quinta-feira, 8 de julho de 2010

FIM DA ILUSÃO EUROPEIA



A PROPÓSITO DA REGULAÇÃO CAPITALISTA

Tudo o que se tem passado na Europa de há vinte anos para cá aponta inexoravelmente no sentido da formação de uma ordem capitalista sem freios de nenhuma espécie. O capital impõe as suas leis e a lei primordial do capital é o lucro, que assenta, como bem se sabe, na exploração.
Todas as tentativas de regular o seu funcionamento estão de antemão votadas ao fracasso. Toda a economia está orientada no sentido de potenciar o máximo lucro e essa é a única regra que o capital aceita. Quanto mais vasto for o território sobre qual o capital actua e quanto mais desenvolvidas forem as economias sob o seu domínio maior é a sua força. Daí que a União Europeia seja um dos seus campos de eleição.
A única regulação capitalista que a história regista, vigente durante um pouco mais que meia dúzia de décadas, foi a imposta pelo movimente operário e popular. Desmantelado este ou reduzido a uma caricatura do que já foi, o capitalismo ai está com a sua verdadeira face a impor a sua lei.
Neste contexto, não causa qualquer admiração nem surpresa a recente sentença do Tribunal de Justiça da União Europeia, um dos grandes fautores da ordem neoliberal vigente. Esta sentença demonstra, para quem tivesse dúvida, que o actual capitalismo não se deixa regular.
E o problema que se põe a um país periférico como Portugal, não obviamente em consequência desta sentença, mas relativamente à sua integração na União Europeia é: que futuro?
Pode Portugal suportar mais dez anos de contínua recessão e permanente endividamento com a consequente pauperização de cada vez mais largas camadas da sua população? É claro que o povo pode responder a esta questão, como historicamente o já fez por várias vezes, a última das quais durante o salazarismo, abandonando em massa o país. Pode, e provavelmente o fará ou já o estará fazendo. Mas essa não é a solução, embora abra a porta para ela.
De facto, o que se passa com a participação da PT na VIVO é o que se vai passar com tudo o que ainda nos resta. A pouco e pouco, mas cada vez mais depressa, o país vai ter de vender o que tem para pagar as dívidas. Ainda ontem no Parlamento, o Ministro das Finanças admitiu com a tranquilidade de um simples oficial da contabilidade pública esta solução como normal.
E não passa de uma tonteria - é bom repeti-lo - imputar a responsabilidade por esta situação a uma soma de comportamentos individuais que não pauta a sua conduta por critérios de boa e equilibrada gestão dos seus respectivos patrimónios (ou da falta deles).
O problema tem antes a ver com as opções políticas de fundo e das suas consequências. Hoje, melhor: há mais de dez anos, a União Europeia e o seu regime político-económico vem sendo a causa primeira das nossas dificuldades.
E as dificuldades são conhecidas: não temos meios para competir em igualdade de condições com os mais fortes. Andámos há muitos anos a fazer de conta que temos, mas não temos. Temo-nos refugiado em áreas onde aparentemente aquelas diferenças de competitividade não se fazem sentir, mas, passada a euforia do lucro fácil nelas gerado, a situação em que se fica é pior do que aquela de que se partiu. Foi assim com as obras públicas e a construção civil. Vai ser assim, no último fôlego que o PSD se prepara para insuflar no capital nacional, entregando-lhe a saúde, o ensino e a segurança (isto é: a insegurança) social. O capital nacional vai lucrar e bem com mais esta fuga à realidade, mas o povo e o país vão ficar bem piores. Aliás, não deixa de ser espantoso que essa legião de economistas que tem andado a criticar o investimento nos chamados bens não transaccionáveis, esteja já a “segregar” por conta dos seus futuros amos as vantagens que vai retirar dessa nova investida no domínio criticado, agora com a diferença de ser uma investida feita à custa do bem-estar das populações.
Por isso, não passa de uma ilusão, a que um octogenário não deveria dar voz, supor que “nós e a Espanha” poderíamos fazer uma frente comum na Europa contra o capitalismo neoliberal. Não podemos.
Mas também não podemos continuar a ser um país que, além de se endividar a cada ano que passa, tem a sua economia estagnada há mais de dez anos; que vê o desemprego atingir cifras insuportáveis; que assiste passivamente ao aumento da riqueza dos que mais tem; que nada faz (ou nada pode fazer) para impedir o aumento do número de pobres em cada ano; e que contempla de braços cruzados a queda dramática do nível de vida das classes médias.
Como não é previsível o aprofundamento da ideia europeia num sentido diferente do actual, que aponte para uma federação na qual prevaleça o equilíbrio dos interesses com vista a uma relativa harmonia do conjunto, Portugal deve preparar-se para questionar a “ilusão europeia”. E deve preparar-se, com antecedência, para todos os desfechos que este questionamento necessariamente implica… e quanto mais cedo começar a preparação melhor.

3 comentários:

Anónimo disse...

Ultimamente muito se tem falado sobre a validade ou não de transpor para m Estado princípio e regras e conceitos normalmente aplicáveis à economia do indivíduo/família/empresa. Mas, apesar da elevada qualidade do comentário/reflexão, o autor não dá uma pista sobre: que alternativa à venda de activos,consequência de um contínuo e prolongado endividamento? (Lembro que esta consequência foi prevista, por alguns poucos economistas, aquando do início da euforia dos juros baixos e importações livres).
De outro modo, o autor defenderá, nas actuais circunstância, uma espécie de "autarcia" económica? Seria viável? A que custo? E a dívida já existente? A coisa tá PRETA!

Graza disse...

É urgente passar a palavra para que o debate chegue onde não tem andado. Temos que conseguir fazer o que os nossos media não querem, porque o share não deixa. Por mim vou continuar a sublinhar os textos/reflexões que acho que contribuem para isso. Este é mais um deles e não preciso que ele me aponte alternativas. Saber colocar os problemas de uma forma tão clara já é uma grande ajuda à autonomia dos raciocínios de que somos de um modo geral tão carentes.

Jorge Almeida disse...

Graza,

tudo o que escreveu está certo. No entanto, tem de ver que os media tradicionais são a voz do dono, estando cheios dos descamisados identificados pelo Doutor Correia Pinto em mensagem anterior a esta.

Neste contexto, nada que venha daquele lado terá muito interesse, pois teimarão em ignorar a realidade que não lhes convenha.

Se não fosse assim, entre outras coisas, o Doutor Correia Pinto já estaria, há muito tempo, a escrever a sua coluna num dos jornais de maior circulação em Portugal, em vez de estar a escrever, meramente, para este mui respeitável blogue.



Anónimo 9 de Julho de 2010 13:11,

a alternativa à venda de activos já foi posta em prática, nos anos 30 do século passado, por Salazar (foi mesmo uma das poucas coisas boas que nos trouxe o salazarismo). Se se lembrar das lições de história de Portugal, deve-se recordar da disciplina financeira imposta por este, ao nunca fazer orçamentos com deficit, para além de tentar atrair industria (que, naquele tempo, era onde se obtinha o valor acrescentado). Porque não repetir esta receita?

Também há outra alternativa: a nacionalização.

É só escolher ...