O CONTEXTO DE UMA
HISTÓRIA
Não há nenhuma história, consista ela numa historieta a que
alguns chamam “estória” ou numa narração descritiva e interpretativa de factos
passados que possa fugir ao contexto em que tudo aconteceu, sob pena de deturpação
voluntária ou involuntária dos acontecimentos descritos.
Na segunda-feira de manhã acordámos com a notícia de que
tinha sido detido para averiguações e prestação de depoimento o assessor
jurídico do Benfica, Paulo Gonçalves, e mais uns tantos funcionários públicos,
de outros tantos pontos do país, que até então eram apenas conhecidos do seu círculo
familiar, profissional e amigos. Simultaneamente dava-se conta de buscas que
estavam a decorrer ou iriam decorrer sob a direcção de dezenas de inspectores
da Polícia Judiciária e magistrados do Ministério Público, igualmente em vários
pontos do país, com especial destaque para a sede do Sport Lisboa e Benfica
Para além da descrição destes simples factos, logo os órgãos
de comunicação social do costume nos forneceram uma completa série de
pormenores sobre o objecto da investigação, bem como dos êxitos que a mesma já tinha
alcançado. Pelo modo como tudo nos era transmitido, o veredicto já estava
escrito, cabendo apenas à comunicação social amplificá-lo, comentá-lo e decretar,
juntamente com a opinião pública, a respectiva sentença condenatória.
Em poucas palavras, o resumo da história, "sumariamente
julgada", é o seguinte: O Benfica, por intermédio do seu assessor jurídico, corrompeu
em vários pontos do país funcionários que tinham acesso a investigações
processuais que directamente o visavam. À factualidade acima descrita
acrescentava-se que o Benfica pagou com duas camisolas e outros tantos bilhetes,
bem como com um emprego no museu Cosme Damião concedido a um parente distante
de um dos corrompidos, sendo certo que de tudo tinha o Presidente do clube
conhecimento por os bilhetes que haviam sido requisitados constarem de um
pedido feito por email dirigido a uma funcionária, com conhecimento ao
presidente. Como facto, aparentemente lateral acrescentava-se que uma conhecida
sociedade de advogados havia sido contratada para dar formação ao Benfica em
matéria de buscas judiciais!
Com o decorrer do dia e no dia seguinte, muitos outros
pormenores respeitantes ao conteúdo da investigação foram passados aos jornais,
não certamente pelo assessor jurídico do Benfica, que estava detido, nem pelos
funcionários por ele alegadamente corrompidos, também sob custódia policial.
Estes factos provocaram a mais viva repulsa – e não vamos
aqui falar dos comentadores de futebol, sumariamente designados por “ruis santos”,
nem pelos directores de comunicação dos clubes, aqui também denominados de “cidadãos
marques”, por relativamente a estes nos faltar o engenho e arte para entrar num
verdadeiro contraditório, tal a excelência dos raciocínios a que se entregam – repulsa,
dizíamos, de comentadores habituais das nossas televisões e jornais, entre os
quais não pode deixar de nomear-se a “troupe”” do Correio da Manhã – Dâmaso,
Moita Flores e Carlos Anjos – mais o cronista do Público, Miguel Tavares.
Uns e outros de posse de "dados e factos indiscutíveis" não
tiveram dúvidas em qualificar esta ocorrência como um gravíssimo atentado ao “sistema
de justiça”, ao “estado de direito democrático” e ao “regular funcionamento das
instituições”. Perante uma tal qualificação dos factos ocorridos qualquer pessoa
minimamente bem formada se sente na obrigação de analisar em pormenor o que
realmente se passou para poder, friamente, com o conhecimento de causa
possível, solidarizar-se com as grandes preocupações daqueles comentadores.
Tentaremos para já não formular juízos de valor, nem obviamente
juízos de intenção e menos ainda começar por questionar, com base em factos, a
idoneidade moral dos comentadores em questão. Vamos apenas aos factos:
Em Junho do ano passado, o director de comunicação do FC
Porto começou a apresentar emails da
caixa do correio electrónico do Sport Lisboa e Benfica, sem indicar como obteve
essa correspondência. Depois de publicados os primeiros emails, o Benfica deu público conhecimento de que o seu correio
electrónico tinha sido assaltado, não podendo de momento adiantar se os emails em questão eram falsos (quanto à
origem, obviamente) ou verdadeiros e, se fossem verdadeiros, se estavam ou não deturpados
no seu conteúdo.
De nada valeu a pública comunicação do SLB. O director de
comunicação do FCP não só escarneceu do aviso solenemente feito, como continuou,
ao ritmo que bem entendeu, a publicação de emails
privados, anunciando que mais e melhor estaria para vir nos tempos mais
próximos.
O Benfica, atordoado, sem compreender ainda bem a dimensão do
assalto, queixou-se de que estava a ser vítima de um furto, causador de
gravíssimos danos reputacionais, publicamente exibido pelo ladrão em proveito
próprio, ou na hipótese mais branda, pelo receptador, sempre em proveito próprio,
sem que nem as autoridades policiais nem as de repressão criminal tomassem as
devidas medidas para obstar ao que estava acontecendo perante milhões de
pessoas. Paralisada a via penal, por opção deliberada das instâncias antes
referidas, o Benfica recorreu à via civil, intentando no tribunal cível do
Porto, uma providência cautelar, solicitando a proibição imediata das publicações
em curso. Meses depois, uma sentença cuja fundamentação é difícil de compreender,
indeferiu o pedido com base no argumento de que a paixão clubística não se
altera nem leva os apaixonados a mudar de clube pelo que dele se diga (o juiz
até usou o termo clientela, no sentido de que nos clubes de futebol a “clientela
é fiel e não muda”), para logo concluir que não há dano que justifique a
suspensão da publicação dos emails pelo
clube rival.
É preciso um grande esforço de inteligência para entender
este argumento. Talvez com um lugar paralelo se possa tentar: admitamos que o
cidadão A intentou uma acção contra B e o juiz contra todas as opiniões e
interpretações plausíveis da lei dá razão a B. Então, A, enfurecido, ao ouvir a
leitura da sentença chama, com licença dos meus leitores, “filho da puta” ao
juiz. Como é óbvio, o juiz processa-o de imediato. A no julgamento defende-se dizendo
que o insulto não afecta a credibilidade do juiz que continua, não obstante o que
foi dito, a gozar de muito boa reputação no seu círculo familiar e de amigos!
Bem, o Benfica recorreu para a Relação do Porto que, por
unanimidade e mediante a fixação de uma sanção compulsória pesada, decretou a
proibição da publicação dos emails.
Entretanto, passaram vários meses, mais de meio ano, tendo o
Benfica, ou mais correctamente, algumas pessoas da sua periferia, nesse decurso
de tempo, passado de vítimas a arguidos por as autoridades policiais e
judiciais terem, com base nos emails
roubados, iniciado uma investigação que tinha o SLB como alvo, com buscas amplamente publicitadas à sua sede.
Algum tempo depois, estando em curso esta averiguação, o
Ministério Público tendo tido conhecimento de que o presidente do Benfica oferecera
a Mário Centeno, Ministro das Finanças, a pedido deste, de dois bilhetes de
futebol, para entrada num espaço exclusivamente reservado a convidados, construiu
uma complicada ligação entre esta oferta e a isenção fiscal concedida pela Câmara
de Lisboa a um filho do presidente do Benfica, para iniciar uma investigação ao
Ministro das Finanças, com base na suspeita de “recebimento indevido de
vantagem”, com buscas no seu gabinete, amplamente publicitadas antes do seu
início. O escândalo causado por esta actuação do Ministério Público foi de tal
ordem, que a hierarquia da instituição se viu na necessidade de arquivar sem
mais demoras o que tão meticulosamente tinha começado a construir em parceria com
os jornais do costume. Para memória futura, deixa-se aqui o post então publicado neste blogue, lido
por dezenas de milhares – sim, dezenas milhares – de leitores!´
Pouco tempo depois, novo episódio que nada tem a ver com o
Benfica, mas cuja associação ao clube é fácil de fazer, directa ou
subliminarmente, traz novamente o Benfica para as primeiras páginas dos jornais.
Uma alegada promessa do presidente do Benfica a um juiz, sob investigação por
actos vários praticados no desempenho das suas funções, como contrapartida da
intercedência deste junto de um colega, que aliás nem conhecia, pela comarca do
qual corre contra o Estado um processo intentado pelo cidadão LFV, levou a que
somente do Benfica se falasse, apesar, como se já disse, o clube nada ter a ver
com o assunto! O facto de esta “novela” correr entre pessoas que já estiveram
ou tentaram estar ligadas ao Benfica e a alegada existência de um interesse
puramente pessoal do presidente do Benfica levaram a que o batuque da
comunicação social, devidamente “alimentada” pelas informações processuais em
segredo de justiça, pusesse novamente o Benfica sentado no banco dos “réus” sem
se saber com precisão de que é acusado e quais os factos em que se fundamentam
as suspeitas.
Estamos a falar de futebol, que é o reino das paixões
clubísticas, das grandes emoções, de muita irracionalidade também, por isso é
perfeitamente normal que um adepto do Benfica sinta o seu clube injustiçado e
perseguido. É difícil de compreender, para não dizer que é mesmo inexplicável,
que o Ministério Público e a Polícia Judiciária tenham assistido passivamente à
prática de um crime, anunciado, reiterado, praticado pelo ladrão ou, no mínimo,
pelo receptador com requintes de malvadez, sem nada fazerem, sem mexerem uma
palha e eles próprios tenham partido do produto desse furto para investigar o próprio Benfica. Um adepto de futebol, seja
ele do Benfica, do Sporting, do Porto ou de qualquer outro clube não compreende
isto! E um qualquer cidadão também não compreende que o Ministério Público
assista passivamente à violação do segredo de justiça, durante anos, sempre
pelos mesmos jornais ou revistas, verdadeiros canos de esgoto da violação do
segredo de justiça, sem nada fazer e em meia dúzia de dias tenha sido capaz de
desvendar ou afirmar que desvendou a violação do segredo de justiça num
processo em que não lhe convinha a violação desse segredo. Isto, a opinião
pública não compreende. E ao não compreender quem fica prejudicado e descredibilizado
é o Ministério Público, instituição em que todos, sem excepção, deveríamos
depositar a máxima confiança.
Igualmente ninguém compreende que a “troupe” do Correio da
Manhã apareça a propósito deste caso com as vestes de virgens pudicas
ofendidas, quando eles são, como já dissemos, o grande cano de esgoto da violação
do segredo de justiça. Do cronista do Público apenas dizer que nada haveria a esperar de uma
pessoa profundamente antidemocrática, que procura disfarçar o seu pendor
fascizante pela via de um pseudo liberalismo radical. Basta ver como ele julga
sem provas e ofende o bom nome das pessoas para logo se perceber com que tipo
de mentalidade estamos a lidar.
Dito isto, a nosso profunda convicção sobre os factos agora ocorridos
é de que o Ministério Público tem neles uma grande responsabilidade pela passividade com que assistiu à prática pública de um crime. e pelos sentimentos gerados por esse inexplicável comportamento. Porventura essa a razão da construção da fantasiosa figura da corrupção (activa e passiva) para
qualificar uma conduta que nada tem de corrupta. Como se alguém, no mundo do
futebol, fosse praticar actos de corrupção a troco de duas camisolas e outros
tantos bilhetes para assistir a um jogo de futebol
A serem verdadeiros os indícios publicados, é fácil apresentar uma explicação plausível do que se terá passado. Os adeptos do Benfica com possibilidade de acesso aos
processos, sentindo o seu clube injustiçado e perseguido, deram conhecimento a
alguém, provavelmente ligado ou com ligações ao Benfica, do estado em que os
mesmos se encontravam. Eles não foram "comprados" para dar estas informações, nem
as informações lhes foram pedidas. Eles ofereceram-nas por amor clubístico e,
obviamente, foram aceites e provavelmente aproveitadas. Isto não é corrupção. A
oferta das camisolas não passa de um gesto de cortesia ou de reconhecimento,
como acontece na vida de qualquer pessoa sempre que se retribui um favor, mais
ainda se nem sequer é um favor que se tenha pedido. O animus de atribuição ou promessa de atribuição de uma vantagem
patrimonial como também o de receber essa vantagem não existe! Não existe
neste caso como também não existiu quando, no Porto, o juiz comunicou a Pinto
da Costa que ia haver uma busca e que ele ia ser detido, sendo, portanto, conveniente
que se ausentasse temporariamente para Espanha para evitar a detenção. Somente
um tonto pode supor que o juiz foi corrompido. O juiz actuou por amizade e
paixão clubística.
Evidentemente que tudo isto prejudica, e muito, o Benfica. E
já se percebeu que o MP não vai parar relativamente a Vieira. Se necessário
fosse demonstrá-lo ai estava o “caso Centeno” para o provar. Também não adianta
fazer analogias com o que se passou e continua a passar a Norte. Não há
analogia possível por mais parecidos que os factos fossem ou sejam. E não há
porque no Sul, em Lisboa, as autoridades actuam sem medo, mesmo quando cometem
actos inqualificáveis, como no “caso Centeno”, enquanto no Norte há, como a experiência
demonstra, condicionamentos e constrangimentos insuperáveis (haja em vista o
que recentemente se passou em Guimarães). Não vale a pena alongarmo-nos sobre
este ponto, nem tão pouco há necessidade de sermos mais explícitos. Basta
concluir e afirmar categoricamente que não há analogia possível entre as duas
situações.
Portanto, a nossa conclusão é a de que a actual direcção do Benfica
e o seu círculo mais próximo têm de partir, a bem do Benfica, o mais rapidamente
possível, devendo o lugar que agora ocupam passar a ser ocupado por alguém que
não tenha absolutamente nada a ver com o que se está a passar e possa dialogar
com altivez e sem receio com o MP.
É o Benfica que está em causa. Impõe-se, por isso, que a
actual direcção saia. Já!