A INDIGNIDADE DOS ESTADOS VASSALOS
Os portugueses estavam demasiado ocupados com as vicissitudes
da política interna e com as manobras políticas do PSD/CDS para, na hora em que
os factos estavam acontecendo, se terem dado verdadeiramente conta do que se
estava a passar na Europa dos “direitos humanos e das liberdades” com o avião
presidencial da Bolívia que, de Moscovo rumo a La Paz, transportava a bordo o
presidente Evo Morales. Ou então já estão tão habituados a ingerências e a
vassalagens, de que a presente crise política, os seus desenvolvimentos e a
solução encontrada são mais um triste exemplo, que até perderam a capacidade
de se indignar perante a prática de factos que são a mais completa negação de
tudo o que os europeus proclamavam defender quando tinham em Moscovo um
adversário à altura das suas pretensões imperialistas, ou melhor dizendo,
sub-imperialistas.
Já em post anterior
tivemos oportunidade de abordar a obsessão pela segurança nacional e as suas
mais que óbvias consequências. O que se passou com o avião de Evo Morales – e o
que esteve para se passar com o de Maduro – é a prova de tudo o que então
dissemos. Com uma agravante: a defesa da “segurança nacional” no caso de Morales
não estava sendo directamente levada a cabo pelo Estado cujos interesses
alegadamente tinham sido atingidos, mas por Estados vassalos, eles próprios
vítimas da obsessão pela segurança nacional do Estado mandante que não hesita
em violar qualquer direito para preservar ou tentar preservar essa segurança.
O relato que Evo Morales faz hoje em El País merece ser lido e
meditado para se perceber até que ponto o governo de um Estado, numa
manifestação de pura vassalagem, pode praticar actos de profunda cobardia moral
capazes de envergonhar por muitos e muitos anos os cidadãos do país que têm a
desdita de estar representados por tal gente, além, obviamente, dos prejuízos económicos
e políticos que tal comportamento necessariamente acarreta.
Portas foi hoje ao Parlamento, à Comissão dos Negócios Estrangeiros,
não apenas explicar o que se passou – desnecessariamente já que qualquer pessoa
minimente interessada sabe o que se passou – mas também, com o descaramento que unanimemente se lhe reconhece, tentar justificar a posição
portuguesa por comparação (implícita) com as dos demais Estados europeus
envolvidos no caso.
Evo Morales, depois de ter visto aprovado o seu plano de voo,
a partir de Moscovo com destino a La Paz, com escala técnica em Portugal, foi
informado pouco antes da partida que por “razões técnicas” não poderia aterrar
em Portugal. Evo Morales, embora tendo percebido perfeitamente o que se estava
a passar, ordenou aos serviços diplomáticos bolivianos que a escala portuguesa
fosse substituída pela de Las Palmas (Gran Canária), tendo esse novo plano de
voo sido aprovado.
Quando o avião estava prestes a entrar no espaço aéreo
francês, o comandante do avião comunicou ao Presidente que a autorização para atravessar
a França tinha sido cancelada. Impossibilitado de regressar a Moscovo por falta
de combustível, o comandante solicitou ao controlo aéreo de Viena uma aterragem
de emergência que foi, como se sabe, autorizada.
E é então, em Viena, que se assiste às cenas mais degradantes
de todo este episódio. Durante as treze horas em que o avião esteve retido em solo
austríaco - ou seja, até que os representantes dos Estados vassalos – e seguramente o Estado
mandante - se tivessem certificado de quem efectivamente seguia a bordo com o
Presidente - assistiu-se a uma das mais vergonhosa
cenas diplomáticas da vida contemporânea.
O embaixador espanhol, numa manifestação de puro servilismo,
mas também de colonialismo serôdio, de racismo bacoco e de desprezo pela
verdadeira independência dos países latino-americanos (que, finalmente, a alcançaram),
típica daquilo a que Fidel chama o “Império de muletas”, exigiu vistoriar o
avião de Evo Morales para em consequência de essa investigação decidir com “os
amigos de Espanha” o que fazer relativamente à viagem do Presidente da Bolívia.
Evo Morales opôs-se como se impunha e a autorização de seguir
viagem acabou por ser dada, seguramente, quando os serviços secretos do Estado
mandante transmitiram aos lacaios europeus o levantamento do “embargo” por confirmação
da ausência a bordo da pessoa procurada.
Portas valeu-se desta imbecilidade e desta arrogância
tipicamente castelhana da direita espanhola para marcar a diferença de
comportamento do Estado Português relativamente aos demais. Disse Portas:
Portugal não perguntou a Evo Morales quem vinha no avião, nem nunca o faria por
respeito pela soberania da Bolívia, limitando-se a recusar a escala técnica…por
motivos técnicos. Mais tarde acabou por confirmar que os motivos técnicos eram
motivos que visavam impedir que Portugal importasse um problema que não era
seu, nem sobre o qual queria tomar partido, deixando entredito que a existência
de um tratado de extradição com os Estados Unidos e o facto de neste país haver
pena de morte levantavam problemas complicadíssimos que Portugal deveria saber evitar.
Esta insinuação final da intervenção de Portas deixa a
descoberto aquilo que os deputados na Comissão não souberam explorar
convenientemente. Como pode Portas falar de extradição relativamente a uma
pessoa que não estaria tecnicamente em território português se porventura
viajasse no avião de Evo Morales e este tivesse aterrado em Lisboa? Estamos a faltar
de extradição ou de rapto? O que é que o Governo português, seguindo a
argumentação de Portas, quis evitar: a extradição ou um rapto? E um rapto
consumado por quem? Por agentes de um governo estrangeiro ou por forças
portuguesas?
Snowden está infelizmente em maus lençóis. Este tipo de atitude,
tal como o de outros antes dele, levada a cabo em nome da democracia e da
transparência, em defesa da chamada “sociedade civil global”, não goza das boas
graças de todos aqueles que têm comportamentos exactamente idênticos aos que
ele denunciou e que porventura só não terão a mesma dimensão por falta de recursos
financeiros ou de conhecimentos técnicos…
1 comentário:
Não percebo! Não anda toda a gente (quase toda) que é preciso recuperar a soberania e libertarmo-nos do estado de protectorado? Afinal somos um protectorado dos senhores do Euro e estes vassalos do Gande Irmão? Bem, então somos um sub-protectorado!
Afinal a nomeação do MNE não carece do "bueno visto" da Secretaria de Estado? O que têm sido o MNE cá do sítio? na maior parte homens de mão dos americanos!
Claro que concordo com o autor mas deveria ter comentado, em particular, o papel a que se prestou o Holland!
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