quarta-feira, 24 de julho de 2013

SOBRE A REMODELAÇÃO


 
O QUE GANHOU O CDS?
Não se vê nada de muito especial nas redes sociais sobre a remodelação. E compreende-se: é um assunto deles, embora nos afecte a todos.
Inicialmente supôs-se que o CDS ficaria a ganhar, mas talvez não seja esse o caso. Para quem desconheça como funcionam os governos e as administrações públicas a nova posição de Paulo Portas no Governo pode parecer uma promoção, uma grande promoção, mas na realidade não é nada disso. É um chuto para cima, que nenhum vaidoso rejeita a priori, mas que na verdade corresponde a uma despromoção sempre que ela não representa uma genuína conquista de quem a alcança, mas antes uma decisão de quem manda.
E esta malta do PSD que está no Governo pode ter todos os defeitos e mais um, mas não é ingénua e tem o conhecimento suficiente da máquina do Estado para já ter percebido como ela funciona.
A ideia da coordenação é uma falácia. Com excepção do Primeiro Ministro – e mesmo esse às vezes com dificuldade – quem coordena é que tem as pastas, quem tem a competência directa para tratar dos assuntos, quem participa ao nível mais elevado, sectorial ou geral, nas reuniões internacionais ou outras.
Quem não participa, quem não tem a competência, quem não tem acesso ao orçamento, não manda praticamente nada.
Alguém de bom senso acredita que o Paulo Portas vai “coordenar” a Ministra das Finanças? Para que se perceba, é mais fácil e, portanto, muito mais provável que um simples secretário de Estado exerça um papel relevante no Ministério do que o tal “coordenador” com o título de Vice-Primeiro Ministro.
Quando muito Portas coordenará Pires de Lima, mas também aqui isso não vai ser fácil, salvo em questões que se relacionem com a criação de uma rede clientelar à volta do CDS. Pires de Lima tem a sua própria agenda na Economia, muito ligada ao grande capital ao serviço do qual vai estar. Pires de Lima estará para o pequeno e médio empresário como Paulo Portas está para os pensionistas e para os feirantes. Além do mais, vai ter pouco dinheiro. Ou muito menos do que gostaria de ter. E ainda vamos ver como definem as relações de poder seio do Ministério da Economia entre os dois partidos. Para isso será importante saber se Sérgio Monteiro fica ou não, supondo que os Transportes continuam na Horta Seca.
Por outro lado, Cristas perde competências, e muitas, para um apparatchik do PSD. E também por esse lado Portas perde.
Finalmente, Portas deixa de se poder pavonear à frente do MNE com tudo o que isso representa em matéria de relacionamento externo. Doravante, com Machete nas Necessidades, além dos americanos passarem a ter mais um amigo de peito à frente da diplomacia portuguesa, quase tão amigo como o que estava para ocupar o lugar – enfim, esse não seria verdadeiramente um amigo, mas algo bastante mais do que isso… - o que se ganha de novo nas relações externas é saber até que ponto os homólogos do novo ministro vão resistir, sem dormir, às suas intervenções…
Portas teve na vida uma oportunidade de sair pela porta grande. Ainda a transpôs, mas mal deu o primeiro passo logo percebeu que aquela era uma porta demasiado grande para ele. E retrocedeu….Irrevogavelmente!

terça-feira, 23 de julho de 2013

CAVACO E A BAIXA POLÍTICA


 A PROMESSA DE CAVACO

Não é a primeira vez nem provavelmente será a última que Cavaco faz pública exibição das suas capacidades para a baixa política. Fê-lo por várias vezes quando desempenhou as funções de Primeiro Ministro e continua a fazê-lo agora, como Presidente da República. Depois de um período de contenção imposto pela maioria absoluta de Sócrates, Cavaco não resistiu ao impulso da baixa política e lá o tivemos na plenitude das suas aptidões no famoso episódio da “intentona das escutas”.

A partir daí não mais parou, favorecido a partir de certa altura pela perda da maioria absoluta pelos socialistas. Enquanto não derrubou o Governo de Sócrates Cavaco não descansou. Fê-lo por vingança pessoal, que é aliás a motivação mais frequente das suas actuações, mas também para facilitar a chegada ao poder da direita e do seu partido.

Quando ao fim de dois anos de governação ficou claro para toda a gente que o Governo não só não conseguiu alcançar os objectivos a que se propôs como, pelo contrário, agravou substancialmente a situação do país, tudo sacrificando na condução de uma política eminentemente ideológica de matriz neoliberal radical, para o prosseguimento da qual a dívida e o défice não são mais do que simples e afortunados pretextos, o Presidente da República, identificado com o essencial dessa política e temendo o seu fracasso pela fortíssima resistência popular que a combate, não teve qualquer problema em desencadear mais um golpe de baixa política com o objectivo evidente de comprometer o PS, tentando arrastá-lo com despudoradas promessas para o apoio à fracassada política do Governo de modo a assim procurar atenuar ou diminuir os efeitos da ampla base popular que a rejeita.

De facto, a “promessa” de Cavaco merece ser estudada e figurar nos compêndios de Direito Constitucional por representar o grau zero da política e dos políticos que nos governam. A dissolução da Assembleia da República é seguramente o mais importante poder que a Constituição portuguesa confere ao Presidente da República. Mais importante do que a demissão do governo, porque o exercício deste poder tem de ser juridicamente fundamentado com base necessidade de assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas, enquanto a dissolução da Assembleia da República é o acto político por excelência que o Presidente exerce livremente com base na apreciação pessoal que faz da situação política do país, ouvido o Conselho de Estado, desde que não estejam presentes certas limitações de natureza temporal.

Pois o que fez Cavaco? Cavaco fez uma promessa de eleições antecipadas para daqui a um ano, se determinado tipo de acordo viesse a ser alcançado. Este acto representa a maior e mais grave violação da Constituição da República desde a sua promulgação em 25 de Abril de 1976! Não por não ter sido ouvido o Conselho de Estado como foi invocado pelos comentadores juristas da direita, como Rebelo de Sousa e Lobo Xavier, mas por envolver a promessa da sua prática daqui a um ano, quando esse poder é conferido para ser exercido, nas condições acima referidas, tendo em conta em cada momento a situação presente. Como pode o Presidente da República ter o despudor de fazer entrar como elemento negocial o poder mais importante que a Constituição lhe confere? E mais grave ainda tudo se torna quando se percebe que essa promessa visava aliciar o PS para o apoio à política que ele próprio apoia e para o prosseguimento da qual pretendia encontrar garantias fora do seu espaço partidário. Em suma, Cavaco instrumentalizou o poder de dissolução colocando-o ao mesmo nível da mais baixa chicana política.

Mas a direita que nos governa não nos oferece apenas este triste e lamentável espectáculo. A direita que nos governa é a que proclama no Parlamento, pela voz do Primeiro Ministro, que o país não pode acalentar “a fantasia de uma súbita e perpétua vontade de o Norte da Europa passar a pagar as nossas dívidas, provavelmente para sempre”.

Esta direita, Governo e Cavaco, tem de ser derrotada na rua. Vamos a isso!

 

domingo, 21 de julho de 2013

E AGORA, CAVACO?


 

O QUE PODE FAZER CAVACO

É impossível não tentar analisar a proposta de Cavaco à luz de uma certa racionalidade, mesmo quando se sabe de ciência certa que muitas, ou algumas, das suas acções praticadas no exercício das mais altas funções do Estado português, quer como PM quer como PR, foram, ou são, ditadas pelo mais puro irracionalismo, como é o caso das vinganças com que pretende desforrar afrontas e pequenos melindres exacerbados por uma personalidade mesquinha, inculta e sem grandeza. Não obstante, há, tem de haver, pelo menos do ponto de vista dele, um fundo de racionalidade no seu comportamento.

Quando Cavaco na semana passada exigiu conversações ao PSD,CDS e PS com vista à negociação de um acordo de “salvação nacional”, gizado dentro dos parâmetros que impositivamente fixou, o que pretendia realmente Cavaco?

A primeira resposta é muito simples: se fosse alcançado um acordo no respeito pelos precisos termos por ele fixados, Cavaco recolheria politicamente os louros de ter conseguido aquilo que mais poderia agradar à Troika e, paradoxalmente, também a muitos portugueses que fartos de partidos, de corrupção, de incompetências, de mentiras e falsas promessas seriam num primeiro momento levados a pensar que o PR teria, finalmente, posto os partidos na ordem e feito com que o interesse nacional prevalecesse sobre o famigerado interesse partidário. Deste desfecho sairia ferido de morte o PS, ou, pelo menos, o seu Secretário Geral, e humilhado o Governo PSD/CDS, que ficaria a prazo e sob tutela presidencial, e ainda com o labéu incontornável de não ter sido capaz, pelos seus próprios meios, apesar da sua maioria absoluta, de encontrar uma solução para o país.

Uma proposta cuja concretização teria como perdedores tão evidentes três dos principais actores da vida política portuguesa só poderia ter o resultado que efectivamente teve, sendo impossível não supor que o seu autor não tivesse admitido este desfecho como a mais o provável, se não mesmo aquele que estava espera ou pretendia.

Mas se é assim, o que espera agora Cavaco ou o que pretende Cavaco? Verdadeiramente, o actual Presidente da Republica, depois de tudo o que disse e fez, só tem duas saídas: ou toma o poder, isto é, comanda o Governo chamado de Passos Coelho, impondo as alterações que considera necessárias e fixando os objectivos que tem de alcançar no condicionalismo por ele traçado ou se demite!

Não tem mais nenhuma alternativa. Se convocar eleições antecipadas, perde completamente a face e embora a esquerda possa pôr entre parênteses essa questão pela vitória alcançada não mais lhe reconhecerá um pingo de autoridade nas relações que tiver de manter com ele, além de que será fustigado pela direita, principalmente pelo CDS, e também pelo PSD se entretanto não houver uma rápida mudança de liderança.

Se aceitar a proposta de remodelação que Passos Coelho e o CDS lhe tentam impor na praça pública, ele fica completamente desqualificado aos olhos dos políticos e dos não políticos; os portugueses nunca mais o respeitarão e perderão por ele a réstea de respeito que as funções exercidas, apesar de tudo, sempre impõem. Ou seja, só lhe restaria ir para as Selvagens…

Portanto, a via é muito estreita: ou toma o poder ou se demite!

quinta-feira, 18 de julho de 2013

EMPRESÁRIOS E OUTROS APELAM AO CONSENSO


 

REPAREM QUEM ELES SÃO

 

Este apelo de um conjunto de patrões e dos seus representantes – não gosto do conceito  de empresário (quando eu era pequeno só havia três ou quatro empresários: o Nuno Salvação Barreto (empresário do Campo Pequeno); o Vasco Morgado (empresário do Monumental); o José Miguel (empresário do Parque Mayer); e mais uns tipos do circo) – faz-me lembrar aquele conhecido advogado da praça lisboeta que estando em tribunal a defender os direitos de um trabalhador contra uma conhecida universidade privada, no acto representada, sob o disfarce legal de cooperadores, pelos seus verdadeiros accionistas, começou a sua intervenção dizendo ao juiz: “Sr. Dr. Juiz, olhe-lhes para a cara!”.

E agora o que se passa é exactamente o mesmo. Estes cavalheiros que fizeram o apelo querem um acordo porque sabem que o acordo, a existir, defenderá os seus interesses. E é disso que se trata. Não há qualquer interesse nacional definido a partir de uma posição de classe. O interesse que sob a capa de interesse nacional se defende é o interesse de classe. Ora, a democracia é o reconhecimento da existência de posições diferentes, frequentemente ditadas pela defesa de interesses contraditórios ou mesmo antagónicos. Por isso, o apelo do Presidente da República, agora secundado pelos patrões, pela UGT e por umas dúzias de conhecidos representantes do capital, à sombra do qual sempre viveram, cujo dramatismo tem sido propositadamente intensificado nestas últimas horas, é um apelo de quem tendo da sociedade e da política uma visão salazarenta, mas não dispondo dos meios que lhe permita impô-la, pretende por esta via, da chantagem, do medo, da renúncia impositiva aos verdadeiros valores democráticos, alcançar um resultado equivalente.

Está de facto em curso um gigantesco processo de chantagem sobre a população em geral mediante recurso a exemplos de factos que a todos prejudicam mas que atingem mais dramaticamente os mais fracos, como a subida da taxa de juros, para a partir deles induzir a ideia de que a causa desta subida resulta da crise política e não da situação financeira e económica em que o país se encontra, também ela causa da presente crise política.

A política do Governo Passos, Portas e Gaspar, imposta, com a conivência e entusiasmo destes, pelo capital financeiro e pelos seus representantes no quadro da União Europeia, o descalabro a que esta política conduziu o país, aliás antecipável pelo que se estava a passar na Grécia, é que constitui a verdadeira causa da actual crise política. A calamitosa situação económica e financeira do país levou, primeiro, a frequentes desinteligências entre os parceiros da coligação, depois à demissão do seu principal “arquitecto” interno, explicitada numa carta em que, impotente, confessa o fracasso de dois anos de governo, seguidamente à demissão do ministro presidente do parceiro da coligação, dias depois regressado numa das mais rocambolescas cenas políticas do nosso tempo e por fim ao apelo/imposição do Presidente da República para que os partidos do governo mais o PS, que também assinou acordo com a Troika, encontrem um entendimento que permita satisfazer os interesses dos credores e dos seus aliados internos.

O PS viu-se assim metido numa verdadeira “camisa de onze varas” pela extrema ambiguidade com que tem pautado o seu comportamento político desde que a Troika aportou a Portugal e joga neste lance muito provavelmente mais do que o seu futuro – a sua própria existência como grande partido nacional.

Aos mais novos, nascidos depois do 25 de Abril ou pouco antes, que viveram o embuste da ilusão europeia como algo insubstituível e que não vislumbram qualquer futuro para Portugal fora do quadro em que se encontram, agora fustigados pelos condicionalismos e constrangimentos impostos ao país pelos credores como uma fatalidade a que se não pode fugir, importa dizer que em todas as épocas, ou em quase todas, Portugal se deparou com problemas de idêntica gravidade a que na maior parte das vezes soube fazer face com coragem recusando o caminho sem alternativas que teimavam em impor-lhe e escolhendo exactamente aquele que à época parecia impossível de trilhar por não levar a lado nenhum.

Não é preciso recuar muito no tempo para buscar exemplos. Basta recordar o drama vivido pela geração do 25 de Abril e de outras que a antecederam. Também para essas gerações Portugal não teria futuro nem existiria sem as colónias, a guerra colonial era uma fatalidade que teria de ser suportada com estoicismo e abnegação, o regime político vigente era inamovível por força de todos os instrumentos de coacção que tinha ao seu dispor e que usava sem contemplações sempre que as circunstâncias o exigiam…e todavia surgiu o “dia inicial inteiro e limpo onde emergimos da noite e do silêncio”.

Agora será preciso fazer o mesmo e buscar sem medo e com coragem os caminhos opostos a todos os que nos impor.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

O QUE PENSA O PS DA PRESENTE CRISE?

O QUE PENSAMOS NÓS DO PS
 

 

O que pensa o PS da presente crise não é uma pergunta de fácil resposta. Quem ouve ou lê Mário Soares acha que o PS ficou muito satisfeito com a humilhação a que Presidente da República sujeitou Paulo Portas e também Passos Coelho na comunicação que fez ao país por nem sequer se ter referido à proposta de remodelação governamental que este último lhe apresentara no dia anterior. Mas quem se recordar do que Mário Soares disse quando começou a bater forte neste Governo e na passividade do Presidente da República, a quem acusava de não ser um Napolitano, não pode deixar de perguntar se esta iniciativa de Cavaco não passará a ser bem vinda se tiver por objectivo último a constituição de um governo de “salvação nacional”.

Se esquecermos Mário Soares e nos recordarmos das declarações de José Sócrates no domingo passado – Sócrates o dirigente socialista que depois de Soares mais marcou o partido – somos levados a pensar que, para além da humilhação que a intervenção de Cavaco representou para o governo e da situação indigna em que (essa mesma intervenção) colocou o Primeiro Ministro, a proposta do Presidente da República é inaceitável para o PS. Diz ainda Sócrates que, depois de se ter mancomunado com o Governo e ter constatado o descalabro a que este conduziu o país, o que Cavaco agora pretendia era oferecer ao PS uma pá para que este, juntamente com o PSD e o CDS, continuasse a escavar, aprofundando a austeridade.

Manuel Alegre diz que a proposta de Cavaco visa ”entalar” o PS enquanto o “comentador” Santos Silva acha que quem quer “entalar” o PS é o Partido Ecologista “Os Verdes”.

Já João Galamba diz que as negociações em que o PS está participando não podem conduzir a nenhum acordo…porque o Presidente da República está pedindo ao líder do PS que se suicide

De Seguro nada ou muito pouco se pode dizer. Depois da comunicação de Cavaco esteve silencioso ou até talvez incontactável, tendo a posição do PS ficado resumida a um lacónico comunicado lido por Alberto Martins do qual resulta, em síntese: a exigência de eleições antecipadas sem definição de prazo; a nula disponibilidade para apoiar a actual ou qualquer outra solução governativa no presente quadro eleitoral; a exigência da extensão do convite do PR para negociações ao PCP e ao BE, aceitando como boa a resposta de ambos independentemente da formulação do convite; e, finalmente, a firme disposição de não participar em negociações com o Governo.

Com excepção de Sócrates e de Galamba, que foram claros na indisponibilidade do PS para participar em qualquer acordo com a direita e da recusa de “cortes” no Orçamento para cumprimento do já acordado com a Troika por Passos e Gaspar, tudo o resto é muito obscuro e não deixa qualquer garantia ao cidadão comum nem daquilo que o PS anda a fazer nas conversas com o CDS e o PSD nem daquilo que o PS realmente quer fazer.

De facto, o PS oficial apenas se pronunciou sobre questões processuais com a firmeza que se lhe reconhece sempre que a direita aperta com ele.  Maria Luís Albuquerque e Carlos Moedas, dois membros influentíssimos da política de terrorismo económico do Governo bem como Poiares Maduro, recém-empossado Ministro da Propaganda, fazem parte das negociações desde ontem, embora não estejam certamente a falar com o PS porque o PS não negoceia com o Governo. Por outro lado, as conversações que o Bloco propôs ao PS tiveram apenas uma ronda porque o PS, neste momento grave que o país atravessa, não entra em jogos partidários… ( e lá ficou o rabo todo de fora: sim, as conversas que está ter com os outros não partidárias, são com membros do governo; enfim, outra respeitabilidade…).

Quanto às questões de fundo conhecem-se as pressões dos patrões (pedem acordo, que acordo?), dos banqueiros (esses, a gente sabe o que eles querem), da UGT (que acordo quer a UGT?), de Ramalho Eanes (que parece querer o que quer Cavaco) e da matilha de comentadores a soldo da Troika e do capital financeiro.

Perante este quadro, agravado pelo silêncio do PS sobre as questões substantivas, diz a experiência que o PS dificilmente resistirá às pressões da direita. Dizem certos comentadores independentes que um acordo representaria o suicídio de Passos ou de Seguro, consoante o seu conteúdo; a Portas não se referem certamente porque a experiência demonstra que dá para os dois lados. Pois bem, o provável suicídio de Seguro levaria a que o acordo se fizesse, fosse respeitado e depois o PS lavasse a alma correndo com ele.

Perante este silêncio, esta tentativa de excluir os principais interessados dos assuntos que lhes dizem directamente respeito e a respeito dos quais não passaram procuração a ninguém, absolutamente a ninguém, para deles tratar e, muito menos, sobre eles decidir, os portugueses começam a inclinar-se para a hipótese destas negociações sair um acordo que confirme na totalidade ou em parte (este ano) o corte já negociado com a Troika com a promessa, como contrapartida, do os partidos subscritores – os partidos da Troika – se empenharem conjuntamente na renegociação de certos aspectos do Memorandum que enunciarão. Ou seja, primeiro farão o que eles querem e o que Cavaco e Carlos Costa exigem e depois …bem, depois far-se-á o que a Troika ou os “patrões da Europa” decidirem.

sábado, 13 de julho de 2013

AINDA A PROPOSTA DE CAVACO

 
AS COISAS COMEÇAM A FICAR CLARAS 
Carlos Costa e Cavaco tiveram hoje o seu segundo encontro. 
 
Com o passar dos dias tudo começa a ficar mais claro.   Motivações várias contribuiram para a formulação da proposta de Cavaco. Só que nem todas estão no mesmo plano. Algumas delas, embora importantes, são meramente secundárias. Outras, pelo contrário, foram decisivas para a formulação da proposta, melhor dizendo, do programa de acção que apresentou aos portugueses.
A vingança servida a frio sobre as pretensões de Portas e a continuação da humilhação a que o está sujeitando é sem dúvida um motivo de grande regozijo para Cavaco, mas não foi decisivo. A subalternização do PSD face ao CDS como condição da manutenção da coligação e da continuidade de Portas no Governo incomoda, desagrada, mas num assunto de tão grande relevância também não constituiu um factor determinante da posição assumida por Cavaco.
O que fez Cavaco assumir as rédeas da governação foi o "discurso" que o Governador do Banco de Portugal lhe vendeu e com o qual ele no essencial concorda.
Como toda a gente sabe, Carlos Costa é um agente do capital financeiro internacional e é nessa qualidade que as suas intervenções devem ser compreendidas.
O capital financeiro internacional tem hegemonizado (não no sentido grasmciano do conceito, mas no sentido fascista-imperialista) a política internacional, nomeadamente a política económica e financeira, nestas últimas três décadas. Em consequência desse poder desmedido todos os excessos foram cometidos. O diagnóstico está feito e é do conhecimento público. A desregulamentação levada à quase total irresponsabilidade pela ganância de angariar lucros vultosos, fáceis e rápidos levou à crise financeira de 2008 e às suas consequências na Europa, consideravelmente agravadas pela existência de uma moeda única criada sem outras preocupações que não fossem as de retirar aos Estados (mais fracos mais que aos mais fortes) o controlo da política monetária e de crédito.
Apesar do relativo controlo que o capital financeiro vai mantendo da situação, conseguindo, até ao presente, que as vultosíssimas perdas em que incorreu fossem integralmente assumidas pelos contribuintes, apesar de continuar a ditar as regras do jogo contra a vontade da esmagadora maioria da população e de continuar a impor políticas contrárias aos seus interesses, a verdade é que a situação está longe de se encontrar controlada e normalizada. Qualquer passo em falso, qualquer falência soberana ocorrida neste quadro ainda tão instável e de consequências tão desastrosas, nomeadamente os efeitos em cadeia que tal ocorrência acarretaria, exigem um controlo férreo da situação e a garantia de que os países mais problemáticos não descambem numa situação financeiramente incontrolável.
Para conseguir isso o capital financeiro, os famosos "mercados", está disposto a liquidar o Estado social lá onde a sua permanência ameaçar pôr em risco a sua hegemonia e, se necessário for, também a própria democracia mesmo sob a forma de farsa que a democracia representativa de tipo Ocidental tende hoje cada vez mais a ser.
Pois bem, a remodelação governamental que Passos Coelho apresentou a Cavaco, atribuindo extensos poderes ao partido da coligação, nomeadamente ao seu chefe, que o ex-ministro Gaspar (outro agente do capital financeiro) considerou responsável pelo fracasso da sua política, não garantia a tranquilidade suficiente aos "mercados". Mesmo que Passos Coelho a tivesse aceitado de má fé, como muito provavelmente aconteceu, ela iria sempre criar turbulência na área decisiva para a condução de uma política conforme aos interesses do capital financeiro - as Finanças!
Perante este quadro de previsível agravamento das condições financeiras do país por incoerência da política do Governo e chantagem dos "mercados financeiros", Cavaco, acossado pelos agentes nacionais do capital financeiro internacional e seus aliados, entendeu exigir, sem margem para dúvidas, que o programa que Passos e Gaspar haviam acordado com a Troika, de cortes de quatro mil e setencentos milhões de euros no Orçamento de Estado, fosse posto em prática dentro dos prazos acordados.
Mais: a chantagem que está em curso é esta: Portugal não vai conseguir regressar aos mercados depois de executado o programa da Troika e em 2014 há empréstimos que se vencem da odem dos quinze mil milhões de euros. Se Portugal quer garantir empréstimos em condições mais suaves (uma espécie de segundo resgate) tem de cumprir à risca o Memorandum da Troika nos prazos acordados.
É isto que Carlos Costa e Cavaco andam a dizer na linguagem cifrada em que se exprimem.
Quem executará o programa é o que se vai ver. O ideal para Cavaco, Carlos Costa e agentes do capital financeiro internacional seria que ele fosse executado com a concordância dos três partidos. Se não puder ser, sê-lá pela coligação ou por um governo de iniciativa presidencial.
A grande incógnita - se é que há incógnita - é a posição do PS. A questão não está em saber se o PS vai participar directamente na "reforma do Estado" . Isso o PS não tem condições para fazer e toda a gente sabe isso, Cavaco inclusive. Também não será razoável afirmar que o PS quer que isso se faça...mas por outras mãos. A grande questão está em saber se o PS considera a "reforma do Estado", tal como a Troika a entende, uma inevitabilidade ou se, pelo contrário, está disposto a lutar contra ela,garantindo desde já que não lhe dará o seu apoio  quando for governo. E aí é que as dúvidas começam a escassear. Nada do que até hoje foi dito pelo PS poderá levar alguém a pensar que aquele partido se oporá à "reforma do Estado" depois de feita.
O modo como o PS entrou nesta discussão, os critérios metodológicos que enunciou, o comunicado que publicou, levam à conclusão que o PS se não vai opor à "reforma do Estado" depois de feita. Se outra fosse a intenção do PS ele deveria ter entrado no "jogo" de outro modo. Bastava-lhe ter dito: "Aceitámos as condições formais impostas ou propostas pelo PR e vamos tentar alcançar nestas negociações o acordo necessário dos partidos que assinaram o Memorandum para, com a força conjunta dos três, defender a sua renegociação no sentido que nós próprios temos defendido, mas também no sentido que tem sido defendido por tanta gente do PSD e, obviamente, do CDS que publicamente já afirmou discordar da política até aqui seguida".
Com esta posição do PS ficaria desmascarado Cavaco, Passos Coelho e e todos os que estão coagindo os portugueses a aceitar o "inevitável". Se o PS não o fizer, se continuar a insistir em questões metodológicas despidas de conteúdo, os portugueses não podem deixar de o responsabilizar pelo que vier a acontecer.
Há aqui um "pormenor" que seguramente vai fazer toda a diferença: os lacaios do capital financeiro não estão a contar com a oposição que essa famigerada "reforma" vai suscitar nas mais diversas camadas do povo português. Essa mesma oposição que está na origem da crise do governo, da demissão de Gaspar, de Portas, da proposta salva-vidas de Cavaco, etc....
 
 


quinta-feira, 11 de julho de 2013

VAMOS LÁ VER SE NOS ENTENDEMOS



A PROPOSTA DE CAVACO



A proposta de Cavaco não serve o programa da esquerda. Aliás, nenhuma proposta saída de um acto eleitoral a realizar nestes próximos tempos serviria o programa da esquerda. Isso não significa que esta proposta (a proposta de esquerda) não encerre grandes virtualidades, não seja a que melhor acabará por servir os interesses dos portugueses e não possa encontrar por outras vias a legitimidade democrática necessária para poder ser posta em prática.

Essa ideia de que a legitimidade decorre de eleições e que por via delas se pode depois fazer tudo, nomeadamente executar um programa contrário às promessas eleitorais, pôr em prática uma política que não serve os interesses nacionais mas apenas os dos credores estrangeiros e das oligarquias locais identificados com esses interesses, é uma ideia que começa a perder terreno em muitas partes do mundo, inclusive nos Estados Unidos.

É óbvio também que a aceitação, sem mais, desta encerra indiscutíveis perigos  pelos abusos e arbitrariedades a que pode dar lugar. Mas o que não pode é haver dúvidas de que, quando pela via das eleições se põem em causa altos valores democráticos, estarão criadas as condições de legitimidade para substituir o poder alcançado pela via eleitoral, nomeadamente quando  sua subsistência em funções destruiria ou ameaçaria gravemente os tais altos valores democráticos que nenhuma eleição pode pôr em causa.

Tudo isto para dizer que não se pode afastar liminarmente como uma impossibilidade teórica ou prática a hipótese de em Portugal se poder vir a pôr em prática uma política diferente da que agora nos é “consensualmente” imposta por Bruxelas e aaparentemente sufragada por eeleições. 

Todavia, enquanto esse momento não chega – se é que um dia chegará –, não se devem desprezar as possibilidades de tentar dentro do quadro institucional existente a busca de políticas que, apesar dos seus pecados originais, se diferenciem das que têm vindo a flagelar os portugueses nestes últimos dois anos.

É que não se pode brincar com a real situação das pessoas. Há muita gente que está a um passo do desemprego. Há outros tantos milhares que estão em vias de perder a casa. Enfim, há imensos dramas por todo esse país, desconhecidos dos políticos na sua incidência concreta – “a dor da gente não vem nos jornais” –, que se pudessem ser atenuados, por pouco que fosse, já representaria uma assinável melhoria na condição de vida das pessoas que os estão sofrendo.

Então, se há um número considerável de pessoas neste país que, sendo filiadas ou próximas do PS, do PSD ou até do CDS, discordam veementemente das políticas terroristas da dupla Passos/Gaspar com a cumplicidade de Portas, por que não admitir que elas possam fazer parte de um governo que tente alterar o rumo dos acontecimentos ou que, no mínimo, represente um obstáculo real às pretensões da Troika e não como até agora um aliado incondicional dessas pretensões?

Já repararam bem que a viabilização desta proposta manda o Passos Coelho para Massamá, coloca o Portas entre parênteses (que é onde ele merece estar) e poupa o país a essa quase fatalidade de um dia poder vir a ser governado por Seguro?

É claro que a proposta não está isenta de riscos nem de inimigos.
Os riscos decorrem de não ser uma proposta nossa nem de sobre ela termos qualquer influência. Mas este risco está seriamente atenuado exactamente por isso mesmo: por não ser uma proposta nossa e por dificilmente a solução que dela adviria poder ser pior que a actual. Não sendo uma proposta nossa permite-nos actuar relativamente a ela sempre com a distância devida e ir doseando a luta conforme as circunstâncias.
Os inimigos são conhecidos e deveria ser sobre a sua acção, sobre a denúncia da organização para criminosa que realmente constituem, que se deveria virar a acção de todos aqueles que estão realmente empenhados em retirar essa gente da política. Referimo-nos, como é óbvio, às máfias partidárias, principalmente do Bloco Central, que tão bem têm sido descritas e interpretadas por Pacheco Pereira e também, noutro registo, por Paulo Morais e que são hoje as grandes responsáveis pelo bloqueamento da situação política portuguesa. Mesmo que não fossem eliminadas, e certamente não seriam, o seu poder ficaria consderavelmente enfraquecido durante o tempo em que durasse a vigência da proposta.

Derrotá-las ou enfraquecê-las, mesmo que seja para concretização de uma proposta política que não é a nossa, deveria ser o objetivo de todos os que lutam por um país diferente. Pior de certeza não ficaríamos…

quarta-feira, 10 de julho de 2013

A PROPOSTA DE CAVACO


 

A CONFUSÃO ESTÁ INSTALADA

 

Para começar tenho de fazer autocrítica por ter formalmente antecipado uma conclusão que os factos posteriores desmentiram. Substancialmente as conclusões não estarão erradas, mas formalmente Cavaco quer outra solução.

Cavaco não acredita nestes dois tipos que estão à frente da coligação, além de que está ressabiado com eles pelas razões que se conhecem. E sabe-se como ele é vingativo…

Acontece que a proposta de Cavaco não foi entendida. Pelo menos é essa a conclusão que se tira doa primeira hora de comentários e das reacções partidárias. É provável que Silva Pereira estivesse a desconversar enquanto a direcção do partido se não pronunciasse formalmente. Alberto Martins, habitualmente pau para toda a obra, acabou dizendo que o PS estava como sempre disposto a participar no diálogo.

Mas vamos ao que interessa: Cavaco fez uma proposta que desautoriza Coelho e Portas e que pode dar lugar à maior das confusões se não vier a ser aceite nos termos em que foi pensada. É provável, por isso, que por esta altura Cavaco saiba mais do aquilo que disse…

O que Cavaco realmente propôs foi a constituição de um governo de salvação nacional que assegure a governação do país até às próximas eleições, em 2014, logo a seguir ao fim do chamado “programa de assistência”.

Esse governo tanto quanto se percebe seria chefiado por uma personalidade independente aceite pelos três partidos - PSD/PS/CDS – e contaria com o apoio dos mesmos durante todo o tempo da sua vigência. Não foi dito, mas depreende-se da natureza do dito acordo, que o governo assim constituído não contaria com os líderes partidários nem obedeceria às típicas regras das coligações governamentais. Contava apenas – e já seria muito – com o apoio parlamentar tripartido.

Tendo em conta a natureza dos partidos envolvidos, é de prever que a maior dificuldade virá do CDS e do PSD, nomeadamente do CDS, que já estava a “afiambrar” com aquele imenso “pote” que o “náufrago” Passos Coelho lhe ofereceu. Do lado do PSD, as dificuldades não serão menores principalmente por pressão das máfias concelhias e distritais que, como já se viu, estavam dispostas a tudo para, pelo menos formalmente, se manterem à frente do Governo.

O PS, ao contrário do que possa pensar-se, é o que estará mais perto de o poder aceitar. Vê-se livre deste governo. Põe Portas e Coelho em “casa”, ou seja, no Parlamento e pode continuará garantir que não participou no governo deles como sempre havia dito. Além do mais, os inimigos de Seguro, tacticamente silenciados, aproveitarão esse entretempo para lhe “fazer a cama”.

Este acordo, na proposta de Cavaco, iria para além das eleições e destinar-se-ia a assegurar o compromisso daqueles três partidos no período pós Troika relativamente às questões importantes para os credores e os “mercados”. Só que ninguém se vai preocupar muito agora com um assunto que acontecerá apenas aqui a um ano…

Em conclusão: Cavaco “matou” mesmo Portas e Coelho que depois desta intervenção deixaram de ter espaço para continuar. Ou eles ou Cavaco…

Substancialmente nada do que está dito no post anterior se altera. O objectivo desta proposta de governo é fazer aquilo que Portas e Coelho já não estão em condições de levar a cabo.

A COMUNICAÇÃO DE CAVACO


 

 

ELE E O SEU GOVERNO

 

Nenhuma emoção, absolutamente nenhuma, antecede a comunicação que dentro de pouco tempo Cavaco Silva vai fazer ao país.

Não há memória nas comunicações de Cavaco de alguma delas ter a ver com problemas do país. Todas as comunicações que fez até hoje como Presidente da República têm a ver com ele. Com as suas queixas, com as suas justificações, com as suas anteriores advertências, enfim, com assuntos que não interessam nada à generalidade dos portugueses e que têm apenas a estulta intenção de à distância do presente tentar condicionar a história que no futuro se fará sobre a sua actuação enquanto responsável político que por mais tempo, depois de Abril, esteve à frente dos destinos do país.

A de hoje não será diferente. Cavaco vai tentar justificar por que mantém o Governo em funções, apesar de aos olhos da maioria dos portugueses se ter tornado evidente que o rearranjo dos protagonistas antes desavindos não merece qualquer credibilidade, consequência, aliás resultante, da falta de credibilidade desses mesmos protagonistas.

A Cavaco nem passará pela cabeça explicar aos portugueses as razões que justificam que um partido minoritário se torne, segundo o novo arranjo, no principal responsável pela condução dos negócios públicos. Como igualmente lhe não passará pela cabeça explicar, politicamente, o que é que, segundo ele, este novo Governo tem de diferente relativamente ao anterior.

Não, isso não são interesses que prendam a atenção de Cavaco. Cavaco estará mais interessado em afirmar que, gozando o Governo da confiança da maioria parlamentar, não vai ser ele, como Presidente da República, que irá contribuir para a desestabilização do país.

Desestabilizar, para Cavaco, significa, permitir que o poder mude de mãos quando está nas mãos da direita. A desestabilização para Cavaco nada tem a ver com a políticas que o Governo leva ou tenta levar a cabo contra a vontade da esmagadora maioria dos portugueses, mas apenas com o facto de Governo se encontrar aparentemente coeso. Sendo coesão sinónimo de manutenção em funções quaisquer que sejam as vicissitudes que acompanham essa manutenção e quaisquer que sejam as políticas que conjunta ou separadamente os parceiros da coligação ponham em prática ou publicamente defendam.  

Além de ser um inimigo declarado da “instabilidade”, Cavaco também não quer, tal como Passos Coelho ou o CDS, que os sacrifícios dos portugueses tenham sido feitos em vão. Cavaco quer ter a garantia de que esses sacrifícios vão continuar e se vão até agravar, passando a atingir áreas e pessoas que doravante serão muito mais penalizadas do que já foram até aqui.

É isso o que significa realmente evitar que sacrifícios já feitos tenham sido em vão.

É claro que os portugueses sabem perfeitamente que os sacrifícios que até agora fizeram, além de se não justificarem por não serem consequência de factos por eles cometidos, mas antes destinados a salvar os bancos, a pagar os roubos de pessoas ligadas ao poder ou com ele intimamente relacionadas, a repor as verbas necessárias para cobrir os negócios ruinosos, ou mesmo fraudulentos, feitos por governantes no interesse de terceiros, sabem também que esses sacrifícios em nada contribuíram para regularizar aquelas situações que lhes diziam serem as causas de todos os males: redução do défice e da dívida, crescimento económico, etc. Sabem que nada disso se verificou e que, pelo contrário, tudo se agravou a ponto de tais factos se terem tornado hoje realidades económicas verdadeiramente insustentáveis.

O que porventura os portugueses não sabem, ou muitos, pelo menos, não saberão, é que os novos e vultosos sacrifícios que lhes vão ser exigidos são sacrifícios a somar aos anteriores. Sacrifícios que não têm em vista permitir-lhes no futuro uma vida melhor, mas, pelo contrário, consolidar a opção por uma vida pior. Quem hoje estiver reformado e perder uma parte da sua reforma nunca mais a recuperará; quem hoje for agente ou funcionário público e for despedido nunca mais arranjará emprego no Estado; quem hoje passar a pagar mais ou muito mais pelos cuidados de saúde nunca mais vai ver diminuídas as suas contribuições no sector sempre que precisar de recorrer aos seus serviços; quem hoje passar a pagar pela educação dos seus filhos o que ontem não pagava não mais poderá esperar que essas contribuições baixem no futuro ou deixem de existir; quem hoje perder apoios sociais de protecção ao desemprego, à maternidade, à velhice, etc., não mais voltará no futuro à situação em que estava antes.

É nisto e apenas nisto que consiste a ameaça permanentemente feita sob a forma de chantagem destinada a impedir que o poder mude de mãos …para “se não perderem e não terem sido em vão os sacrifícios dos portugueses”.

A “estabilidade” imposta pelos credores e pelos patrões da Europa exige que “esses sacrifícios se não percam”. Exigem que se consolidem!

A BARRAGEM A EVO MORALES



 

A INDIGNIDADE DOS ESTADOS VASSALOS
 

Os portugueses estavam demasiado ocupados com as vicissitudes da política interna e com as manobras políticas do PSD/CDS para, na hora em que os factos estavam acontecendo, se terem dado verdadeiramente conta do que se estava a passar na Europa dos “direitos humanos e das liberdades” com o avião presidencial da Bolívia que, de Moscovo rumo a La Paz, transportava a bordo o presidente Evo Morales. Ou então já estão tão habituados a ingerências e a vassalagens, de que a presente crise política, os seus desenvolvimentos e a solução encontrada são mais um triste exemplo, que até perderam a capacidade de se indignar perante a prática de factos que são a mais completa negação de tudo o que os europeus proclamavam defender quando tinham em Moscovo um adversário à altura das suas pretensões imperialistas, ou melhor dizendo, sub-imperialistas.

Já em post anterior tivemos oportunidade de abordar a obsessão pela segurança nacional e as suas mais que óbvias consequências. O que se passou com o avião de Evo Morales – e o que esteve para se passar com o de Maduro – é a prova de tudo o que então dissemos. Com uma agravante: a defesa da “segurança nacional” no caso de Morales não estava sendo directamente levada a cabo pelo Estado cujos interesses alegadamente tinham sido atingidos, mas por Estados vassalos, eles próprios vítimas da obsessão pela segurança nacional do Estado mandante que não hesita em violar qualquer direito para preservar ou tentar preservar essa segurança.

O relato que Evo Morales faz hoje em El País merece ser lido e meditado para se perceber até que ponto o governo de um Estado, numa manifestação de pura vassalagem, pode praticar actos de profunda cobardia moral capazes de envergonhar por muitos e muitos anos os cidadãos do país que têm a desdita de estar representados por tal gente, além, obviamente, dos prejuízos económicos e políticos que tal comportamento necessariamente acarreta.

Portas foi hoje ao Parlamento, à Comissão dos Negócios Estrangeiros, não apenas explicar o que se passou – desnecessariamente já que qualquer pessoa minimente interessada sabe o que se passou – mas também, com o descaramento que unanimemente se lhe reconhece, tentar justificar a posição portuguesa por comparação (implícita) com as dos demais Estados europeus envolvidos no caso.

Evo Morales, depois de ter visto aprovado o seu plano de voo, a partir de Moscovo com destino a La Paz, com escala técnica em Portugal, foi informado pouco antes da partida que por “razões técnicas” não poderia aterrar em Portugal. Evo Morales, embora tendo percebido perfeitamente o que se estava a passar, ordenou aos serviços diplomáticos bolivianos que a escala portuguesa fosse substituída pela de Las Palmas (Gran Canária), tendo esse novo plano de voo sido aprovado.

Quando o avião estava prestes a entrar no espaço aéreo francês, o comandante do avião comunicou ao Presidente que a autorização para atravessar a França tinha sido cancelada. Impossibilitado de regressar a Moscovo por falta de combustível, o comandante solicitou ao controlo aéreo de Viena uma aterragem de emergência que foi, como se sabe, autorizada.

E é então, em Viena, que se assiste às cenas mais degradantes de todo este episódio. Durante as treze horas em que o avião esteve retido em solo austríaco - ou seja, até que os representantes dos Estados vassalos – e seguramente o Estado mandante - se tivessem certificado de quem efectivamente seguia a bordo com o Presidente -  assistiu-se a uma das mais vergonhosa cenas diplomáticas da vida contemporânea.

O embaixador espanhol, numa manifestação de puro servilismo, mas também de colonialismo serôdio, de racismo bacoco e de desprezo pela verdadeira independência dos países latino-americanos (que, finalmente, a alcançaram), típica daquilo a que Fidel chama o “Império de muletas”, exigiu vistoriar o avião de Evo Morales para em consequência de essa investigação decidir com “os amigos de Espanha” o que fazer relativamente à viagem do Presidente da Bolívia.

Evo Morales opôs-se como se impunha e a autorização de seguir viagem acabou por ser dada, seguramente, quando os serviços secretos do Estado mandante transmitiram aos lacaios europeus o levantamento do “embargo” por confirmação da ausência a bordo da pessoa procurada.

Portas valeu-se desta imbecilidade e desta arrogância tipicamente castelhana da direita espanhola para marcar a diferença de comportamento do Estado Português relativamente aos demais. Disse Portas: Portugal não perguntou a Evo Morales quem vinha no avião, nem nunca o faria por respeito pela soberania da Bolívia, limitando-se a recusar a escala técnica…por motivos técnicos. Mais tarde acabou por confirmar que os motivos técnicos eram motivos que visavam impedir que Portugal importasse um problema que não era seu, nem sobre o qual queria tomar partido, deixando entredito que a existência de um tratado de extradição com os Estados Unidos e o facto de neste país haver pena de morte levantavam problemas complicadíssimos que Portugal deveria saber evitar.

Esta insinuação final da intervenção de Portas deixa a descoberto aquilo que os deputados na Comissão não souberam explorar convenientemente. Como pode Portas falar de extradição relativamente a uma pessoa que não estaria tecnicamente em território português se porventura viajasse no avião de Evo Morales e este tivesse aterrado em Lisboa? Estamos a faltar de extradição ou de rapto? O que é que o Governo português, seguindo a argumentação de Portas, quis evitar: a extradição ou um rapto? E um rapto consumado por quem? Por agentes de um governo estrangeiro ou por forças portuguesas?

Snowden está infelizmente em maus lençóis. Este tipo de atitude, tal como o de outros antes dele, levada a cabo em nome da democracia e da transparência, em defesa da chamada “sociedade civil global”, não goza das boas graças de todos aqueles que têm comportamentos exactamente idênticos aos que ele denunciou e que porventura só não terão a mesma dimensão por falta de recursos financeiros ou de conhecimentos técnicos…

 

quinta-feira, 4 de julho de 2013

ANATOMIA DE UMA CRISE


 
CAVACO NO CENTRO DO CIRCO
A presente crise política pode transformar-se numa das mais importantes derrotas da direita ocorridas depois de iniciada a contra-revolução neoliberal nos anos oitenta do século passado, se o povo português tiver a coragem e a determinação suficientes para pôr em marcha um processo que interrompa as políticas de austeridade e para impor uma política de crescimento que aposte na produção nacional e na profunda diversificação das relações económicas portuguesas.
A política que estava a ser posta em prática em Portugal desde há dois anos representava uma experiência pioneira de desmantelamento do modelo social existente nos países da Europa ocidental, com apreciáveis diferenças entre eles, é certo, mas também com muitos pontos de contacto, nomeadamente no plano da afirmação de princípios que se julgavam adquiridos como verdadeiras conquistas civilizacionais.
O Governo ainda em funções teve aparentemente tudo pelo seu lado para concluir com êxito esta ingente tarefa apadrinhada pelo grande capital nacional e internacional e monitorizada impositivamente pelas instituições europeias e internacionais que o representam e cujos interesses defendem tanto mais ameaçadoramente quanto mais fraco é o alvo dos seus ataques. 
Mas não só no plano internacional o Governo contava com o apoio inequívoco de todos aqueles que olhavam para Portugal como o país ideal para pôr em prática essa experiência radical. Também internamente, no plano institucional, o Governo contou com o apoio activo e empenhado do Presidente da República, que nunca teve qualquer problema em negar com a sua prática política o juramento constitucional que proferiu perante os portugueses, contou também com a passividade do Partido Socialista, muito traumatizado pela governação Sócrates tentando expiar os “pecados” do passado com a sua quase permanente abstenção perante os actos do Governo tendentes à concretização daquele objectivo e contou ainda com a acção permanente de uma enorme matilha de comentadores que diariamente ia fazendo a cabeça dos portugueses levando-os a acreditar que as políticas em curso se destinavam a salvar os seus empregos, os seus salários e as suas reformas.
O êxito desta política era, e continua ser, internacionalmente proclamado e aplaudido pelos representantes do grande capital que insistentemente incitavam o Governo a continuá-la, solicitando-lhe, por cada passo dado e conquistado, a imposição de novas medidas que tornassem realmente irreversíveis “as reformas” que vinham sendo adoptadas. Apesar de todos este apoios e do coro de elogios de que os media se faziam eco, a realidade ia desmentindo diariamente aqueles propósitos e confirmando a caminhada imparável para a concretização de uma política radical cada vez mais empenhada na destruição dos direitos sociais e na liquidação das conquistas laborais acumuladas ao longo de mais de um século de lutas contra o capital.
A política do Governo, assente na mentira e na dissimulação dos objectivos que de facto pretendia atingir, começou a claudicar quando o povo português se foi consciencializando que os objectivos (redução do défice e da dívida) em nome dos quais lhe eram exigidos os sacrifícios não só não estavam sendo alcançados como, pelo contrário, se agravavam a cada trimestre e, acima de tudo, compreendido também que aquela política, numa espiral imparável, lhe roubava direitos, lhe destruía o emprego e lhe ameaçava seriamente as reformas.
Chegados a este ponto, não obstante os aplausos do exterior, não obstante o incondicional apoio de Cavaco, completamente colado ao Governo, a coligação, por óbvias razões eleitorais, começou a perder coesão e passou a ser cada vez mais evidente a tentativa de o CDS se demarcar publicamente das medidas mais gravosas que no seio do governo apoiava ou deixava passar
É este estado de espírito da população, exuberantemente demonstrado nas múltiplas manifestações de luta ocorridas nos últimos nove meses, que levou o todo-poderoso Ministro das Finanças a demitir-se e a reconhecer publicamente a falência de uma política que ainda ontem se não cansava de elogiar. Falência que não representa, todavia, reconhecimento de qualquer erro ou auto-crítica pela acção desenvolvida, mas simples impossibilidade prática de levar a cabo o projecto em que se empenhou.
Passos Coelho, fanático neoliberal, inebriado e obscurecido pelo apoio que externamente lhe é dispensado pelos representantes dos credores e do grande capital, não tendo percebido o que realmente se está a passar, substituiu Gaspar por uma subalterna do ex-ministro que tem como única a particularidade de realce a irmanação com o Primeiro Ministro no fanatismo neoliberal e a incapacidade, tal como ele, de reconhecer a falência de um projecto por completa rejeição dos seus destinatários.
Portas, acusado por Gaspar de minar a coesão governamental, posto perante este passo arriscado da coligação, temendo eleitoralmente as inevitáveis consequências que resultarão desta afronta do Primeiro Ministro ao povo português e vendo neste gesto do PM uma excelente oportunidade para reforçar o seu poder na coligação, numa típica manifestação de homem de direita que voga acima e por cima do seu partido, resolveu demitir-se irrevogavelmente duas horas antes de a nova ministra das Finanças tomar posse.
Cavaco, herdeiro de uma formação salazarenta de que, por incultura e limitada capacidade intelectual, nunca conseguiu libertar-se, acolheu favoravelmente as propostas de Coelho, incitando-o a renegociar com Portas. Entendendo a estabilidade política como a simples manutenção em funções do governo, exerça ele ou não as funções que lhe competem, desestabilize ele ou não as respectivas áreas sociais em que políticamente intervem, sentindo as eleições como uma aberração a que só por imposição da moda dos tempos que correm se não pode furtar, Cavaco recusa-se a ouvir a voz do povo fora dos prazos em que por obrigação constitucional não pode deixar de o fazer e, num espectáculo caricato, dá posse a uma ministra que o parceiro de coligação publicamente rejeita.
A manobra de Portas é uma manobra arriscada. Conhecedor profundo dos meandros da direita e das razões que a movem, Portas sabe bem que o que a direita menos deseja é ser apeada do poder. E é esse objectivo que ele igualmente tem em vista: reforçar o seu poder no Governo. A uma manobra de alto risco terá de corresponder um ganho substancial de poder. Do poder que está ao alcance da sua mão e não do que resulta da vontade do povo português…. que ele nunca teve em mente auscultar.
Não menosprezando as divergências de projecto dentro da príopria direita, o que neste momento está em causa tanto por parte de Cavaco como por parte de Coelho e de Portas é a conservação do poder, posto que distribuído de modo diferente entre os seus actuais titulares. O que agora os une é a vontade comum de fecharem a porta a uma qualquer hipótese que possa fazer o poder mudar de mãos. Por isso, não seria nada surpreendente que de novo voltassem a entender-se, os três, com Cavaco como grande mandarim da direita.
Está nas mãos dos portugueses barrar o caminho a esta manobra. Como? Fazendo o mesmo que os egípcios, os brasileiros, os turcos e todos aqueles que não deixam em mãos alheias a defesa dos seus direitos.