É POSSÍVEL EVITAR A
GUERRA?
Provavelmente esta é a situação mais grave que se vive na
Europa desde o fim da II Guerra Mundial. Não é a pior crise desde a Queda do
Muro e da implosão da URSS como alguns responsáveis políticos ocidentais querem
fazer crer. É muito mais do que isso.
A situação que hoje se
vive na Europa é explosiva e muitíssimo perigosa. Aliás, ela é uma consequência
tardia da desagregação da URSS e resultante de um rastilho lançado para o terreno
imediatamente a seguir, cuja extremidade mais longínqua da deflagração há muito
estava incandescente e que, consoante as conjunturas, ia ardendo com mais ou
menos intensidade, mas nunca extinto, como às vezes parecia acontecer.
O Ocidente, o “Ocidente” da Guerra Fria, além de ter tentado imediatamente
após o fim da URSS “arrumar” a Rússia por 50 anos (como Stiglitz confirma em “A
globalização começa mal”), humilhou-a desnecessariamente em várias ocasiões em
assuntos que directamente lhe diziam respeito. Fez o mesmo à Jugoslávia, aqui
com o êxito que se conhece, não deixando praticamente nenhuma meia centena de
quilómetros quadrados sem um novo país. E depois passou ao ataque: primeiro nos
Bálticos, a seguir na Polónia (apesar de Polónia, para este efeito, não ser um
problema, embora o seja pela permanente pressão que exerce sobre as instituições
europeias e sobre a NATO) e por último no Cáucaso e na Ucrânia. Basta ver o
número de americanos que exerceram funções de Primeiro Ministro e de Presidente
da República nesses países.
A Rússia, assim que recuperou o folego e logo que as condições
permitiram que um “novo Ivan” emergisse, iniciou uma longa caminhada
diplomática, política e militar tendente a evitar o cerco que dia após dia mais
se apertava.
Aliás, como a opinião pública é completamente dominada pelos media e estes estão a soldo da ideologia
expansionista do Ocidente, uma ideologia hipocritamente assente na democracia,
direitos humanos, estado de direito, etc, hoje já ninguém recorda os
compromissos assumidos perante a URSS de Gorbatchov pela América e pelas
potências ocidentais depois da extinção do Pacto de Varsóvia e da retirada das
tropas soviéticas da Alemanha: a garantia de que os ex-países do Pacto de Varsóvia não
integrariam a NATO. Compromisso, diga-se, que Bush (Pai) cumpriu escrupulosamente
durante o seu mandato. Mas depois veio Clinton que apanhou Yeltsin tanto
internacionalmente como pessoalmente na sua fase mais frágil e fez dele o que
quis. E só não avançou mais porque não teve tempo. Bush (Filho) envolvido em
várias guerras, deu sequência ao cerco que Clinton começara, mas não teve tempo
nem condições políticas para o fechar. Ainda hoje está por explicar quem deu
carta branca a Saakashvili para avançar sobre a Ossétia do Sul…
Só que nessa altura já a Rússia estava suficientemente forte
para cortar cerce as veleidades do “americano” da Geórgia e a lição que lhe deu
foi suficiente para desencorajar acções semelhantes nos tempos mais próximos.
Apesar do abrandamento da tensão com Obama, a NATO, a União
Europeia e os Estados Unidos foram prosseguindo a mesmo política embora com baixa
intensidade. Mantiveram o projecto do escudo antimíssil na República Checa e na
Polónia e nunca desistiram da Ucrânia que, de ou de outra forma, sempre esteve
presente na agenda ao longo destes últimos vinte e tal anos.
A estratégia quanto à Ucrânia era óbvia, embora um pouco diferente da que foi posta em prática
relativamente aos outros “ex-aliados” de Moscovo. Aqui era preciso ser mais
cauteloso. Não se tratava de uma “democracia popular” recém-saída do Pacto de Varsóvia
mas de um grande Estado que antes integrara a própria União Soviética.
O namoro foi longo, cauteloso, às vezes mais ousado, mas
nunca tendo chegado verdadeiramente a “vias de facto”. Como politicamente a governação
da Ucrânia ia alternando entre os pró-russos e os pró-ocidentais, sem nunca as
posições se extremarem exageradamente, tendo inclusive a Rússia tido a arte para
converter às suas próprias posições a Sra Timochenko, líder da “revolução
laranja”, que depois veio a sofrer as consequências pelo modo como se deixou
converter; enfim, como as coisas se passavam de maneira aparentemente
controlável, a Rússia, mantendo-se embora em guarda, nunca precisou de usar meios
não convencionais para defender as suas posições.
Mas a estratégia do Ocidente mantinha-se e estava em
execução: a União Europeia, acenando com euros e muitas promessas, continuava a
insistir na assinatura de um acordo que lhe garantisse chão firme na Ucrânia;
depois, passado algum tempo, segundo a evolução dos acontecimentos, viria a
NATO. Muito debilitada financeiramente, carente de divisas, a Ucrânia aceitou
negociar e firmar com a UE um acordo de associação. Quando já estava iminente a
assinatura do Acordo em Vilnius, a Rússia, como não poderia deixar de ser, interveio.
Ofereceu, qualquer que tenha sido a formulação da oferta, um acordo alternativo
à Ucrânia, que o aceitou, tendo o Ocidente respondido com fortíssimas pressões políticas
para que o acordo de associação com a União Europeia fosse mantido e assinado,
e instigando internamente os sectores anti-russos (muito fortes e muito activos)
a revoltarem-se, prestando-lhes todo o apoio político. E o resultado viu-se:
num país causticado pela má governação, dominado por oligarcas que se
apoderaram das riquezas que antes pertenciam ao povo, não foi difícil aos
sectores extremistas, nacionalistas e populistas da Ucrânia ocidental
mobilizarem durante mais de dois meses várias dezenas de milhares de pessoas contra
o Presidente eleito e manter a revolta até à tomada completa do poder em Kiev.
A partir de então a coisa teria necessariamente que mudar de
figura: a Rússia, ainda muito causticada pela recordação da colaboração durante
a guerra da extrema-direita ucraniana com Alemanha, não iria aceitar um governo
extremista e xenófobo que, além de pôr em causa os seus interesses na região, iria
também voltar-se contra a população de origem russa dominante na parte oriental
e no sudeste da Ucrânia, como aliás as suas primeiras medidas deixaram bem
patente. Se em Kiev valia a lei da selva, com o apoio dos do Ocidente, por que não
fazer o mesmo do outro lado? Tendo direitos concedidos por tratado sobre a
Crimeia, a Rússia prevaleceu-se desses direitos, concedidos para outros fins,
para marcar posição militar na península e apoiar a revolta das populações pró-russas
E é neste ponto em que estamos. E por que é a situação
explosiva? Porque a Rússia não vai sair donde está. Pelo contrário, vai apoiar
a rejeição do governo de Kiev em toda a parte oriental e no sudeste da Ucrânia,
com especial incidência nas grandes cidades industriais de maioria russa, como Kharkov,
Donetsk e outras. A Rússia tentará impor a divisão da Ucrânia ou, no mínimo, uma
Ucrânia federal com duas ou três repúblicas autónomas na parte russófila, se
houver diplomacia que a tal a convença. Mas não vai recuar perante nenhuma ameaça.
A Europa militarmente
não pode fazer nada. Não tem meios, nem vontade. Nenhum europeu está disposto a
morrer por Kiev. A Europa pode dar armas, pode apoiar, mas têm de ser os de
Kiev a combater. Só que os de Kiev apanham uma gigantesca tareia se se meterem
com os russos. E é aqui que o problema se complica.
E complica-se muito por duas razões. Primeiro porque não há
hoje um líder europeu que mereça a confiança dos russos. Putin fala com Merkel,
mas Merkel não é a interlocutora ideal para uma situação destas. Merkel manda económica
e financeiramente na União Europeia, mas politicamente conta pouco na Europa
que interessa. Era preciso que houvesse alguém, da França, credível e não há. Além
de Hollande não ter qualquer prestígio internacional, os socialistas franceses
sempre viveram na dependência política de Washington. E depois a situação complica-se
ainda mais porque os americanos têm um presidente fraco. Um presidente sem
poder e sem nenhuma capacidade para arbitrar internamente uma situação de grave
conflito internacional. A fraqueza, como se sabe, é má conselheira e torna o fraco
dependente de vontades alheias. Para mostrar que não é fraco, Obama pode pôr o
mundo à beira do abismo.
Hoje são mais do que evidentes os perigos que o mundo corre por
a América ter na presidência um político oriundo das minorias. A sua eleição
foi aparentemente uma grande conquista civilizacional, mas paradoxalmente pode
ter como consequência uma catástrofe de proporções inimagináveis.
Olhando para o passado, e é sempre arriscado fazê-lo, Obama
se estivesse no lugar de Kennedy não teria resistido à crise dos mísseis e olhando
ainda mais para trás se tivesse estado no lugar de Roosevelt provavelmente nunca
teria entrado na guerra. Não há nada mais perigoso para o mundo do que ter na
América um presidente fraco e sem prestígio. E é isso o que a América tem.
Para concluir falta acrecentar que a situação é hoje incomparavelmente mais perigosa do que qualquer outra ocorrida durante a Guerra Fria. Na Guerra Fria cada lado tinha o seu terreno demarcado e nenhum ousava inavadir o terreno do outro. Hoje não falta quem pense que não há limites ao expansionismo...
Para concluir falta acrecentar que a situação é hoje incomparavelmente mais perigosa do que qualquer outra ocorrida durante a Guerra Fria. Na Guerra Fria cada lado tinha o seu terreno demarcado e nenhum ousava inavadir o terreno do outro. Hoje não falta quem pense que não há limites ao expansionismo...
1 comentário:
Citei-o e fiz link
Bom trabalho! Obrigado
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