AS DUAS PERSPECTIVAS
A grave crise económica com que se debatem os países ricos, desencadeada por uma crise financeira sem precedentes na história do capitalismo, tem vindo a ser encarada, dentro do sistema, com perspectivas diferentes, consoante o posicionamento ideológico dos respectivos actores.
Os sectores ligados às doutrinas neoliberais e ao “Consenso de Washington” vêem com muita desconfiança a intervenção do Estado na economia, mesmo em tempos de crise. Fiéis aos princípios da privatização, desregulamentação, ao monetarismo, com as suas normais consequências: equilíbrio orçamental e combate à inflação como primeiras prioridades, mantêm-se muito reticentes a tudo o que possa pôr em causa a “ortodoxia económica” em que assentaram a gestão da economia nestes últimos vinte e cinco anos.
Basta ver, como toda a direita na Europa (com excepção, como sempre, da gaullista) e nos Estados Unidos está a reagir às intervenções que vão para além do sistema bancário (ditas sistémicas e por isso aceites), ao défice orçamental e aos programas de investimentos públicos para que nenhuma dúvida seja a este respeito legítima.
Em Portugal, a presidente do PSD mantém a sua cruzada contra os investimentos públicos, o CDS, apesar de actuar eleitoralmente em estreitíssimos “nichos de mercado”, continua activo contra o rendimento social de inserção, o Presidente da República dá o seu aval apenas a “investimentos rentáveis”, envolvendo sob os mesmos critérios de apreciação os públicos e os privados, e outros, como Eduardo Catroga, continuam a privilegiar a competitividade das empresas, como factor determinante de superação da crise, a qual obviamente, num país como Portugal, não poderá deixar de passar por uma diminuição dos gastos públicos e uma progressiva degradação salarial.
Outros, representativos de sectores mais progressistas, pelo contrário, continuam a defender uma linha neo-keynesiana, traduzida numa maior intervenção do Estado na economia, posta em prática através de um vasto programa de investimentos públicos.
Nos Estados Unidos esta linha, já com evidentes reflexos na nova Administração e em alguns governos europeus, tem sido fundamentalmente defendida pelo recém-galardoado prémio Nobel da economia, Paul Krugman. Diz Krugman que quando se chega a esta fase de “economia de depressão”, as regras normais da política económica já não são válidas: “a virtude converte-se em vício, a cautela é um risco e a prudência, um disparate”. E dá o exemplo do desemprego, que deixa de poder ser combatido pelos procedimentos habituais, cuja progressão induzirá um consumo cada vez menor, que, por sua vez, implicará diminuição dos investimentos das empresas, logo mais desemprego e por ai adiante!
A receita para inverter esta espiral descendente, consiste, segundo o mesmo autor, em o Governo proporcionar um estímulo à economia aumentando a despesa e as ajudas aos que mais estão sofrendo. E logo adverte que este estímulo não chegará a tempo ou não será da dimensão necessária se os políticos e as autoridades económicas não forem capazes de superar vários preconceitos.
E, depois, explica. Um desses preconceitos é o medo aos “números vermelhos”, ou seja, ao défice orçamental. Se em épocas normais o equilíbrio orçamental é uma virtude, numa época de crise torna-se num vício perigoso. Roosevelt, em 1937, ao tentar regressar antes de tempo ao equilíbrio orçamental, ia pondo em causa o New Deal.
O segundo preconceito é o que se funda na crença de que em política se deve actuar com cautela. Se em regra o princípio é válido, em tempos de crise uma actuação atrasada corre o risco de levar ao desastre.
Finalmente, a ideia de que a humildade e a prudência são qualidades apreciáveis. Em tempos de crise mais vale fazer de mais do que de menos. Ou seja, mais vale que a economia se “aqueça” por excesso de estímulo do que continue estagnada ou deprimida por falta dele. É que para o excesso há sempre remédio, enquanto para a falta, não. Se, em consequência do excesso, houver inflação, sobem-se os juros; pelo contrário, para a deficiente falta de estímulo, nada há a fazer, logo, a prudência é um disparate.
A nova Administração americana vai pôr em prática um vasto plano de apoio à economia, porventura inferior ao preconizado por Krugman, que aponta para uma cifra da ordem dos 475 mil milhões de dólares e no Reino Unido, Gordon Brown, que na Europa tem sido um fiel seguidor dos conselhos do prémio Nobel, também se prepara para actuar no mesmo sentido, embora com as adaptações exigidas pelas particularidades da economia britânica. Zapatero, por seu lado, já anunciou um défice da ordem dos 4,2%, para os dois próximos anos, e nenhuma medida que possa implicar “recorte” social.
Em Portugal, ainda não se percebe muito bem como vai actuar o Governo. Os defensores da ortodoxia económica, que frequentemente aconselham e condicionam a actuação do Governo, já manifestaram a sua discordância relativamente a qualquer desequilíbrio das contas públicas. Fazem frequentemente profissões de fé anti-neoliberais, mas na hora da verdade estão como o outro “que fazia prosa sem o saber”.
Depois, há um outro aspecto da questão, que é decisivo: para relançar a procura, única forma de inverter a tal espiral acima referida, é preciso que o dinheiro vá parar às mãos do maior número e não apenas às mãos de alguns. A completa subjugação aos “interesses das empresas”, decorrente de uma visão ideológica exclusivamente centrada nos interesses empresariais, pode deitar tudo a perder.
Por último, não deve restar qualquer dúvida de que somente uma acção concertada no quadro da UE, com verbas comunitárias e nacionais, será capaz de dar uma resposta adequada à crise .
ADITAMENTO
Os diferentes modos de encarar a crise e as respectivas respostas, acima descritos, estão bem presentes nas divergências hoje evidenciadas na cimeira franco-alemã, quanto ao modo de actuação da União Europeia. Enquanto Sarkozy quer agir rapidamente no quadro de um plano europeu que envolva verbas significativas, Angela Merkel diz que é preciso reflectir para não confundir "acção com precipitação", mostrando-se mais favorável a um conjunto de medidas que não custem dinheiro aos Estados.
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