IGUALDADE POR BAIXO OU POR CIMA?
Foi com manifesto azedume político
que Vital Moreira recebeu a decisão do Tribunal Constitucional sobre a “convergência
das pensões”. Várias são as “farpas” que o ex-juiz do Tribunal Constitucional
lança sobre os actuais conselheiros.Vejamos algumas:
“ A ideia de que a redução de 10% de uma
pensão pode afectar gravemente os “planos de vida “de uma pessoa mesmo que se
trate de valores elevados (no sector público há muitas pensões acima dos 5000
euros) e mesmo que o titular tenha outros rendimentos (o Tribunal Constitucional
não faz excepções nem qualificações) é uma tese pelo menos desproporcionada”.
Ou ainda: “Os que contavam com algum
alívio fiscal depois da crise podem desiludir-se. Com a doutrina dos
"direitos adquiridos" consolidada pelo Tribunal Constitucional em
matéria de prestações públicas, mesmo quando atribuídas em período de
"vacas gordas" orçamentais, vai ser preciso continuar a
pagá-los em período de "vacas magras".
Em matéria de nível da carga fiscal não há protecção da confiança...”
Em matéria de nível da carga fiscal não há protecção da confiança...”
Ou
mais esta:” Portugal vai sair da crise --
quando sair -- bem mais pobre, com o rendimento per capita significativamente reduzido para a generalidade dos portugueses em
relação ao nível pré-crise, seguramente em mais de 10%. Pelos vistos, porém, a
regra tem excepções, havendo imunidade para rendimentos derivados de
prestações públicas...”
E
ainda esta:” A propósito da decisão do TC sobre a
convergência das pensões, a dirigente de uma associação de aposentados da
função pública saudou o facto de Portugal ter «uma
Constituição que defende os Portugueses».
Sem dúvida. Mas neste caso, a saudação deveria ser endereçada ao Tribunal Constitucional, que fez uma aplicação estrita do princípio da "protecção da confiança". A verdade é que houve redução de pensões do sector público em outros países sob emergência orçamental, nomeadamente na Grécia, sem que o referido princípio -- que vale em todo e qualquer Estado de direito constitucional -- o pudesse ter evitado. A diferença, portanto, não está na Constituição, mas sim na sua leitura e aplicação pelo Tribunal Constitucional”.
Sem dúvida. Mas neste caso, a saudação deveria ser endereçada ao Tribunal Constitucional, que fez uma aplicação estrita do princípio da "protecção da confiança". A verdade é que houve redução de pensões do sector público em outros países sob emergência orçamental, nomeadamente na Grécia, sem que o referido princípio -- que vale em todo e qualquer Estado de direito constitucional -- o pudesse ter evitado. A diferença, portanto, não está na Constituição, mas sim na sua leitura e aplicação pelo Tribunal Constitucional”.
O
grande argumento jurídico apresentado pelo autor destas farpas, nestes e noutros textos, é muito fácil de
enunciar: a Constituição impõe um sistema de segurança social unificado. Até
hoje nenhum legislador ousou pôr em prática este princípio. Quando pela
primeira vez um governo meteu mãos à obra e resolveu cumprir a Constituição o
Tribunal Constitucional invocou o princípio da confiança para deixar ficar tudo
como estava e postergou o princípio da igualdade cuja invocação teria sido
suficiente para neutralizar a força normativa do princípio da confiança.
Este
argumento, como qualquer pessoa imediatamente percebe, não tem nada de jurídico.
Basta ler com atenção alguns dos remoques de Vital Moreira, acima transcritos,
sobre a decisão do TC para imediatamente se perceber que a sua argumentação é
puramente política. Uma argumentação ao nível dos mais vulgares arautos do
neoliberalismo. Dos que exigem que “Saiam
da frente!” todos aqueles que defendem os direitos de quem trabalha e estão
dispostos a fazer frente à gigantesca transferência de recursos e de poder do
trabalho para o capital.
Ou
se quisermos dizer as coisas de outro modo, poderíamos acrescentar que Vital
Moreira está definitivamente convertido ao “socialismo do CDS”, dos
Portas, dos Mota Soares, das Cristas e quejandos. Sempre que alguém é titular
de uma prestação social, a primeira coisa quer ocorre a um governante do CDS é
eliminá-la para colocar essa pessoa em “igualdade” com aquelas que nada
recebem.
Quando por força dos múltiplos “constrangimentos legais” esse "igualitário" objectivo se torna manifestamente impossível, então os governantes
do CDS descem a fasquia e a segunda coisa que fazem é equiparar aquela
prestação social à mais baixa prestação social da mesma natureza que outra
pessoa esteja a receber.
Este, o “socialismo” do CDS a que Vital Moreira se converteu, depois de no seu
percurso de vida já ter tido tantas e tão díspares conversões. A Vital Moreira
nem por um segundo lhe passa pela cabeça exigir ou propor que a convergência se
faça tomando por referência o sistema mais vantajoso, único processo que asseguraria
a salvaguarda e o cumprimento simultâneos dos princípios da igualdade e da
confiança.
Vital
Moreira não defende esta convergência certamente por o país estar em “ajustamento”.
Ou seja, para não pôr minimamente em causa um processo que visa transferir do trabalho
para o capital poder, dinheiro - muito dinheiro -, influência política e social. Esse o ajustamento que de modo algum Vital Moreira quer contrariar.
Não
deixa de ser estranho, no puro plano da ética individual, que tendo Vital
Moreira direito a duas “turbo-pensões”, uma do Parlamento e outra do Tribunal
Constitucional, ao que parece não afectadas por nenhuma daquelas “chumbadas”
medidas”, adquiridas no desempenho de funções ao serviço de um partido político
que o fez eleger para deputado e para juiz conselheiro do TC, não tenha sobre
essas mesmas pensões uma atitude politicamente tão contundente como a que expressa
sobre os pensionistas que adquiriram as suas ao longo de uma carreira
contributiva de décadas.
Uma
forma que Vital Moreira teria de se desonerar do direito a pensões tão injustas como
indevidas seria devolver esse direito ao partido que lhe permitiu adquiri-lo. A sua
consciência ficaria mais livre, mais inatacável, para poder, sem mácula,
continuar a sua cruzada em prol do “ajustamento”. Bastaria que dissesse em
jeito de justificação: “O direito às pensões de que sou titular adquiri-o ao serviço de um partido político que actualmente
abomino e cuja ideologia considero execrável, por isso não é justo que eu
mantenha na minha titularidade um direito que pelos meus próprios meios nunca poderia ter
adquirido, já que foi esse partido que me fez eleger para os cargos que
desempenhei”.
Provavelmente
Vital Moreira não procederá deste modo, não certamente por falta de ética, mas
por estar muito convencido de que a sua eleição se ficou a dever aos seus exclusivos
méritos. Puro engano, porém. Pois como na última eleição para o Parlamento
Europeu se concluiu, Vital Moreira como candidato não dá votos a ninguém; pelo
contrário, tira votos, centenas de milhares de votos, ao partido em cujas listas se alberga...
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