O “ME TOO”
A violação é um crime grave. A sua gravidade decorre do uso
da violência ou de ameaça grave empregue com o objectivo de constranger alguém
a ter relações sexuais indesejadas, sejam elas com o autor da violência ou da
ameaça, sejam com terceiros. Para que a ameaça seja grave não basta que ela
tinha sido levada a sério pela pessoa ameaçada, é também necessário que exista
uma forte probabilidade de essa ameaça se concretizar, susceptível de
influenciar decisivamente a vontade da pessoa ameaçada. O que significa,
portanto, que o contexto, em sentido amplo, em que a ameaça ocorre é certamente
um elemento decisivo para avaliar da sua gravidade.
Vamos deixar de parte as violações em série cometidas em
contextos muito específicos, como, por exemplo, as violações em tempo de
guerra, tanto pelos agressores, como pelos libertadores. Na nossa memória
colectiva perdurou durante mais de um século a recordação das violações
cometidas pelos invasores franceses, durante as guerras napoleónicas, bem como
os actos de vingança heroicamente praticados por algumas das agredidas.
Igualmente ficaram famosas as violações ocorridas no fim da Segunda Guerra Mundial,
depois da capitulação da Alemanha, imputadas, no quadro de uma propaganda
política bem orquestrada, na sua totalidade aos soldados do Exército Vermelho.
Sabe-se hoje, por investigações feitas pela própria Alemanha, que os milhares e
milhares de crianças que nasceram depois da capitulação tinham como
progenitores soldados de todas as forças de ocupação (americanos, ingleses,
soviéticos, franceses, etc.). Mas como o que passou para a posteridade foram os
testemunhos das berlinenses, bem como a famosa resposta que Estaline deu ao
escritor jugoslavo, Milovan Djilas, quando este manifestou a sua reprovação
pelo comportamento dos soldados do Exército Vermelho em Berlim (“Conversa
com Estaline”), ficou desde então assente no imaginário popular que os
violadores eram os russos.
Hoje, a fazer fé no que se vai lendo na imprensa e no que é
diariamente transmitido pelas televisões, somos igualmente levados acreditar que
a violação é uma prática corrente em muitos países desenvolvidos (e falamos
nestes porque nos outros, infelizmente, a violência sexual, principalmente
sobre as mulheres, nem notícia é, salvo quando atinge proporções de gravidade extrema,
como ocorre frequentemente na União Indiana), em estratos sociais e profissões em
que era suposto tais práticas não ocorrerem, salvo residualmente como típicas manifestações
de comportamentos desviantes penalmente puníveis.
De facto, parece ser esse o caso dos Estados Unidos em que, a
fazer fé no que se vai dizendo e até nalgumas sentenças já proferidas, parece
poder chegar-se à conclusão que estamos na presença de um pais repleto de
predadores sexuais por todos os lados que atacam, quais vítimas indefesas,
pessoas que procuram fazer carreiras profissionais que lhes granjeiem fama,
notoriedade, dinheiro e prestígio. Estamos certamente muito longe das pessoas
ingénuas, desprotegidas e dependentes que são vítimas de violência sexual em
contextos em que somente o instinto animalesco prevalece.
Ronaldo está sendo vítima retroactiva do “Me too”, que é a expressão da
vergonhosa hipocrisia em que o “politicamente correcto” se refugia, por
incapacidade de combater no verdadeiro terreno político as causas profundas que
não só levaram à sua derrota pelo populismo, o nacionalismo e a xenofobia como
as estão perigosamente ampliando em todo o território americano.
É por isso que quando assistimos a esses desavergonhados
depoimentos do “Me too” não podemos
deixar de enaltecer a coragem de Marilyn Monroe quando uma vez disse: “Para
chegar onde cheguei tive muitas vezes que me pôr de joelhos…”. Certamente, que
há muitas vezes aproveitamento de quem se encontra em posição de chefia ou de
decisão, mas há igualmente recíproco aproveitamento de quem cede para obter o
efeito procurado. Como podem, várias décadas depois, virem essas pessoas
queixar-se daquilo em que conscientemente participaram, realizando um negócio
bilateral, tipicamente amoral, em que cada um procura um resultado que não
estava seguro de alcançar pelas vias normais?
Ronaldo, em Las Vegas, a pátria do jogo, da prostituição e de
tudo o que de mais sórdido a América pode ter, foi vítima, insisto, retroactiva
do “Me too”. Basta atentar nos factos, relacioná-los com o que entretanto se
passou nos Estados Unidos neste novo tipo de feminismo hipócrita, para logo se
perceber onde isto pode chegar, bem como as razões que verdadeiramente motivam
estes comportamentos.
A situação é portanto grave. Gravíssima. Não pela sua
gravidade intrínseca, que seria verdadeiramente irrelevante em qualquer país
civilizado, mas por ter ocorrido nos Estados Unidos. As consequências podem ser
as mais funestas. E mesmo que elas sejam apenas de natureza pecuniária - e não
acreditamos que fiquem por aí – as penalizações do fisco espanhol não passariam
de uma brincadeira de crianças quando comparadas com as que estão para vir.
Oxalá me engane…