PARA ONDE CAMINHA A UE?
As consequências da saída do
Reino Unido da União Europeia são imprevisíveis no mesmo sentido em que o
futuro o é. Todavia, percebe-se pelas múltiplas reacções dos principais
responsáveis da União Europeia quais seria as consequências que eles gostariam
que se verificassem e pelas quais estão dispostos a lutar.
Têm-se dito que os “burocratas de
Bruxelas” têm saído incólumes dos múltiplos calafrios por que a União Europeia
tem passado. De acontecimentos graves que estão na iminência de acontecer mas que
acabam por não se verificar. Este comportamento, se bem analisarmos o que agora
se está a passar, não vale apenas para as angústias que antecederam o que
acabou por não acontecer. Ele continuará a ser o mesmo, manter-se- á
inalterável, mesmo quando o terramoto se desencadeia à vista de todos.
É isso o que está a acontecer com o
resultado do referendo britânico. Entre as declarações raivosas dos que culpam
os ingleses por tudo o que aconteceu e deixam pairar a ameaça de retaliação e a
linguagem dúplice (como sempre) da diplomacia germânica dando falsamente a
entender que é preciso respeitar e compreender o voto britânico, a linha que
está subjacente a uns e a outros, e que acabará por impor-se se não for derrotada
pela luta dos povos europeus, é a de que é preciso tratar a situação decorrente
do voto britânico com toda a normalidade, como se nada de importante tivesse acontecido.
À direcção política da União
Europeia, nomeadamente ao seu poder hegemónico, não lhe interessa aprofundar,
nem sequer ao de leve, as causas do voto britânico. É preferível deixar essa
tarefa à comunicação social de serviço que se encarregará de fazer passar a mensagem
nos quatro cantos da Europa e do mundo que a decisão britânica assenta em pressupostos
xenófobos, se não mesmo racistas, no bom estilo de uma eficiente divisão
internacional do trabalho.
Ou seja, a direcção política fará,
como já está fazendo, depois de uma ou outra intervenção ressabiada de broncos
como Claude Juncker ou de políticos na reforma, agora especializados na
traficância, como Felipe Gonzalez, um discurso tranquilo tendente a deixar
consolidar a ideia de que nada de muito importante aconteceu, algo que não
interferirá no futuro da Europa, encarregando a dita comunicação social da
tarefa de fazer o trabalho sujo. Ou seja, imputando aos britânicos, ao seu egoísmo
nacionalista, a causa do que aconteceu.
Claro que a prossecução desta
linha política, que tende a tentar resolver a “questão britânica” o mais
rapidamente possível, tem em vista deixar tudo exactamente como agora está. E
enganar-se-á quem pensar que vai ser no seio do Conselho Europeu que vozes
dissonantes se vão erguer no sentido de uma reforma das políticas que mais têm
afastados os cidadãos da “Europa”. Essas vozes, se efectivamente existirem,
estão condenadas ao mais completo fracasso, já que elas não interessam aos poderes
hegemónicos. Serão vozes marginais, de países sem peso político no seio da União,
logo abafadas pela linguagem burocrática ou pela passagem da
discussão ao tema seguinte, deixando o que antes foi dito como um desabafo de
ocasião.
A luta contra a União Europeia,
contra a política da União Europeia, tem de ser feita fora das instituições
comunitárias, no plano nacional, com as características próprias de cada país e
as queixas específicas de cada um, de modo a ir-se ao encontro do que é hoje o sentimento dos cidadãos relativamente
à Europa.
Se essa luta não for feita neste
plano, se ingenuamente se continuar a acreditar que é em Bruxelas que os nossos
problemas vão ser resolvidos e quem diz os nossos diz os de Espanha, da França,
da Grécia ou de qualquer outro país, a linha política que tende a fazer de
conta que nada de importante aconteceu não só acabará por impor-se, como vai
contribuir para reforçar ainda mais o poder que hoje comanda os destinos da
União Europeia.