sexta-feira, 7 de agosto de 2009

O TRATADO DE LISBOA



AINDA O ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ALEMÃO


Não deixa de ser com alguma estranheza que se assiste a um completo silêncio, tanto da parte dos políticos como dos académicos e até dos muitos comentadores que pululam neste país, sobre o acórdão do Tribunal Constitucional Alemão (TCA) que apreciou a constitucionalidade do Tratado de Lisboa.
Dos políticos, principalmente dos que não querem fazer ondas sobre o Tratado susceptíveis, nem que seja só hipoteticamente, de questionar a sua constitucionalidade compreende-se o silêncio. No fundo, é a mesma atitude que levou à rejeição do referendo. Mas dos demais, dos que questionam a democraticidade da construção europeia, do Tratado de Lisboa e até a sua constitucionalidade, estranha-se o silêncio, tanto mais que aquele acórdão abre a porta a novos e interessantes desenvolvimentos no plano político.
Já dos nossos constitucionalistas, infelizmente, pouco há a estranhar depois do processo de revisão das suas próprias posições que alguns deles (os mais interventivos) empreenderam para ficarem mais a la page com a moda dos tempos.
Quanto aos comentadores, pouco haverá a dizer: a matéria não se presta ao comentário fácil e exige algum esforço, logo…tudo normal.
A notícia que as agências divulgaram e que depois passou em quase todos os jornais primava pela simplicidade e tinha em vista transmitir uma mensagem muito clara: o TCA não considerou o Tratado inconstitucional, embora tenha estabelecido algumas exigências ao Parlamento Alemão para o ratificar. Como os políticos e seus acólitos somente estavam interessados na primeira parte, tomaram a segunda à conta de umas bizarrias do ordenamento jurídico alemão não extrapoláveis para os demais Estados. Nada mais errado, pois também neste caso o diabo está nos detalhes.
Começando pelo princípio: a convicção com que se fica é a de que o Tratado de Lisboa é inconstitucional face ao ordenamento jurídico alemão (e, obviamente, face a outros, desde logo, o nosso), só que uma decisão dessa natureza iria causar um tal terramoto político, susceptível de desmoronar quase por completo a arquitectura anti-democrática em que assenta a construção europeia, que o Tribunal resolveu ficar-se por uma espécie de compromisso tido por suficiente para salvaguardar, nesta fase, o essencial do estado de direito e a soberania do povo alemão consagrados na Lei Fundamental.
Certamente que esta posição do TCA não caiu do céu, nem pode justificar-se apenas pelo texto do Tratado de Lisboa. No fundo, o Tratado de Lisboa apenas agrava os vícios anti-democráticos constantes dos demais textos constitutivos, os quais, embora não tivessem passado incólumes no crivo daquele tribunal, não constituíram no contexto político da época em que foram aprovados uma ameaça à soberania alemã. De facto, o que está em causa é isso mesmo: enquanto a Alemanha, juntamente com a França, exerceu um papel dominante na Europa em todos os domínios relevantes para o Estado alemão, os tratados, por mais transferências anti-democráticas de soberania que fizessem, não punham de facto em causa a soberania alemã. Com o alargamento a questão passou a pôr-se de outra maneira e os episódios vividos a propósito da guerra do Iraque fizeram soar na Alemanha as campainhas de alarme. Dito de outra maneira: a Alemanha não aceita que os Estados comunitários situados a oriente do seu território tenham uma política externa, nomeadamente (mas não só) em relação à Rússia, contrária aos interesses alemães. E com o alargamento da União e da NATO viu-se que isso era possível. Logo, tornou-se necessário tomar medidas. E são essas medidas que o TCA exige sejam tomadas para que o Tratado possa ser ratificado.
É difícil num texto deste género explicar o sentido profundo do acórdão do Tribunal de Karsruhe, mas da sua leitura fica a ideia de que ele abre a porta a uma declaração de inconstitucionalidade do Tratado de Lisboa, evitada no último instante por um conjunto de exigências, alguma delas dificilmente compatíveis com o actual estádio do direito comunitário.
Num outro post, mais tarde, quando as circunstâncias o permitirem, far-se-á a enumeração das principais conclusões do acórdão e das disposições constitucionais com elas directamente relacionadas.
O acórdão, pela tibieza com que abordou certas questões e pelas conclusões que se recusou a tirar, foi muito criticado pela esquerda, que via na sua rejeição uma excelente oportunidade para se construir uma Europa realmente democrática.
Vale a propósito citar as palavras do Prof. Karl Albrecht Schachstschneider: “Há mais de 50 anos, Karl Jaspers predizia uma passagem “da democracia à oligarquia dos partidos, e depois da oligarquia dos partidos à ditadura”. O acórdão do tribunal constitucional abre a porta a uma ditadura da UE. Não há, a partir de agora, senão uma solução: uma viragem radical de direcção. A oposição ao Estado centralista que a UE é deve unir-se. É necessária uma alternativa no Bundestag. Esta oposição poderia tirar vantagem do facto de o acórdão pedir uma participação parlamentar em matéria de política europeia. O seu objectivo não seria certamente colaborar na formação deste Estado centralista. Tratar-se-ia mais do seguinte: um povo que queira construir uma Europa europeia deve pedir a sua saída da EU e impor novos tratados. Só os povos são qualificados para realizar o direito. Uma política desta envergadura necessita de consultas populares”.

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