AS OBRIGAÇÕES DE UM
REPORTER
Kapuscinsky é admirado em todo mundo porque além de ser um
extraordinário escritor sempre tentou nas muitas reportagens que fez nos quatro
cantos do planeta compreender com a sua visão humanista o que em cada situação
estava em jogo. Quais os interesses das partes em confronto, o que as
movia, que razões profundas determinavam o conflito.
Para poder desempenhar o seu trabalho com rigor e honestidade
preparava-se muito bem antes de partir para uma missão, aprendia a língua dos
países onde ia trabalhar e uma vez ai chegado instalava-se na zona onde as
coisas estavam a acontecer. E falava com as pessoas, com todas as que interessava contactar, para ter uma
visão plural dos acontecimentos.
Nem sempre os repórteres modernos podem fazer o mesmo. Não têm
tempo para isso e as redacções muito provavelmente também não estarão dispostas
a fazer grandes investimentos. Às vezes contentam-se com uma simples presença
no local sem acrescentarem rigorosamente nada pelo facto de lá estarem ao que
se saberia se tivessem ficado no lugar donde partiram.
Depois há também quem parta para estas missões como repórter de
uma das partes sendo o seu trabalho encarado como um serviço à causa dessa
parte. É assim nas guerras quando o repórter pertence ao mesmo lado de uma das
partes em confronto. Nesses casos o repórter embora se deva mover por critérios
objectivos não vai para estes serviços para fazer o jogo do inimigo.
Já o caso muda completamente de figura quando o repórter se
propõe acompanhar um conflito ao qual é alheio. Não vou dissertar sobre uma
matéria a propósito da qual não tenho competência para o fazer, mas posso dizer
o que como espectador pretendo que o repórter me traga e pode ser que outras
pessoas pretendam o mesmo que eu. Antes de mais pretendo conhecer a natureza do
conflito segundo o ponto de vista das partes em confronto – não o ponto de
vista do repórter, que, sendo embora legítimo não tem qualquer legitimidade
para nas funções que desempenha o dar a conhecer aos espectadores –, depois conhecer
cada uma das partes – o que defendem politicamente, que propostas têm – e,
finalmente, o relato tanto quanto possível objectivo do que está acontecendo.
Como paradigma de uma reportagem televisiva exemplar tem de
citar-se a de Carlos Fino em Bagdad, na segunda guerra do Iraque. Além de ter
ficado no teatro das operações quando os demais o abandonaram, ele levou aos
espectadores de todo o mundo o relato objectivo do que estava a acontecer. Por
essa reportagem ter sido absolutamente notável é que Carlos Fino ficou
conhecido em toda a parte e granjeou nos países de língua portuguesa, principalmente
no Brasil, um respeito e uma admiração unânimes entre os espectadores brasileiros
e os seus colegas de profissão. E só não pagou com a vida a ousadia da sua
independência por sorte e não porque não tenham tentado calá-lo…
Vários anos volvidos, a RTP enviou para Kiev em seu funcionário
para fazer a reportagem dos acontecimentos que agora estão a ter lugar. Não há
palavras para descrever com rigor o seu desempenho desde que chegou a Kiev. Ele
escamoteia factos essenciais que hoje já todo o mundo conhece, como a identidade
política dos atiradores furtivos; ele não presta a menor informação sobre a
composição do poder político saído da Praça Maidan, quando hoje já toda a gente
conhece o curriculum dos participantes desse governo; ele fala da Ucrânia como
se a Ucrânia fosse apenas Kiev ou até mais limitadamente a Praça Maidan,
omitindo propositadamente a realidade complexa do país; ele esconde as medidas
que o governo saído do golpe já tomou relativamente à parte que não o apoia;
ele não dá a menor informação sobre o que pensa e o quer a outra parte da
Ucrânia. Em suma, ele foi para a Ucrânia numa pura missão de propaganda tão
inútil quanto estúpida, porque com os meios de informação que hoje estão para
todo o mundo à disposição de um clik é perfeitamente possível saber o que ele tenta
esconder. Mas nem por isso o protesto deverá ser menos vigoroso, quanto mais
não seja por ele lá estar à nossa custa na prestação de um serviço público que vergonhosamente
deturpa com o seu facciosismo vulgar.
Além de que os portugueses não têm que estar a pagar um
representante dos americanos em Kiev, melhor dizendo, nem dos americanos ele é
um representante já que a generalidade dos repórteres americanos, com excepção
dos da Fox News, tem apesar de tudo outra atitude - ele é mais um representante
de Rasmussen.
Para ttentar protestar, liga-se para a RTP, para o 217947000, atende
um segurança que passa ao apoio ao cliente onde ninguém atende e a chamada cai.
Tenta-se uma, duas, três vezes e o resultado é sempre o mesmo.
7 comentários:
Na verdade
pagamos
para a canalha andar à solta
Eu chamo a isso "entretengas"...
Apetecia-me pregar com o seu texto nas fuças da RTP1!, o que seria um gesto certo mas de uma tremenda ingenuidade.
Eles sabem o que fazem...
http://www.rtp.pt/wportal/grupo/provedor_tv/enviarmensagem.php
CURIOSAMENTE, ESCREVI HOJE SOBRE O MESMO EM cris-sheandbobbymcgee.blogspot. pt.
e estou COMPLETAMENTE DE ACORDO. PUS A FOTOGRAFIA DO "MECO" PORQUE ACHO QUE A IMPUNIDADE NÃO PODE VENCER.
CRISTIANO RIBEIRO
ISL ONT CHANGE MA CHANSON
https://www.youtube.com/watch?v=nVGgJaN_dPQ
Excelente e muito didáctica análise, amigo!
Não entendo: um país na bancarrota, ainda tem dinheiro para mandar um repórter para a Ucrania!
E ainda por cima não diz tudo o que vê ou que sabe ou tem obrigação de saber.
AF
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