A POLÍTICA EXTERNA FRANCESA, NO ESSENCIAL, MANTÉM-SE
A natureza hiperactiva, e para alguns até errática, do Presidente francês deixava algumas dúvidas sobre os novos rumos da política externa francesa. As manifestações de amizade relativamente à América com que iniciou o seu mandato e o anunciado regresso da França à estrutura militar da NATO encheram de júbilo os atlantistas indígenas que logo predisseram o nascimento de uma nova política externa francesa susceptível de fazer alinhar a União Europeia a uma só voz com Washington.
À medida que o tempo vai passando e as posições da França se vão consolidando, vê-se que se enganaram. A grande diferença entre Sarkozy e os seus antecessores (os gaullistas mais do que Mitterrand, próximo dos americanos), é que estes marcavam as diferenças à cabeça e protestavam amizade no fim, enquanto Sarkozy começa por enaltecer a amizade e marca as diferenças depois.
Diplomaticamente é mais hábil proceder assim. Deixa mais espaço de actuação e cria menos desconfianças. É claro, que Sarkozy gosta de ser protagonista e nessa medida não perde uma oportunidade para aparecer na primeira linha. Mas nem tudo nele é fogo-de-vista. Actuou bem e a tempo na crise do Cáucaso e tentou liderar uma oposição europeia ao capitalismo anglo-saxónico, grande responsável pela crise financeira e económica que ameaça propagar-se a todo o globo e não apenas aos países ricos.
Na presidência da União Europeia, o relançamento das relações com a Rússia deve ser visto como uma consequência natural do seu desempenho na crise do Cáucaso. As relações europeias com a Rússia vinham sendo gradualmente envenenadas pelo complexo militar industrial americano, representado pelo Pentágono e pela Casa Branca (Bush, Dick Cheney, Rice e demais camarilha neocon), que contava e conta na Europa com poderosos aliados (a Inglaterra e seus acólitos no continente, como a Holanda - sempre por razões geoestratégicas, tanto agora como no passado) e os países saídos da órbita soviética, além de uma enorme legião de atlantistas nostálgicos da guerra-fria que pululam, principalmente nos países mais atrasados, como Portugal, nos órgãos de comunicação social e noutros instrumentos do aparelho ideológico.
O percurso é conhecido. Depois de a Rússia ter vindo a recuperar gradualmente a sua dignidade, após o grande saque orquestrado pelo FMI, que fez regredir o país para níveis de desenvolvimento desconhecidos nos tempos modernos, a América, certificada de que os tempos de Yeltsin não mais regressariam, iniciou o cerco à Rússia com o apoio daqueles países e com a cumplicidade dos demais. Primeiro, com a extensão da NATO a leste, quebrando um compromisso solenemente assumido por Bush-pai, e, depois, com o propósito de instalação de escudos anti-mísseis na Polónia e na República Checa. O clima parecia tão propício à continuação desta ousada política que até o inqualificável Presidente da Geórgia se sentiu tentado a atacar populações que viviam sob a protecção russa.
O que a seguir se passou é conhecido: Saaskashvili levou uma grande tareia, de que nem os seus amigos provocadores o livraram, e Sarkozy intermediou um acordo para pôr fim à crise. A Europa fez um compasso de espera, aguardou que o acordo fosse cumprido, para retomar as negociações com a Rússia. Pouco antes do recomeço destas negociações, o Presidente russo, no dia seguinte ao da vitória de Obama, anunciou que instalaria mísseis em Kalininegrado como resposta ao acordo antimíssil americano.
No entanto, um dia antes do recomeço das negociações com a UE, Medvedev, em entrevista ao Figaro, reiterando a vontade da Rússia de boas relações com a América e com a Europa e insistindo na negociação de um pacto pan-europeu no qual os Estados Unidos participem, comunicou que a Rússia não instalaria mísseis na Europa se os americanos desistissem do escudo anti-míssil.
Sarkozy não perdeu tempo e logo na cimeira de Nice, declarou, antes de partir para Washington para participar no G20, que o pacto de segurança proposto pelos russos seja discutido no âmbito da OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação Europeia). E que até lá não se fale mais de escudos anti-mísseis, nem de mísseis, “que não levam segurança a lado nenhum e somente complicam as coisas”.
Sarkozy criticou ainda duramente Bush pelo seu comportamento durante a guerra da Geórgia, por ter alimentado tensões e ameaças em vez de se ter empenhado na resolução da crise.
Enfim, para os atlantistas estas declarações de Sarkozy e outras posições que ele tem tomado são um verdadeiro banho de água fria, além do mais porque o tal pacto pan-europeu retira qualquer sentido à NATO. Por isso, não posso deixar de relembrar aqui os comentários que então fiz a uma entrevista do nosso Ministro dos Negócios Estrangeiros…
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