Ainda ontem, nas jornadas parlamentares do CDS, um dos agentes do grande capital nacional – Lobo Xavier – foi explicar aos militantes do seu partido que, imediatamente após as eleições, deveria haver uma subida generalizada de impostos para todos – ou seja, para quem trabalha por conta de outrem. E dentro desta mesma linha defendeu a manutenção dos altíssimos rendimentos para gestores e executivos de todos os matizes, que, nos últimos anos, como se sabe, se têm dedicado a uma verdadeira acção de rapina com a complacência, se não mesmo com a cumplicidade dos governos. Teve mesmo o desplante de afirmar que qualquer medida contra estes predadores só poderia ser encarada como actividade circense.
Finalmente, outra linha de ataque da direita, agora que já não teme as consequências da crise, é desligar a sua génese da responsabilidade do grande capital ou do capital financeiro. Tudo não passou de alguns comportamentos imorais ou da acção de alguns ladrões que se intrometeram no meio de “gente séria”.
Se o PS fosse um partido com uma política de centro – não era necessário mais – daria a esta e a outras teorizações que por ai já andam a fazer caminho a resposta devida no plano governativo, sem esperar pelo que venha de Bruxelas (que, como Godot, nunca chegará). Mas o PS nada fará. O PS continuará a não taxar os altos rendimentos com aquela “talhada” fiscal que eles mereciam, continuará a salvar bancos falidos à custa do contribuinte, continuará a privatizar e a entregar ao grande capital enormes fatias do rendimento nacional, continuará a resolver a crise pelo lado da oferta, continuará a fazer parcerias ruinosas para o interesse público e tudo o mais que se tem visto. Por isso, convém-lhe aquela conversa, que se começa a espalhar pelos media, para depois dizer que actuar de outro modo seria irresponsável e, além do mais, contrário à vontade popular.

O BLOCO CENTRAL NA SUA EXPRESSÃO EUROPEIA


NO PLANO EUROPEU NÃO HÁ ASSINALÁVEIS DIFERENÇAS: RANGEL APENAS É MAIS EXPLÍCITO

No debate de hoje à noite, ficou muita clara a posição do PSD sobre o desemprego. Todas as medidas que o PSD propõe para alegadamente combater o desemprego visam descapitalizar a segurança social, que é o caminho mais rápido para terminar com o que resta do estado social. Apesar de o desemprego e a crise serem encarados de forma relativamente diferente pelo PS e pelo PSD, é notória em ambos os partidos uma forte aposta na tentativa da sua superação pelo lado da oferta. As medidas que visam combater a crise pelo lado da procura, únicas que podem ter algum êxito, são todas dos partidos de esquerda.
Mas não foi apenas neste tema que Rangel andou mal. Igualmente andou a propósito do referendo quando, ao tentar desviar o assunto do incumprimento das promessas eleitorais, confundiu a aprovação de uma constituição por quem foi eleito expressamente com esse mandato com a aprovação de um tratado limitador da soberania…por quem foi eleito com a obrigação de o submeter a referendo.
A propósito do refendo andou também mal o candidato do PS que nunca conseguiu explicar por que razão o tratado não foi sujeito a referendo, a não pelo argumento subjacente que Miguel Portas tão bem evidenciou de que isto de Europa é uma “coisa para deixar connosco”. De facto, o que está presente na recusa do referendo é a concepção antidemocrática de que a Europa só pode ser construída tal como eles a conceberam.
Igualmente mal andaram os candidatos do PS e do PSD em tudo que se relaciona com a desregulação, tendo ficado muito claro, tanto por parte de Miguel Portas como pelo de Ilda Figueiredo, que as propostas ou as medidas que agora dizem defender não têm qualquer credibilidade, por provirem de quem antes sucumbiu completamente à hegemonia do capital financeiro e dos grandes monopólios. E como a prática se encarregará de demonstrar, as medidas que vierem a ser postas em prática não têm certamente em vista uma alteração radical da situação que gerou a crise, mas antes tentar evitar que as situações mais perigosamente destabilizadoras se repitam.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

AS PROPOSTAS DO PS ÀS ELEIÇÕES EUROPEIAS



TUDO MUITO VELHO

E se há uma pessoa que, além do secretário-geral
E algum elemento mais proeminente do partido,
hoje é a face visível da representação do PS, sou eu”.

(Cabeça de lista do PS às eleições europeias)

O cabeça de lista do PS às eleições europeias concedeu uma entrevista ao jornal “Público” para falar das suas propostas eleitorais.
A entrevista não contém absolutamente nada de novo relativamente ao que já conhecíamos, nem tão-pouco serve para demarcar diferenças relativamente ao PSD e ao CDS, mais ao primeiro do que ao segundo.
Afirmar que há duas visões a Europa, uma do PSE e outra do PPE, não passa de propaganda eleitoral sem qualquer consistência. O que temos hoje na Europa, tanto no plano institucional, como plano legislativo no desenvolvimento daquele, é obra conjunta e consensual dos partidos social-democratas e dos demais, denominem-se eles liberais, conservadores, populares, democratas-cristãos, ou o que quer que seja. Mais: no plano interno foram os partidos social-democratas que, mantendo em alguns casos uma retórica vagamente de esquerda, conduziram os respectivos países para políticas abertamente neoliberais, como aconteceu com Blair e Schröder, e, entre nós, com Guterres e Sócrates, desregulando, privatizando e identificando os seus projectos e propostas com as propostas e projectos dos partidos adversários.
Vincar essa diferença na Europa, onde ela está ainda muito mais esbatida que no plano interno, não colhe, nem contribui minimamente para o esclarecimento dos cidadãos. Aliás, como pode estar seriamente interessado no esclarecimento dos cidadãos quem não afronta nenhum dos graves problemas com que a Europa se debate, nomeadamente os países periféricos ou com mais debilidades estruturais.
Cito a título de exemplo, pelas inúmeras questões que lhe estão conexas, o Pacto de Estabilidade e Crescimento e a moeda única europeia.
Não é agora altura de fazer o balanço das vantagens e inconvenientes da adopção de uma moeda única nos termos em que ela foi concebida, nem de defender a saída do euro, embora toda a gente perceba que, no quadro do Pacto de Estabilidade e Crescimento que nos rege – e que o candidato tantas vezes e tão acaloradamente tem defendido - , as possibilidades de assegurar um crescimento continuado que convirja para a média europeia ou de fomentar o emprego em países como Portugal são praticamente nulas, para não dizer inexistentes.
Ainda ontem, Silva Lopes, numa declaração a um jornal, dizia que a crise com que Portugal hoje se defronta é muito mais grave do que qualquer outra sofrida desde a implantação da democracia, pior ainda que a de 1975. As anteriores era passageiras, enquanto a actual é profundamente estrutural e duradoira. Antes da adesão ao euro, manejando a taxa de câmbio e a taxa de juro à medida das conveniências nacionais rapidamente se restabeleciam os equilíbrios, actualmente, tendo desaparecido esses instrumentos da soberania nacional, só por outras vias se poderá tentar alcançar o que por aqueles se conseguia.
Estas questões não são abordadas pelo candidato, como igualmente não são todas as demais questões relacionadas com a integração assimétrica que os tratados consagram e o Tratado de Lisboa amplamente confirma.
Ainda no plano institucional, também não mercê qualquer comentário do candidato a acentuada deriva intergovernamental que a União Europeia ultimamente tem sofrido, amplamente demonstrada pela prática e consagrada no Tratado de Lisboa.
Nas eleições europeia, votar no PS ou no PSD é rigorosamente a mesma coisa. É MAIS DO MESMO!

PAUL KRUGMAN E OS CORTES SALARIAIS



QUANTO MAIS O SALÁRIO SE REDUZ, MAIS A CRISE AUMENTA

Neste interessante artigo, Paul Krugman demostra que as reduções salariais não tornam a economia mais competitiva, nem contribuem para relançar a procura; pelo contrário, agravam a crise.

A VERDADEIRA FACE DO CDS


A PULSÃO XENÓFOBA

Quem tenha estado afastado da vida política portuguesa, desconheça de experiência feita as diferenças entre os principais partidos e se ativesse apenas ao que vai ouvindo na imprensa e na televisão haveria de pensar que em Portugal os partidos se situam todos à esquerda, tal a preocupação com que se referem aos desempregados e aos reformados com baixas reformas, às dificuldades das pequenas e micro-empresas, aos problemas criados pelas restrições bancárias à concessão de crédito ou aos juros elevados cobrados pelos bancos para o conceder, às eventuais falhas do serviço nacional de saúde e por aí adiante.
De todos os partidos, o CDS é sem dúvida o que mais cavalga alguns dos temas que constituem património histórico da esquerda. Quem o ouvir falar, e desconheça a sua história e a sua genética, haveria de pensar que o CDS sofreu uma grande transformação.
Percebe-se a estratégia do CSD: incapaz de recolher eleitoralmente votos correspondentes às suas ambições políticas apresentando-se tal como realmente é, vai tentando “pescar” noutras águas tudo o que vier à rede, contanto que não tenha de entrar em grandes discussões “filosóficas” sobre os fundamentos das suas posições.
Mas há matérias e temas relativamente aos quais o CDS não é capaz de se mostrar diferente daquilo que é.
Sempre que se trata de lidar com o outro diferente de nós, seja ele português de outra cor, seja emigrante loiro ou negro, principalmente negro, o CDS mostra a sua verdadeira face e aí está ele a pedir mais polícia, mais repressão, mais julgamentos sumários, mais proibições, em suma, mais discriminação. As causas, verdadeiras causas sociológicas das situações conflituais existentes não lhe interessam, nem lhe dizem respeito. No fundo, a verdadeira causa está no facto de os intervenientes nos incidentes estarem geograficamente no lado errado. O lugar deles é outro, noutras paragens!
O discurso securitário do CDS acaba por despertar nas pessoas em geral, principalmente nas pessoas comuns, os piores ressentimentos e trazer à superfície os mais baixos instintos. Este discurso não pode ser um discurso inocente, conhecendo-se, como se conhecem, as suas consequências nos quatro cantos do mundo, principalmente em tempos de crise. É um discurso conforme à formação política dos militantes do CDS. É um discurso conforme ao ADN do CDS. É um discurso primitivo que a história já condenou e que somente contribui para que a Europa, e dentro dela Portugal, se isole ainda mais dos outros continentes e potencie as dificuldades de relacionamento com o outro.

domingo, 10 de maio de 2009

OBAMA E O DISCURSO DE CHICAGO


OPORTUNIDADE PARA FAZER COINCIDIR O DITO COM O FEITO

Em 2 de Outubro de 2002, Barack Obama, então apenas senador do estado de Illinois, pronunciou em Chicago um célebre discurso contra a anunciada invasão do Iraque pelas tropas norte-americanas, que Bush, como se sabe, viria a concretizar meses mais tarde, em Março de 2003.
Nesse discurso, Obama manifestou-se violentamente contra a guerra, não por se opor a todas as guerras, mas por aquela ser uma guerra estúpida e injusta.
E deixou a Bush um interessante elenco de sugestões para outros combates muito mais dignos.
Entre as sugestões referidas, conta-se esta: “Quer uma luta, presidente Bush? Lutemos para que os nossos supostos aliados no Médio Oriente – os sauditas e os egípcios – deixem de oprimir o seu próprio povo, de suprimir os dissidentes, de tolerar a corrupção e a desigualdade, de gerir as suas economias de forma ruinosa e de fazer com que os jovens desses países cresçam sem educação, sem perspectivas, sem esperança, prontos a ser recrutados por células terroristas”.
Quase sete anos volvidos, o Egipto será o país que o Presidente dos Estados-Unidos, Barack Obama, escolherá para dirigir ao mundo islâmico um discurso de apaziguamento. Antes da partida receberá em Washington Hosni Mubarack, presidente do Egipto há mais de trinta anos e actualmente muito empenhado em transmitir o poder ao seu filho.
Espera-se que neste discurso a realizar no “coração do mundo árabe”, Obama se não esqueça do discurso de Chicago, se realmente quer assegurar a credibilidade da nova administração americana junto do povo árabe e dos islamistas em geral.

SPORT LISBOA E BENFICA



O FEITO DE VIEIRA


Poucos se dão conta do feito de LF Vieira, presidente do SLB, alcançado durante os anos que leva como presidente do clube ou como responsável pelo seu futebol, tão banal ele se tornou com o andar dos tempos. Aqui há uns anos atrás, antes da dupla Vieira/Vilarinho, as derrotas do Benfica eram sofridas por milhões de portugueses em Portugal e nos quatro cantos do mundo. Com Vieira, elas tornaram-se tão normais e tão naturais que mais ninguém lhes liga qualquer importância.
Os estádios onde o Benfica joga, a começar pela Luz, estão agora vazios, os jornais desportivos deixaram-se de se vender como dantes e, com excepção de meia dúzia de adeptos que teimam em acompanhar a vida do clube, a maior parte dos sócios e simpatizantes afastou-se e desligou-se emocionalmente do clube.
Que o Benfica perca ou empate com o Trofense, que seja derrotado por uma equipa europeia de que ninguém ouviu falar, que fique em 4.º ou em 5.º lugar no campeonato, cheio de derrotas, é assunto indiferente para quase todos aqueles que antes vibravam com o Benfica.
O desgaste e os estragos causados por Vieira e pela sua gente (que a maior parte das pessoas nem conhece, salvo, porventura, um triste Sílvio) são enormes e muito provavelmente irremediáveis.
Qualquer pessoa decente que estivesse no lugar de Vieira demitia-se. Qualquer pessoa decente que não fizesse da presidência do Benfica um projecto de realização pessoal à margem da vida e dos interesses do clube afastava-se imediatamente e encarregava o Presidente da assembleia-geral de encontrar uma solução, que, obviamente, teria de passar por eleições. Qualquer pessoa decente que tivesse colocado o Benfica na situação em que ele agora se encontra pediria inclusive a suspensão do vínculo de associado e não mais a restabeleceria até que fossem cabalmente investigadas as suas anteriores ligações com outros clubes.
Como certamente nada disto se vai passar, o mais provável é que o Benfica tenda a acabar como começou: um clube de um bairro de Lisboa!

sábado, 9 de maio de 2009

STIGLITZ


A CORAGEM DE FALAR CLARO

Já ontem tivemos ocasião de escrever sobre a participação de Stiglitz nas Conferências do Estoril (onde tem marcado presença todos os grandes ex-responsáveis políticos pelo saque neoliberal) e de sublinhar as posições que o prémio Nobel da Economia tem vindo a defender sem papas na língua sobre a globalização e o neoliberalismo.
Se Stiglitz vivesse em Portugal (bem, se vivesse em Portugal nunca seria prémio Nobel da economia, avaliando o que se passa nas respectivas faculdades pelas intervenções e posições que os nossos economistas vão tendo e defendendo sobre as questões económicas), também seria considerado um “irresponsável” pela intelectualidade orgânica bem pensante que pulula nos media…e no ensino em Portugal.
Mas nestas coisas, não há nada melhor do que conhecer.
Assim, junto uma lista de livros importantes de Stiglitz para quem estiver interessado em refrescar as ideias e remeter para o caixote do lixo esse conjunto de frases feitas que diariamente nos tentam meter na cabeça como verdades científicas, quando na realidade não passam da mais reles propaganda ideológica.
Manuais universitários:
INTRODUÇÃO À MICROECONOMIA (Principles of Microeconomics) – (Co-autoria de Carl E. Walsh) Campus, S. Paulo, tradução da 3.ª edição americana;
INTRODUÇÃO À MACROECONOMIA (Principles of Macroeconomics) – (Co-autoria de Carl E. Walsh) Campus, S. Paulo, tradução da 3.ª edição americana

Outros livros
GLOBALIZAÇÃO A GRANDE DESILUSÃO (Globalization and its Discontents), Terramar, Lisboa 2002;
OS EXUBERANTES ANOS 90: Uma interpretação da década mais próspera da história (THE ROARING NINETIES: A new history of the word’s most prosperous decade), Companhia das Letras, S. Paulo, 2003;
RUMO A UM NOVO PARADIGMA em economia monetária (co-autoria de Bruce Greenwald), (Toward a New Paradigm in Monetary Economics) Francis, Brasil, 2004;
GLOBALIZAÇÃO COMO DAR CERTO (Making Globalization Work), Companhia das Letras, S. Paulo, 2007 (creio que há tradução em português de Portugal, e há, obviamente, em espanhol e em francês (já publicado em Le livre de Poche)

Ainda não está traduzido em português “The Tree Trillion Dollar War” (co-autoria de Linda Bilmes), 2008.

ESTEVES CARDOSO


A ESCRITA DIÁRIA

Quem tem de escrever diariamente por obrigação, ainda por cima num jornal, sabe que não é tarefa fácil estar permanentemente inspirado e escrever textos de qualidade susceptíveis de merecem o apreço geral, mesmo de quem não concorda com eles.
Exactamente por isso, é justo sublinhar alguns textos da rubrica diária que Esteves Cardoso tem no Público. Desde logo, o de hoje, “Odeio amar-te tanto!”, mas também o do clube das virgens e o do cabelo de Vital Moreira.
No meio de tanta coisa sem interesse sabe bem ler alguns textos de contundente ironia.

SINGULARIDADES DA ESQUERDA DO PS


O CONSTANTE ADIAMENTO

Uma das particularidades mais frisantes da auto-intitulada esquerda do PS é o constante adiamento das medidas que preconizam. O tempo presente nunca é a altura de as aplicar ou de lutar pela sua aplicação. É sempre mais tarde.
Foi assim no último Congresso com as putativas moções alternativas e continua a ser assim agora. Aquando do Congresso tiveram o desplante de afirmar que mal souberam que o evento tinha por fim a consagração apoteótica de Sócrates, logo concluíram que aquele não era o momento adequado para discutir política e, muito menos, políticas alternativas. Não fossem ser mal interpretados e isso reflectir-se dramaticamente na composição das listas eleitorais!
Hoje os jornais dão conta que a corrente “Margem Esquerda”, ao que parece detentora de várias propostas de mudança (que não se percebe muito bem quais sejam), também acha que não é agora a altura adequada para lutar pela sua concretização. E diz mesmo, a propósito de uma delas, considerada a proposta-bandeira do grupo – as primárias – que até esteve na origem de uma carta aberta a Sócrates, que só será retomada nas próximas eleições.
É por esta e por muitas outras como esta, que as “esquerdas” do PS não são credíveis. Nunca é tempo de lutar pelo que dizem defender. São contra o neoliberalismo? Pois claro que somos, responderão. Mas permitem no mais tranquilo silêncio a privatização da ANA, as vergonhosas “parcerias” que o Governo já fez e quer continuar a fazer, a pouca-vergonha que se passa na energia e tudo o mais que se conhece.
Pois, a gente sabe. Agora não é tempo de tratar disso. Estão eleições à porta e listas para compor. É melhor esperar para daqui a quatro anos!

GUANTÁNAMO NUMA GRANDE ENCRUZILHADA


PODE TORNAR-SE EM BREVE NA PRIMEIRA VITÓRIA REPUBLICANA

Para se perceber até que ponto foi leviano o anúncio feito pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros oferecendo, incondicionalmente, o território português como lugar de acolhimento de presos de Guantánamo, nada melhor do que descrever o que se está passando na América.
Obama suspendeu por quatro meses os “julgamentos” dos tribunais especiais. Esse prazo termina no próximo dia 27 de Maio e ninguém sabe agora muito bem como resolver até lá a questão dos presos de Guantánamo.
Ontem, a Câmara dos Representantes negou-se a conceder ao Governo um crédito orçamental de 80 milhões de dólares, solicitado para a transferência dos presos de Guantánamo. A resposta foi muito clara: “Só o faremos quando nos apresentarem um plano claro”, disse David Obey, democrata, presidente da comissão competente.
O Governo não tem esse plano e os congressistas não querem correr o risco de ver transferidos para dentro dos Estados Unidos, mais concretamente, para as prisões dos estados por que eles são eleitos, prisioneiros que a população em geral não quer em solo americano. Além de que a transferência para território americano só iria complicar ainda mais as coisas, pois tendo sido praticamente todas as provas incriminatórias obtidas sob tortura, como o Governo Obama considera, e bem, elas iriam fatalmente ser declaradas nulas pelos tribunais e os respectivos presos restituídos à liberdade. E há presos que o Governo não pode pôr em liberdade, sob pena de meio mundo lhe cair em cima.
Enviá-los para o estrangeiro, e em que condições, também não se tem afigurado fácil, umas vezes porque há presos que ninguém quer receber (mesmo Portugal iria deparar-se internamente com muitas dificuldades), outras porque não se percebe bem em que condições seriam recebidos.
Uma coisa, porém, é certa: se até 27 de Maio nada acontecer, a suspensão termina e as “comissões militares” serão automaticamente restabelecidas. E lá se vai mais uma medida emblemática de Obama!

UM DEBATE NO EXPRESSO DA MEIA-NOITE


UM BOM EXEMPLO DO REACCIONARISMO POR METRO QUADRADO EXISTENTE EM PORTUGAL

Não, não vi o programa. Ouvi umas frases soltas que me deram para entender o que se estava a passar.
Como de costume, o painel era muito significativo: uma viúva de Savimbi e de Bush; um ex-apoiante de Marcelo Caetano, também homem de confiança dos americanos; o cônjuge do chefe da CIP; dois empregados de Balsemão e o “perigoso esquerdista” Alfredo Barroso.
Tema: bloco central. Barroso favorável a uma aliança à esquerda. Desancaram-no. Como pode alguém “responsável” propor tal coisa?
O mais grave é que a posição deles é rigorosamente idêntica à das pessoas “responsáveis” que no PS se pronunciam sobre o assunto, a começar pelo seu cabeça de lista às eleições europeias.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

STIGLITZ EM PORTUGAL



A DESANCAR NAS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS

Depois da Maizena, o Ministro Pinho marcou pontos ao promover no âmbito do seu ministério uma conferência com Joseph Stiglitz.
Stiglitz falou sobre as parcerias público-privadas e sobre o plano de recuperação de Obama para o sector financeiro. Embora estivesse analisando a situação americana, o que ele disse sobre as parcerias ajusta-se que nem uma luva ao que se passa em Portugal. As parcerias são um verdadeiro embuste, por via das quais o contribuinte financia o capital privado. Aqui é que Sócrates deveria aplicar o princípio de “cada um pedalar a sua bicicleta”. Mas não, ele põe, sem autorização nem retribuição, os contribuintes a pedalar para o grande capital.
O capital financeiro é, como aqui tem sido muitas vezes dito, o verdadeiro calcanhar de Aquiles de Obama. Falamos de Obama porque é o único de que vale a pena falar. Dos europeus nem sequer adianta falar. Na realidade, eles não querem mudar quase nada. Mas Obama prometeu que não deixaria que Wall Street dominasse e impusesse as suas regras à Main Street.
É uma promessa que não vai poder cumprir. Curiosamente, de toda a sua equipa económica, o menos comprometido é Ben Bernanke, que herdou de Bush. É um académico de prestígio (Director do departamento de Economia da Universidade de Princeton) sem ligações conhecidas ao grande capital, contrariamente ao que se passa com todos os outros, quer os herdados de Clinton, quer os recrutados por ele.
Além de que há relativamente ao capital financeiro um problema que os economistas – os que estão realmente interessados numa mudança substancial – escamoteiam ou não abordam com a profundidade devida: como controlar o capital financeiro num quadro global? Teoricamente, seria possível fazê-lo num quadro nacional. Mas, continuando vigente por todo o mundo (ou quase) a liberalização de capitais, como pode evitar-se a repetição de situações parecidas com as que agora vivemos? Certamente que se pode regular a actividade dos bancos de investimento em termos semelhantes à dos bancos comerciais, ou até proibi-los de praticar operações idênticas às dos bancos comerciais, ou aplicar a estas operações, caso sejam permitidas, o mesmo regime das praticadas pelos bancos comerciais. Certamente, que se poderá fazer um controlo mais rigoroso dos activos e ser-se mais cuidadoso na regulamentação (que aliás não existia) dos derivados. Mas nada disto vai impedir os movimentos especulativos de grande envergadura, o ataque às moedas nacionais como verdadeiros actos de pirataria e por aí adiante.
Enfim, para os que pensam, como o Dr. Mário Soares, que o neoliberalismo implodiu, aguarda-os surpresas bem desagradáveis.

AINDA SOBRE O BLOCO CENTRAL


O QUE SE PERSPECTIVA

A menos que o CDS alcance uma votação que lhe permita fazer maioria com o PS ou com o PSD - solução que no actual contexto não entusiasmaria por aí além a direita ligada ao grande capital - a formação de um governo de Bloco Central (PS/PSD ou, menos provável, PSD/PS) é cada vez menos uma hipótese teórica. Tanto o PS como o PSD temem que desta solução resulte uma forte erosão eleitoral, em benefício dos partidos de esquerda e do partido de direita, e receiam também uma "traição" à Cavaco, que permitiria ao partido com capacidade para romper como seu próximo passado e com os compromissos assumidos capitalizar, mediante uma mudança de líder, parte do descontentamento popular.
Este temor está muito mais presente no PS do que no PSD, por ter uma tradição de continuidade que o PSD manifestamente não tem. Sendo porém pouco provável a repetição da história, e estando os dois partidos cada vez mais pressionados pelos grandes interesses e por outros sectores que já perceberam (e anuíram, como se de uma fatalidade se tratasse) quem vai pagar a presente crise, a formação de um governo de Bloco Central, após as legislativas de Outubro, é um cenário para o qual todos nos devemos preparar.
A ideia já está fazendo o seu curso (comentadores de direita - quase todos -, Presidente da República, patronato, etc.) e começa a ser divulgada como um acto de grande patriotismo. Simultaneamente, os divulgadores ligados aos grandes interesses e os próprios representantes directos destes interesses começam também desde já a perspectivar o programa desse governo.
O objectivo é dar o golpe de misericórdia no que resta do Estado social. Há uma enorme dívida a pagar. Por um lado crónica, resultante das nossas deficiências estruturais; por outro lado, induzida pelo acto de pirataria que gerou a actual crise financeira. O dinheiro que o Governo tem lançado a rodos (sem critério nem fiscalização) sobre as empresas, mais o resultante das as dívidas que se propõe contrair, vai ter de ser pago; e, como se depreende desde já muito bem pela conversa dos que falam sobre o assunto, caberá aos trabalhadores em geral arcar com essa dívida.
Uma intensa campanha de propaganda fará ver a todos que não há dinheiro para manter um serviço nacional de saúde, dir-se-á que a segurança social está falida em consequência da crise, sendo, por isso, necessário privatizá-la; liberalizar-se-á o despedimento de trabalhadores para permitir às empresas a recuperação económica, benéfica para todos, e por aí adiante. O capital ficará obviamente intocável e restaurado dos abalos sofridos…porque ele é a alma do sistema!
O PS acabará por ceder em quase tudo, como sempre tem acontecido desde o 25 de Abril, tendo em conta o nível de exigências em cada momento formuladas.
É perante os efeitos de um cenário desta natureza que os dois partidos, ao anteciparem o que virá a seguir, breve concluirão que apenas têm duas saídas:
Uma é, feito o essencial, abandonar o projecto e posicionar-se contra, como fez Cavaco em 1985;
Outra é alterar radicalmente o sistema eleitoral, substituindo-o por outro que permita a formação de maiorias à revelia do voto popular.
Pode é acontecer que a capacidade de resistência dos supostos perdedores supere todas as expectativas e vá muito para além das habituais manifestações de descontentamento…

quinta-feira, 7 de maio de 2009

SOBRE A CRISE FINANCEIRA



UM JUÍZO CONTUNDENTE

Esta crise é também a ocasião de compreender como um pequeno grupo de pessoas, sem produzir riqueza, subtrai dentro da legalidade, sem qualquer controlo, uma parte essencial do valor produzido. E também como este grupo, depois de ter rapinado tudo o que pôde, faz pagar as suas formidáveis remunerações e bónus pelos contribuintes, os assalariados, os consumidores, os empresários e os aforradores, forçando o Estado a arranjar em poucos dias, para preencher os buracos deixados nos seus cofres, somas mil vezes superiores àquelas que todos os dias obstinadamente recusam aos mais desfavorecidos dos países desenvolvidos e aos famintos do resto do mundo.
É verdade que este confisco é feito de modo legal, honesto e não violento. O que aliás constitui aos olhos de alguns o maior motivo de revolta: se é legal, então o sistema que o permite não tem razão de ser
”.

De Jacques Attali, La crise, e aprés?

CONCORRÊNCIA NO MERCADO DA ENERGIA


QUE RESULTADO?

Os comentadores económicos e na peugada deles os generalistas estão muito excitados com a chegada de mais uma empresa ao mercado da energia (eléctrica, ao que presumo).
Não sei em que se baseiam para apresentar ao público consumidor previsões tão optimistas. Os exemplos que nós temos noutros mercados de oligopólio são de cartelização. Este não deverá fugir à regra. Daqui a um ano se verá.

QUEIROZ CONTINUA A FAZER ASNEIRAS


SELECCIONADOR AFUNDA AINDA MAIS SELECÇÃO

O previsto aconteceu. Queiroz só estava à espera da primeira oportunidade para anunciar a convocação do jogador do Real Madrid que aqui há cerca de duas semanas teve um comportamento “assassino” contra um colega de profissão.
Apesar de o dito jogador estar castigado por mais de dois meses (pena muito leve para o acontecido) e de o próprio acto que justificou o castigo levantar sérias dúvidas sobre a razoabilidade de um jogador daquela natureza participar numa equipa de selecção, Queiroz, com a sua habitual inépcia e falta de capacidade de comando, já anunciou que o jogador será convocado.
De Queiroz espera-se sempre o pior. E da imprensa que o apoia também. Quando Scolari tentou agredir o jogador sérvio, as televisões passaram dezenas de vezes a cena…sempre na esperança de que da próxima a mão de Scolari acertasse em cheio na cara do sérvio. Os comentadores não se cansaram de censurar a ocorrência, inclusive em termos ditos “patrióticos”, pela vergonha que tal acto representava para a “nação portuguesa”. Curiosamente, desta vez, para além dos comentários de circunstância, feitos no dia, e que não podiam ser evitados dada a barbaridade do comportamento, calaram-se e não se sentem minimamente atingidos no seu fervor patriótico por um jogador daquela natureza continuar a representar a selecção!

AS POSIÇÕES "RESPONSÁVEIS" DOS INTELECTUAIS ORGÂNICOS


MANTER OS MONOPÓLIOS PRIVADOS NA ENERGIA, UMA POSIÇÃO "RESPONSÁVEL"

Todos temos conhecimento do verdadeiro saque que constituiu a privatização das empresas energéticas em Portugal e da expropriação de que diariamente os consumidores são vítimas. Todos temos conhecimento do modo como essas empresas actuam no mercado, despedindo trabalhadores e fixando preços que nada têm a ver com os custos de produção, para assegurar altos dividendos aos accionistas e prémios, bónus, e altíssimos ordenados aos seus gestores e demais dirigentes.
É com este estado de coisas que os apoiantes do governo estão de acordo e ainda têm o desplante de nos tentar convencer que a solução actual é a mais “responsável” e a mais vantajosa para o Estado!
A intelectualidade portuguesa é mesmo a mais reaccionária da Europa…só comparável à do leste europeu. A outra, a que tem pontos de vista semelhantes aos de muita esquerda europeia, é “irresponsável” e, por isso, o seu lugar é fora do sistema.
Gostaria de citar a esses intelectuais reaccionários que pululam nos media portugueses alguns excertos dos discursos de Obama. Não, não são de Chavez, nem de Fidel…são de Obama. Mas não vale a pena. Eles estão irremediavelmente comprometidos com o grande capital e com todo o tipo de vantagens que se podem usufruir a partir da proximidade do poder e da sua defesa acrítica e incondicional!

AFINAL, NA LIGA DOS CAMPEÕES TAMBÉM SE COMPRAM JOGOS!



O ESCÂNDALO CHELSEA-BARCELONA

Em muitos anos de futebol, nunca vi nada assim. Nem relembrando tudo o que se tem passado em Portugal de há cerca de três décadas para cá é possível encontrar algo de semelhante ao que hoje aconteceu em Stamford Bridge.
Como muito bem disseram os jogadores do Chelsea, o árbitro foi um “ladrão”. Mas para apitar assim e tão descaradamente é preciso ter a certeza antecipada de que vale a pena fazê-lo….
Como de costume, os jornais espanhóis não viram nada…
Está tudo podre. Não é apenas o capitalismo financeiro que está podre. É a própria sociedade que precisa urgentemente de uma terapia de choque!

quarta-feira, 6 de maio de 2009

A ENCRUZILHADA DO MÉDIO ORIENTE

AS PRESSÕES AMERICANAS E O CONTRA-ATAQUE ISRAELITA

O Médio Oriente continua sendo um dos principais problemas da administração Obama. Os israelitas, cientes de que a nova administração americana tem, para lá das palavras de circunstância, uma visão realmente inovadora do conflito do Médio Oriente, mudaram ligeiramente de táctica, sem alterar a estratégia. Shimon Peres deslocou-se aos Estados Unidos para lembrar aos americanos que o problema do Médio Oriente não é a Palestina (isto é, a constituição de um Estado palestiniano), mas o Irão e a sua “bomba atómica”.
Natanyahu, que passou toda a campanha eleitoral a negar a eficácia dos acordos de Oslo e a recusar a constituição de um Estado palestiniano, vem agora dizer-nos que aceita a existência de dois Estados, mas que há um problema prévio: o Irão e a sua “bomba atómica”, facto absolutamente inaceitável contra o qual é necessário tomar medidas.
Em poucas palavras ficou clara a nova posição israelita: afirma aceitar a constituição de dois Estados, para não entrar em conflito aberto com Washington, mas boicota a concretização prática do princípio com a questão iraniana, subordinando de certo modo a sua efectivação ao desmantelamento das instalações nucleares do Irão.
A administração Obama, que ainda ontem, relativamente ao conflito israelo-palestiniano, foi absolutamente clara, até no tom de voz utilizado pelo Vice-presidente, Joe Biden – constituir dois Estados, cessar a construção de novos colonatos, desmantelar os existentes e assegurar a liberdade de circulação para os palestinianos – está sujeita nesta questão concreta, como noutras, a todo o tipo de provocações e de boicotes. Por maior que seja o cinismo ou o maniqueísmo de alguma esquerda relativamente a tudo o que seja americano, uma coisa porém é certa: não há hoje no panorama político internacional governante mais progressista que Barack Obama. Questão diferente é possibilidade de assegurar em todos os domínios tradução prática a esse pensamento político no quadro da administração americana.
Claro, que há as manobras da NATO na Geórgia; claro que há a expulsão de diplomatas russos acreditados na NATO, em Bruxelas; mas é igualmente óbvio para qualquer observador independente que há dentro da NATO – que alberga os maiores reaccionários da América do Norte e da Europa – uma fortíssima corrente contrária a um entendimento estável com a Rússia. E essa corrente tudo fará, principalmente através de gestos menores, porém simbolicamente significativos, para boicotar uma efectiva política de desanuviamento e de desarmamento.
A releitura dos discursos de Obama – melhor, a leitura, para quem, como eu, apenas conhecia vários excertos – e o conhecimento do seu trajecto de vida são indispensáveis para conhecer o homem que hoje governa a América.

GUANTÁNAMO: O QUE ACONTECE A QUEM SE OFERECE



A QUESTÃO DOS PRESOS DE GUANTÁNAMO


Como certamente muitos se recordarão, O Governo português, pela voz e iniciativa do seu Ministro dos Negócios Estrangeiros, ofereceu-se para receber prisioneiros de Guantánamo à revelia do Parlamento e sem ouvir, tanto quanto se diz, o Presidente da República. E, mais grave ainda, sem sequer consultar a União Europeia. Isto para não falar no conhecimento da situação dos detidos e do seu “curriculum criminal”, que é de presumir o Ministro não conhecia. Pois como poderia conhecer se nem sequer sabia que os americanos estavam a transportar parte desses prisioneiros por território português?
É claro que a UE se encarregou de explicar ao Ministro que, pelo menos, no espaço Schengen, a decisão de receber prisioneiros de Guantánamo não é uma questão puramente nacional. E, para cúmulo, a administração Obama, passados vários meses do oferecimento incondicional de Portugal, ainda não formulou qualquer pedido ao Governo português.
Enfim, humilhações atrás de humilhações. Infelizmente é sempre assim: quem quer mostrar serviço corre o risco de ser desconsiderado …ou menos considerado.
Nos media portugueses, ou na maioria deles, tudo isto é considerado normal. O que também não admira dado o servilismo com que encaram as relações com Washington.

terça-feira, 5 de maio de 2009

AS SONDAGENS E O FANTASMA DO BLOCO CENTRAL


OS RECEIOS DO PS E DO PSD


A regra democrática por excelência é a da maioria relativa. Vence a proposta que reunir mais votos que as antagonistas, vence as eleições o partido que recolher mais votos que os seus adversários. Todavia, para governar é necessário que os apoiantes do governo na câmara tenham mais votos que os seus opositores. E para alcançar essa maioria, pode, em muitos casos, não ser suficiente a maioria relativa. Daí que um governo se sinta mais confortável sempre que dispõe de uma maioria absoluta no parlamento, ou seja, metade mais um dos deputados eleitos.
Esta maioria pode alcançar-se fundamentalmente por duas vias: o partido ou a coligação eleitoral de que o governo é proveniente dispõe de maioria absoluta; ou é necessário negociar uma coligação que reúna os votos suficientes para apoiar o governo. Esta coligação tanto pode ter incidência governativa, como ser meramente parlamentar, embora as primeiras sejam, em princípio, mais estáveis.
As coligações são normais e frequentes em democracia, nomeadamente nos países de sistema eleitoral proporcional; outros sistemas, como os de círculos uninominais de maioria a uma volta, tendem a gerar com facilidade maiorias parlamentares em detrimento da representação das minorias.
Num sistema como o nosso, de representação proporcional, as coligações deveriam ser uma situação normal, tanto mais que só por três vezes, em mais de três décadas de democracia, se alcançaram maiorias absolutas. E sendo uma situação normal, o mais natural é que as coligações se façam entre os partidos com mais afinidades ideológicas. Salvo nos casos excepcionais de governo de “salvação nacional” ou de “unidade nacional”, aquela é a regra mais comummente seguida
Em Portugal, as coligações pré e post eleitorais já existentes fizeram-se entre o PS e o CDS; entre o PSD e o CDS (coligação pré-eleitoral por duas vezes e post eleitoral, uma); e entre o PS e o PSD. O que significa que há uma inegável similitude programática entre os três partidos, já que todos eles se aliaram e coligaram entre si.
É natural, todavia, que o PSD que, desde a Constituição disputa a governação com o PS, prefira coligar-se com o CDS, independentemente da sua maior ou menor proximidade ideológica com este partido, do que com o PS, não obstante partilhar com este muitos dos seus fundamentos programáticos. Pela mesma razão, o PS foge a aliar-se com o PSD.
Acontece que as próximas eleições podem gerar um cenário em que qualquer um destes dois partidos, para governar, ter de se aliar com o outro, afastada que está a hipótese de tanto o PSD como o PS se aliarem a partidos de esquerda ou de o CDS reunir votos suficientes para formar com qualquer deles uma maioria.
As sondagens apontam para uma queda acentuada do PS nas europeias, fruto antes de mais da fraca prestação eleitoral do seu cabeça de lista, mas também resultado de um voto de protesto contra a governação socialista, e para uma maioria mais confortável nas legislativas, todavia aquém da maioria absoluta.
É, portanto, muito provável que PS e PSD venham a formar uma coligação pós-eleitoral por maiores que sejam as reservas que os respectivos responsáveis agora lhe levantam. Essas reservas não decorrem de divergências programáticas assinaláveis, mas antes da atitude das respectivas clientelas eleitorais que, sendo maioritárias, resistem a “dividir o bolo” com terceiros. Alguma rivalidade pessoal entre as respectivas lideranças, levará também ao sacrifício da pertencente ao partido menos votado para que a coligação se possa fazer.
Há ainda uma outra razão que leva os dois maiores partidos, ideologicamente muito próximos, a resistirem à coligação. É que uma aliança de tipo “bloco central” levaria fatalmente a um crescimento eleitoral dos demais partidos, a menos que um novo e muito pouco provável “fenómeno Cavaco Silva” despontasse num dos partidos coligados. Por isso, não seria de estranhar, se a coligação se vier a fazer, que PS e PSD, para manterem a hegemonia, venham a manipular legislativamente o sistema eleitoral, de modo a encontrar maiorias absolutas sem correspondência com o voto popular e a relegar para uma representação meramente simbólica os partidos à esquerda e à direita.
É bom que se compreenda que o grande alarido que, com a colaboração dos media, tem sido feito à volta dos perigos da maioria relativa e do risco de ingovernabilidade tem muito menos a ver com a viabilidade de coligações que assegurem o funcionamento do sistema, do que com o risco sistémico que para o PS e para o PSD representa a necessidade de uma coligação entre eles. ´
É que uma coligação de bloco central retira-lhes margem de manobra futura. Essa a verdadeira razão de ser da recusa.

HOMENAGEM A VASCO GRANJA


O GRANDE DIVULGADOR DA BANDA DESENHADA E DO CINEMA DE ANIMAÇÃO



Antes do 25 de Abril, conhecia Vasco Granja dos jornais, nomeadamente dos artigos sobre cinema de animação. Logo a seguir ao 25 de Abril, quando desempenhei as funções de Presidente do Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis, formamos, com a colaboração de Ernâni Pinto Bastos e Quintela, uma equipa de intelectuais e artistas para concepção de programas de animação para a juventude.
Nela participaram, Vasco Granja, no cinema e banda desenhada; Rui Mário Gonçalves, nas artes plásticas; Isabel da Nóbrega, na literatura; Mário Barradas, no teatro; e José Ribeiro da Fonte, na música. Esta equipa era coordenada por José Saramago, mais tarde Prémio Nobel da Literatura.
Datam dessa época as longas conversas com Vasco Granja e recordo o entusiasmo com que nos exibia algumas curtas-metragens de animação de alguns dos grandes nomes da época, como Norman McLaren. A ele se deve também, se a memória me não falha, a divulgação do Lápis Mágico, uma produção polaca.
Vasco Granja, um auto-didacta, manteve durante anos a fio um programa de animação na RTP.

SOBRE A GRIPE

FALA QUEM SABE

Além das prestações diárias da Ministra da Saúde, que com a sua habitual seriedade não cede a populismos nem a conveniências políticas de ocasião, quem quiser informar-se sobre a gripe, numa perspectiva séria, científica, leia o eminente virologista JOÃO VASCONCELOS COSTA em http://jvcosta.planetaclix.pt/moleskine.html#17

segunda-feira, 4 de maio de 2009

AS GASOLINEIRAS NEM SEQUER DISFARÇAM


E A CONCORRÊNCIA OBSERVA

Gastou-se uma fortuna a colocar painéis nas auto-estradas a anunciar o preço da gasolina…para nada. Mais valia que o Governo ou a Brisa no início de cada uma delas, num dos painéis luminosos, mandasse afixar a seguinte mensagem: “A gasolina é toda ao mesmo preço”.
O que se passa é de facto uma vergonha. Sempre foi, desde a liberalização dos preços, só que com os painéis tudo é mais evidente. A partir de agora não pode haver dúvidas de que existe entre as gasolineiras um acordo para a fixação dos preços, que toda a gente percebe que existe…menos a Concorrência. Manuel Sebastião depois de nos ter dito, após um estudo que levou meses a elaborar, que o preço dos combustíveis em Portugal segue o preço do petróleo no mercado mundial, continua afanosamente à procura da acta de reunião onde se decidiu a cartelização!!!
Um exemplo, entre muitos que se poderiam enumerar, do que se passa noutros países: Nos Estados Unidos, o ano passado, em Abril, a gasolina andava perto dos 4 dólares o galão; este ano, no mesmo mês, podia comprar-se a 2,19. E não há preços iguais, mesmo dentro mesmo estado.
O que se passa em Portugal reclama uma de duas medidas. Se houvesse um governo de esquerda, a resposta adequada seria a nacionalização; com o governo que temos justifica-se, no mínimo, a fixação administrativa dos preços.
Ainda gostaria de saber quem pagou os painéis. Não acredito que tenha sido a Brisa, pois tudo indica não se tratar de uma medida prevista na concessão. Terá sido o Ministério da Economia, ou seja, os contribuintes? É que ninguém vê as gasolineiras a arcarem com esta despesa e, então, se foi o Estado, teríamos a suprema ironia de o ver a fazer uma enorme despesa para anunciar a cartelização do preço dos combustíveis!

O APROVEITAMENTO POLÍTICO DO INCIDENTE VITAL MOREIRA


RESULTARÁ?

O PS em coro, praticamente sem excepções, cavalga o incidente Vital Moreira e procura tirar dele todas as vantagens políticas possíveis.
Esbateu-se momentaneamente o dossier Freeport e seus derivados (inquérito sobre pressões a magistrados), relegaram-se para segundo plano as fracas prestações televisivas do cabeça de lista às eleições europeias e até as notícias sobre a gripe foram secundarizadas.
O PS faz o possível por manter o efeito e o próprio protagonista do incidente já se compara a Mário Soares e quer fazer da Alameda a sua Marinha Grande. Pobre ilusão. Mais tarde ou mais cedo, provavelmente mais cedo do que tarde, tudo regressará à normalidade e novamente as fraquezas eleitorais do candidato voltarão a evidenciar-se.
O PS sabe perfeitamente que com o alarido que está fazendo não desviará um único voto do PCP, salvo porventura o de Saramago, cuja companhia o PS não pode por aí além enaltecer, sob pena de a direita lhe cair em cima com o Saramago dos saneamentos; também não retirará votos ao Bloco, nem sequer nas suas franjas, apesar de haver cronistas bloquistas, como Daniel Oliveira, a ajudar à festa; então, onde ganha o PS, perguntar-se-á?
Onde o PS pretende ganhar com o episódio da Alameda é na direita, no CDS e no PSD. O que o PS pretende é assustar a direita com o PCP, com os perigos de uma subida eleitoral da esquerda e desse modo induzir no eleitorado daqueles partidos um comportamento de receio e temor que o leve a votar PS.
Esta a estratégia do PS. Resultará? Tenho sérias dúvidas, tanto mais que o eleitorado que vota CDS e PSD ou que agora pretende redireccionar para estes partidos o seu voto não o fará para enfraquecer a esquerda, mas na esperança de derrotar o PS.

sábado, 2 de maio de 2009

MAIS DESPEDIMENTOS, JÁ!


A EXIGÊNCIA DE MANUELA FERREIRA LEITE

A presidente do PSD tem um claro conflito com a língua portuguesa. Um político tem por obrigação falar de modo a que as suas intervenções possam ser interpretadas de acordo com o sentido corrente dos vocábulos utilizados. Poderia, no limite, aceitar-se que certos políticos tenham uma forma peculiar de se exprimir, contanto que o sentido das palavras utilizadas se mantenha constante no quadro dessa peculiaridade.
Agora, o que não pode é aceitar-se que cada intervenção, principalmente aquelas em que o político diz o que lhe vai na alma, seja sistematicamente seguida de um desmentido.
MFL começou por não falar. E, segundo as sondagens, nunca esteve tão bem. Depois, insistiram com ela para falar – certamente por insistência dos seus perversos “camaradas” – e começou a dizer dislates…e a cair nas sondagens.
Para evitar mais problemas, devem ter exigido que ela fale “com papel”. E foi com papel, que ela hoje nos veio dizer que suspeitava que o governo PS estava a impedir as empresas de despedir trabalhadores…até às eleições.
A direita, principalmente quando fala com papel, usa metáforas. Não emprega o conceito de despedimento, que tem uma carga política e social muito forte. Usa preferencialmente o de reestruturação para dar a ilusão de que tudo vai ficar melhor. Só que no contexto em que o conceito foi usado, a sua utilização resulta estúpida. Então faz algum sentido acusar um governo, qualquer que ele seja, de impedir uma empresa ou uma qualquer instituição de melhorar a sua situação?
Não, o que a Senhora quer, sem preconceitos e sem pudor, é mais despedimentos, já! Que o PS só os queira depois das eleições é igualmente grave. Mas que um partido político exija a antecipação desses despedimentos para tirar deles uma vantagem política, mais do que imoral, é a prova provada do desprezo que o povo trabalhador lhe merece.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

AS COMEMORAÇÕES DO 1.º DE MAIO


OS INCIDENTES DA ALAMEDA

Tanto quanto se pode depreender dos noticiários televisivos, as comemorações do 1.º de Maio vão ficar marcadas pelos chamados incidentes da Alameda.
Sejamos claros sem preocupação de sermos politicamente correctos. A participação na delegação do Partido Socialista de um elemento independente, candidato às eleições ao Parlamento Europeu, que nos últimos anos, nomeadamente os do Governo Sócrates, se tem distinguido pelo ataque diário, semanal ao sindicalismo e aos sindicatos, aos trabalhadores em geral e em particular a todos os que lutam por resistir à voragem neoliberal, constitui objectivamente uma provocação.
Uma provocação perfeitamente legítima em regime democrático. Muitos são os políticos que, neste estilo de democracia em que vivemos, usam e abusam deste tipo de actuação.
Como legítima é a resposta popular a essa provocação com apupos, gritaria, assobios e outras manifestações do género. Já as agressões físicas – que, pela televisão, não pude concluir tenha havido – que ultrapassem as simples “agressões” simbólicas, como o bolo de chantilly na cara do político e outras do mesmo género, são reprováveis e inaceitáveis.
Embora a luta sindical, para se defender da violência institucional que permanentemente se exerce sobre os trabalhadores, tenha historicamente recorrido múltiplas vezes a outros tipos de violência, como Vital Moreira tantas vezes elogiou quando enaltecia as virtudes do sindicalismo britânico, principalmente nos piquetes de greve, contra os “amarelos” fura-greves.