terça-feira, 10 de janeiro de 2012

PORTUGAL CORROÍDO PELA CORRUPÇÃO



COMO RESOLVER?



O principal problema português é a corrupção no sentido mais próximo da etimologia do conceito.

A corrupção é a deterioração, a decomposição física ou orgânica de algo; por extensão metafórica, a decomposição moral dos princípios; é a adulteração das características originais de alguma coisa.
É essa a situação de Portugal hoje. Como uma doença invasiva, também a corrupção vai minando todas as partes do copo social a ponto de somente por via de uma refundação que corte radicalmente com o passado se poder restabelecer a virtude perdida.
Está de facto tudo podre: é a maçonaria; são os partidos do poder; são as mil e uma histórias, todas verdadeiras, associadas ao poder que destroem qualquer princípio de justiça, de equidade e até de decência.
O recente caso das nomeações da EDP é apenas mais um episódio – um vergonhoso episódio – daquilo que é Portugal hoje. Onde, num país minimamente decente, tal pouca vergonha teria sido possível?
Os factos nós conhecemos. Mas talvez se tenha falado pouco das causas. E enquanto se não aprofundar o debate sobre as causas dificilmente se encontrará o remédio. Um debate que que somente será útil se for feito livremente, sem limitações, nem preconceitos de nenhuma espécie. Um debate capaz de questionar tudo.
A corrupção é um fenómeno intimamente associado à problemática do poder. E o poder é um conceito relacional – uma relação entre dois sujeitos por via da qual o primeiro obtém do segundo um comportamento que, se essa relação não existisse, não obteria. Logo, um conceito estreitamente ligado ao conceito de liberdade – o poder de A implica a não liberdade de B; e a liberdade de B implica o não poder de A.
Isto leva-nos para a discussão daquilo que ao longo de séculos tem sido a essência da filosofia política ocidental – o poder, o fundamento do poder, a legitimidade do poder, as recíprocas relações dos titulares do poder com os destinatários do exercício desse poder.
A democracia, vilipendiada ao longo de mais de um milénio pelas conotações negativas filosoficamente associadas ao conceito depois de Platão, acabou sendo “ressuscitada” pelos filósofos iluministas, principalmente Montesquieu, sob a forma de democracia representativa - fórmula que os americanos adoptaram de modo original, sabiamente combinada com princípios exequíveis de democracia directa.
Abreviando: depois é que se sabe. A Revolução Francesa, a longa luta pela democracia na Europa, a ponto de hoje se ter transformado num ícone sagrado do mundo ocidental cuja força hegemónica, por impulso das doutrinas liberais de cariz individualista, o estendeu a quase todo o mundo de tal modo que entre adoptá-lo ou rejeitá-lo leva a uma separação, a um fosso, porventura mais profundo do que aquele na antiguidade clássica separava o cidadão do não cidadão, para usar uma terminologia moderna.
Ponto é saber se, não obstante os ganhos acumulados pela prática do conceito em toda a parte onde foi exercitado, não se estará hoje perante uma corrupção do próprio conceito, ou dito de outro modo, se não voltam a ser válidas as críticas que durante séculos conotaram negativamente a democracia como forma de governo.
Conhece-se a origem e a razão de ser de muitas destas críticas e a longa luta que durante séculos foi necessário manter para assegurar um mínimo de dignidade aos destinatários do exercício do poder.
Tudo isso é inquestionável, mas também é cada vez mais inquestionável a necessidade de superação radical desta forma de governo…para usar uma expressão clássica. Uma superação que não poderá deixar de problematizar os procedimentos institucionais do conceito se tal se revelar necessário para assegurar a sua essência material.


6 comentários:

Miguel Serras Pereira disse...

De aordo, em grande medida. É verdade que os "procedimentos institucionais" da representação esvaziam o conceito e a substância da democracia. De resto, de um ponto de vista clássico, os actuais regimes europeus deveriam ser considerados, não propriamente democráticos, mas oligárquicos, ainda que temperados (Castoriadis, por exemplo, chamava-lhes "oligarquias liberais"). Mas a actualidade do projecto democrático, a sua juventude histórica, não se esgotam por tão pouco - como crteio ser também, apesar de alguma ambiguidade, a sua ideia. A actualidade do projecto de autonomia democrática consiste em que a democracia requer e impõe a coincidência ou simultaneidade em cada cidadão das condições de governante e governado, bem como a liberdade e a responsabilidade de participar igualitariamente no exercício do poder. Daía que a democracia supere e continue a pôr em termos novos a oposição entre poder e liberdade: a liberdade é autodeterminação, exercício do poder, e nada menos. O poder democrático não é o que protege ou favorece a maioria ou o conjunto dos cidadãos. É o poder político exercido, entre iguais, pelo conjunto dos cidadãos. Daí que seja "comunista", se, por isso entendermos incompatível com as hierarquias de classe ou a desigualdade de condiçoes (de exercício da liberdade). Daí também que aquilo a que chamei uma vez a plataforma necessária e suficiente da alternativa à natureza oligárquica dos actuais procedimentos institucionais representativos seja a democratização - sendo óbvio que esta, como diria Rosa, é, e passa, não (pela) supressão, mas (pelo) aprofundamento das liberdades e do seu exercício governante.

Ou não será assim?

msp

JM Correia Pinto disse...

Desta vez, sim, de acordo consigo.
Obrigado pelo comentário.
CP

menvp disse...

Portugueses à mercê de quem muito bem calhar

1. Não há necessidade do Estado possuir negócios do tipo cafés (etc), porque é fácil a um privado quebrar uma cartelização.
Agora, em produtos de primeira necessidade - que implicam um investimento inicial de muitos milhões - só a CONCORRÊNCIA de empresas públicas é que permitirá combater eficazmente a cartelização [leia-se roubalheira] privada.
{um exemplo: veja-se a roubalheira do preço da gasolina}
2. Com a entrega de produtos de primeira de necessidade (ex: energia, água, etc) a privados... e com estes a venderem a quem muito bem calhar (e a pirarem-se para um outro lado qualquer)... os portugueses ficarão à mercê de quem muito bem calhar.


P.S.
Na minha opinião é óbvio: nas actividades mais estratégicas... é preferível o combate à corrupção (combate esse, que poderá vir a ser muito mais eficaz com o fim-da-cidadania-infantil[blog http://fimcidadaniainfantil.blogspot.com/.
)... do que... ficar à mercê de quem muito bem calhar.

Anónimo disse...

Os artigos de opinião de V. Ex. escritos num Português perfeito que, independentemente de se concordar, ou não, com a substância e serem, por vezes, longos, deliciam qualquer pessoa amante da Língua de Camões. Neste, o Senhor Dr., vai ao fundo do problema. Parabéns! No entanto, esta situação vem-se arrastando, há mais de vinte e cinco anos e, parece, que ninguém lhe quer pôr cobro.

Força Emergente disse...

Caro amigo

A sua contribuição será certamente importante na divulgação que deveremos fazer desta petição publica.

Sabemos que a eficácia poderá ser pouca, mas certamente irá incomodar.
Enquanto não tivermos outras armas utilizemos esta.
Levar a julgamento j.socrates, é transportar com ele uma boa parte da escumalha politica que nos rodeia.
Se achar conveniente divulgue por favor.
http://www.peticaopublica.com/PeticaoVer.aspx?pi=P2011N9288

Ana Cristina Leonardo disse...

infelizmente, o questionamento da democracia, enquanto valor cultural do ocidente, está a ser feito... pelos chineses.
se algo não for feito, e também, naturalmente, a nível económico, acabaremos mesmo por deixar fugir o bebé com a água do banho.