sexta-feira, 30 de maio de 2014

AINDA OS RESULTADOS ELEITORAIS: A VOTAÇÃO DO BLOCO DE ESQUERDA


 

A CRISE DA AMBIGUIDADE

 

O Bloco de Esquerda está em queda desde as últimas legislativas. O resultado das eleições europeias de domingo consolida essa tendência e deixa fundadas dúvidas sobre o próprio futuro do partido, sabendo-se, como se sabe, que ele assenta num compromisso teórico frágil entre as diversas componentes que o formam e que vinham tendo nos resultados eleitorais em ascensão o seu principal elo aglutinador. 

O Bloco apresentou-se pela primeira vez a eleições legislativas em 1999, tendo obtido 2,44% dos votos e 2 mandatos. Depois, foi subindo gradualmente até 2005, obtendo 2,74% e 2 mandatos nas eleições de 2002 e 6,35% e 8 mandatos nas de 2005. Em 2009 obteve a sua máxima expressão eleitoral – 9,82% e 16 mandatos, suplantando a própria CDU em número de deputados (15) e em votos (7,86%). Em 2011 perdeu metade dos deputados e um pouco menos que metade dos votos. Desde então o Bloco não vem dando de sinais de recuperação nas eleições entretanto realizadas (autárquicas e europeias), havendo, pelo contrário, fundadas razões para supor que entrou num declínio difícil de estancar.

Muitos têm falado num certo radicalismo verbal pouco construtivo (leia-se: susceptível de se entender com o PS) como causa desse declínio tendo em consequência dessa análise alguns militantes conhecidos abandonado o partido nestes últimos três anos. A verdade porém é que foi durante a maioria absoluta de José Sócrates que o partido mais se radicalizou nos ataques ao PS e…simultaneamente mais cresceu. Isto não significa que haja uma relação de causa e efeito entre os dois fenómenos. De facto, não é legítimo afirmar nem uma causa nem outra. A perda da influência eleitoral do Bloco parece antes resultar de outros factores.

Mas antes de analisar essas causas talvez seja conveniente sublinhar que um simples resultado eleitoral, como o verificado em 2009, não chega para afirmar uma tendência. É certo que o Bloco está perdendo influência eleitoral, mas para tirar esta conclusão não há que partir da experiência de 2009 que é uma situação verdadeiramente excepcional e que tem as suas causas no modo como o PS conduziu a governação durante a maioria absoluta e como o próprio eleitorado do PS reagiu a essa governação. E se há razões para explicar a subida vertiginosa do Bloco nas eleições de 2009 também há explicações muito plausíveis para justificar essa “incapacidade” de o Bloco não ter sabido consolidar essa votação. A análise que neste blog foi feita logo a seguir  às eleições de 2011 continua, três anos volvidos, a parecer-nos convincente.

Mas uma coisa é a queda do Bloco para números mais condizentes com a sua real capacidade eleitoral, outra bem diferente é o Bloco estar a desperdiçar aquilo que bem poderia ser a sua real influência eleitoral. Independentemente dessa incapacidade de consolidar os resultados de 2009 -  em grande parte justificada pelo retorno dos votos ao local donde tinham saído, numa conjuntura em que esse partido mais deles precisava para obstar à perda previsível de uma parte considerável dos votos do centro (com que se forjou aquela maioria absoluta) e a consequente entrega do poder à direita (como veio a acontecer) -, há obviamente outras razões que explicam o declínio eleitoral do Bloco.

O Bloco está sofrendo as consequências, por um lado, de ter assentado o seu espaço de intervenção num conjunto de causas que uma vez satisfeitas ou absorvidas por outras forças políticas mais significativas lhe reduziram consideravelmente a margem de mobilização eleitoral, e, por outro, por ter uma posição ambígua quanto à questão fundamental da política portuguesa – a União Europeia.

O Bloco é europeísta, por conversão ou por convicção, consoante a proveniência dos seus fundadores, provavelmente por táctica, acredita ou acreditou que as grandes objectivos sociais por que luta, sejam eles de natureza económica ou não, resultariam da luta conjunta dos “povos europeus” (uma ficção…), devendo, por isso, manter-se fielmente ligado ao ideário comunitário naquilo que ele tem de mais significativo – as “três liberdades” e o euro -, não obstante poder discordar dos fundamentos jurídico-políticos em que assentam algumas das manifestações daquele ideário. Todavia, à medida que a política comunitária se foi tornando a tradução prática da “constitucionalização” dos princípios político-jurídicos entretanto operada pelas forças sociais-democratas e conservadoras, o Bloco foi tendo cada mais dificuldade na afirmação das suas posições relativamente à União Europeia. 

Acérrimo defensor do euro, na esteira de Louçã, o Bloco contesta o Tratado Orçamental e as políticas do Banco Central Europeu, preconizando para Portugal uma política relativamente a estas matérias totalmente incompatível com os princípios fundadores da moeda única e do BCE. A rejeição radical da austeridade e das políticas da Troika, nomeadamente depois da crise da dívida, são incompatíveis com a defesa do euro tal como ele foi criado e depois “constitucionalizado”. O Bloco nunca foi sequer capaz politicamente de fazer uma análise que imputasse ao euro e às suas regras a causa do endividamento, que mais não é do que a consequência da profunda assimetria que o euro criou entre os países do centro da Europa, nomeadamente a Alemanha, e os da periferia.

Por esta razão, as suas posições são ainda mais inconsequentes do que as do próprio PS na medida em que todas elas assentam no pressuposto de que pode haver mudanças radicais unilateralmente impostas mantendo-se simultaneamente o país no seio da União Europeia e da moeda única. É óbvio que o Bloco tem consciência desta sua incongruência e das limitações da sua política, mas mantem-se apegado a elas porque acredita que uma política levada ao limite da chantagem sobre a própria União Europeia a fará ceder para evitar consequências imprevisíveis.

Se esta política ainda poderia ser defendida (com um plano B bem gizado e pronto a entrar em acção) quando a crise do euro atingia o seu auge – ou seja, quando a situação na Grécia parecia social e financeiramente catastrófica e as suas repercussões em Portugal, em Espanha e em Itália perigosamente imprevisíveis – ela deixou de ser viável, sequer como ensaio, a partir do momento em que o Banco Central Europeu passou a comprar sem limitação títulos da dívida pública dos Estados para amortecer( até ver...) os efeitos mais catastróficos da moeda única. Essa a razão por que o Bloco, sempre por intermédio de Louçã, foi mudando gradualmente de posição relativamente à União Europeia e ao euro começando a focar todo o peso da sua intervenção, depois da relativa normalização dos juros, na questão da reestruturação da dívida. Mas mesmo sob este prisma a posição do Bloco continua ambígua: por um lado, Louçã subscreve o Manifesto dos 74 (que é ainda um “Manifesto de regime”) e, por outro, vai adiantando propostas de renegociação que passam pelo repúdio de parte da dívida (a dívida ilegítima) e de moratórias, em última instância, unilaterais que manifestamente contendem com a presença de Portugal no Euro, o que, como não poderia deixar de ser, leva Louçã, reticentemente, a admitir que nesse quadro se pode vir a pôr a continuidade do pais na moeda única, seja por decisão própria ou alheia.

Ora bem, tudo isto é muito complicado para um eleitor que quer acima de tudo propostas claras e ter simultaneamente o convencimento de que elas são politicamente exequíveis. E isso o Bloco não foi capaz de apresentar nas eleições europeias. Por outras palavras, dado o futuro previsível de Portugal nos próximos anos, para não dizer das próximas duas décadas , ou o Bloco torna claro a sua posição sobre o euro e sobre a dívida ou estará condenado ao declínio.

terça-feira, 27 de maio de 2014

O PS DEPOIS DAS ELEIÇÕES EUROPEIAS


 

A CRISE DA SOCIAL DEMOCRACIA

 

A noite eleitoral de domingo passado começou com uma fantasiosa declaração de Francisco Assis, cabeça de lista do PS ao Parlamento Europeu, sobre os resultados eleitorais. Mais do que a incapacidade interpretativa de simples dados aritméticos o que a declaração de Assis verdadeiramente significa é a sua incapacidade para compreender o que realmente se está a passar relativamente à Europa tanto na sociedade portuguesa como na europeia, em geral, com especial destaque para o eleitorado dos países em crise.

Já a declaração de Seguro, cerca de duas horas mais tarde, proferida numa altura em que os dados oficiais já eram conhecidos nos seus contornos essenciais e a sua interpretação não deixava lugar a dúvidas, deve ser entendida como uma mensagem de tranquilidade dirigida ao aparelho do PS: “Ganhamos e daqui ninguém nos vai tirar”.

Qualquer que seja o futuro próximo da conjuntura política portuguesa – desagregação da coligação no poder em consequência da redução do CDS à mínima expressão eleitoral; substituição de Seguro na chefia do PS (possível mas pouco provável), eleições antecipadas ou não -, o que se perfila no horizonte político é uma coligação do PS com as forças europeístas da direita e do centro direita com vista a garantir a “estabilidade da governação” em Portugal, esteja quem estiver à frente do partido.

Por mais que no PS se comece a discutir os resultados eleitorais e se acentue a sensação de que, afinal, não houve qualquer vitória, o futuro do partido – e o mesmo acontece ou vai acontecer na Europa aos partidos congéneres – é uma acentuada viragem à direita destinada a garantir o cumprimento do Tratado Orçamental, acabando esta estratégia por contribuir para a completa descaracterização dos partidos sociais-democratas ou até mesmo, em alguns casos, para a sua extinção, e porventura para a desagregação da própria Europa que jamais poderá subsistir num clima de crescente desigualdade na distribuição dos rendimentos quer entre os países que a compõem quer no interior de cada país.

No PS português os dados estão lançados e são perfeitamente compreensíveis por qualquer observador minimamente atento. As traves mestras da estratégia do PS assentam numa retórica impossível de levar à prática pelos seus próprios meios. De facto, apontar para a Europa que hoje existe como factor de transformação da política portuguesa constitui uma mistificação em que nem o mais ingénuo dos portugueses pode acreditar. Hoje, toda a gente sabe isso, não há qualquer hipótese de pôr em prática no plano europeu uma política conjunturalmente diferente da que vem sendo seguida desde Maastricht e que se consolidou com os tratados e acordos intergovernamentais subsequentes. Na União Europeia tudo o que é importante está “constitucionalizado”. E as forças dominantes da Europa, integrem-se elas nos partidos sociais-democratas ou conservadores, estão em completa sintonia com as bases fundamentais dessa política, procurando apenas algumas delas no puro plano retórico sugerir a ideia de que é possível limar algumas das arestas mais agrestes dessa política sem pôr em causa o edifício que as suporta.

Pura fantasia! Em Portugal está à vista o que vai acontecer. O PS, se Seguro permanecer à frente do partido, vai continuar a fazer uma política semelhante à que foi feita nestes últimos três anos, porventura com mais radicalismo verbal, mas sem questionar nada do que é verdadeiramente essencial. O mais provável – mas não certo – é quer ganhe as eleições legislativas por escassa margem e acabe por fazer com o PSD, muito provavelmente o PSD de Passos Coelho, uma coligação governamental com as consequência acima assinaladas. A outra hipótese, pouco provável, é que Costa (principalmente depois de saber que Guterres é hipótese para as presidenciais) ou César assumam a chefia do partido e tentem liderar um bloco social constituído pelas forças representativas do “Manifesto dos 74” com vista a alcançar uma maioria absoluta nas legislativas de 2015 que os dispense de uma aliança ostensiva com o PSD. Mas também neste caso o PS caminhará inexoravelmente para um destino idêntico ao do PS francês ou do PASOK já que as políticas que será obrigado a pôr em prática rapidamente conduzirão à desagregação desse “bloco” e à própria desagregação do Governo.

Sem pôr em causa os actuais fundamentos da União Europeia – e pôr em causa significa romper, se necessário – os partidos socialistas e sociais-democratas da Europa não têm qualquer futuro como partidos de esquerda. O seu futuro será o de servirem de muleta às políticas “constitucionalizadas” pela União Europeia que são políticas – é bom não esquecê-lo – cujas bases fundamentais foram institucionalizadas por esses mesmos partidos do mesmo modo que nos Estados Unidos essas mesmas políticas tiveram um impulso decisivo sob a governação Clinton.

Em conclusão, a crise da social-democracia não é de agora nem pode já ser evitada sem profundas rupturas que nenhum desses partidos hoje defende. Ela resulta da destruição do “Pacto Social” e do papel desempenhado nessa destruição, desde há trinta anos e mais acentuadamente desde a década de noventa do século passado, pelos próprios partidos socialistas, trabalhistas e sociais-democratas, que com a sua actuação abriram as portas às políticas hoje vigentes em todos os países capitalistas desenvolvidos. A profunda desigualdade hoje existente nas sociedades ocidentais economicamente desenvolvidas é a consequência evidente da destruição daquele “Pacto” laboriosamente construído entre a Grande Depressão, mais abrangentemente depois da II Guerra Mundial, e o primeiro choque petrolífero. E a destruição desse pacto social, no qual as forças “socialistas” colaboram, alicerça-se na expulsão da democracia de amplos domínios da vida política, nomeadamente na maior parte das matérias de natureza económico-financeira, bem como daquelas em que estas mais intensamente se repercutem, como a saúde, o ensino e a segurança social.

Portanto, e em conclusão, a “vitória” do PS (31,45%) nas eleições de domingo passado não constitui uma fragilidade de Seguro da mesma forma que os resultados eleitorais dos partidos socialistas francês, espanhol e grego não representam uma fragilidade de quem os lidera, mas eles são antes antes o resultado da interiorização que por toda a Europa os eleitores sociais-democratas fazem hoje dos partidos que os representam, ou seja, de partidos que claudicaram na defesa desses interesses para abertamente se colocarem ao lado dos interesses do grande capital, nomeadamente do capital financeiro, com base na desculpa mil vezes repetida de que não há alternativa viável às politicas dominantes. Por outras palavras, o resultado eleitoral do PS mais não é do que antevisão da sanção, ainda mais contundente, que o eleitorado lhe irá infligir quando as suas políticas começarem efectivamente a ser postas em prática.