quinta-feira, 8 de outubro de 2009

O REFERENDO DA IRLANDA


ATÉ ESTAVA PARA FICAR CALADO...

Quando ouço os políticos, e seus acólitos, que em Portugal (e noutros países) se opuseram tenazmente a referendar o Tratado de Lisboa, a exultar com o resultado da Irlanda não posso deixar de me regozijar com o oportunismo que tão desavergonhadamente exprimem.
E agora que o Tratado vai entrar em vigor (Klaus está apenas a enervá-los, mas já na Polónia a questão pode ser mais séria…), os seus defensores não se cansam de nos tentar convencer que o projecto é perfeito e que sua arquitectura não poderia ter sido mais bem concebida. Só que há um pequeno problema: os utentes dessa obra miraculosa não foram ouvidos sobre a sua construção e, por isso, não se sabe muito bem se estarão dispostos a “habitá-la” nos termos em que foi construída. O futuro o dirá…
Entretanto, a par de muitos outros problemas, a UE defronta-se a médio prazo com dois problemas complicados que não se vê muito bem como resolvê-los. O problema da moeda (que não afecta todos os EM, mas afecta os da zona euro e qualquer convulsão grave nesta matéria teria reflexos dramáticos sobre o conjunto) e o problema da dívida.
Apesar de Obama, no plano político, com a sua política a leste, ter feito mais pela construção europeia do que tudo o que aconteceu desde a reunificação da Alemanha, nem por isso, problemas de outra natureza, nomeadamente monetários e financeiros, logo económicos, deixarão de surgir com uma força e um impacto nunca antes visto.
O primeiro problema tem a ver com a desvalorização do dólar e do yuan (e muito provavelmente da libra e do yen). Com um défice da ordem dos 13% do PIB no fim deste ano, dificilmente o dólar deixará de se desvalorizar ainda mais, por mais intensa que seja a retórica oficial de defesa de um dólar forte. A desvalorização diminuiria a dívida e tornaria a economia americana mais competitiva. Escusado será dizer que esta política, ou esta consequência se se tratar de uma inevitabilidade, penalizará fortemente as economias da zona euro, que, no seu conjunto, perdem competitividade na exacta medida em que os EUA a ganham. Pior ainda: no seio da zona euro, uns perdem muito mais do que outros. E se algum ou alguns dos que perdem competitividade pertencem ao número dos grandes (como parece ser o caso da França), como sair da situação senão pele desvalorização competitiva do euro? E como reagirá a Alemanha, que é, apesar de tudo, a economia que lida melhor com um euro forte ou mesmo sobrevalorizado?
A segunda questão tem a ver com a dívida dos países da zona euro, consideravelmente agravada pelos recentes (e futuros) défices orçamentais decorrentes dos programas de estímulo, das medidas anti-crise e dos programas sociais de apoio aos atingidos pela crise. Também nesta matéria a situação dos EM está longe de ser homogénea.
Muitos dos países da zona euro têm défices estruturais. O défice estrutural é a parte das despesas não coberta pelas receitas em período de normalidade económica. A França tem um grande défice estrutural, tal como Portugal e outros países da zona euro. O Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) tem exactamente por função impedir défices desta natureza superiores a 3% do PIB e dívida superior a 60%. Só que, além do PEC, há um outro facto do maior relevo, a que já fizemos referência neste blogue, mas a que ninguém parece dedicar a mínima atenção. A Alemanha, em Junho passado, constitucionalizou a norma orçamental que proíbe o défice estrutural tanto da federação como dos länders superior a 0,35% do PIB. Assim, se a situação económica é normal e o crescimento conforme ao potencial da economia, o défice está proibido constitucionalmente; se o crescimento for superior ao potencial da economia, o orçamento deverá ser excedentário, podendo no caso oposto ser deficitário, como acontece em tempos de crise semelhantes aos actuais.
Esta norma entrará em vigor em 2011, com um período de transição estabelecido por causa da crise e das medidas de estímulo que a situação reclama.
Esta política da Alemanha contrasta com a francesa que, como se sabe, não parece ter qualquer problema no agravamento do défice para cerca de 8% e da dívida para montantes próximos dos 84% do PIB. Mais tarde ou mais cedo, muito provavelmente logo que a situação económica se normalize, vai haver uma grande pressão de Bruxelas (e dos alemães) para que os défices sejam reduzidos, não sendo de excluir que uma parte considerável dessa redução seja alcançada à custa de uma subida generalizada dos impostos. E, então, aí teremos nós mais um facto de tensão entre os países da zona euro.

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