A VIOLAÇÃO DO SEGREDO DE JUSTIÇA
No Congresso do MP, a decorrer na
Madeira, a Sra Procuradora geral da República deu-nos finalmente a honra de
dizer algumas palavras sobre certos assuntos a cargo da organização a que preside,
como seja a frequente violação do segredo de justiça, Como seria de esperar a
Sra Procuradora Geral disse-nos que foram abertos inquéritos para logo de
seguida afirmar que a violação do segredo de justiça, na maior parte dos casos,
é prejudicial à investigação, visto ser no interesse desta que ele está previsto
na lei.
Incorrecto, Sra. Procuradora. É
verdade que a lei processual penal estabelece como princípio a natureza pública
do processo penal, para logo de seguida consagrar um vastíssimo leque de
excepções que fazem com que na maior parte dos casos prevaleça o segredo de justiça
em detrimento do princípio antes enunciado. Se é certo que o segredo de justiça
pode servir os interesses da investigação, podendo o MP na fase do inquérito atribuir-lhe
essa natureza, sujeita todavia a validação pelo juiz de instrução, não é menos
verdade que o segredo de justiça pode também ser requerido pelo arguido e
outros sujeitos processuais cabendo a respectiva decisão, irrecorrível,
igualmente ao juiz de instrução criminal, que deverá conformar-se com o pedido
sempre os que direitos do requerente possam ficar prejudicados com a
publicidade do processo. É igualmente certo que o Ministério Público pode
determinar o levantamento do segredo de justiça, oficiosamente ou a requerimento
dos demais sujeitos e participantes processuais, como também pode opor-se a
esse levantamento, sempre que requerido por estes últimos, devendo nesse caso a
decisão, igualmente irrecorrível, caber ao juiz de instrução.
Todavia, para o tipo de violações
de que estamos a falar, estes aspectos da questão são pouco menos que
irrelevantes, já que o efeito de tais violações em nada depende de o processo
ter ficado sujeito a segredo de justiça por iniciativa do MP ou dos demais
sujeitos ou participantes processuais, tendo antes exclusivamente a ver com a
natureza do material processual que efectivamente se revela e é exposta à luz
do dia.
De facto, a conclusão a que
podemos chegar pela experiência que temos tido da violação do segredo de
justiça é a de que escasseiam ou faltam de todo os exemplos em que essa
violação prejudique a investigação, sendo, pelo contrário, a sua frequente violação
resultante de um acto cirúrgico e criterioso destinado a prejudicar os direitos
do arguido, nomeadamente o que decorre do princípio constitucional de presunção
de inocência. O julgamento do arguido na praça pública, dando, como certos,
factos que estão sendo investigados e que apenas representam a versão do
Ministério Público, a consequente descredibilização do arguido, o ataque à sua
idoneidade e personalidade moral são, todas elas, consequências da violação do
segredo de justiça que em nada prejudicam a investigação, destinando-se antes a
servi-la, tanto mais quanto mais fracos e débeis são os argumentos e as provas do
investigador. Pior ainda, nos casos de violação de segredo de justiça que todos conhecemos, ele mantém-se para o arguido, impedindo-o de preparar adequadamente a sua defesa, continuando a permitir-se a devassa de tudo o que o possa prejudicar. O que através destas a reiteradas práticas se pretende, para além
das consequências colaterais antes referidas, é condicionar a própria
magistratura, colocando o juiz na difícil situação de ter de proferir uma
sentença sobre um assunto que na opinião pública e publicada já foi objecto de
uma inequívoca sentença condenatória.
É desta violação que estamos a
falar, Sra. Procuradora Geral. A outra, francamente, não conhecemos …porque não
vem nos jornais nem é publicitada pelos demais órgãos de comunicação social. Portanto,
Sra Procuradora geral, a sua resposta releva de um grande cinismo e hipocrisia,
tentando fazer passar por regra algo que raramente ou nunca acontece,
escamoteando o que ocorre todos os dias. E bem podemos esperar sentados pelo
resultado desses inquéritos porque ele há-de certamente levar tanto tempo
quanto o que tem levado a resposta dos que indefinidamente estão em curso!