A NECESSIDADE DE UM
ACTO REDENTOR
Embrenhado em múltiplas leituras desde há quase dois meses, tinha decidido não voltar à escrita tão cedo por entender que as palavras estão
esgotadas e estar convencido que já não vai ser por via delas, por mais inflamado
que seja o seu uso, que a situação portuguesa poderá ter a reviravolta que os portugueses – os portugueses silenciados pelos grandes meios de
comunicação social - verdadeiramente desejam e que a todo o momento esperam
para nela poderem entusiasticamente participar.
As palavras de Soares ontem proferidas numa justíssima homenagem
a Salgado Zenha fizeram-me, porém, reflectir sobre o silêncio a que voluntariamente
me submeti por ter entendido – e bem – que tudo já estava dito, por alguns
desde o início da crise financeira, sobre a natureza dos problemas com que
Portugal se defronta, sobre as suas causas, sobre a criminosa política levada a
cabo por este Governo com a persistência e a resiliência (como eles próprios
dizem) típica dos agem em bando.
De facto esta capacidade que o Governo demonstra de
sucessivamente prevaricar mesmo depois de punido, voltando, com a elasticidade
própria dos bandos, a praticar os mesmos actos ilícitos e cada vez
mais disposto a recorrer a tudo o que seja necessário para assegurar a sua
impunidade, levou-me à conclusão de que afinal nem todas as palavras estão
esgotadas.
Mário Soares deu o mote quando ontem à tarde colocou Cavaco Silva,
Presidente da República, no bando do Governo. Não há nada que possa
desacreditar mais a actual situação política nem simbolizar tão enfaticamente o desprestígio em que caíram as instituições do que um prestigiado ex-Presidente da República, numa
sessão pública em que se falava das relações dos políticos com os dinheiros
públicos, ter situado expressamente o actual Presidente da República “no bando
do Governo”.
As palavras, afinal, não estão esgotadas. As que estão esgotadas
são as que insistem candidamente na tentativa de responder à presente situação
pelos meios habituais. Essas já não levarão a parte nenhuma e de um
ou de outra maneira, por uma ou outra razão, acabarão por consolidar a política
do Governo ou de quem porventura lhe suceda assegurando-lhe a falaciosa legitimidade para fazer praticamente o mesmo.
De facto, não interessa mais discutir se vai ou não haver
acesso aos mercados, se vai ou não haver aquilo a que eufemisticamente chamam “programa
cautelar”, se o PS está ou não predisposto ao consenso, se o Tribunal Constitucional
está ou não a ser pressionado e ameaçado por todos os elementos do “bando”, desde o Governo aos responsáveis pelas instituições internacionais, passando,
obviamente, pelos banqueiros e demais plutocratas, com o silêncio cúmplice e
concordante do Presidente da República. Tudo isso está mais que escalpelizado e
os portugueses, mesmo quando não podem acompanhar tecnicamente os meandros
destas discussões, têm sobre todas elas uma opinião hoje muito consolidada,
como se depreende do que se lê nas redes sociais e do que se ouve nas “antenas
abertas”, na rua, nas conversas de café - enfim, o que não falta é um amplo consenso
sobre o que “fazer ao Governo e às suas políticas”.
Os portugueses em geral, nomeadamente os pobres, os
desempregados, os velhos, os reformados, os trabalhadores em geral, a própria classe média permanentemente
atacada pelo propósito de a dissolver na larga massa de proletarizados sem
direitos, sabem que há uma guerra movida contra eles. Uma guerra feroz, em
curso em vários países e em várias latitudes, dirigida por forças obscuras que
nem sempre o povo que a sofre consegue identificar com nitidez quer no
protagonismo de quem a comanda quer nos propósitos de quem a dirige, pela permanente
mistificação a que esses propósitos são sujeitos pelas a grandes correias de
transmissão do nosso tempo (os media). Mas do que esse povo não tem dúvidas é
que essas forças por muito obscuras que sejam e por maior que seja a
mistificação dos seus propósitos estão representadas em Portugal pelo ”bando” que se apoderou do país e que nele actua como zeloso executor material daqueles propósitos.
Esta guerra é, porém, impossível de vencer pelos meios habituais. Ela tem a favor de quem a move a pretensa legitimidade dos que agem fundados na vontade popular. Uma falsa vontade popular permanentemente deturpada pela completa divergência entre o prometido e o realizado e totalmente condicionada por um gigantesco colete de forças que impede qualquer movimento, qualquer gesto, que se afaste do padrão de comportamento traçado pelo bando que governa o país, brandindo à menor tentativa de divergência as mais terríveis ameaças imediatamente agravadas, em estreita consonância, pelas forças obscuras em que o Governo se estriba para impedir o menor desvio.
É, portanto, uma guerra na qual é muito difícil lutar com as armas habituais. Na guerra que os mais fortes movem contra os mais fracos a
derrota é sempre certa se os mais fracos insistirem em travar a luta no campo que
os mais fortes lhe demarcam e com as armas que “convencionalmente” lhes impõem.
Há que mudar de rumo para poder alcançar a vitória.
Por isso, o que este país verdadeiramente precisa é de um “acto redentor” que dê esperança e confiança
ao povo, que lhe abra caminho para um futuro diferente. Um acto que fomente a
coragem dos que já nada tem a perder predispondo-os a lutar por outros
meios. Um acto que pelo exemplo que desperta seja capaz de impulsionar para a
luta todos os que querem a mudança mas não sabem como alcançá-la!
É esse "acto redentor" que não pode tardar...