quinta-feira, 29 de agosto de 2013

A BARBÁRIE NÃO PASSARÁ!


 

NOVO CHUMBO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

O Tribunal Constitucional, guardião da Constituição e do Estado Democrático de Direito, declarou inconstitucionais as normas da Lei da “mobilidade especial” da função pública que agridem a garantia da segurança no emprego e o princípio da proporcionalidade garantido pela Constituição.

Uma matilha assanhada de comentadores por conta, em risco de perder as prebendas que a subserviência e a indignidade lhe garantem, não deixará de lançar um feroz ataque aos juízes do TC e de pressagiar as maiores desgraças para o futuro dos portugueses. O mesmo se poderá dizer de conhecidos reaccionários com assento permanente na TV, com ou sem contraditório, que, disfarçados de juristas, não se cansarão de contraditar com doutos argumentos a decisão do TC apodando-a de conservadora e distante dos tempos que se vivem. Tempos sem vergonha e sem lei em que os principais agressores são exactamente aqueles que tinham por missão defender os portugueses contra a violação dos seus direitos.

O Hipócrita Mor, que nem sequer tem a coragem de defender publicamente o que em privado aplaude, não vai seguramente retirar da prática de mais este acto da responsabilidade de um punhado de foras de lei as consequências que se impõem. Reincidentes e contumazes, eles vão prosseguir obsessivamente o programa de destruição de Portugal e de empobrecimento dos portugueses tentando por todos os meios assegurar a gigantesca transferência de rendimentos do trabalho para o capital a que se comprometeram, nem que para isso tenham de recorrer à prática do roubo descarado.

 Como os portugueses não podem contar com quem politicamente no vértice das instituições os defenda só lhes resta continuar a lutar pela demissão do Governo e pela renúncia de Cavaco!  

domingo, 25 de agosto de 2013

OS “SWAPS” E A CORRUPÇÃO DOS PRINCÍPIOS DEMOCRÁTICOS


 

É PRECISO RESTAURAR A DEMOCRACIA

O caso dos “swaps” nas suas múltiplas facetas – quem os contratou e com quem, quem os fiscalizou, quem destruiu a documentação pertinente e porquê, etc. – é apenas um caso, entre muitos, que demonstra à evidência a corrupção dos princípios democráticos a partir de uma legitimidade pretensamente democrática decorrente dos resultados eleitorais.

Independentemente da questão já de si muito grave de saber como podem os gestores de empresas públicas por sua livre iniciativa contratar com grandes potentados financeiros seguros de crédito (CDS – credit default swaps) – de que os “swaps de taxa de juro” são uma variante desse produto financeiro inventado em 1994 pelo JP Morgan -, mais grave ainda é estar hoje generalizada a ideia, comprovada por múltiplos factos, de que Administração Pública não exerce ou não tem capacidade para exercer uma verdadeira acção fiscalizadora, não apenas preventiva, como seria desejável, mas, no mínimo, a posteriori, necessariamente repressiva, dos actos praticados pelo governo e seus agentes em nome do Estado português.

A ausência desse papel fiscalizador, resultante da perda de independência da Administração Pública, hoje transformada numa correia de transmissão do governo, leva a que princípios fundamentais do Estado de Direito democrático sejam persistentemente violados e corrompidos, com gravíssimos prejuízos não apenas para o futuro do país mas também, e desde logo, para os cidadãos que no momento em que os danos ocorrem tem de arcar com a responsabilidade de os reparar sem qualquer garantia de que situações idênticas se não repitam no futuro.

A triste “novela” dos swaps da taxa de juro contratados pelas empresas públicas de transporte com os tais grandes potentados financeiros, vendedores de falsos seguros de crédito, é bem um exemplo do que acaba de ser dito. Podem lançar a areia que quiserem sobre os olhos dos portugueses, mas o que eles não deixarão de saber, por maior que seja a contra-informação que sobre o caso se faça, é que tais contratos são “filhos legítimos” dos partidos do Bloco Central que se revezam no poder e simultaneamente se protegem no sector público empresarial cujos lugares vão distribuindo entre si, por vezes até na ordem inversa dos respectivos resultados eleitorais.

É certo que tudo se pode aparentemente complicar e dar a falsa ideia de uma profunda oposição entre eles quando uma neófita, recém-chegada às benesses do poder, ao tentar induzir no público a ideia da exclusiva responsabilidade dos que saíram, acaba por provocar uma incrível cena que a todos enreda, a começar por ela própria, exactamente por se ter esquecido que também ela é filha dessa mesma promiscuidade que corrompe a vida pública portuguesa e impede o Estado de ter institucionalmente quem o defenda contra os abusos daqueles que agem em seu nome.

A destruição de documentos relacionados com esta “novela dos swaps” é apenas mais um episódio desse clima hoje reinante na Administração Pública mais directamente relacionada com o mundo dos negócios onde tudo parece ser permitido desde que contribua para a irresponsabilização daqueles que nela actuem contra a lei para salvaguarda de interesses inconfessáveis que em última instância acabam sempre por estar intimamente relacionados com essa complexa teia que hoje enleia a vida pública portuguesa – negócios e partidos no poder.

A opacidade, as mentiras, as meias verdades que tem acompanhado este negócio ruinoso para os contribuintes portugueses mas altamente rentável para o grande capital financeiro é hoje a imagem de marca dos Estados mais fracos, como o nosso, completamente subjugados e rendidos ao domínio do capital financeiro.

Este episódio ilustrativo do que é hoje a condução política do Estado levanta um problema grave que mais tarde ou mais cedo não poderá deixar de ser enfrentado e afrontado com a coragem que a situação exige – a restauração dos valores democráticos, subvertidos e corrompidos por uma vivência política circular que faz com que quem regressa ao poder acabe sempre por chegar ao mesmo ponto daqueles que acabaram de partir, exige uma acção que vá muito para além ou vá mesmo contra a pretensa legitimidade eleitoral, ela própria degenerada e corrompida até ao grau zero da política como alguns tristes episódios da pré-campanha autárquica eloquentemente demonstram.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

“O LUGAR DE EUSÉBIO”


OU A MISTIFICAÇÃO HISTÓRICA
O Estado Novo tem sido estudado e reestudado por muitos historiadores contemporâneos e existe hoje sobre ele uma abundantíssima bibliografia, muito desigual na sua qualidade e frequentemente mistificadora daquilo que foi o mais duradoiro regime político do século XX português, se não mesmo um dos mais duradoiros do século XX, nomeadamente se tendermos a identificar a essência do regime com o governo de um homem que lhe deu forma, sentido e características individualizantes, não completamente coincidentes com outros da mesma época, não obstante a tendência para encontrar paralelismos em regimes já implantados noutros países ou que logo depois se implantaram.
Por outro lado, para além das obras gerais abarcando a historiografia política, económica e social, há inúmeros estudos parcelares e sectoriais que, partindo quase sempre de uma visão de conjunto, tendem a encontrar nesse específico sector objecto de estudo as linhas políticas dominantes caracterizadoras do regime. A verdade é que a realidade foi quase sempre mais inventiva do que o enquadramento que os esquemas preconcebidos deixam compreender. E se há sectores onde as notas dominantes do regime estavam muito presentes, outros há onde as diferenças entre o que se passava cá e lá fora são quase nulas ou, a existirem, funcionavam num sentido de certo modo oposto ao que por vezes se pretende sugerir.
Um dos sectores da vida social e política portuguesa da época que não tem merecido a atenção dos grandes nomes da nossa historiografia contemporânea é sem dúvida o desporto e, dentro dele, o futebol.
São poucas e pouco relevantes as obras sobre o Estado Novo e o futebol. Há muitos artigos dispersos, alguns deles de duvidosa qualidade, há as referências ligeiras numa ou noutra obra generalista, mas escasseiam as obras que tenham estudado o fenómeno com objectividade e rigor.
E é talvez por isso que hoje, perdida, ou quase perdida, que está a memória dos que foram contemporâneos do fenómeno se assiste a uma verdadeira reinvenção daquilo que foi a vivência do futebol no Estado Novo ou da sua importância política.
O futebol nunca foi para o estado Novo uma prioridade. Obviamente que o Estado Novo não era alheio ao desporto e ao seu enquadramento como factor de educação da juventude escolarizada. E, para começar, é bom que se atente no adjectivo. Praticamente não havia desporto escolar no ensino obrigatório. Somente nos liceus, e em muito menor medida nas escolas comerciais, é que a “educação física” adquiria alguma relevância como cadeira curricular. Mas nela o futebol não desempenhava nenhum papel, absolutamente nenhum, como também não desempenhava nas actividades da Mocidade Portuguesa. Pelo contrário, o futebol era reprimido nos tempos livres e a sua prática sujeita a sanções – é certo cada vez mais difíceis de aplicar e por isso tolerado sempre que o local onde se jogava não perturbava a actividade dos recreios, o que era difícil.
Esta atitude contra o futebol nas escolas, era acompanhada por uma marcada distanciação do regime em relação ao futebol em geral, nomeadamente ao futebol “não amador”, que era o futebol jogado pelos clubes da Primeira Divisão. Pelo menos, por alguns, já que outros, como a Académica, se mantiveram fieis ao desporto amador, apesar de essa qualificação não passar, em grande medida, de uma ficção.
Não se infira, porém, daqui que o desligamento do Estado Novo relativamente ao futebol era total. O Estado Novo, apesar de muito parco em apoios à actividade desportiva e de praticamente não subsidiar financeiramente a construção de infraestruturas indispensáveis à prática do desporto, não se coibiu de construir o Estádio Nacional, inaugurado em 10 de Junho de 1944, como uma espécie de santuário, não verdadeiramente da prática desportiva, mas de desfiles desportivos sempre ligados a datas históricas que o regime queria homenagear e criar, à luz delas, a sua própria imagem identitária.
Durante a década de cinquenta muitos atletas, nomeadamente futebolistas, oriundos das colónias começaram a fazer parte das equipas portuguesas. Alguns estavam na “Metrópole” como estudantes, como é o caso dos futebolistas ultramarinos dessa época que alinhavam na Académica, outros vieram expressamente para integrar as equipas nacionais. O desenvolvimento do futebol, principalmente em Angola e em Moçambique – mais em Moçambique -, devido ao apoio que algumas empresas coloniais prestavam aos clubes, se é que não tinham elas próprias o seu clube, a criação de filiais das grandes equipas “metropolitanas” nas colónias, a ida para África de treinadores e outros profissionais do desporto favoreceram esse recrutamento que começou, como se disse, em grande escala na década de cinquenta e que depois se manteve sempre em crescendo até ao 25 de Abril.
Na década de 50, brancos e pretos oriundos das colónias, que depois se tornaram famosos no futebol português, chegaram a Lisboa e ao Porto para representar o Benfica, o Sporting, o Belenenses e o Porto. Dentre os brancos, José Águas, Juca, Costa Pereira e Acúrsio foram certamente os mais notáveis. Entre os pretos e mestiços, no Belenenses, o lendário Matateu, mais tarde o seu irmão Vicente; no Benfica, Santana e Mário Coluna, o grande capitão da história do Benfica; no Porto, Albasini, Miguel Arcanjo, Carlos Duarte e Perdigão; no Sporting, Mário Wilson e Hilário, entre outros; na Académica, Torres. Só mais tarde, em Dezembro de 1960, Eusébio chegou ao Benfica.
Quando Eusébio chegou à “Metrópole” já era um dado adquirido a presença de grandes jogadores “ultramarinos” nas equipas “metropolitanas”. Eusébio seria apenas mais um, se as credenciais de que vinha acompanhado se confirmassem.
Evidentemente, que o Estado Novo não levantava qualquer tipo de objecção a que os jogadores “ultramarinos” integrassem as equipas “metropolitanas”, mas daí a dizer-se que o regime desempenhava nesse recrutamento um grande papel ou que se prevalecia da sua presença no território de “Portugal continental” para disso tirar dividendos políticos vai uma distância que a história não confirma. E dizer, como faz, o autor (Nuno Domingos) do primeiro artigo da série hoje iniciada no Público - Racismo e Colonialismo – que Eusébio era uma espécie de ícone do regime, não passa de uma mistificação construída a partir de uma realidade puramente imaginada.
Dá-se até o caso de praticamente todos os que chegaram na década de 50, com uma pequena nuance para Matateu, serem pessoas mais evoluídas que os seus colegas metropolitanos, que falavam mal o português, tinham muita dificuldade em se exprimir, exactamente por o futebol estar muito ligado ao analfabetismo e às camadas menos instruídas da população, enquanto os que vinham de Moçambique e de Angola se exprimiam bem, com alguma fluência, dando a ideia de que provinham de um ambiente bem mais aberto e esclarecido que o metropolitano donde eram oriundos os seus colegas de equipa - não todos, obviamente, mas a maior parte deles.
Neste plano, com Eusébio, assistiu-se a uma acentuada regressão. Aliado à muita timidez de um miúdo nascido e criado na Mafalala, sem contacto com a “cidade do cimento” e as suas vantagens, constatava-se uma quase completa ausência de educação “assimiladora” - Eusébio quase não sabia falar português, exprimia-se muito mal, por monossílabos e embora se depreendesse do seu olhar e dos gestos uma inteligência viva, específica, faltavam-lhe sempre as palavras para exprimir as ideias que nunca conseguia verbalizar. Ficaram famosas as primeiras entrevistas televisionadas conduzidas por Artur Agostinho, em que o popular locutor perguntava e respondia por Eusébio a partir de uma prévia conversa à margem das câmaras ou do que dele conhecia pelas muitas viagens que faziam juntos.
Com Eusébio em Lisboa, sob a permanente luz da ribalta, pelos extraordinários feitos desportivos de que era o principal intérprete, abriu-se, para quem desconhecia a realidade colonial, uma frecha que deixava ver com muita mais clareza o que era em África a vida e a instrução dos africanos.
Obviamente que as vitórias do Benfica e os êxitos da selecção nacional, nomeadamente a memorável participação no Mundial de 1966, em Inglaterra, deram a Eusébio e aos demais companheiros uma visibilidade mundial que antes não tinham. Nessa mesma época, a televisão iniciava os primeiros passos nas transmissões em directo, propagando os feitos dos que se notabilizavam pelos cantos do mundo que tinham o privilégio de a eles poder assistir em directo ou, mais tarde, em resumos. A outra parte do mundo – e era a maior parte -, ainda sem televisão, continuava a receber essas notícias apenas pela rádio e pela imprensa.
Também não é minimamente verdade que a idolatria por Eusébio tivesse sido fomentada pelo Estado Novo. Quem propagava os feitos de Eusébio era a imprensa independente e em muito menor escala a nascente televisão, mais pela força da imagem do que pela palavra. Era na Bola, jornal formado por oposicionistas ao regime de Salazar e com uma redacção constituída por democratas (com duas execepções), alguns até próximos do Partido Comunista, que os feitos de Eusébio eram propagandeados e assim chegavam (sempre tardiamente) às colónias, principalmente a Angola e a Moçambique. No estrangeiro, nomeadamente na Inglaterra, era o único nome do futebol mundial que rivalizava com Pelé.
A imprensa da época, tanto a oficiosa como a que se esforçava por se manter independente, não dava qualquer relevo ao desporto. Serão muito poucas as primeiras páginas de jornais generalistas anunciando ou celebrando feitos desportivos individuais ou colectivos. Na rádio, a mesma parcimónia. O desporto quando era notícia – e maior parte das vezes não era - era tratado no fim dos noticiários quase sempre laconicamente. O mesmo se passava na televisão. Raramente uma notícia desportiva integrava o telejornal e o tempo de transmissão dos programas desportivos num ano era seguramente inferior ao que hoje qualquer canal generalista lhe dispensa num mês!
Em Portugal não acontecia, nem de perto nem de longe, no plano oficial, o que no Brasil se passava com Pelé. O regime brasileiro, tanto antes como durante a ditadura militar iniciada em 1964, fez de Pelé um símbolo do Brasil.  Pelo contrário, em Portugal, o futebol e os seus principais intérpretes, apesar das vitórias o Benfica e dos êxitos da selecção nacional, tiveram sempre para o regime uma importância secundária, sendo mesmo em alguns casos uma potencial fonte de preocupações.
Pode hoje pensar-se que as duas vitórias sucessivas do Benfica na Taça dos Campeões Europeus e a participação em mais três finais no curto espaço de quatro anos representavam para o regime um feito de que este não poderia deixar de se aproveitar. Mas não foi assim, nem havia motivos para assim ser. Antes do Benfica, quem tinha ganho as cinco anteriores competições da Taça dos Campeões Europeus fora o Real Madrid, verdadeiro símbolo do franquismo e da mais impiedosa ditadura europeia da época. Que é que o regime português tinha para se prevalecer perante as democracias ocidentais e do leste que antes já não tivesse sido alcançado pela Espanha? Nada, portanto, que se compare ao que representou para a Alemanha do pós guerra a vitória no mundial de 1954 ou o que representaram para o Brasil as vitórias de 1958 e 1962 - a da Alemanha para “vingar” a humilhação de 1945, as do Brasil para fazer esquecer o “maracanazo” de 1950!

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

A LETRA DA LEI E A CARTA DE PAULO PORTAS


 
OS TRIBUNAIS E A LEI

Uma moda nova começou a atacar alguns tribunais portugueses de forma preocupante. Partem do princípio que a letra da lei é algo assim parecido com a carta de renúncia de Paulo Portas. Ou seja, entendem que a letra da lei pode ser entendida com um sentido exactamente contrário ao que ela enuncia. A verdade, porém, é que entre a letra da lei e carta de Paulo Portas há uma enorme diferença.

Paulo Portas enquanto Paulo Portas não é detentor de qualquer poder normativo. Pode dizer hoje uma coisa e amanhã fazer outra completamente diferente. As consequências desse comportamento são de natureza puramente ética e política. As pessoas avaliarão eticamente o comportamento de quem anuncia solenemente uma coisa e faz outra completamente oposta e tirarão as consequências devidas da avaliação da personalidade moral de quem assim actua e também não deixarão de tirar as consequências políticas decorrentes da credibilidade inspirada por esse comportamento.

A letra da lei, pelo contrário, é um comando que se impõe a todos, a começar pelos tribunais, cuja função é exactamente a de assegurar em última instância o cumprimento da lei ou de tirar as consequências resultantes do seu incumprimento. Se os tribunais deixarem de respeitar a lei, se passarem a fazer de conta que as palavras que dela constam não têm qualquer valor e que podem livremente ser substituídas pelas palavras que os juízes entendem que lá deveriam estar, então o que fica gravemente em causa é um dos princípios fundamentais do estado de direito – a subordinação os tribunais à lei.

Se a lei diz: “ No caso de renúncia ao mandato, os titulares dos órgãos referidos nos números anteriores não podem candidatar-se nas eleições imediatas nem nas que se realizem no quadriénio imediatamente subsequente à renúncia”, como pode um juiz ter o desplante de corrigir o legislador, fazendo-o dizer uma coisa que ele não disse nem quis dizer?

 

É por esta e por outras que as instituições perdem prestígio e a democracia se degrada aos olhos do povo que não compreende como pode o órgão que tem por missão assegurar a defesa da legalidade democrática ser o primeiro a violá-la flagrantemente no desempenho da sua função.

 

terça-feira, 13 de agosto de 2013

A UNIÃO EUROPEIA TEM UM MODELO: A LETÓNIA!


 

E UM OBJECTIVO: AUMENTAR A POBREZA E A DESIGUALDADE SOCIAL

Há uns dez anos seria inimaginável que algum responsável da União Europeia apontasse como modelo de desenvolvimento da Europa um país como é hoje a Letónia. Fê-lo, porém, na semana passada o Comissário Olli Rehn no seu blogue quando resolveu aconselhar a Espanha a seguir o caminho da Letónia para sair da crise em que se encontra mergulhada desde que a crise financeira de 2008 começou a propagar os seus efeitos à Europa, potenciados nos países da zona euro mais expostos à “arquitectura institucional” do euro.

Diz cinicamente Olli Rehn: “A Espanha não tem que se resignar a taxas abissais de desemprego e a um crescimento anémico. Se quer sair do fosso em que se encontra deve fazer esforços. Esforços da mesma dimensão dos que fizeram outros países que tiveram êxito. Por exemplo, os trabalhadores devem aceitar uma baixa generalizada dos salários da ordem dos 10%. Só assim a Espanha se poderá tornar numa “história de sucesso” como a Irlanda e a Letónia”.

Em Espanha, as palavras de Olli Rehn tiveram a feliz consequência de provocar a unanimidade contra elas, conseguindo Olli Rehn o que desde o início do Governo Rajoy ninguém tinha logrado alcançar: pôr de acordo o PP, o PSOE, a restante oposição, os sindicatos e os patrões.

Infelizmente, o que se passou em Espanha não é reproduzível em Portugal. Toda a propaganda feita à volta da política de austeridade, apenas iniciada pelo Governo, pelos muitos comentadores alinhados e pelos intelectuais orgânicos que pululam nas televisões e enchem os jornais com artigos de opinião assenta na ideia, transmitida sob a forma de verdade insofismável, de que não há outro remédio para a saída da crise que não seja o “ajustamento” rápido e brutal das despesas às receitas.

Esta receita apela para o entendimento mais básico e primário da política económica, pretendendo disso tirar partido. Pois não é óbvio que se não pode gastar mais do que se recebe? Não, não é óbvio. Nem nunca o sistema capitalista funcionou assim, nem o modelo capitalista neoliberal, apesar das suas diferenças de país para país ou de região do mundo para região do mundo, pode hoje prescindir de um consumo muitíssimo superior aos rendimentos distribuídos. Se aquela aparente regra da experiência fosse seguida à risca em todos os domínios de actividade do sistema, o capitalismo colapsaria a breve prazo mergulhado numa crise recessiva sem saída.

Antes de a crise se manifestar com a crueza e a violência com que se abateu sobre os Estados Unidos, os grandes arautos do neoliberalismo não se cansavam de elogiar as vantagens da desregulação em todos os sectores da actividade económica, nomeadamente no sector financeiro, por acreditarem piamente que a riqueza (falsamente) gerada pelos produtos financeiros construídos a partir dos múltiplos créditos que as instituições financeiras detinham sobre todos aqueles que financiavam compras superiores aos rendimentos de quem as fazia assegurava uma nova era da actividade económica susceptível de garantir uma oferta ilimitada de crédito capaz de manter sem sobressaltos o funcionamento do sistema. A chamada “alavancagem” e a abundância de recursos financeiros permitiram, de facto, criar a ilusão de que as novas regras de funcionamento do sistema, nomeadamente a desregulação laboral, asseguravam a prosperidade que a todos permitia, por via do crédito barato, aceder a bens que não estavam ao alcance dos seus rendimentos.

O resultado desta política está hoje bem patente não apenas nos Estados Unidos mas em todos os países desenvolvidos, nomeadamente na Europa.

É hoje um dado empírico incontornável que a “receita neoliberal” faz crescer a pobreza e acentua consideravelmente as desigualdades sociais. Sem necessidade de recuar muito no tempo basta atentar no que se está a passar nos dois países que Olli Rehn apresenta como as “histórias de sucesso” – a Irlanda e a Letónia.

A Irlanda, o verdadeiro “bom aluno” de Bruxelas, apesar de ter diminuído drasticamente o défice, que chegou a atingir 30% do PIB em consequência, como se sabe, do resgate bancário, e de ter seguido à risca as imposições do BCE, da Comissão Europeia (ou seja, da Alemanha) e do FMI, continua em recessão. O verdadeiro “sucesso” da Irlanda, tal como o da Letónia, a seguir analisado, tem consistido na maior transferência de recursos da história do país das classes médias e baixas para as mais altas. Quem tem ganho, e muito, com este “sucesso” são as empresas, principalmente as multinacionais, e os altos cargos privados. O povo, esse ficou mais pobre e assim continuará, com tendência para piorar, se nada de muito radicalmente diferente não vier a ser posto em prática.

Na Letónia, o brutal programa de ajustamento posto em prática no país revelou-se, como já se tinha anteriormente revelado nos países da Ásia, da América Latina e da África que a ele se submeteram, a “arma bélica” mais mortífera de que o neoliberalismo dispõe para implantar o seu modelo – 40% da população mergulhada na pobreza sem qualquer expectativa de dela sair e a segunda maior taxa de desemprego da Europa. A par disto, que já não seria pouco, uma queda brutal da procura interna, uma redução considerável do PIB e uma queda acentuada dos salários, acelerando a acção conjugada destes factores o fosso entre ricos e pobres – irrecuperável na vigência do sistema - e a desigual distribuição dos rendimentos por força da colossal transferência de recursos das classes médias e baixas para o capital e para os sectores mais abastados da população. Para culminar este “assinalável êxito”, a Letónia tem hoje uma população idêntica à que tinha em meados do século passado em consequência do decréscimo demográfico e da emigração maciça de todos os que vislumbravam hipóteses de uma vida melhor no estrangeiro.

Afirmar que a Letónia, depois deste verdadeiro massacre da sua população, dá agora indícios de começar a crescer não passa de uma mistificação destinada a consolidar o resultado alcançado. De facto, muitos anos se passarão até que o PIB da Letónia regresse aos níveis anteriores à crise e os lugares paralelos conhecidos demonstram que as desigualdades geradas na sociedade pelos programas de ajustamento são para manter.

Foi por isso que a Espanha considerou como um insulto aos espanhóis e como uma ofensa nacional as palavras de Olli Rehn aconselhando os espanhóis e a Espanha a empobrecerem, apresentando-lhes como paradigma a seguir um país que, por junto, não deve ter mais que 50 anos de existência, e cujo “sucesso” assenta numa verdadeira catástrofe social provocada por uma fanática visão da economia contemporânea em que as pessoas, a generalidade das pessoas, deixaram de ser o centro do mundo para passarem a ser meros instrumentos descartáveis ao serviço do lucro, da competitividade, das empresas, enfim, “novos escravos” ao serviço de uma ínfima parte da população.

Depois das palavras de Olli Rehn, conhecido serventuário do capital financeiro e empenhado lacaio do neoliberalismo, bem podem os países mediterrânicos e periféricos da União Europeia dizer que se o que a Europa tem para lhes oferecer como modelo é a Letónia, então mais vale esquecer de vez a União Europeia, deixando-a entregue à sua sorte e à logica autofágica que hoje inequivocamente a domina.