quinta-feira, 29 de outubro de 2009

A MALANDRAGEM VOLTA A ATACAR - II



AFINAL, HÁ MAIS NOTÍCIAS

Quando escrevi o post anterior ainda não sabia que a comissão executiva do BCP tinha emitido um comunicado mantendo a confiança em Armando Vara, nem que José Penedos, Presidente da REN, tinha sido constituído arguido.
Não sabia. Mas nenhum dos factos me causa qualquer tipo de admiração. Como não há-de a comissão executiva do BCP manter a confiança em Vara se há todas as razões para supor que foi exactamente por Vara ser quem é que ele foi levado para o BCP? E, quanto a Penedos, eu também não posso deixar de me recordar de uma entrevista sua, de 1996, que o Vítor Dias não se cansa de divulgar, em que ele, muito sinceramente, declarava: “Por cada empresa que privatizo, abro uma garrafa de champanhe!”.
Se o país tem à frente das empresas públicas ou participadas pessoas que defendem tão entusiasticamente a sua privatização e a iniciativa privada nas áreas e objectos empresariais em que elas próprias estão empregadas, algo não vai seguramente bem.
É claro, que neste caso estamos muito para além disso tudo. Estamos no domínio da suspeita da prática de actividades criminosas. O mínimo que se pode dizer é que o Governo do PS começa mal. Muito mal. E antes que sobre o assunto se volte a falar, o PS somente tem uma atitude a tomar: intimar as referidas personalidades a suspender de imediato os respectivos mandatos. Já. Não interessa saber se o PS, isto é, o Governo, tem, ou não, juridicamente poderes para o fazer. Tem os mesmos poderes que teve quando “levou” para o BCP a gente que estava à frente da Caixa Geral de Depósitos.
Estas notícias, ainda por cima apoiadas em gravações, desmoralizam completamente os cidadãos. No BPN aconteceu o que toda a gente sabe. Não há dúvidas sobre o que fizeram, donde vinham e com quem se davam. Relativamente a estes também não há: toda a gente sabe donde vêm e com quem se dão. Por isso, a escolha não é muito difícil de fazer: é mandá-los embora ou deixá-los ficar. Consoante actue ou não actue, assim se avaliará a conduta do Governo!

A MALANDRAGEM VOLTA A ATACAR




NADA OS SACIA

Ontem, os telejornais da noite abriram com a notícia de que estava em curso uma investigação a uma gigantesca rede de corrupção, tráfico de influências - enfim, o costume -, tendo por alvo a acção de quadros médios e superiores de várias empresas públicas ou participadas pelo Estado. O essencial, mas não exclusivamente, dirá respeito a negócios do lixo e da sucata, negócios a que sociologicamente, em várias partes do mundo, costumam estar ligados bandos mafiosos. Pois por cá, para não ficarmos atrás e podermos não parecer modernos, também há gente que nas empresas públicas e participadas “trabalha” a favor de um certo empresário, viciando concursos, favorecendo negócios, aproveitando-se da sua relação familiar, pessoal ou estatutária com dirigentes daquelas empresas, para, a troco de vantagens pecuniárias, pagas cash, lhe assegurar os respectivos negócios.
Nada sacia estes delinquentes compulsivos que pululam na nossa vida pública. Gente que vem da política para as empresas, sem outros méritos que não uma especial vocação para a vigarice, ou gente que nessas mesmas empresas, ganhando muitíssimo mais do que merece, mesmo assim não hesita em ceder perante o crime, a troco de vantagens patrimoniais imediatas.
Ainda tudo está em investigação e, mais uma vez, tudo pode levar a parte nenhuma. Aliás, quando se ouve o Procurador dizer que a investigação é complexa e envolve variadíssimas empresas, a gente fica logo com a convicção de que, mais uma vez, os famosos meios humanos e materiais disponíveis acabarão por se revelar insuficientes para atacar com êxito a “complexidade da situação”. Tudo querendo abarcar, tudo acaba por se perder. As pessoas não percebem por que razão se não pega de imediato naquilo que é certo e seguro, mesmo que seja apenas uma ínfima parcela da trama criminosa, e não se avança imediatamente para julgamento. Ninguém vai perceber que, havendo gravações, a pedir dinheiro, em notas, pelos “serviços” prestados, se não julgue o mais rapidamente possível essas pessoas. De outro modo corre-se o risco, para não dizer a certeza, de nada acontecer, como se está ver com a não menos famosa “operação furacão”.
Este caso revela mais uma vez, à saciedade, a malandragem existente entre a política e os negócios. Essa mesma malandragem que deixou o BPN na situação em que se encontra – 3 mil e 500 milhões de euros, com o Presidente da CGD a dizer quer a Caixa não corre riscos, porque tem a garantia do Estado e o Ministro das Finanças a dizer quer o Estado ainda lá não pôs nem um tostão –, essa malandragem que a seguir ao exercício de funções governativas é colocada nas empresas para fazer o que está vista de toda a gente. Os méritos são conhecidos: são delinquentes profissionais e gozam da protecção de quem lá os coloca ou de quem defende a sua colocação nesses lugares.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

É DIFÍCIL RECOMEÇAR



VALHA-NOS O TEXTO DE RICHARD ZIMLER

É difícil recomeçar. Se ao fim de um longo exercício de escrita, sem interrupções, começa a escassear a originalidade, a seguir a uma paragem de quinze dias falta o ritmo. E talvez também a motivação. Nomeadamente, quando o tempo dedicado à escrita é roubado à leitura, à aprendizagem de coisas novas.
De longe fui vendo os títulos dos jornais e não fiquei com pena por não ter acompanhado as notícias de perto.
Bastou-me saber que o Benfica continuava imparável e os sportinguistas cada vez mais desesperados. Os do Porto, habituados a olhar de cima para baixo, e não para o lado, como os do Sporting, têm uma atitude mais inteligente e emocionalmente madura. Fiquei satisfeito por Hulk ter sido convocado para a selecção brasileira. Vai ser a grande estrela do mundial do ano que vem.
Claro que também fiquei contente com o apuramento de Portugal para o play-off, apesar de Queiroz e de Madaíl. Queiroz, depois da triste figura que fez, e ainda sem nada ter garantido, já diz que vai ser campeão. Não seria motivo suficiente para o substituir? Mais tarde, será tarde…
Da formação do governo, nem surpresa, nem decepção. Mais ou menos o esperado com duas notas politicamente importantes: Isabel Alçada e Vieira da Silva, de quem Sócrates muito espera, por razões diferentes. A passagem de Santos Silva para a Defesa vai finalmente permitir-nos perceber o que resta nele do famoso Comissário de Guerra que em tempos mais recuados o terá inspirado.
Veremos até que ponto irá a pormenorização do programa do governo. Provavelmente, aperceber-nos-emos do programa de cada ministério pela acção política do respectivo Ministro, à medida que a for concretizando. E, se assim for, não haverá como avaliar o programado com o realizado.
Também, pelo discurso de Sócrates, me pareceu que ele não interpretou correctamente o sentido do voto de 27 de Setembro. Com as suas palavras parece ter ratificado o que Santos Silva disse na SIC aqui há umas três semanas. Se está a contar com a fragilidade de Cavaco e a indisponibilidade da maior parte dos partidos para novas eleições em breve –factos inquestionáveis – para actuar como se tivesse maioria absoluta, vai enganar-se redondamente. É que o Parlamento, com o partido do Governo em minoria, também pode “governar”.
Finalmente, o texto de Richard Zimler, no Público de hoje, sobre as “teses” de Saramago. Jamais esquecerei o que disse Saramago em Oslo, no discurso de aceitação do Prémio Nobel: o elogio do seu Avô, homem analfabeto, como o homem mais sábio que conheceu.
Anos mais tarde, Lula, já como Presidente do Brasil, não se cansa de lutar contra o analfabetismo e de alertar para o “mau exemplo” que ele pode representar para a maior parte da juventude brasileira se não acreditar no estudo e na educação como factor primordial de erradicação da pobreza e da marginalidade.
Enfim, não temos que saber tudo, nem mesmo dominar o essencial da filosofia ocidental. Mas nada disso legitima a arrogância da nossa ignorância.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

UM BREVE INTERREGNO


SEM PERDER O CONTACTO

Agora por uns tempos vou para longe. Talvez por 15 dias. Estamos todos um pouco cansados da política escrita e falada. Corremos o risco, para não dizer a certeza, de nos repetirmos, de nos banalizarmos, enfim, de não ter nada de interessante para dizer.
Irei dando notícias, porventura de outra natureza. Nada como os grandes espaços para abrir novos horizontes e refrescar as ideias. Tudo o que é acessório perderá imediatamente importância sem necessidade de qualquer reflexão. É a vantagem de quem vê de longe. De longe vê-se mais longe.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

MARCELO MUITO ACTIVO


GRANDES DESAFIOS O ESPERAM

Marcelo Rebelo de Sousa está activo no PSD como há muito não se via. Participa nas campanhas do partido, pondera ponderar concorrer à sucessão de MFL, enfim, acha que é chegada a hora.
Ontem ou hoje disse que o PSD deveria mobilizar-se desde já para a recandidatura de Cavaco Silva. Depois do enorme e frustrado esforço que Cavaco fez para demonstrar que é independente, lá vem MRS pedir a mobilização do partido.
É claro que Marcelo sabe perfeitamente o que Cavaco tem feito ao partido, sem, contudo, deixar de se aproveitar dele sempre que lhe convém, de acordo com os seus timings e a sua agenda. Marcelo sabe tudo isso. O que Marcelo pretende é começar pressionar Cavaco e deixar muito claro que, se quer recandidatar-se, vai ter de se decidir de acordo com o tempo político-eleitoral do partido.
Tudo isto porque Marcelo acha que é o melhor candidato para qualquer dos dois lugares (PR e PM) e o que está em melhores condições de ganhar. E é muito capaz de não estar enganado…

OBAMA, PRÉMIO NOBEL DA PAZ


UM JUSTO PRÉMIO

Raramente alguém na política internacional terá merecido mais este prémio do que Barack Obama. Em menos de nove meses alterou profundamente a política externa americana: rompeu, no discurso do Cairo, com o pensamento neoconservador, dominante na América desde Reagan, com a breve excepção de Bush-pai; alterou a politica americana relativamente à Europa de Leste, à Rússia e ao Cáucaso, substituindo uma política belicista agressiva por uma política dialogada que coloca a paz em primeiro plano; estendeu a mão ao Irão, como nenhum outro político americano o fez desde Carter; pressionou Israel, ainda sem êxito, mas com persistência com vista à criação de um Estado palestiniano viável e correspondente cessação e desmantelamento dos colonatos; acabou com a tortura como método de investigação e ordenou o encerramento de Guantánamo, porventura o feito menos relevante no actual momento histórico, não fora a América ter regressado à barbárie com Bush, Cheney, Rumsfeld e outros criminosos de direito comum; mantém, é certo, a guerra no Afeganistão que, embora legal do ponto de vista do direito internacional, está condenada ao insucesso, sendo, todavia, previsíveis assinaláveis mudanças em prazo não muito longínquo; finalmente, restaurou por mérito próprio, exclusivo, o prestígio da América e a confiança no mundo, fazendo crer, com o seu entusiasmo e o seu exemplo, a biliões de pessoas que é possível uma vida melhor.
A atribuição do prémio Nobel da paz a Barack Obama constitui uma grande vitória para todos os que acreditam que é possível mudar o mundo para melhor e uma derrota para os cínicos que nos quatro cantos do mundo desencorajam os povos de lutar pela sua felicidade. Ainda uma derrota para a direita fascista e racista americana, e em geral para os sectores mais reaccionários acobertados pelo Partido Republicano que têm movido uma campanha violenta contra Barack Obama.

O GESTO DE CARVALHO DA SILVA


COMO EXPLICAR?

Compreende-se mal que o PS que, durante quatro anos e meio, se recusou, no plano nacional, a aceitar qualquer ponto de vista da esquerda ou a com ela negociar sobre questões nevrálgicas, como o Código do Trabalho, a segurança social e outras, reclame agora, em Lisboa, o seu apoio para livrar a capital do “terrível governo de direita”. Mais: o PS não só actuou assim no passado, como já deu indícios suficientes de que continuará a agir assim no futuro. O PS está, portanto, muito preocupado com a hipotética vitória da direita em Lisboa, mas não demonstra ter a menor preocupação pelo papel dessa mesma direita a nível nacional. Tanto assim que nunca manifestou a menor vontade de se entender com os partidos e forças políticas à sua esquerda.
Durante a legislatura que agora acaba, o rosto da revolta e do combate contra a ofensiva neoliberal do PS em todos os domínios económicos da governação, foi Carvalho da Silva, Coordenador da CGTP.
É por isso com alguma surpresa que todos aqueles que durante quatro anos e meio o acompanharam na luta contra o Governo ou que concordaram com a sua acção, o vêem agora, a troco e nada, a apoiar um candidato do partido do governo para a Câmara de Lisboa com uma justificação manifestamente insuficiente.
O gesto de Carvalho da Silva exige de todos aqueles que sempre o apoiaram uma explicação mais convincente. Não por ele ser membro do PCP, facto para mim absolutamente irrelevante neste contexto, por ele ter sido, desde sempre, com toda a esquerda que o apoia, insisto, um lutador contra a prepotência económica e a descriminação social por uma política de justiça e de coesão social, em defesa dos legítimos direitos de quem trabalha. E essa luta, neste momento histórico, como em qualquer outro, faz-se contra os detentores do poder económico e contra quem, no governo, inequivocamente os apoia.
Assim sendo, a coerência política exige que o PS não possa reclamar uma solução política para a Câmara de Lisboa e outra, completamente diferente, a nível nacional. Se o PS não consegue um entendimento mínimo com a esquerda a nível nacional também não se pode exigir à esquerda que o apoie em Lisboa. Carvalho da Silva agiu de modo diferente, com base numa explicação insuficiente. O que se lhe pede, no mínimo, é que se explique.
Será Carvalho da Silva um excelente candidato a Presidente da República? Sempre achei que sim. Mas este não é o caminho. Mais uma vez relembro, agora também a Carvalho da Silva, que nunca se esqueça da história de Roma. A maior fonte política de ensinamentos de toda a história da humanidade….

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

A RTP TEM UMA APRESENTADORA QUE ACTUA IMPUNEMENTE

FÁTIMA CAMPOS FERREIRA

Acabei de ouvir da apresentadora da RTP, enfim, uma senhora que somente pode estar naquele lugar com base em critérios que ninguém percebe, que o deputado da CDU não tinha que protestar por o tempo entre os partidos representados no debate não estar repartido equitativamente. Porquê? Porque somente dois dos candidatos presentes podem aspirar à presidência da câmara.
É uma vergonha ter na RTP gente desta. Pior do que isso somente a confissão de Elisa Ferreira ter na sua comissão de honra os representantes dos interesses imobiliários do Parque da Cidade. Viva a transparência democrática da candidata do PS. Assim não dá. Já não há pudor. Isto está a ficar insustentável. E depois não me venham dizer que são todos iguais. Não. Não são. Embora haja cada vez mais iguais àqueles que a gente gostava que não estivessem na política.
A senhora da RTP é insuportável, a ponto de interferir sobre o que os candidatos querem dizer e como querem dizer. Assim também não dá!

OS IMBRÓGLIOS DO TRATADO DE LISBOA



VAI AUMENTAR A CONFUSÃO INSTITUCIONAL

Uma das grandes virtudes que os defensores do Tratado de Lisboa lhe atribuíam (e atribuem) era a arrumação institucional que por via dele se conseguiria. Um tratado apto a permitir a governação a 27. Há, porém dois novos lugares no Tratado de Lisboa, que ainda nem sequer estão ocupados, mas cuja função já se antevê uma fonte permanente de conflitos. Referimo-nos ao lugar de Presidente do Conselho Europeu e ao Alto Representante para a política externa da UE.
O lugar de Presidente do Conselho foi uma invenção dos países grandes que, com a sua habitual arrogância, achavam que os países pequenos e médios não estavam, em muitos casos, em condições de exercer com êxito e eficácia as presidências semestrais rotativas. Apesar de a experiência a 12 e a 15 estar muito longe de justificar aquela desconfiança, os “grandes” países acharam que, com o alargamento, era chegada a altura de um pôr um ex-chefe de governo à frente da Europa por dois anos e meio, renovável por igual período de tempo.
Trata-se de uma função mal concebida e de competências muito indefinidas, o que normalmente, nas instituições com grande peso burocrático, tem como consequência inevitável uma das duas seguintes: ou a criação de um lugar puramente decorativo ou uma fonte permanente de conflitos.
Até ao presente, a colaboração das presidências semestrais com a Comissão era boa na generalidade dos casos por razões muito compreensíveis. Os pequenos e médios Estados precisavam da Comissão para fazer uma presidência prestigiante, e como ambos tiravam vantagem disso, normalmente as coisas corriam bem - a Comissão porque não perdia o seu protagonismo e a presidência de turno porque ficava tanto mais bem vista aos olhos dos seus pares quanto do ponto de vista das instituições comunitárias o seu desempenho tivesse sido avaliado positivamente. Somente com um ou outro país grande, em períodos de grande arrogância política, os atritos poderiam surgir.
Agora o Presidente do Conselho – um ex-chefe de Governo – vai constituir um fonte de atritos com a Comissão – como o seu mandato é longo vai querer roubar protagonismo à Comissão e ao seu Presidente - e com os Estados-membros a quem continua a caber as presidências semestrais para efeitos de conselhos de ministros sectoriais – por incompatibilidades de agendas.
E se alguns dos nomes de que se fala forem avante é mais do que certo que as dificuldades surgirão. Escolher Blair para presidente da UE, além de constituir uma ironia da história, seria acabar de vez com qualquer veleidade de constituir uma Europa que vá para além de um grande mercado único.
Por outro lado, também o lugar de Alto Representante da União Europeia para a política externa, simultaneamente vice-presidente da Comissão, se presta a todas as incompreensões, apenas atenuadas, relativamente ao lugar antes referido, pelo facto de a UE não ter uma política externa comum. Se o escolhido for uma personalidade como Solana, enfim, daí não viria grande mal ao mundo, como igualmente não viria se lá não estivesse ninguém. Mas se aparece alguém mais interventivo, estão igualmente criadas as condições para conflitos em série com o Presidente do Conselho, o Presidente da Comissão e os Estados membros de turno.
Enfim, se os demais órgãos da União Europeia já deixam muito a desejar relativamente ao arranjo institucional de que eles fazem parte, principalmente no que respeita à sua relação com os cidadãos, as inovações introduzidas ainda aumentam mais a confusão, agora tanto em relação aos Estados, como aos órgãos da própria União.

O REFERENDO DA IRLANDA


ATÉ ESTAVA PARA FICAR CALADO...

Quando ouço os políticos, e seus acólitos, que em Portugal (e noutros países) se opuseram tenazmente a referendar o Tratado de Lisboa, a exultar com o resultado da Irlanda não posso deixar de me regozijar com o oportunismo que tão desavergonhadamente exprimem.
E agora que o Tratado vai entrar em vigor (Klaus está apenas a enervá-los, mas já na Polónia a questão pode ser mais séria…), os seus defensores não se cansam de nos tentar convencer que o projecto é perfeito e que sua arquitectura não poderia ter sido mais bem concebida. Só que há um pequeno problema: os utentes dessa obra miraculosa não foram ouvidos sobre a sua construção e, por isso, não se sabe muito bem se estarão dispostos a “habitá-la” nos termos em que foi construída. O futuro o dirá…
Entretanto, a par de muitos outros problemas, a UE defronta-se a médio prazo com dois problemas complicados que não se vê muito bem como resolvê-los. O problema da moeda (que não afecta todos os EM, mas afecta os da zona euro e qualquer convulsão grave nesta matéria teria reflexos dramáticos sobre o conjunto) e o problema da dívida.
Apesar de Obama, no plano político, com a sua política a leste, ter feito mais pela construção europeia do que tudo o que aconteceu desde a reunificação da Alemanha, nem por isso, problemas de outra natureza, nomeadamente monetários e financeiros, logo económicos, deixarão de surgir com uma força e um impacto nunca antes visto.
O primeiro problema tem a ver com a desvalorização do dólar e do yuan (e muito provavelmente da libra e do yen). Com um défice da ordem dos 13% do PIB no fim deste ano, dificilmente o dólar deixará de se desvalorizar ainda mais, por mais intensa que seja a retórica oficial de defesa de um dólar forte. A desvalorização diminuiria a dívida e tornaria a economia americana mais competitiva. Escusado será dizer que esta política, ou esta consequência se se tratar de uma inevitabilidade, penalizará fortemente as economias da zona euro, que, no seu conjunto, perdem competitividade na exacta medida em que os EUA a ganham. Pior ainda: no seio da zona euro, uns perdem muito mais do que outros. E se algum ou alguns dos que perdem competitividade pertencem ao número dos grandes (como parece ser o caso da França), como sair da situação senão pele desvalorização competitiva do euro? E como reagirá a Alemanha, que é, apesar de tudo, a economia que lida melhor com um euro forte ou mesmo sobrevalorizado?
A segunda questão tem a ver com a dívida dos países da zona euro, consideravelmente agravada pelos recentes (e futuros) défices orçamentais decorrentes dos programas de estímulo, das medidas anti-crise e dos programas sociais de apoio aos atingidos pela crise. Também nesta matéria a situação dos EM está longe de ser homogénea.
Muitos dos países da zona euro têm défices estruturais. O défice estrutural é a parte das despesas não coberta pelas receitas em período de normalidade económica. A França tem um grande défice estrutural, tal como Portugal e outros países da zona euro. O Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) tem exactamente por função impedir défices desta natureza superiores a 3% do PIB e dívida superior a 60%. Só que, além do PEC, há um outro facto do maior relevo, a que já fizemos referência neste blogue, mas a que ninguém parece dedicar a mínima atenção. A Alemanha, em Junho passado, constitucionalizou a norma orçamental que proíbe o défice estrutural tanto da federação como dos länders superior a 0,35% do PIB. Assim, se a situação económica é normal e o crescimento conforme ao potencial da economia, o défice está proibido constitucionalmente; se o crescimento for superior ao potencial da economia, o orçamento deverá ser excedentário, podendo no caso oposto ser deficitário, como acontece em tempos de crise semelhantes aos actuais.
Esta norma entrará em vigor em 2011, com um período de transição estabelecido por causa da crise e das medidas de estímulo que a situação reclama.
Esta política da Alemanha contrasta com a francesa que, como se sabe, não parece ter qualquer problema no agravamento do défice para cerca de 8% e da dívida para montantes próximos dos 84% do PIB. Mais tarde ou mais cedo, muito provavelmente logo que a situação económica se normalize, vai haver uma grande pressão de Bruxelas (e dos alemães) para que os défices sejam reduzidos, não sendo de excluir que uma parte considerável dessa redução seja alcançada à custa de uma subida generalizada dos impostos. E, então, aí teremos nós mais um facto de tensão entre os países da zona euro.

AUTÁRQUICAS DE LISBOA E PORTO



QUEM APOIAR?

Vi dois debates entre os candidatos às autárquicas do Porto e um entre os de Lisboa. Conhecia mal a situação do Porto, salvo aquela que entra pelos olhos dentro de quem lá se desloca.
A primeira vitória de Rui Rio aqui há uns anos atrás apoiou-se num bom princípio: tornar a Câmara independente do presidente do FCP. Foi um bom princípio, mas por ai se ficou. O segundo mandato, com maioria absoluta, a avaliar pelo que dizem os seus opositores, terá sido pior do que o primeiro.
Nas eleições de domingo, Rui Rio vai defrontar-se com uma candidata do PS que concorre numa posição muito particular: acabou de ser eleita para o Parlamento Europeu há 4 meses. De certeza que um dos dois eleitorados que a sufraga sairá enganado. Ou o de Junho ou o de Outubro. Pelo que vi não acrescenta nada a Rui Rio: o que lhe tira em especulação imobiliária (Bairro do Aleixo e outros) vai dar-lhe na dependência a outros poderes fácticos, muito poderosos no Porto. Bem, há ainda a cultura, mas nisso de cultura não há nada como ver para crer. O exemplo do governo central não favorece quem do mesmo lado pretende privilegiar esta área como tema de campanha.
Em Lisboa, a gente sabe como a cidade está e sabe também de quem é a culpa. Ao longo dos anos o PS e o PSD têm dividido irmãmente entre si o campeonato do “quem faz pior”. Sempre que os grandes interesses falam, Lisboa cala-se, principalmente se quem lá está é da mesma cor de quem governa. Além de que a presidência da Câmara tem infelizmente servido para muitas coisas que nada tem a ver com a gestão do município.
Vistos os debates, ouvidos os candidatos, eu que não conto ser candidato a presidente da república, nem acalento essa esperança, não tenho necessidade de apoiar António Costa.
Nas autárquicas não tenho qualquer dúvida. Tanto no Porto como em Lisboa, os meus presidentes seriam o Rui Sá e o Rúben de Carvalho. Quantos votos eu tivesse, quantos votos lhes daria. Porquê? Porque são os mais competentes, os mais conhecedores dos problemas da cidade, os mais empenhados em resolvê-los no interesse de todos …e, enfim, porque são indiscutivelmente os mais sérios!

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

O FUTEBOL VISTO PELOS SPORTINGUISTAS



O AUTISMO SPORTNGUISTA

Na segunda-feira à noite, na casa de um amigo, alguém, depois do jogo do Benfica, ia saltitando de canal em canal, procurando algo de interessante para ver. Parou na TVI24 no exacto momento em que falava, num programa desportivo, Eduardo Barroso, porventura o mais genuíno sportinguista da actualidade.
E então dizia ele: Neste campeonato não vejo assim nada de especialmente diferente entre o Benfica e Sporting. Falam muito no Benfica, os jornais, as televisões e as rádios só falam do Benfica, mas eu não acho justificação para tanto alarido. Se o Sporting tivesse ganho o jogo da Madeira, como normalmente acontece, se tivesse empatado nas Antas, como poderia ter acontecido, se não tivesse perdido com o Braga, se tivesse ganho ao Belenenses e o Benfica tivesse empatado em Leiria, que era o resultado mais justo, se não tivesse jogado contra nove no jogo com o Leixões, se não tivesse marcado os golos de bola parada que já marcou, o Sporting até estaria à frente!
Acho que ainda falou nos árbitros, mas a gargalhada que ia pela sala era já tanta, que mais ninguém conseguia ouvir o que ele estava a dizer…

SANTOS SILVA NA SIC N



MON DIEU, ELE NÃO PERCEBEU NADA!

Hoje ia-me deitar mais cedo, com a esperança de amanhã, mais fresco, recomeçar o comentário.
Antes de adormecer, liguei a TV na SIC N. Santos Silva falava com Ana Lourenço. Tive sorte, bastaram-me três minutos para perceber que o ainda Ministro dos Assuntos Parlamentares não percebeu nada do que se passou no dia 27 de Setembro!
Ninguém acredita que Santos Silva esteja a falar por conta própria. Ele está a expor a “linha” do entendimento que o PS tem do governo nesta nova versão.
Para Santos Silva é tudo simples como uma auto-estrada sem curvas, nem movimento. Ele acha que se o PS foi o partido mais votado terá legitimidade para pôr em prática tudo o que defendeu na campanha, sem ter que atender aos pontos de vista dos partidos menos votados, exactamente porque foram menos votados. Mas disse mais. Disse que se o Parlamento abusasse da figura da ratificação dos decretos-leis estava a pôr em causa uma competência do Governo e a criar as tais condições de ingovernabilidade.
Mas será que o PS endoidou? Só mesmo por provocação se pode pôr Santos Silva a falar sobre estes assuntos. Embora provocação ainda maior seja pô-lo a dizer o que disse.
Ainda há dias escrevi: “O PS, por seu turno, não pode fazer de conta que governa em maioria absoluta nem manter a arrogância da anterior legislatura e, embora conheça os constrangimentos políticos e estratégicos que impendem sobre os demais partidos, tem de ter a arte e maleabilidade suficientes para fazer uma governação próxima daquilo que o eleitor em geral espera”.
Depois de ouvir Santos Silva, e supondo, como não pode deixar de ser, que ele está exprimindo a posição do Governo, tenho de reconhecer que não passa de uma ilusão supor que o PS pode mudar. Só se for para pior…

terça-feira, 6 de outubro de 2009

AS CONTAS DO PROF. MARCELO

POR QUE PONDERAR AGORA?

Marcelo, que já uma vez jurou que nem que Cristo voltasse à terra se candidataria à presidência do PSD e acabou por se candidatar, vem agora dizer-nos que pode ponderar fazê-lo na hora própria. E há de facto razões para isso. Se for presidente do PSD, poderá vir a ocupar daqui a dois anos um dos dois lugares mais importantes da política portuguesa.
Como aqui já disse, Cavaco vai ter de decidir se se recandidata dentro de um tempo aceitável para o PSD. Se porventura não se recandidatar, Marcelo, estando à frente do PSD, fica numa posição excelente para escolher o candidato do partido e pode influenciar a sua própria escolha por ser, sem dúvida, o melhor candidato que o partido pode apresentar. Além disso, pode ainda influenciar a escolha do seu sucessor.
Se Cavaco resolver recandidatar-se e ganhar, Marcelo acredita que haverá eleições antecipadas, e acha que, com ele à frente do PSD, o partido terá condições para ganhar. Mais: Marcelo não acredita que a próxima legislatura vá além dos dois anos, quem quer que seja o Presidente da República. E como conta com um grande desgaste de Sócrates neste segundo mandato, estariam assim criadas as condições para, finalmente, chegar a primeiro-ministro.

domingo, 4 de outubro de 2009

ESPANHA - PUJOL CONFIRMA PARTICIPAÇÃO DOS SOCIALISTAS NA CONSPIRAÇÃO CONTRA SUÁREZ

MÚGICA FALOU COM PUJOL SOBRE O ASSUNTO

Aqui há uns meses causou grande surpresa em Espanha e não menor sobressalto a difusão de uma nova tese sobre o golpe de 23-F do tenente-coronel da Guarda Civil António Tejero, por Javier Cercas, no livro Anatomia de um Instante, um misto de ficção e realidade.
Segundo o autor do famoso livro Soldados de Salamina, o golpe de Tejero, em 23 de Fevereiro de 1981, é o resultado de uma das várias conspirações que à época estavam sendo urdidas contra Suárez. Cercas implica na preparação desses actos militares da Casa Real, o próprio Rei e também os socialistas de Gonzalez. As próprias palavras de Juan Carlos durante a ocupação das Cortes por Tejero, comummente entendidas como destinadas a desautorizar o golpe, seriam, segundo aquele A., ambíguas e teriam por efeito deixar a dúvida a quem estivesse por dentro da conspiração de que, não sendo aquele o golpe do Rei, poderia haver outro.
Na segunda parte das memórias a publicar na próxima semana, Jordi Pujol, então Presidente da Generalitat, confirma que Enrique Múgica, actual Defensor del Pueblo, e à época destacado membro do PSOE e mais tarde ministro da Justiça de Gonzalez, foi à Catalunha procurar o seu apoio para a substituição de Suárez por um militar de “talante democrático”.
Como se sabe, Suárez, muito hostilizado pela direita franquista e também debaixo de fogo cerrado dos socialistas, acabou por se demitir, incompatibilizado com o Rei e com os sectores militares reaccionários, tendo o golpe de Tejero tido lugar no exacto momento em que nas Cortes se votava a investidura do seu substituto, Leopoldo Calvo-Sotelo.
Depois destas revelações ganham novo significado as palavras de despedida de Suárez, por muitos consideradas enigmáticas: “Não quero que o sistema convivência democrática seja, uma vez mais, um parênteses na história de Espanha”. Tais palavras, à luz dos factos que agora se conhecem, parecem significar a existência de fortes pressões militares para que se demitisse. O golpe de Tejero, três semanas depois, confirma de certo modo aquele entendimento.

sábado, 3 de outubro de 2009

A PROPÓSITO DA CAPACIDADE PARA GOVERNAR DO PRÓXIMO GOVERNO


A IRRACIONALIDADE DE ALGUNS COMENTÁRIO

Descontando os comentários tipo Pacheco Pereira, quase sempre ditados por um ressabiamento difícil de superar, muitos dos comentários veiculados pelos media sobre a capacidade para governar do próximo governo assentam num pessimismo tão irracional quanto seria um optimismo sem fundamentos ou com falsos fundamentos. Só que por razões porventura idiossincráticas o pessimismo quadra-se melhor com a mentalidade portuguesa dominante, gozando por isso de uma aceitação de princípio com que o optimismo não conta.
Não há assim muita diferença entre os que, do lado do PS, antes das eleições insistiam em nos convencer que não se poderia governar senão em maioria absoluta monopartidária e aqueles que agora, do lado da direita, teimam em prever que o próximo governo está condenado ao fracasso imediato.
A concessão de uma maioria relativa num parlamento fragmentado, à semelhança do que cada vez mais tende a acontecer na Europa – veja-se o caso da Alemanha –, deveria constituir um bom pretexto para que os intelectuais deste país fizessem, finalmente, a pedagogia da democracia. Da democracia assente em factos e não apenas em palavras vãs. Infelizmente, não é isso o que se passa, mas exactamente o contrário. Todos eles estão sumamente empenhados em demonstrar que o governo não terá qualquer hipótese de governar, não por ser este – que ainda nem sabemos bem qual seja – mas ser um governo não apoiado por uma maioria absoluta de um só partido.
Procuram-se factos passados para, com base em falsas analogias, extrair conclusões que a lógica não suporta. Admitir que a esquerda e a direita podem convergir no derrube do governo a curto prazo, parece-me uma conclusão irracional, principalmente se assente na ideia de que é preciso "correr" com Sócrates. "Correr" com Sócrates para pôr a governar quem e com que composição parlamentar?
É teoricamente admissível e praticamente confirmável que o PSD não esteja satisfeito com a sua expressão parlamentar. Mas isso de forma alguma significa que esteja tão cedo em condições de entrar numa nova aventura eleitoral. O CDS e o BE, como já aqui se disse várias vezes, estão satisfeitíssimos com os resultados eleitorais e de forma alguma estão dispostos, a curto prazo, a provocar novo acto eleitoral. Perderiam com essa insensata atitude parte da base de apoio que alcançaram nestas eleições.
O PCP pode não estar completamente satisfeito com os resultados eleitorais, principalmente por comparação com o BE e o CDS, mas já deu sobejas provas na democracia portuguesa que não embarca em aventuras, nem se deixa pressionar por estratégias alheias, pelo que acaba por ser, neste contexto, o partido mais fiável…por ser o mais previsível.
O PS, por seu turno, não pode fazer de conta que governa em maioria absoluta nem manter a arrogância da anterior legislatura e, embora conheça os constrangimentos políticos e estratégicos que impendem sobre os demais partidos, tem de ter a arte e maleabilidade suficientes para fazer uma governação próxima daquilo que o eleitor em geral espera.
Há assim condições para fazer uma governação muito mais positiva do ponto de vista do interesse geral do que a dos anteriores quatro anos e meio de Sócrates. Não se pode dizer que tudo depende do PS, embora se possa dizer que depende do PS mais do que dos restantes.

ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS



CONFIRMAM-SE OS PIORES RECEIOS

Os jornais vão alinhando os candidatos presidenciais do PS e do PSD dando conta dos respectivos apoios e probabilidades de vitória. Embora do lado do PSD a dúvida sobre se Cavaco se recandidata se não desvaneça tão cedo, nem por isso a direita tem, necessariamente, a sua tarefa dificultada. Tudo vai depender do candidato que contra ela se apresentar.
A declaração de Cavaco da passada semana e a sua famosa interpretação pessoal sobre o que se passou durante a campanha eleitoral, nomeadamente a investida contra aqueles que no PS o quiseram “colar” ao PSD, deixa subentendida a ideia de que Cavaco pretende manter intacta a sua base eleitoral mais para efeitos de recandidatura do que para o exercício da função presidencial.
Claro que a declaração teve o efeito exactamente contrário ao pretendido a ponto de com ela ter posto seriamente em risco a sua reeleição. Admitindo que Cavaco nesta coisa de eleições possa ser mais racional do que já demonstrou ser noutras vicissitudes da sua vida política, é provável que, lá mais para diante, ao fazer uma avaliação relativamente objectiva da situação tome uma decisão com alguma antecedência.
É que desta vez ele não poderá alimentar os seus famosos “tabus” para além do aceitável pelo PSD. Causticado pela não coincidência dos timings de Cavaco com os seus, o PSD desta vez não aceitará uma dúvida que se prolongue para além do razoável e exercerá seguramente uma pressão muito forte para que Cavaco se decida a tempo, tanto mais que tem um candidato de peso para apresentar, provavelmente com mais probabilidades de vitória.
É perante este cenário, que não será claro tão cedo, que o PS se terá de posicionar. Se o PS tivesse a certeza de que Cavaco se apresentaria, ainda poderia arriscar avançar com um candidato tipo Gama, um pouco na convicção de que a eleição seria decidida ao centro, depois de derrotados os candidatos das margens. Mas como o PS não vai saber isso tão cedo, qualquer das soluções apresentada nos jornais como hipotéticos candidatos do PS tem mais hipóteses de insucesso do que de sucesso, embora por razões diferentes, consoante os casos.
Antes de mais, por razões óbvias. Só numa situação excepcional um candidato do PS poderia ser eleito sem os votos da esquerda. Uma situação em que os candidatos concorrentes fossem respectivamente rejeitados à esquerda e à direita, sendo a eleição decidida ao centro. Ou numa hipótese em que um candidato de centro concorresse com um candidato de direita radical. Como qualquer destas hipóteses é muito pouco provável, embora não seja de pôr de parte a primeira num confronto Gama/Cavaco, o PS mal andará se fizer de conta que a esquerda não existe para efeito de eleições presidenciais. A eleição de Soares, em 1985, ocorreu num quadro excepcional, praticamente irrepetível na actual sociedade portuguesa.
Ora, nenhum dos candidatos apresentados como “trunfos” do PS pode ter como certa a vitória, seja contra Cavaco, seja contra Marcelo, neste caso, muito menos.
Não ganha Alegre porque não recolhe a totalidade os votos do PS - o voto do eleitor que vota PS na legislativas. Não se trata apenas da oposição, no plano do aparelho, dos Lelos ostensivos ou ocultos que por lá existem, trata-se dos milhares e milhares de “lelos” anónimos que regularmente votam PS e que não estariam na disposição de entregar o seu voto a Alegre. Além de não ser seguro Alegre ter capacidade para recolher a totalidade dos votos à esquerda do PS. É bom não esquecer – isto são factos – que nem todos os votos que Alegre alcançou em 2006 foram votos da esquerda: houve muita direita nacionalista, muita gente do CDS, que votou Alegre por detestar Cavaco
Também não ganham Gama nem Vitorino, não apenas por o centro preferir de longe Marcelo ou Cavaco a qualquer deles, mas também por nenhum deles poder sequer contar com o voto da esquerda, principalmente contra Marcelo.
Sampaio, finalmente, - uma hipótese que aqui, há mais de um ano, já havíamos admitido que pudesse surgir - está um pouco como Soares na última presidencial, talvez até em pior posição. A esquerda não tem nenhuma razão especial para se recordar da presidência de Sampaio e depois do exercício desta até já atacou o Serviço Nacional de Saúde, embora naquele estilo redondo e propositadamente ambíguo que é seu. Mas dizer, como ele disse, por mais de uma vez, que quem pudesse deveria pagar os cuidados de saúde, devendo a gratuitidade ficar exclusivamente reservada para quem não pode, corresponde na prática à passagem de uma certidão de óbito ao Serviço Nacional de Saúde…gratuito e universal (recorde-se que até MFL, nas últimas eleições legislativas, se viu na necessidade de mudar o discurso). Mal ou bem, Sampaio já fez o que tinha a fazer na política portuguesa. Os portugueses, como já se viu, em política não gostam de “remakes”.
Todos os cenários acima expostos se agravam se o candidato oponente for Marcelo. Com excepção daquele mês de relativa inimputabilidade por que Marcelo sempre passa quando há eleições legislativas, em que ele se vê na obrigação de apoiar o candidato do PSD, por mais absurdo que ele seja, Marcelo recolhe a simpatia dos portugueses e somente um fortíssimo candidato de esquerda o poderia derrotar.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

SÓCRATES FOI A BELÉM


AFINAL, PARA SER INDIGITADO PM

A indigitação de Sócrates para Primeiro-Ministro é o que decorre da Constituição. Sobre isso não pode haver qualquer dúvida, por mais que certos comentadores ligados ao PSD tivessem tentado fazer crer que poderia não ser assim. Portanto, sobre essa decisão do PR nada a dizer. Também nada a dizer sobre a indigitação do PM antes de publicados os resultados eleitorais. Os números já apurados não deixam margem a dúvidas.
Mas já há algo a dizer sobre a forma como a indigitação se fez. O PR deveria ouvir primeiramente todos os partidos com assento parlamentar e depois indigitar Sócrates publicamente. Mesmo para efeitos de indigitação o PR não pode dispensar-se de ouvir todos os partidos. Não tenho a certeza se a indigitação já foi oficialmente comunicada ou se a sua divulgação pelos media resulta de mais uma dessas notícias de Belém à margem das formalidades adequadas. Se tiver sido o caso, se Cavaco ainda nada tiver dito oficialmente, ainda se poderá dizer que a Constituição está a ser respeitada, já que o PR está a ouvir os partidos e somente depois tornará pública a indigitação. Portanto, tudo isto ainda tem remendo. Agora, o que não tem remendo é o PR convocar o dirigente máximo dos partidos em cumprimento do artigo 187.º da Constituição. Este artigo manda ouvir os partidos. E os partidos é que escolhem quem vai falar com o PR, sendo prática corrente a constituição de delegações de dois, três membros. Por que não procedeu assim Cavaco Silva?
É muito difícil responder com rigor. Mas se o PR se permite fazer interpretações pessoais de factos de nenhuma ou pouca relevância política e convoca para o ouvirem os portugueses na hora de maior audiência das televisões, também eu tenho o direito de fazer uma interpretação pessoal do gesto do Presidente da República.
A minha interpretação é que depois de tudo o que se passou Cavaco Silva não quer defrontar-se com os partidos em inferioridade numérica. A sua grande dificuldade de diálogo fica relativamente atenuada num simples frente-a-frente. Com vários interlocutores, numa conversa que pode ser polémica, não tanto pela indigitação em si, mas pelo seu relacionamento com o que se passou, Cavaco Silva não estaria tão à vontade. Há ainda quem relacione o procedimento escolhido como mais uma manifestação dos tiques de autoritarismo do PR. Enfim, é mais uma interpretação pessoal.
O que não é interpretação pessoal é o que acima está dito: o PR tem de ouvir os partidos para nomear o PM, cabendo aos partidos escolher os interlocutores do Presidente da República.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

AS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS NA ORDEM DO DIA


NÃO ADIANTA SEGUIR CAMINHOS QUE NÃO LEVAM A LADO NENHUM

A questão presidencial está ordem do dia, independentemente de o actual Presidente se recandidatar ou não. Em teoria, a esquerda tem maioria para eleger um Presidente. Apenas em teoria. O resultado final, como se já viu, vai depender muito do modo como o eleitor for encarado: com respeito e responsabilidade.
Nenhuma força política de esquerda tem condições para impor um candidato. Quem tentar fazê-lo, colocando as demais perante o facto consumado, perderá, mesmo contra Cavaco Silva.
Em certo sentido, a eleição presidencial é uma eleição que não deve ter na sua génese os partidos, embora o candidato não possa dispensar o apoio e a colaboração dos partidos. Mas deve obedecer mais a um impulso de quem se sente capaz de desempenhar a função do que a um arranjo de bastidores destinado a fabricar um candidato.
O candidato deve surgir aos olhos do eleitorado como o resultado de uma decisão pessoal e ter a arte de se apresentar com um conjunto de princípios ou bases gerais de um programa eleitoral que possa concitar a adesão do eleitorado e o consenso das várias forças cujo apoio pretende.
Uma candidatura oriunda dos aparelhos partidários, designadamente do PS que é o único que pode ter a pretensão de impor um candidato supostamente vitorioso, ou a tentativa de repetição de soluções que já fizeram a sua época terá o mesmo destino de outras experiências passadas. A derrota e a fragmentação do voto de esquerda.
Finalmente, o candidato deveria ser alguém das novas gerações. Alguém que tivesse feito o essencial da sua formação no regime democrático

CAVACO CHAMA SÓCRATES A BELÉM

MAIS UMA VEZ A FAMIGERADA POLÍTICA DO SEGREDO


Esta simples notícia, “Cavaco chama Sócrates a Belém”, presta-se a todas as especulações, ainda mais quando se diz que a convocatória é feita ao Secretário-geral do PS.
Se o Presidente depois de tudo o que se passou, eleições inclusive, quer falar com Sócrates com o SG do PS, é certo que não quer ter com ele a habitual reunião das quintas-feiras entre PR e PM.
Mas também não é certamente ao abrigo do artigo 187.º da Constituição que Cavaco quer falar com Sócrates. O artigo acima referido é muito claro: “O primeiro-ministro é nomeado pelo presidente da república, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais”. Ora, Sócrates não é o Partido Socialista. Sócrates é o Secretário-Geral do Partido Socialista e quando este partido for convocado pelo Presidente para ir a Belém, Sócrates pode até nem fazer parte da delegação, embora seja normal que faça. Agora, o que o Presidente não pode é convocar o Secretário-geral do PS para dar cumprimento ao art. 187.º da Constituição.
Evidentemente, que o Presidente da República pode querer falar com o Secretário-Geral do PS por qualquer outro motivo e ninguém tem nada que o criticar por isso. Criticável é o segredo como fonte de especulações e boatos como já hoje se viu, com alguns constitucionalistas do PSD a contribuírem propositadamente para aumentar a confusão.
Esta ideia de que o poder é tanto mais eficaz quanto mais distante estiver dos olhares do povo e tanto mais respeitado quanto mais invisível se tornar é uma ideia arcaica, típica do poder absoluto do ancien regime. Faz parte da luta pela democracia o ataque ao poder invisível, ao segredo, já que a res publica é por excelência o lugar onde o poder é visível, público, aberto ao conhecimento e à participação do público.