segunda-feira, 5 de julho de 2010

A QUESTÃO CONSTITUCIONAL




NOTA BREVE

Para já apenas uma nota breve. O PSD prepara como ponto muito importante, porventura o mais relevante, da sua agenda política a revisão constitucional. E todo o projecto está orientado no sentido de uma revisão profunda do que resta do Estado social saído da Revolução democrática do 25 de Abril. A intenção do PSD é retirar da Constituição tudo o que possa impedir um outro entendimento do papel do Estado, nomeadamente através da eliminação ou cerceamento dos direitos fundamentais de natureza social e económica, os quais, aliás, no entendimento do PSD não constituem verdadeiros direitos fundamentais.
Esta política, no quadro constitucional, será muito provavelmente seguida em dois planos: o primeiro é o que acaba de ser referido, fundamentalmente traduzido na negação do carácter universal e gratuito de certas prestações sociais e da eliminação ou limitação dos descontos obrigatórios para a segurança social; o outro, incidirá na fiscalidade e tenderá para a imposição de limites máximos de incidência fiscal.
Dificilmente o PSD poderia habilitar-se a uma proposta de revisão constitucional com esta envergadura se contasse com a oposição categórica do PS. Com o PS na oposição a esta proposta, demonstrando as suas inevitáveis consequências para a generalidade dos cidadãos, o PSD ficaria numa situação eleitoral difícil, apesar das vantagens que demagogicamente poderia colher das suas propostas no plano da fiscalidade. Todavia, se houvesse uma forte oposição do PS demonstrando as consequências dessas aparentes reduções fiscais dificilmente as propostas do PSD poderiam recolher a aceitação popular.
Acontece que aparentemente o PS está contra a revisão constitucional do PSD. Assis ainda hoje disse nas jornadas parlamentares que o PSD não pode contar com o PS para acabar com o Estado social. Só que estas palavras não chegam e além disso são muito ambíguas. Basta ouvir ou ler o que logo a seguir disse Vitorino e o que aqui há cerca de um mês disse Vital Moreira no Público para imediatamente se perceber que, se esta for a linha do PS, a convergência é possível.
Dir-se-á que as duas personalidades referidas são as que mais convergem com o PSD matéria de soluções neoliberais e que, portanto, não são as mais representativas do PS.
Pode dizer-se o que se quiser, mas o que se não pode é negar, por um lado, o modo como o PS se tem comportado historicamente em matéria de revisão constitucional na negociação e votação das revisões que mais descaracterizaram a Constituição de 76 e, por outro, o papel e o relevo que Vitorino sempre teve nessas negociações.
Não basta, portanto, a proclamação de aparentes grandes princípios que depois vão sendo sucessivamente negados por um infindável conjunto de excepções que fazem convergir a solução final para um resultado muito próximo do pretendido pelo PSD. O que é preciso é que o PS diga claramente se existe ou não existe uma questão constitucional no nosso país. Se a resposta do PS for negativa, então nenhuma revisão constitucional será necessária nem conveniente. Se a resposta do PS for evasiva ou baseada em considerações de circunstância, então há todas as razões para acreditar que o PS acabará por colaborar na revisão do regime saído do 25 de Abril, objectivo que a direita nunca alienou desde que foi derrota em 1974.
Têm a palavra dentro do Partido Socialista os que se opõem à revisão e, obviamente, também todos os que a rejeitam, qualquer que seja o quadrante político em que se inserem, não sendo nada conveniente que a discussão desta questão seja retardada para a data da apresentação da proposta do PSD.
Por outras palavras, o debate da esquerda tem de ser com o PS. E quanto mais cedo começar melhor. E quanto menos silêncio houver, sobre este assunto, à volta de Vitorino e de outros responsáveis do PS, tanto melhor!

2 comentários:

Ana Paula Fitas disse...

Subscrevo na íntegra.
Obrigado!
Abraço.

V disse...

Pois é. O problema é que Vital Moreira e António Vitorino nunca navegaram à bolina e por isso o que dizem é preocupante.
V