AFINAL, HOUVE OU NÃO NEGOCIAÇÃO?
Os comentadores profissionais de
futebol, alguns deles, ao que parece, licenciados em direito, ainda não
perceberam do que estão a falar a propósito da transferência de João Félix ou
então fazem que não percebem.
Não vamos repetir aqui o que
no post de baixo já dissemos sobre esse negócio, podendo, quem estiver interessado,
lê-lo aqui.
A questão a propósito da qual
muito se tem falado é esta: negociou ou não a direcção de Benfica a
transferência de João Félix para o Atlético de Madrid?
Ou o Benfica não negociou e o
empresário Jorge Mendes nada tem a receber do Benfica pelo seu trabalho de intermediação
entre o jogador e o clube espanhol (já que é esta que a única intermediação possível
neste cenário); ou o Benfica negociou a transferência e o empresário tem de ser
pago pelo Benfica pelo seu trabalho de intermediação.
No primeiro caso, não há nenhum
contrato entre o Benfica e o Atlético de Madrid. O que há é o incumprimento, por
parte do jogador, do contrato que este tem com o Benfica, facto que nos termos
do dito contrato o faz incorrer no pagamento da indemnização fixada na cláusula
penal – 120 milhões de euros.
No segundo caso, há negociação
entre o Atlético de Madrid e o Benfica, e o empresário terá direito à chamada “comissão”.
Negociar com o Benfica, neste segundo caso, não significa que o Benfica tenha
participado nas negociações por parte dos seus órgãos dirigentes. O Benfica
pode fazer-se representar nessas negociações pelo empresário do jogador
habilitando-o com um mandato imperativo. Ou seja, o Benfica concorda em que o
jogador seja transferido para o Atlético de Madrid desde que a transferência
seja paga a pronto no montante correspondente ao fixado na cláusula penal – 120
milhões de euros. Nesta segunda hipótese, como já dissemos, o Benfica terá de
pagar ao empresário os custos de intermediação.
As duas situações são, portanto, jurídica
e financeiramente bastante distintas: Na primeira há incumprimento do contrato,
responsabilidade contratual pelo incumprimento e pagamento da respectiva indemnização
pelo jogador no montante de 120 milhões de euros na totalidade destinados aos
cofres do Benfica.
Na segunda hipótese, há um
contrato entre o Benfica e o Atlético de Madrid para transferência os direitos
desportivos relativos ao jogador João Félix no montante de 120 milhões de euros
pagos a pronto dos quais haverá a deduzir os custos de intermediação do empresário
(10% do valor da transferência), ficando o Benfica, depois de deduzida esta
percentagem, com 108 milhões de euros.
A outra questão, a de saber quanto
financeiramente custou a transferência ao Atlético de Madrid, é, para o
Benfica, uma questão completamente irrelevante. Se o atlético paga muito ou
pouco pela disponibilidade imediata do dinheiro é uma questão tão irrelevante
para o Benfica como para qualquer um de nós. A menos quo negócio seja outro. A
menos que o Atlético não tenha pago realmente pago a pronto o valor da
transferência ao Benfica, mas se tenha responsabilizado pelo pagamento dos
juros correspondentes à disponibilização imediata daquele pelo Benfica junto de
uma instituição de crédito. Neste caso seria interessante saber, não obstante a
responsabilidade assumida pelo Atlético de Madrid, se o Benfica não é
solidariamente ou subsidiariamente responsável pelo incumprimento do Atlético
de Madrid. A insistência por parte de alguns comentadores num montante,
aparentemente falso, da transferência (126 milhões de euros) e a recorrência com
que apelam (pode ser simples ignorância) ao conceito de “factoring”, levantam
algumas suspeitas.
O “Factoring” está regulado entre
nós pelo Decreto Lei n.º 171/ 95 de 17 de Julho. Tem três intervenientes – o Factor – aquele a quem é cedido o
crédito; Aderente - a entidade que requer os serviços de “factoring”,
na prática aquele que recebe adiantadamente o valor do crédito cedido ao factor;
e o Devedor – que é o cliente do
aderente, ou seja, o seu devedor.
O “Factoring” é assim uma operação
de crédito (mas não necessariamente) por via da qual a entidade financeira
adianta ou compra a outra empresa, chamada Aderente, os créditos, vencidos ou
vincendos, que esta detém sobre os seus clientes (Devedor).
O “factoring” pode ser negociado
com recurso e sem recurso . Diz-se que o “factoring” é com recurso quando o Factor tem o direito de receber do Aderente o valor do adiantamento no
caso de incumprimento do devedor. E diz-se sem recurso na hipótese inversa, ou
seja, quando o Factor assume o risco integral da operação nada podendo reclamar
do aderente se o devedor não pagar.
Escusado será dizer que naqueles
casos em que o “Factor” adianta a totalidade do crédito dificilmente se poderá conceber
um “factoring” sem recurso; já na hipótese inversa, quando o Factor “ compra” o
crédito por um montante muito inferior ao seu valor nominal, o “factoring” será
normalmente sem recurso, assumindo o Factor o risco integral da operação.
É portanto caso para perguntar: a
que propósito é que os “comentadores bem informados” vieram falar de “factoring”?
Será por pura “parolice”. Ou será que
eles sabem mais do que aquilo que dizem, embora não tenham a correcta noção do
que estão a dizer?
Tudo isto porque o mundo dos
negócios é esta permanente obscuridade e opacidade, que não são exclusivas do
futebol e muito menos deste ou daquele clube, desta ou daquela federação ou união de federações, mas de todos os
negócios, sempre em prejuízo dos mesmos!