quarta-feira, 28 de julho de 2010

O NEOLIBERALISMO DE BRUXELAS E A TAP


AS DECLARAÇÕES E AS CONTRA-DECLARAÇÕES DO MINISTRO


Como se referiu no último post, Bruxelas permite que se apoiem os bancos com milhares de milhões mas recusa o apoio do Estado a empresas que necessitem de ser capitalizadas para poderem subsistir com o estatuto que actualmente têm.
O caso da TAP é exemplar. Com um capital social ridículo relativamente ao seu volume de negócio, a TAP precisa urgentemente da entrada de capitais do Estado para continuar a desenvolver o seu negócio ao abrigo das crises conjunturais que ciclicamente a afectam.
A União Europeia, em princípio, não permite que o proprietário da empresa (o Estado) tome a seu cargo essa capitalização, por o proprietário ser quem é, em virtude de tal acto ser entendido como uma ajuda de Estado, algo que, na ortodoxia neoliberal, é tão grave como no auge dos rigores do colectivismo seria ter meio hectare de terra para explorar por conta própria.
Trata-se de uma proibição que não tem qualquer explicação racional e que apenas pode ser compreendida com base num preconceito ideológico levado às últimas consequências.
O Ministro dos Transportes e das Comunicações colocado perante a situação, na sequência de um pedido de informação do Bloco de Esquerda, logo se apressou a confirmar que a TAP precisava urgentemente de ser privatizada para poder escapar a uma crise grave.
É claro que esta resposta suscitou a maior perplexidade, não apenas pela privatização de uma empresa como a TAP, mas por imediatamente se depreender que, tendo o Ministro ou o seu gabinete ligado processo de privatização à situação financeira da empresa e às crises que ela pode gerar, tal processo iria ter lugar nas piores condições possíveis. Privatizar neste contexto seria um “enorme favor” que o capital privado estaria a fazer ao Estado, “retirando-lhe de cima dos ombros esse enorme peso” que é o de ser proprietário de uma empresa como a TAP.
Tendo realizado um dia depois, face ao alarme causado pelas suas explicações, a enormidade da justificação apresentada, o Ministro veio corrigir o que disse antes, afirmando que a empresa tem uma excelente “performance”, que é uma “empresa perfeitamente sustentável” e com uma “capacidade notável face a todas as situações de crise”.
Há aqui muita coisa que não bate certo. A primeira, não despicienda, é a legítima interrogação sobre o que é ser ministro hoje. Tradicionalmente, o Ministro era uma personalidade com ideias, capaz de encontrar soluções criativas favoráveis à defesa do interesse geral, no quadro geral da linha política defendida pelo partido que apoia o Governo. Esta ideia de Ministro, porém, foi sendo gradual e substancialmente alterada com a passagem do tempo. O Ministro hoje assemelha-se cada vez mais a um funcionário que prescinde da sua própria capacidade de pensar (ou já é propositadamente escolhido por ter esta incapacidade como qualidade recomendável) e actua no quadro de uma obediência hierárquica ao núcleo duro do Governo, disposto a fazer tudo o que lhe mandam, concorde ou não concorde com o que “tem de ser feito”.
A segunda coisa que não bate mesmo nada certo é a grande disparidade existente no espaço de um dia do resultado da avaliação das características da mesma empresa. Passa-se de uma empresa em risco eminente de falência no caso de uma crise causada por factores conjunturais (porém, sempre muito presentes, diga-se o que se disser), para uma empresa com “uma capacidade notável face a todas as situações de crise”.
A terceira coisa que não bate certo é estar-se a fazer de conta que a empresa não tem um passivo (seguramente) gigantesco que alguém directa ou indirectamente garante e que imediatamente se venceria se a empresa deixasse de ser pública.
A quarta e decisiva coisa que não bate certo, é o Ministro aparentemente desconhecer o que ainda há dias Sarkozy foi dizer em Saint-Nazaire, depois de ter decidido que iria salvar da falência um dos estaleiros navais mais importantes de França, sempre com o argumento de que um país só será um grande país se tiver nas suas mãos “isto, aquilo e aqueloutro”, e de que, como máximo responsável pelos destinos da França, prefere “meter” dinheiro do Estado nas empresas em risco de falência do que gastar esse mesmo dinheiro em subsídios de desemprego e outros apoios sociais. E quem diz Sarkozy diz Merkel relativamente a outras grandes empresas alemãs.
Ou seja, é também para isto que um Ministro serve e não apenas para seguir com espírito de funcionário obediente as directivas do Ministro das Finanças por mais absurdas que sejam!

2 comentários:

Jorge Almeida disse...

De há uns anos para cá que os ministros que não são do núcleo duro político do PM (neste caso, Santos Silva, Teixeira dos Santos, Pedro Pereira e Vieira da Silva) são meros executores da política definida por este grupo.

Não têm direito a voz, nem a opinião, própria.

É a mentalidade "jota".

Valha a verdade que não é exclusivo português. Mas esta importação bem podia ficar lá pelo estrangeiro ...

Jorge Almeida disse...

Bom, mas há aqui uma novidade:

Este ministro quer vender ao privado uma empresa que ele já deu a entender que está em maus lençóis.

Até agora, só se privatizaram as empresas estatais que registavam lucro.

Será que houve evolução? Ou haverá qualquer coisa atrás disto? Quando a esmola é grande, o pobre desconfia ...