Também acho que não vale a pena desenvolver
grandes análises. A argumentação que antecedeu a votação do referendo britânico
fala por si.
Creio, todavia, que a questão de
fundo que determinou o voto na Inglaterra (ou seja, Reino Unido) foi a
democracia. O nosso voto na Europa vale ou não vale alguma coisa? Não vou
perder tempo a responder, invoco apenas o palavreado mil vezes repetido do sr.
Jeroen Dijsselbloem, presidente do Eurogrupo, um agrupamento que nem sequer existe
juridicamente, para se perceber o que vale o nosso voto.
Dir-se-á: essas queixas temo-las
nós e outros como nós; não os ingleses. Sim, é verdade. Mas também é verdade
que os ingleses têm outras queixas. E por que razão é que as nossas queixas hão-de
ser mais importantes que as queixas dos ingleses?
O que os britânicos querem ou não
fazer com a democracia é um problema deles. Independentemente de estarmos de acordo ou não. Essa ideia de que temos de ser nós a
dizer o que os outros devem fazer com a democracia é uma ideia relativamente
recente, posta em prática por Georges Bush, em cumprimento da cartilha
neoconservadora. Mas será preciso voltar a enunciar os mandamentos da filosofia
neoconservadora para percebermos até que ponto ela se entranhou numa certa
esquerda (e pour cause…atenção às origens)? I
Este é o pressuposto objectivo.
Que como todos os pressupostos tem antecedentes. Graves e consolidados
antecedentes que fazem os povos desacreditar do actual projecto europeu. De um
projecto que tendo sido apresentado como um projecto solidário e de cooperação
recíproca se transformou num projecto de domínio hegemónico dos mais fortes
contra os mais fracos.
Esta consolidação gerou
consequências de muita ordem, de espécie diversa, algumas perversas. Como os
fenómenos sociais antes de se produzirem não se podem levar ao laboratório para
saber como se vão produzir, temos que partir do que acontece quando não somos
capazes de prever com a devida antecedência o que poderá vir a acontecer.
E é nesta fase que estamos. E diz-me
o conhecimento político que tenho das coisas que a presença da Inglaterra na
União Europeia era por todos (quase todos) os que dela fazem parte e até dos
que não fazem – uns por umas razões, outros por outas – a garantia de que ela
nunca se transformaria numa Europa germânica. Garantia que nenhum outro país da União Europeia poderá dar. É certo que depois de alcançado o
mercado único – construído e totalmente orientado na sua construção pela
Inglaterra – os britânicos se foram gradualmente distanciando do projecto
europeu nas suas demais vertentes. Isto lhes bastava e por aqui se ficavam,
talvez por terem percebido mais cedo que os demais que o famoso “aprofundamento”
dificilmente deixaria de se transformar num proljecto de domínio, logo de
potenciais conflitos. Nunca quiseram saber da moeda única, principalmente depois
da experiência do SME, nem nunca morreram de amores por uma circulação indiscriminada
de pessoas.
Se esta sempre foi a ideia de
Europa que os ingleses perfilharam, pode dizer-se que ela se consolidou ainda
mais depois da reunificação alemã, isto é, depois de não terem conseguido
evitar a reunificação alemã.
E daqui parto para a derradeira
consequência: como não acredito numa “Europa” sem os ingleses, como não
acredito numa Europa entregue aos alemães, a Europa vai-se desmembrar a pouco e
pouco, ficando o projecto que agora existe como um projecto falhado e falido.
Isto tem consequências más, inevitavelmente, mas também tem consequências boas:
vai pôr-se termo a um projecto irreformável que estava conduzindo países para a
degradante situação de protectorados e largas, muito largas, camadas da
população dos países europeus para a proletarização e precarização sem direitos
nem perspectivas em consequência de uma cada vez mais desigual distribuição dos
rendimentos entre o capital e o trabalho.
O fundamentalismo democrático
esgrimido por uma certa esquerda contra o BREXIT, além de ser de matriz
neoconservadora, goza da companhia da direita plutocrática “defensora da Europa e dos direitos sociais” , como ontem à noite na “Quadratura
do Círculo”, Lobo Xavier se encarregou de
ilustrar, mostrando-se muito preocupado com a sorte dos trabalhadores ingleses
que iriam (na altura ainda não se acreditava na vitória do “leave”) ficar sem a protecção da
Europa.
Para terminar, Augusto Santos
Silva está a ser entrevistado na RTP sobre este tema. Deveria pura e
simplesmente reproduzir as palavras do Primeiro Ministro e não louvar-se nas do
sr. Juncker, um imbecil.
3 comentários:
O que nasce torto
morre torcido
Será uma questão de tempo
tecer num pano roto
«Quaisquer medidas ou manobras que ignorem o significado político deste referendo, que se refugiem em estigmas sobre o povo britânico, que tentem contornar ou mesmo perverter a vontade daquele povo ou que apontem para fugas em frente de natureza anti-democrática e de maior concentração de poder ao nível da UE, só contribuirão para o aprofundamento de problemas e contradições propícios ao desenvolvimento de posições e forças reaccionárias e de extrema-direita que crescem na Europa e contra as quais é necessário lutar. Forças e posições que se manifestaram no referendo britânico e que se alimentam das consequências das políticas da União Europeia cada vez mais antidemocráticas, anti-sociais e de opressão nacional.»
Disse quem disse e eu repito o dito
O Mercado Unico já existia e o RU continuava na EFTA, alias acompanhado por Portugal. Só com o referendo de 75 os Britânicos entraram, para voltar a saír agora com outro. (Haverá mais algum ?).
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