AMBAS AS COISAS. E O PS?
Na última reunião do Ecofin voltou a estar na ordem do dia a
situação económica europeia. As previsões em baixa do crescimento económico na Europa,
principalmente da chamada “locomotiva europeia”, fizeram novamente soar as
campainhas de alarme de uma possível terceira recessão em oito anos ou, pior
ainda, uma situação económica “à japonesa” que poderia, se esse fosse o caso,
prolongar-se por tempo indeterminado.
Perante este quadro, alguns países preocupados com o
crescimento e o emprego, voltaram a insistir na necessidade de investimentos
públicos em larga escala e instaram a Comissão a acelerar o tão badalado
“pacote” de 300 mil milhões de euros àquele fim destinados.
Por outro lado, a França e também a Itália, desta vez
apoiados pela Espanha, pretendem mais flexibilidade no cumprimento das metas
acordadas para o défice, por não se justificar num clima de pré-recessão
acentuar a austeridade e insistir em novos cortes orçamentais que iriam
necessariamente agravar a situação económica e aumentar o desemprego.
A Alemanha, porém, pela voz do social-democrata Sigmar
Gabriel, Ministro da Economia da grande coligação, mostrou-se inflexível: “Não há nenhum motivo para alterar a nossa
política económica e fiscal (orçamental). Endividar mais a Alemanha não vai gerar mais crescimento na Itália,
França, Grécia ou Espanha ”. Noutro contexto, Ângela Merkel acentuou esse
discurso rechaçando qualquer hipótese de novos endividamentos para suportar os
investimentos públicos reclamados à Alemanha pelo FMI e por certos Estados
membros. Finalmente, Schäuble naquele mesmo Conselho, para dissipar qualquer
dúvida, como que fixou um limite inultrapassável à política económica europeia
quando disse: “Vamos investir sem
histerias sem voltar a cair no défice público”.
Por outras palavras, ninguém pode razoavelmente esperar
grandes planos de investimento por parte da Alemanha, quer na própria Alemanha
quer na União Europeia mediante o apoio a qualquer outro plano que vá para além
do que já está estabelecido. Aliás, nem outra coisa se poderia concluir depois
de se ter tomado conhecimento da decisão germânica de não ir ao mercado em 2015
e 2016 e, se possível, também em 2017. O mesmo se diga relativamente à
aceitação no quadro comunitário de uma política conjuntural de flexibilização
das metas em matéria de dívida e de défice justificada por uma conjuntura
económica desfavorável. Também neste domínio a posição da Alemanha parece
inflexível: os tratados são para cumprir! Di-lo a Alemanha em Bruxelas, em Berlim,
mas também no G20 e demais reuniões internacionais em que participa, como na
última semana em Milão.
Na defesa intransigente desta política a Alemanha tem sido
apoiada pela Holanda, Áustria, Finlândia, Luxemburgo e Portugal. O governo
português em ano de eleições não alterou a sua política. Segue uma linha de
subserviência relativamente às posições alemãs, dando o seu apoio a uma
política económica ortodoxa com que ideologicamente se identifica, como
aconteceu no último Ecofin.
Este exemplo vale pelo seu significado político: o Governo
põe o país a alinhar contra os Estados que se encontram numa situação
semelhante à de Portugal, em matéria de défice e de dívida, indiferente às
repercussões desta intransigência na situação económica da Europa e do próprio
país, sendo neste contexto que deve ser compreendido o Orçamento de Estado para
2015 e desvendada a linha eleitoral do Governo relativamente às próximas legislativas.
O Orçamento de Estado para 2015 é um orçamento de rigor que
acentua a austeridade em geral, sem prejuízo da concessão de parcas e muito
circunscritas benesses em um ou dois pontos. Não obstante todo alarido feito à
volta do famigerado “crédito fiscal” a cobrar em 2016, não parece ter havido da
parte do Primeiro Ministro e da sua Ministra das Finanças a preocupação de
iludir o verdadeiro sentido que a linha ortodoxa do Governo pretende que se
tire do Orçamento. E a ideia que o Governo pretende que se tire do Orçamento é
a de que este Orçamento é um orçamento de continuidade e de rigor, destinado a consolidar
o penoso caminho de regeneração que Portugal ainda tem de percorrer até que
estejam criadas as condições para que o país entre, finalmente, “num modo de
vida normal”, ou seja, passe a viver e a tentar prosperar com o que tem.
Passos Coelho mentiu na campanha eleitoral de 2011. Hoje,
depois de três anos de austeridade, dificilmente poderia enveredar, com êxito,
pelo mesmo caminho. Persistindo agora na mesma política que adoptou durante
toda a legislatura, Passos Coelho espera duas coisas: em primeiro lugar, que o
seu eleitorado compreenda que a mentira de 2011 foi por uma boa causa, para
“salvar o país”, e, em segundo lugar, tirar vantagem eleitoral de uma política
de rigor que se recusa, apesar de estar no último ano da legislatura, a
enveredar pela política fácil e aparentemente popular que Portas lhe propôs. “O que diriam os portugueses, disse
Passos Coelho, se o mesmo Primeiro
Ministro que durante três anos defendeu e praticou a austeridade viesse agora,
em ano de eleições, diminuir os impostos e aumentar os salários?”.
Com esta frase, Passos Coelho deixou dito o essencial do que
vai ser a campanha eleitoral do Governo e, simultaneamente, implícito o que pensa
do seu parceiro de coligação - um parceiro hoje reduzido à sua insignificância
política que se mantém no Governo porque não tem nenhum outro sítio onde
estar.
Passos precisa de Portas, mas como sabe que Portas não pode sobreviver
sem a participação do CDS no Governo, acaba por traçar a política do Governo de
acordo com a sua estratégia, embora num ou noutro ponto faça questão de dar a
entender que está a oferecer um "rebuçado" a Portas, como aconteceu agora com o
hipotético crédito fiscal de 2016.
Portanto, o Orçamento para 2015 continua a ser um orçamento
que aposta na austeridade e mantém a linha traçada pelos anteriores de gradual
destruição do papel social do Estado. A austeridade que Passos Coelho advoga e
defende não pode ser entendida apenas como uma manifestação de servilismo
perante a Alemanha mas antes como o instrumento que melhor serve a linha
ideológica do Governo, tal como Passos Coelho a define.
Aliás, Passos acredita – e tem algumas razões para acreditar –
que o seu mais valioso legado é a irreversibilidade das principais “conquistas”
da sua governação - as “conquistas” da contra-revolução neoliberal.
E é aqui que entra o PS. Com excepção de dois ou três insignificantes
“vetos” de Seguro (RTP, freguesias e tribunais), o PS não anunciou a “morte” de
nenhuma das políticas de Passos. Nem o PS de Seguro, nem o PS de Costa (que
ainda nada disse sobre o que quer que fosse, salvo "restabelecer a confiança
dos agentes económicos e parceiros sociais” e a reiterada preocupação de “dar
músculo às empresas”) nos deram indícios claros do que vai ser diferente sem
Passos.
Há uma fé, para não dizer uma “fezada”, de que Costa vai acabar
com a austeridade e com os pesadíssimos constrangimentos que oneram a política económica
portuguesa. Só que esta ideia que indiscutivelmente perpassa as mentes socialistas
e as dos seus potenciais eleitores não tem o menor fundamento material em que
se apoie, salvo o silêncio propositadamente mantido por Costa para deixar que
essa onda de optimismo se consolide.
Aliás, se continuarmos a olhar o que se passa na Europa,
nomeadamente na “Europa socialista”, o que vemos de potencialmente conflituoso
com as doutrinas que economicamente têm dominado a vida política europeia não é
nada de verdadeiramente antagónico ou sequer contraditório com o que tem sido a
marcha essencial da política europeia. As divergências, por razões meramente
conjunturais, da França e da Itália, governadas por partidos congéneres do
nosso PS, cingem-se à relativa flexibilização do défice e a uma ténue tentativa
de incremento do investimento público como simples impulso do investimento
privado. Em tudo o mais, a identidade é completa. Tão completa que ainda
recentemente a França e também a Itália empreenderam profundas reformas
liberais, com a desregulamentação de amplos sectores e a redução bilionária da
tributação fiscal das empresas. Ou seja, o PD italiano e o PS francês são hoje
verdadeiros partidos sociais-liberais.
Portanto, e em conclusão, enquanto o PS se não “explicar” inequivocamente
em relação às questões fundamentais - tratado orçamental, dívida, défice,
sectores sociais do Estado, regulação do trabalho, privatizações em curso - não há
nenhuma razão para acreditar que a política portuguesa vá mudar em consequência
de uma simples mudança do resultado das eleições.