INDEPENDÊNCIA EM RELAÇÃO A QUÊ?
A propósito de uma inauguração, em que participou como convidado, Cavaco Silva enalteceu os investimentos em tempo de crise, desde que rentáveis, sublinhou (vamos deixar agora de lado a questão da rentabilidade, ainda hoje objecto de grande polémica na América, quando se trata de avaliar os investimentos públicos feitos, em tempo de crise, nos dois primeiros mandatos de Roosevelt).
Perguntado sobre se o que disse se aplicava tanto aos investimentos públicos como aos privados, Cavaco respondeu que sim, desde que (insistiu) rentáveis. Perguntado ainda sobre se todos os investimentos públicos que o Governo se propõe realizar são rentáveis, Cavaco respondeu que, por essa ser uma questão objecto de grande polémica político-partidária, não se pronunciaria dada a independência que deve guardar relativamente a questões desse tipo.
Aparentemente, trata-se de uma resposta politicamente correcta sobre a qual nada haveria a dizer. Mas só aparentemente.
De facto, as questões relativas à governação não podem ser vistas assim pelo Presidente da República. O Presidente da República tem à luz da Constituição o papel e os poderes que a mesma lhe atribui para o desempenho daquele papel. E o Governo, outro órgão de soberania, tem outros poderes e outro papel, que não conflituam com os do Presidente da República. O Presidente da República, relativamente a matérias da competência do Governo, não pode tratar nem considerar constitucionalmente o desempenho do Governo no mesmo plano em que considera as posições da oposição, ou de uma parte dela, sobre a acção do Governo. Trata-se de realidades diferentes, que se situam em planos diversos, pelo que não há aqui nenhum lugar à arbitragem a desempenhar pelo Presidente da República. Que este não queira, ou nem deva, pronunciar-se sobre as opções políticas do Governo, a não ser pelos meios próprios que a Constituição lhe confere nos casos em que o pode fazer, é uma coisa. Dizer que se não se pronuncia para se manter independente, é outra completamente diferente. É que esta segunda tese tem implícita a ideia de que o Governo e um qualquer partido da oposição, ou todos, estão no mesmo plano. Mas não estão. O Governo tem uma legitimidade para decidir que a oposição não tem.
Estas confusões é que dão lugar depois a que o Presidente se não pronuncie sobre “incidente da Madeira” ao abrigo de uma pretensa equidistância entre os contendores ou que ache normal, naquela mesma região, receber no hotel (ou na residência em que estava instalado) os deputados da oposição à Assembleia Regional, em vez de por esta ser recebido!
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