VARIAÇÕES SOBRE O MESMO
TEMA
Na Quadratura do Círculo da última quinta-feira António Costa
na esteira de Seguro também entende que havia e continua a haver na Europa uma conjuntura
favorável à amenização do programa de austeridade. E lá volta a repetir as mesmas
ilusões de Seguro a propósito tal predisposição do BCE para comprar dívida
pública dos países endividados.
Vamos a factos pela última vez. Jean Claude Trichet, contra a
opinião dos alemães, comprou dívida pública no mercado secundário por mais de uma
vez. Este comportamento de Trichet levantou um verdadeiro pandemónio na
Alemanha, porque segundo o Bundesbank o BCE estava a violar uma das “vacas
sagradas” da política monetária europeia – a proibição de financiar os Estados.
Embora a compra de dívida pública no mercado secundário não constituísse um
financiamento directo dos Estados, na prática tratava-se de uma medida
equivalente já que por via das compras realizadas no mercado secundário se
assegurava o financiamento directo dos Estados pelos bancos. No fundo, era um
financiamento indirecto, o que segundo os alemães vinha a dar no mesmo, com a
diferença de, para os Estados, esta ser uma via mais cara.
Em consequência da política de Trichet, Axel Weber, indigitado
presidente do BCE, demitiu-se do Bundesbank e deixou a Alemanha sem
sucessor ao cargo. Seguidamente, o economista chefe do
BCE, Jürgen Stark, também alemão, demitiu-se pelas mesmas razões. Trichet
quando estava de saída justificou o mandato dizendo que durante os anos em que
chefiou o BCE cumpriu exemplarmente a função primordial do Banco – controlar os
preços e a inflação - afirmando, claramente em resposta aos alemães, que nunca o
Bundesbank durante um período de tempo equivalente ao que ele exerceu as
funções de governador teve uma taxa de inflação tão baixa como a do BCE.
Mario Draghi tomou posse em Novembro de 2011 e uma das
primeiras medidas que tomou foi fazer um financiamento gigantesco aos bancos, a
maior parte dele concedido mediante entrega de dívida pública, de 500 mil
milhões de euros. Os juros baixaram ligeiramente em Novembro, Dezembro e
Janeiro, como não podia deixar de ser, mas depois disso até hoje não voltou a
fazer compras no mercado secundário, não obstante as múltiplas pressões para que
o fizesse. E não o fez, obviamente, porque não tinha “autorização” dos alemães
para o fazer.
Draghi, é bom que se perceba, não é Trichet. O anterior
governador do BCE ascendeu ao cargo por via de um acordo franco-alemão aquando
da fundação do Banco Central, segundo o qual o primeiro governador seria um holandês –
Duisenberg – que se demitiria antes de o seu mandato terminar para permitir o
acesso à presidência de Trichet. Trichet, antigo director geral do Tesouro e governador
do Banco de França, era um velho conhecido dos alemães com os quais havia
negociado (sem êxito) as múltiplas vicissitudes da crise monetária 1992/93. Os
alemães conheciam-no suficientemente para saberem até onde ele poderia ir e não
deixavam de apreciar a sua relativa independência face ao governo francês como
por mais de uma vez deu provas nas suas “escaramuças” com Sarkozy. Não era um
alemão, mas era um “grand commis d’État”
em quem os alemães apesar de tudo confiavam. Aliás, os primeiros seis anos da
sua presidência foram muito tranquilos…E só nos dois últimos anos é que algumas
divergências surgiram.
Draghi, ao contrário de Trichet, chega à presidência do BCE mercê
de um conjunto de factores pouco comuns. É para os alemães uma espécie de mal
menor que apenas tem a seu favor ter passado pela vice-presidência do Goldman Sachs e
ter sido director executivo do Banco Mundial
E foi para evitar “desvios” que os alemães, depois daquela primeira intervenção de Draghi, deixaram logo bem
claro que não admitiriam mais compras incondicionadas no mercado secundário. Todavia,
quando os juros estavam a pressionar fortemente a Espanha e a Itália, e
ameaçavam estender-se a outros países, Draghi fez a tal famosa declaração de
que “tudo faria para salvar o euro”. A situação acalmou ligeiramente e pouco
tempo depois o BCE explicou em que condições estava disposto a intervir no
mercado secundário da dívida pública, a curto e médio prazo. A intervenção
ficaria subordinada a um pedido do país em dificuldades e teria como
contrapartida um pesado condicionalismo. Ou seja, um condicionalismo idêntico
ao da Troika. Por outras palavras, a intervenção do BCE não passaria de um
resgate verdadeiro e próprio. Tanto assim que teve o apoio expresso de Merkel e
do seu governo. Nenhum país até hoje pediu a intervenção do BCE. A Espanha não
pediu. A Itália não pediu. Os dois principais interessados não pediram!
Compreendido ou não? Está compreendido que o BCE se não
afastou um milímetro da “ortodoxia monetária” alemã, por mais que as palavras pareçam
querer dizer o contrário.
Mas não é só nisto que António Costa se engana. Engana-se
também quando fala na queda dos juros da dívida pública portuguesa. Também aqui
os factos falam por si. Quando o governo Sócrates pediu a intervenção a taxa de
juro do mercado, a dez anos, rondava os 7%. Depois dessa data, nomeadamente
depois da tomada de posse deste governo, a taxa de juro não cessou de subir
sendo a mais alta da zona euro a seguir à da Grécia. É certo que nos últimos
tempos tem descido alguma coisa, mas mesmo assim mantém-se muito mais alta do
que estava à data da intervenção. Quando se fala em queda da taxa de juro como
um ponto positivo do Governo parece querer dizer-se que ele entrou em funções
com uma taxa alta e que tem vindo desde então a baixá-la. Falso. A taxa de juro
subiu brutalmente durante o exercício deste governo e somente há pouco tempo
começou a baixar ligeiramente, mantendo-se porém bem acima da taxa à
data da intervenção.
Ou seja, os "pontos positivos" deste Governo são uma sucessão incomensurável de fracassos...