AS LIÇÕES DE UM
CONFRONTO
Tem sido muito interessante assistir, mesmo de longe, a este
confronto entre a União Europeia e o FMI de um lado e a Grécia do outro. Embora
do lado da União Europeia e do FMI não tivesse havido nada de verdadeiramente
novo não deixa de ser interessante analisar a preocupação que a partir de
determinada altura se apoderou das chamadas “instituições”.
Vamos por partes. De início assistiu-se à defesa de posições
absolutamente rígidas marcadamente ideológicas de quem não pretende afastar-se
um milímetro da ortodoxia reinante para evitar contágios perturbadores da paz
neoliberal e do pensamento único que a inspira. Sob a direcção da Alemanha,
cuja posição foi de início veiculada por Schäuble, assistiu-se ao esperado
alinhamento dos demais países, tanto mais duramente defendido quanto menor é a
sua fraqueza negocial e maior é o seu grau de dependência relativamente a
Berlim. E aqui, como se esperava, não há que distinguir entre direita e
“esquerda europeia”, já que hoje nada verdadeiramente as distingue no plano
das políticas comunitárias: seguem ambas a mesma cartilha e ambas a defendem
com idêntico fervor.
Pouco depois das eleições gregas ainda houve do lado dos
chamados socialistas europeus quem manifestasse uma vaga simpatia pelo Syriza.
Uma simpatia muito semelhante à que eles costumam manifestar por quem, sem
outras consequências, no puro plano das palavras se rebela contra as políticas
oficiais. Os socialistas apreciam muito esta “limpeza d' alma” desde que ela
não vá em caso algum além das palavras. Também foi assim com o Syriza. Primeiro
a simpatia, depois a decepção. A decepção começou mal perceberam que muitas das
palavras eram mesmo para levar a sério. Aí começou o que eles chamaram a
“delapidação do capital de simpatia” com que foram acolhidos.
E todos os pretextos foram bons para se distanciarem. Desde o
estilo, principalmente o Varoufakis, mas também o de Tsipras, que eles não
apreciam (aceita-se lá que apareçam sem gravata e com camisa fora das calças
perante gente tão selectamente importante) até – e aqui fazem parelha com
Cavaco – à falta de experiência e compostura diplomática. Sobre o conteúdo da discussão, nada. Ou
melhor: Como aceitar que se discuta o que não tem discussão? Na UE tudo está
pré-determinado e pré-estabelecido - apenas há que obedecer.
De facto, não deixaria de ser espantoso, se esse não fosse o
comportamento habitual de há três décadas para cá, que os chamados socialistas manifestem
reservas relativamente às propostas do Syriza e às suas políticas quando elas
se inscrevem na matriz social-democrata – defesa do trabalho, redistribuição de
rendimentos a partir da oneração das empresas mais lucrativas e recusa em fazer
recair sobre os mais pobres o peso da crise. As propostas do Syriza nada têm de
radicais; limitam-se a enunciar aquilo que ainda há bem pouco tempo era normal
na Europa e que hoje assume foros da mais grave heterodoxia.
Do lado da direita que obedece, as palavras podem ter sido
diferentes, porventura mais grosseiras e rudes, mas os objectivos são
exactamente os mesmos dos socialistas. Já do lado de quem manda, assistiu-se a
partir do momento em que as negociações se encaminhavam para o impasse à
manifesta preocupação de passar para a opinião pública uma mensagem que
evidenciasse a defesa de uma posição flexível que só não lograva alcançar o
almejado acordo por força do intransigente radicalismo do Siryza. Amplificada,
como sempre, por uma enormíssima matilha de comentadores e outros tantos
fabricadores de notícias, esta mensagem genericamente apoiada pelos partidos do
sistema não teve grande dificuldade em impor-se como verdade oficial para a
generalidade das pessoas.
O Syriza, por seu turno, conseguiu durante largos meses
manter-se fiel às suas promessas eleitorais. Todavia, à medida que se
aproximava a hora da verdade, percebeu-se, não obstante o pânico que começou a instalar-se
nas hostes neoliberais, que o Syriza, ou uma parte dele, atribuía mais
importância à permanência no euro do que à vontade de alcançar um acordo que
permitisse pôr em prática um programa verdadeiramente alternativo às políticas
oficiais.
Não se pretende com isto dizer ou sequer insinuar que o Syriza
tenha capitulado às teses das “instituições”, tanto assim que permanece de pé a
reivindicação fundamental da reestruturação da dívida. Com o Syriza no governo a
austeridade na Grécia jamais será idêntica à imposta a Portugal, a Espanha e à
Irlanda. As pensões e os salários não continuarão a ser sacrificados como
inevitavelmente vai acontecer em Portugal, o IVA não será indiscriminadamente
aplicável com a mesma taxa a bens essenciais e a bens não essenciais ou mesmo supérfluos.
É certo que algumas políticas que acentuam as desigualdades e limitam ou
eliminam direitos vão continuar, embora numa escala menor.
Se alguma lição importante se pode retirar do caso grego na
versão Syriza é a de que compensa sempre resistir, mas também a de que não
basta resistir para alcançar a vitória. Para alcançar a vitória é necessário
que a resistência assente num verdadeiro plano B que possa ser posto em prática
se houver o risco de ultrapassagem de certas linhas vermelhas. Nem todos estão
em condições de o fazer por múltiplas razões. Objectivamente, a Grécia reunia
as condições suficientes para tornar credível a ameaça da entrada em cena de um
plano B. Apesar de a economia grega não ser uma grande economia, o incumprimento
da dívida, dada a sua magnitude, e a saída do euro ou mesmo da União Europeia
fariam do caso grego um caso de consequências imprevisíveis susceptível de
abalar profundamente toda a zona euro ou mesmo capaz de derrubar a moeda única.
Consequências que a União Europeia não estaria disposta a aceitar e cuja
iminência poderia ter alterado o curso das negociações. A verdade é que não
basta ter condições objectivas… a União Europeia sabe, como todos nós sabemos,
que o principal inimigo dos que pretendem resistir está dentro das suas
próprias fronteiras.