A PROPÓSITO DE UM
ARTIGO DE FRANCISCO LOUÇÃ
(Expresso, 01/09/18, "A
Democracia americana é doente")
I
Comecemos pelo fim: o
que desvirtua o sistema eleitoral americano é o dinheiro. Pode parecer uma
observação simplista, mas é o dinheiro, por comparação com o que se passa
noutros países, que mais poderosamente contribui para desvirtuar os resultados
eleitorais. Nos Estados Unidos quem não conseguir arranjar dinheiro, muito
dinheiro, não é eleito para nada!
Dito isto, e recomeçando
agora pelo princípio, o sistema eleitoral americano foi muito elogiado por
Tocqueville, em Democracia na América, por ter sido nos Estados Unidos que,
pela primeira vez, se pôs em causa, na prática, o princípio enunciado por
Aristóteles e até então nunca desmentido segundo o qual a democracia só era
viável como forma de governo em comunidades até cinco mil habitantes. A
invenção do sistema representativo, com elementos diversos de democracia
directa e semidirecta bem como a persistência, embora residualmente, de
manifestações do mandato imperativo, permitiu experimentar uma nova forma de
governo nunca antes ensaiada tanto no Estado antigo como no Estado moderno.
Marx, que foi colunista
assíduo de jornais e revistas americanas, enquanto lho permitiram, apesar de
ter escrito cerca de um século depois da independência, várias vezes se referiu
ao sistema político americano e escreveu textos (pouco conhecidos) muito
interessantes sobre a Guerra Civil, tendo inclusive trocado correspondência com
Abraham Lincoln, não deixando de manifestar o seu apreço pela Revolução
Americana, nomeadamente quando confrontada com o que se passava na Europa à
época.
Pois bem, o sistema
eleitoral americano é algo que não pode ser desligado da sua história, do
nascimento no século XVIII de uma grande Estado democrático do outro lado do
Atlântico, onde todos os sonhos se poderiam concretizar e onde os pesadelos da
velha Europa jamais teriam “direitos de cidadania”. Era isto o que se supunha
viesse a acontecer e foi muito neste novo espírito que nasceu o seu sistema político
bem como a sua expressão eleitoral.
A segunda nota a ter em
conta tem a ver com a especificidade do sistema político americano e também do
seu sistema eleitoral. Olhar para um ou para outro com “olhos europeus”, baseando
a análise nos pressupostos dos sistemas políticos europeus, é meio caminho
andado para o não compreender. Portanto, nada melhor do que atender à sua história
para o contextualizar e interpretar devidamente.
II
Comecemos pela eleição
do Presidente. O Presidente americano é eleito por um colégio eleitoral
restrito composto por representantes dos Estados. A Constituição americana
prevê que cada Estado escolha, como entender, os seus eleitores presidenciais
em número idêntico à soma dos seus representantes (deputados e senadores) no
Congresso. Originariamente era o poder legislativo de cada Estado que escolhia
os seus representantes no colégio eleitoral que elege o presidente. Por outras
palavras, o Presidente era escolhido pelos parlamentos dos Estados. Só
posteriormente, na primeira metade do século XIX, os Estados foram gradualmente
devolvendo aos seus eleitores a escolha dos eleitores presidenciais. O último a
fazê-lo foi a Carolina do Sul, em 1860. E é assim que hoje é eleito o
Presidente dos Estados Unidos – por um colégio eleitoral restrito, cujos
membros são eleitos por voto directo em cada Estado, Washington DC incluído. Este
colégio, constituído por 538 membros, representa os 50 estados da União mais os
representantes do Distrito Federal, sendo aquele número correspondente à soma
dos membros do Senado (100), da Câmara de Representantes (435) e de 3 de
Washington DC. Os membros deste colégio eleitoral são eleitos nos respectivos
Estados, por referência aos resultados eleitorais, em cada Estado, dos
candidatos presidenciais. A cada Estado cabe um número eleitores correspondente
ao número dos seus representantes no Congresso, ou seja, o número de deputados
(Câmara de Representantes) mais o de Senadores (Senado). O número de
representantes (deputados) por Estado é fixado de acordo com o seu peso
demográfico na União, segundo o último censo, enquanto o número de senadores é
igual em todos os Estados (2), qualquer que seja a sua população ou área.
Portanto, cada Estado conta com tantos membros no colégio eleitoral quanto o
número de deputados que o representam na Câmara de Representantes
(representação fixado em função do seu peso demográfico) mais o número de
Senadores que o representam no Senado (2). Assim, por exemplo, o Estado de Nova
Iorque, representado na CR por 29 deputados e no Senado por 2 senadores,
participa no colégio eleitoral com 31 grandes eleitores enquanto o Wyoming com
1 representante e 2 senadores apenas tem 3.
Como o número de
senadores é o mesmo em todos os Estados (2 por cada Estado), o maior ou menor
peso eleitoral de cada Estado advirá do seu número de deputados, estabelecido,
como se já disse, em função do seu peso demográfico no conjunto da União.
Em cada Estado, o
candidato que ganhar, ganha todos os votos, “Winner-take-all”, sendo portanto eleitos para o colégio eleitoral
todos os representantes que o apoiam, salvo no Nebrasca (5) e no Maine (4) onde
a eleição se faz pelas circunscrições (distritos) eleitorais (de que mais
adiante falaremos) para a Câmara dos Representantes, podendo portanto acontecer
que num distrito ganhe um candidato e noutro, outro. Os dois votos do Senado,
tanto num Estado como noutro, são atribuídos ao candidato que no Estado tiver
maior número de votos. Essa a razão por que se costuma dizer que nestes dois
Estados vigora o sistema proporcional, embora seja, como resulta do exposto,
uma proporcionalidade calculada de modo muito diferente da que vigora Europa em
muitos Estados.
Para ser eleito pelo
colégio eleitoral, o candidato a Presidente tem de reunir, no mínimo, 270
votos. Este método de eleição presidencial baseado no “compromisso de
Connecticut” foi acordado na “Convenção de Filadélfia, de 1787, e entrou em vigor
em 1789. Ele é o resultado de uma sábia combinação entre os dois factores
fundamentais de um Estado federal – os Estados e a população.
Se nenhum candidato
obtiver 270 votos, caberá à Câmara dos Representantes eleger o Presidente e ao
Senado, o Vice-presidente. Foi por esta via que em 1800 foi eleito Thomas Jefferson e em 1824, John Quincy Adams.
A evolução havida
demonstra que foi sendo atribuído ao voto popular um poder que inicialmente não
tinha, deixando todavia intocado o poder dos Estados. A prevalência tende ser
do voto popular, no sentido de que é, em princípio, eleito o candidato que
tiver mais votos. Mas pode não ser, como por cinco vezes já aconteceu: em 1824
(John Quincy Adams contra Andrew Jakson); em 1876 (Rutherford B. Heyes contra Samuel J. Tilden); em 1888 (Benjamin
Herrison contra Grover Cleveland); em 2000 (Georges W. Bush contra Al Gore); e em 2016 (Donald Trump
contra H. Clinton), tendo sido esta última a maior diferença de sempre, cerca
de 3 milhões de votos.
Muito mais
frequentemente ocorre o contrário: o candidato derrotado ganhar em mais
Estados. Hoje, bastará ganhar em onze Estados para ser Presidente da América,
desde que esses Estados sejam, obviamente, os mais populosos.
O Presidente dos EUA é
eleito para um mandato de 4 anos, não podendo, a partir de 1951, nenhuma pessoa
ser eleita para o cargo mais que duas vezes, de acordo com a 22.ª Emenda,
aprovada em 1947. Apesar de deste ser o “costume constitucional” iniciado com
Washington, que recusou um terceiro mandato, tendo daí para frente, até
Roosevelt, todos os presidentes respeitado aquela limitação, Roosevelt,
prevalecendo-se do silêncio da Constituição, candidatou-se quatro vezes tendo
sido eleito outras tantas. Para prevenir idênticas situações no futuro, o
Congresso aprovou a “emenda” atrás referida que mais não fez do que positivar o
que já anteriormente se entendia ser a regra. Esta emenda, aprovada em 1947,
entrou em vigor quando dois terços dos Estados a ratificaram, o que aconteceu
em 1951.
Não compreender isto é
não conhecer a história dos Estados Unidos. Daí que não seja apropriado, numa
federação como a americana, estar a falar na eleição directa por voto popular
fora do contexto dos Estados.
III
Foi igualmente na
Convenção de Filadélfia que se criou o sistema bicameral que ainda hoje existe.
Nessa Convenção ficou acordado que o Legislativo, denominado Congresso, seria
constituído por duas câmaras - uma destinada a representar a população dos
Estados, proporcionalmente ao seu peso demográfico e a outra paritária,
destinada a representar os Estados. A primeira – a câmara baixa - deveria ser
uma câmara mais perto da opinião pública e a outra – câmara alta – mais perto
dos interesses do Estado (Federal) e de salvaguarda da autonomia dos Estados ( federados).
O Congresso dos Estados
Unidos, constituído por 535 membros, é assim composto por duas câmaras, a
Câmara de Representantes (435 deputados) e o Senado (100 senadores).
Os mandatos da Câmara
de Representantes são de 2 anos, realizando-se a sua eleição nos anos par, na
terça-feira seguinte à primeira segunda-feira de Novembro e os do Senado, de 6
anos, sendo aproximadamente um terço dos seus membros renovado cada 2 anos, no
mesmo ano e data da eleição para a Câmara dos Representantes. Portanto, a meio
de cada mandato presidencial há eleições intercalares, sendo as da Câmara dos
Representantes para eleger toda a Câmara (e não para renovação parcial, como se
diz no artigo acima citado) e as do Senado, como sempre, apenas para o renovar
parcialmente (cerca de um terço).
Como já acima se disse,
o número de deputados a eleger por cada Estado é estabelecido em função do seu
peso demográfico no contexto da União, de acordo com o censo feito cada dez
anos. A regra é de cada representante não poder representar menos de 30 mil
habitantes, embora cada Estado, no mínimo, tenha direito a 1 representante. O
número de representantes está fixado em 435 desde 1911, tendo esse número sido
temporariamente aumentado após a entrada na União, em 1959, de dois novos
Estados, Havai e Alasca. Todavia, 4 anos depois regressou-se aos 435.
Os Estados com mais de
um representante dividem-se, para efeitos eleitorais, em tantos círculos
(chamados distritos) quanto o número de representantes a que têm direito. A
Califórnia, que é o Estado mais populoso da União, tem 53 representantes na
Câmara, enquanto o Wyoming, que é o menos populoso, tem apenas direito a 1.
Portanto, na Califórnia há 53 distritos eleitorais e no Wyoming 1.
Os Estados têm o
direito de organizar os círculos eleitorais (distritos). Nalguns Estados essa
competência é exercida por associações independentes dos partidos, noutros,
pelo poder legislativo. Segundo a Constituição americana, os distritos, havendo
mais do que um, devem ter sensivelmente o mesmo número de habitantes. Embora
haja liberdade de delimitação dos distritos, segundo o Voting Rights Act de
1965, os Estados não têm o direito de delimitar os distritos de modo a reduzir
a força do voto das minorias étnicas, não sendo, porém, proibida a delimitação
dos distritos para ganho político, desde que respeitada a limitação
anteriormente referida, embora os tribunais tenham invalidado delimitações
votadas pelos legislativos estaduais por as considerarem arbitrárias
Portanto, desde que o
poder de voto das minorias étnicas esteja salvaguardado – e há muitas decisões
jurisprudenciais sobre essa matéria – não se pode dizer que exista uma batota
generalizada na delimitação dos distritos, como se diz no artigo em causa,
porque o distrito que hoje tem determinados limites, poderá amanhã ter outros
se o poder legislativo do Estado mudar de mãos e essa nova delimitação não for
puramente arbitrária.
O Distrito Federal
(Washington DC), embora participe no colégio eleitoral que elege o Presidente
da República, não tem representantes no Congresso. Mas tem direito a um
representante, tal como os territórios associados, que integra os comités da
Câmara de Representantes, sem direito a voto nas matérias de natureza
legislativa.
Com excepção da
Louisiana, nos demais Estados são eleitos os candidatos que, em cada distrito,
tiverem mais votos (maioria simples é suficiente). Na Louisiana, exige-se
maioria absoluta (metade mais um), havendo nova eleição entre os dois candidatos
mais votados, se nenhum a tiver obtido na primeira volta.
O Presidente da Câmara
de Representantes está na segunda linha de sucessão ao cargo de Presidente da
República, imediatamente depois do Vice-Presidente, se o Presidente renunciar,
for impedido de continuar ou morrer.
O Senado, a câmara alta
do Congresso americano (embora a Constituição não adopte esta terminologia) é
composto por 100 membros. Dois por Estado qualquer que seja a sua população ou
a área territorial.
O mandato dos senadores
é de 6 anos, sendo aproximadamente um terço dos seus membros eleito cada dois
anos.
Em cada Estado nunca
poderá haver a eleição simultânea 2 senadores, sendo, portanto, o círculo
eleitoral para a eleição dos senadores correspondente aos limites do respectivo
Estado. Em todos os Estados, com excepção de Louisiana e Washington, é eleito o
candidato que tiver o maior número de votos (maioria simples é a regra).
Naqueles dois Estados exige-se a maioria absoluta, havendo segunda volta entre
os candidatos mais votados, se nenhum a tiver obtido na primeira.
Vagando um lugar, por
morte, renúncia ou impedimento do senador, a Constituição americana permite que
o poder legislativo dos Estados conceda ao Governador desse Estado o direito de
preencher a vaga até que uma eleição especial tenha lugar. E todos os Estados,
com excepção do Arizona, aprovaram leis concedendo ao Governador o direito de
escolher quem preenche a vaga até à eleição especial antes referida.
O Vice-Presidente da
República é o presidente do Senado, mas não vota, salvo para desempatar.
IV
As candidaturas não são
livres na maior parte dos Estados, querendo isto dizer que somente os partidos
registados nesse Estado têm o poder de apresentar candidaturas, o que demonstra
o importante papel que os partidos desempenham nos Estados Unidos, inclusive
como entes dotados de poderes públicos.
Originariamente os
candidatos aos cargos políticos acima referidos eram escolhidos (nomination)
pelos comités dos partidos, chamados “caucus”, assembleia de notáveis. Este sistema
de cariz manifestamente “oligárquico” foi mais tarde substituído pelas
“convenções”, assembleias de delegados, o qual dada a sua manifesta
insuficiência democrática, acabou sendo gradualmente substituído pelas
“primárias”.
Uma “primária” é uma
eleição directa dos candidatos pelo conjunto dos eleitores, oficialmente
organizada como se de uma eleição definitiva se tratasse.
Há três espécies de
primárias: as fechadas, as abertas e as não partidárias.
Nas primárias fechadas,
só os eleitores filiados em determinado partido podem votar nos candidatos
desse partido; os eleitores devem declarar oficialmente a sua opção partidária
– a filiação é pública e registada; cada eleitor recebe um boletim de voto do
partido a que pertence no qual figuram os candidatos ao cargo a eleger, devendo
assinalar o candidato em que vota. As que admitem votos de eleitores
independentes chamam-se semifechadas.
Nas primárias abertas,
não há filiação partidária pública; cada eleitor recebe dois (ou mais boletins
de voto), devendo escolher o do candidato do partido em que vai votar,
assinalando nele a sua escolha. Um eleitor filiado num partido pode votar no
candidato de outro partido. Mas só pode votar uma vez. Também há primárias semiabertas:
nestas o eleitor deve primeiramente indicar em que partido vai votar.
Nas primárias não
partidárias, como as de Minnesota e do Nebraska, é distribuído um único boletim
de voto com os nomes de todos os candidatos sem indicação do partido a que
pertencem, devendo o eleitor assinalar aquele em que vota, sendo escolhidos os
dois candidatos que recolham mais votos.
Há ainda sistemas
mistos: primárias e “caucus” (escolha mediante múltiplas assembleias, que
começando por ser de eleitores se vão gradualmente transformando em assembleias
de representantes cada vez mais abrangentes até se chegar aos representantes
últimos) e, como vimos, primárias semiabertas e semifechadas, o que dá lugar a
uma grande variedade de regimes, consoante os Estados, o que torna o sistema
eleitoral americano muito complexo e difícil de enquadrar em esquemas rígidos.
As primárias não
tornaram desnecessárias as convenções já que para certas eleições o candidato
acaba por ser designado pela convenção do partido a que pertence, tomando em
linha de conta o resultado daquelas. Todavia, no Partido Democrata o peso dos
superdelegados é muito significativo. Os superdelegados são personalidades não
eleitas em primárias, mas com direito a voto na convenção, por inerência do
lugar que desempenham. Os “caucus”, por seu turno, também continuam a existir
em muitos Estados, umas vezes juntamente com as primárias outras como método
único de escolha.
Por outro lado, as
primárias, embora inventadas para diminuir o papel dos comités partidários, não
lograram totalmente o objectivo a que se propunham, já que aquela influência
acaba por continuar a ser decisiva na escolha dos candidatos a candidatos.
No Partido Democrata, os
representantes dos candidatos são eleitos, em regra, segundo um sistema
proporcional, desde que o candidato tenha recolhido uma percentagem mínima de
votos (15%). No Partido Republicano, em regra, vigora o sistema oposto: quem
ganha fica com todos os delegados.
V
Para terminar, uma
última nota. Nos Estados Unidos o recenseamento eleitoral não é oficioso. Há,
por múltiplas razões, muita dificuldade no recenseamento e também acontece que
muitos recenseamentos são contestados em tribunal por ilegalidades diversas,
sendo a mais comum a de fraude na residência.
Esta sim, esta é uma
das maiores deficiências do sistema eleitoral americano, sendo óbvio que as
dificuldades antes referidas são politicamente criadas por aqueles que temem o
resultado do chamado “voto étnico”.
Todavia, já se viveram
tempos muito piores. Tempos houve em que havia múltiplas restrições à inscrição
nos cadernos eleitorais, com o propósito manifesto de afastar da eleição certo
tipo de votantes. Até 1964, havia no Estados do Sul restrições múltiplas todas
elas destinadas a impedir o voto dos afro-americanos. Pela 24.ª Emenda
Constitucional essas restrições foram afastadas.
Já não fará tanto
sentido afirmar a natureza inigualitária do voto nas eleições para o Congresso,
sublinhando a sub-representação dos grandes Estados face à sobre representação
dos pequenos Estados, tanto na Câmara dos Representantes como no Senado. Esta
crítica assenta no errado pressuposto sobre a natureza do Estado americano. De
facto, os Estados Unidos não só não um Estado unitário como também não são um
“falso” Estado federal, de modo que qualquer crítica tendente a diminuir ou a
menosprezar o papel dos Estados, bem como os elementos constitucionais que, na
sua múltipla diversidade, asseguram a sua igualdade, tende a ser uma crítica
desprovida de sentido.
Mais sentido faria
sublinhar reduzida participação dos americanos nos actos eleitorais,
nomeadamente nos de projecção nacional. Embora essa reduzida afluência às urnas
seja em parte ditada pelas dificuldades daquilo a que entre nós chamamos
“recenseamento eleitoral”, é preciso também não esquecer, para se ficar com uma
correcta compreensão do fenómeno, que há entre o europeu e o norte-americano
uma atitude diametralmente oposta quanto ao papel do Estado e, portanto, da
importância das eleições.
Enquanto para o
europeu, as eleições, devida ou indevidamente avaliadas, têm em vista investir
em posições de mando pessoas que, representação do Estado, ajudarão a resolver
os nossos problemas, para a maioria dos norte-americanos o Estado não seve para
resolver problemas mas para criar problemas. Basta ver o êxito que tiveram
certas campanhas eleitorais cujo programa assentava nesse slogan ou a fama que
adquiriu o discurso da tomada de posse de John Kennedy quando afirmou: “Não se questionem sobre o que os Estados
Unidos podem fazer por vós. Perguntem, antes, o que podem vocês fazer pelos
Estados Unidos”.