O GOVERNO E O PS
O Sr. Juncker fez aquilo que é muito comum nas burocracias:
depois de alcançado o resultado, com o qual concordam e na obtenção do qual se
empenharam, fazem críticas impessoais ou institucionalmente vagas para tentar
recolher a simpatia das vítimas. E normalmente esta técnica resulta: as pessoas
estão tão causticadas pelo caminho seguido pelas burocracias para alcançar o
resultado desejado, que uma palavra de apoio ou de consolo, por simples que
seja, tem o efeito de atenuar o mal sofrido e, principalmente, enche-as de
expectativas favoráveis relativamente ao futuro.
Quando a raiva e ódio estão prestar a impor-se, seja pelos
votos, seja na rua, as palavras de pseudo-autocrítica fazem esmorecer os ânimos
e deixam as pessoas predispostas para encetar um novo caminho, que pode ser
exactamente igual ao que terminou, embora recomeçado com um estado de espírito
diferente daquele com que encerraram a dramática experiência anterior.
Esta técnica foi usada pelo FMI nos idos de oitenta e noventa
do século passado para atenuar as múltiplas barbaridades que estavam praticando em África, na Ásia e também na América Latina. Em África, os burocratas
do FMI, muito bem acolitados pelos da Comissão Europeia, que aí fizeram o
tirocínio para o que viriam a aplicar mais tarde na própria Europa (em alguma
Europa), actuaram a partir de determinada altura com uma atitude muito
semelhante à do Sr. Juncker, não sem que, antes deste pseudo-arrependimento, os
burocratas da Comissão Europeia perdessem uma oportunidade que fosse para fazer
recair integralmente sobre o FMI o odioso dos “programas de ajustamento”. As
críticas eram muitas, mas nenhuma delas tinha por objectivo mudar o que quer
que fosse. O objectivo era outro: desarmar as reacções mais contundentes e
acalentar falsas expectativas.
As palavras do Sr. Juncker, apesar de terem em vista o efeito
acima referido e destinando-se a precaver novos Syrizas ou ainda pior, tiveram
no “arco do governo” uma reacção contraditória.
Do lado da coligação, houve um sentimento de ofensa que o Sr.
Portas e o Sr. Marques Guedes, além da Sra Von Haffen, por cujas palavras ambos
temiam, tiveram o cuidado de exteriorizar com sinais de ofensa que tardará a
ser esquecida. E compreende-se porquê. Em primeiro lugar, porque eles
consideram-se os donos e autores do “programa da Troika”: “Queremos ir além da
Troika” era o lema deles antes de terem assumido a autoria do programa. E
depois porque eles não temem um Syriza em Portugal - o pequeno Syriza que aí
despontou já se declarou apaixonado pelo PS e apenas pretende cair-lhe nos
braços… - e também sabem que, estando o PS completamente atrelado aos
pressupostos da Troika, nada melhor do que fazer do “cumprimento do programa”, tal
como eles o veiculam, o seu grande cavalo de batalha eleitoral. Portanto, nada
pior para esta estratégia do que vir alguém lamentar a falta de respeito ofensiva
da dignidade dos portugueses.
Pelo contrário, o PS acha que as palavras do Sr. Juncker,
além de “sábias”, são mais um auspicioso sinal dos “amanhãs que cantam” por acção
de Bruxelas e dos seus principais braços armados – o BCE, o Eurogrupo, o
Conselho Europeu e a Comissão, esta como “moço de fretes” de ordens superiores.
Até Jorge Sampaio, criticando os que criticam o Sr. Juncker, numa confissão certamente
involuntária, sinalizou a importância de Portugal (leia-se do PS e do PSD) na formação
dos “ grandes consensos” comunitários (leia-se para não haver qualquer espécie
de dúvida: a “institucionalização do neoliberalismo como regime constitucional
da União Europeia”).
E assim vai o “arco da governação”. Até ver…