“CONVERGÊNCIA DAS
PENSÕES” NÃO PASSA
Não obstante a magnitude das pressões internas e externas, o
Tribunal Constitucional declarou inconstitucional, por unanimidade, a “convergência
das pensões” aprovada pelo Governo e pela maioria que o apoia, impedindo assim
a consumação de mais uma acção de rapina, desta vez contra os reformados da
Caixa Geral de Aposentações.
Que a medida era obviamente inconstitucional à luz dos
princípios de qualquer Estado de Direito que se preze é assunto que nem sequer
merece comentários. Essa não era a questão que verdadeiramente estava em discussão.
O que estava legitimamente em dúvida era saber se o Tribunal Constitucional
tinha condições políticas suficientes para produzir uma decisão conforme ao Direito.
De facto, um estridente coro polifónico nunca até hoje visto
nem ouvido no chamado “mundo ocidental” ecoou por toda a Europa nestes últimos meses
com vista a prevenir e a impedir uma decisão do Tribunal Constitucional
português conforme à Constituição e aos princípios estruturantes do Estado de Direito.
Desde os lacaios de Merkel na Comissão Europeia, com Barroso à frente mas muito
bem secundado por Oli Rehn e Joaquim Almunia, até aos mais altos representantes
do capital financeiro internacional, como Mario Draghi e Christine Lagarde,
passando pelas organizações internacionais que destilam ideologia, como a OCDE,
até aos hipócritas calvinistas da Holanda, como o presidente do eurogrupo,
todos, sem excepção, com o mais descarado despudor pressionaram e ameaçaram o
Tribunal Constitucional tentando pela intimidação impedir a decisão que hoje
acabou por ser proferida.
Mas o mesmo se passou cá dentro: desde a matilha de
comentadores a soldo do Governo até aos jagunços do neoliberalismo actuando sob
a alçada da divisa “Saiam da Frente”, sem esquecer o terrorismo ideológico
semanal de Medina Carreira, uns e outros devidamente apoiados pelos grandes
beneficiários do gigantesco saque que está em curso, entre os quais se contam os
chamados “grandes executivos” das empresas chinesas ou das nacionais
fiscalmente deslocalizadas, enfim, todos eles não pararam, diariamente, de vociferar
contra os malefícios de uma decisão do Tribunal Constitucional conforme ao
Direito.
E se todos estes juntarmos a acção pérfida do Governo, o
grande instigador de muitas daquelas pressões e ameaças, quer por via da acção directa
de Passos Coelho e de Maria Luís Albuquerque, com a complacência de Cavaco, quer
por via da conivência de Portas, hoje uma espécie de fâmulo de libré do governo
PSD, fica-se com uma ideia mais precisa de quão condicionada estava a decisão
do Tribunal Constitucional.
Mas não é tudo: as reacções que logo a seguir ao anúncio da
decisão se puderam ouvir por parte dos partidos do auto-intitulado “arco da
governabilidade” deixa-nos também uma ideia muito mais clara da precariedade e da
fragilidade institucional em que o Tribunal Constitucional actuou.
O PSD, pela voz do sr. Marco António, atingiu o grau zero da indigência
mental. Não é que o sr. Marco António e o partido, que com Relvas ajudou a colocar no poder, não tenham atributos que os recomendem num mundo
onde o Direito não impere. Certamente que têm, mas naquele “faz de conta” que
estão obrigados a representar quando falam para o grande público não podem
argumentar do modo como esta noite o fizeram. Era como se o ladrão prestes a
ouvir a sentença do juiz tivesse alegado em sua defesa: “Sim, senhor juiz, eu
precisava para o dia seguinte dos 500 contos que roubei. E como a trabalhar só
os iria conseguir passados quatro meses não tive outra alternativa”.
Da reacção do CDS nem adianta falar porque o CDS é hoje um
partido completamente manietado e sem a pretensa autonomia que orgulhosamente
ostentava. Por outras palavras, é hoje um partido sem agenda escondida. O CDS é
o que a Cristas faz aos velhos e aos pequenos comerciantes, o Mota Soares aos
pobres e o Pires de Lima às grandes empresas, com o Portas como valido de
Passos Coelho.
Mas, de todas, a mais estranha é a reacção do PS: como é
possível que depois de tudo o que se passou, depois de mais um “chumbo” da mais
emblemática medida de ajustamento, o PS não exija a demissão do Governo? A
explicação é simples: o PS não pede a demissão do Governo, porque no essencial
está de acordo com a sua política como ainda ontem se viu.
Por todas estas razões, a decisão do Tribunal Constitucional
é a todos os títulos louvável. Sociologicamente, ela não conta com nenhum apoio
institucional do poder político, do poder económico ou do poder ideológico. Sociologicamente,
ela apenas conta com o apoio da grande massa do povo anónimo, que os “Gatos
Fedorentos” tão bem expressaram na sua última intervenção aparentemente
anti-intelectual mas politicamente tão certeira, com o apoio da acção
persistente, perseverante e corajosa dos grandes representantes da resistência popular
com a CGTP à frente, aqui e ali secundada pela UGT, desde que Proença abandonou
a cena política e, finalmente, com o apoio da acção política dos que
individualmente não desistem de “agitar as massas” tentando por essa via
impedir que a letargia permanentemente veiculada pelos grandes meios de
comunicação social e outros instrumentos do aparelho ideológico crie na mente
das pessoas a arreigada convicção de que “não há alternativa”.
6 comentários:
Texto cristalino... é que é mesmo isso!
Ah, matilha, matilha (de comentadores neoliberais).
Canzoada, é mais canzoada!
A.M.
Excelente texto. Faltou-lhe ,contudo,a coragem de no último parágrafo referir o nome do DR.MÁRIO SOARES.
Sim, Alda, quando escrevi o texto lembrei-me de Mário Soares, mas não só dele. Muitos outros têm participado nesta luta no plano que referi e, por isso, neste contexto não se justificava individualizar Mário Soares ou Pacheco Pereira ou qualquer outro nome quando tantos têm nela participado com idêntica militância.
Aliás, ainda há dias no Facebook tive oportunidade de sublinhar a acção de Mário Soares na luta contra o Governo e contra Cavaco.
Zé Manel,
Só preenchendo a lista se resolve...
Um abraço,
Miguel F. Martins
Parabéns ao articulista pela frontalidade e clarividência que revela. Sobretudo num tempo em que os liberais estão mais soltos que nunca. Estamos governados por gente que não tem alma.
Cumprimentos
Carlos da Gama
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